2. UM AGITADO INÍCIO DE SÉCULO
NA EUROPA
No início do séc. XX, a Europa se encontrava
em intensa turbulência.
Conflitos políticos entre países vizinhos
deram início a desencadeamentos locais que
acabaram provocando, em 1914, 1º guerra
mundial.
Ao lado da instabilidade política, as pessoas
tinham também de construir um novo olhar
para a vida, agora transformada pelo impacto
das descobertas tecnológicas que
começavam a causar espanto.
3. Considerando a era da eletricidade, o século
viu surgir o telefone, o telégrafo sem fio, o
aparelho de raios X, o cinema, o automóvel,
o avião, invenções que ampliaram o domínio
humano sobre o espaço e o tempo.
A ciência descobriu mundos invisíveis com o
auxílio do microscópio: vírus, bactérias, seres
minúsculos passaram a ser identificados
como inimigos muitas vezes mortais.
4. A teoria da relatividade abalou certezas
centenárias e provocou uma verdadeira
revolução na física.
Quando Ainstein afirmou a relatividade do
tempo e da distância, transformou o modo
como as pessoas percebiam a realidade e
avaliavam o universo.
Nada mais era definitivo, nada era certo.
5. Outro grande abalo para a sociedade
europeia foi o surgimento da psicanálise.
Quando Freud identificou o inconsciente
humano, revelou o impacto dessa força
desconhecida sobre as noções tradicionais
de identidade, personalidade,
responsabilidade e consciência. Mais uma
vez as certezas ruíram.
6. Os primeiros anos do séc. XX foram o
cemitério no qual seriam enterradas as
convicções do passado e o berço no qual
nasceria um civilização marcada pela
incerteza e pela relatividade.
7. Vanguardas: ventos de inquietação e
de mudança
Na três primeiras décadas do séc. XX,
diferentes movimentos artísticos,
denominados vanguardas, surgiram para
estabelecer novas referências para a pintura,
a literatura, a música e a escultura.
O novo século precisava criar as próprias
referências estéticas.
Nascem os vários “ismos”: CUBISMO,
FUTURISMO, EXPRESSIONISMO,
DADAÍSMO E SURREALISMO.
8. Praticamente todas as vanguardas lançaram
manifestos que divulgavam as propostas das
novas formas de expressão artística e
definiam estratégias formais para alcançá-
las.
9. O Projeto Artístico
Cada uma das vanguardas apresenta um projeto
próprio, mas todas têm uma intenção em comum:
romper radicalmente com os princípios que
orientavam a produção artística do século XIX.
Podemos resumir o projeto artístico das vanguardas
como um movimento ousado que quer libertar a arte
da necessidade de representar a realidade de modo
figurativo e linear.
Toda a produção artística de vanguarda terá um
caráter de ruptura, de choque e de abertura.
10. Os agentes do discurso
Nos últimos anos do séc. XIX, Paris é a
capital cultural da Europa e pulsa com a
agitação característica da Belle Époque.
A agitação cultural de Paris é imensa e é
nesse contexto que as vanguardas são
elaboradas.
Surgem então os manifestos como meio de
dar maior visibilidade às propostas das
diferentes vanguardas. O contexto de
circulação dos manifestos é o jornal.
11. Ao lado dos manifestos, pinturas e esculturas
começam a ser expostas em salões e galerias de arte,
provocando grande impacto no público da época.
12. As Vanguardas e o público
O espírito agressivo das vanguardas,
anunciado no manifesto do futurismo, é
confirmado pela reação, de modo geral,
horrorizada do público à apresentação da
primeira obra cubista: o quadro “As senhoras
de avignon” de Pablo Picasso, que mostra
cinco prostitutas nuas, com o rosto e o corpo
deformados.
13.
14. CUBISMO
O quadro revela de um modo revolucionário
de representar a realidade, rompendo com os
conceitos tradicionais de harmonia,
proporção, beleza e perspectiva. Com essa
obra nasce a pintura cubista, e o seu criador,
Pablo Picasso, será o grande mestre do
Cubismo, que marcou a arte do séc. XX.
Além dele, também se destacarão Georges
Braque e Juan Gris.
16. É na poesia que a literatura cubista ganha forma. Explorando a
associação entre ilogismo, simultaneidade, instantaneísmo e
humor, os poetas cubistas buscam criar novas perspectivas e
afirmar a necessidade de manter as coisas permanente relação.
hípica
Saltos records
Cavalos da penha
Correm jóqueis de Higienópolis
Os magnatas
As meninas
E a orquestra toca
Chá
Na sala de cocktails
(Oswald de Andrade)
17. A composição do poema é claramente
cubista.
Para retratar o ambiente de uma corrida de
cavalos na hípica, o eu-lírico promove uma
“sobreposição” de imagens que deslocam o
olhar do leitor da pista, onde estão cavalos e
jóqueis, para o público entretido pela
orquestra.
O resultado é uma imagem multifacetada,
composta de fragmentos de diferentes planos
da realidade.
18. FUTURISMO
EM 1909, A Europa é surpreendida pelo
surgimento de uma nova vanguarda: o
Futurismo.
Com propostas mais organizadas que o
Cubismo, o Futurismo é divulgado através de
um manifesto assinado pelo seu líder, Filippo
Tommaso Marinetti.
19. Marinetti lança mais de 30 manifestos
definindo os aspectos da nova vanguarda.
Em todos, mesma proposta violenta de
destruição total do passado; o mesmo
fascínio pela guerra que promove a
aniquilação dos símbolos do passado; a
mesma exaltação pelas formas do mundo
moderno: automóveis, aviões, em um eterno
culto à velocidade que Marinetti, fascinado
pelas novas tecnologias, vê como força
mística.
20.
21. Os futuristas exaltam “bofetada e o soco”
como meio de despertar o público da
passividade em que se encontra.
Por que o desejo de destruição, o fascínio
pela guerra, o amor à violência?
22. A exaltação da violência pode ser
interpretada como um desejo de levar a
humanidade a um ponto sem retorno.
A violência que destrói as certezas e os
modelos obriga o leitor a reagir.
O processo de recepção da nova arte passa
a ser, assim, mais dinâmico e interativo.
Marinetti recomenda que os textos futuristas
destruam a sintaxe, recomenda abolir a
pontuação, os adjetivos e os advérbios.
O objetivo é sempre o mesmo: impedir que a
literatura continue a exaltar a imobilidade
pensativa.
23. O lado sombrio do Futurismo surge, na Itália,
com a chegada de Mussolini ao poder.
O fascínio de Marinetti pela violência e pela
guerra, aliado a um patriotismo exacerbado,
faz com que transforme o movimento em
uma espécie de porta-voz do regime fascista,
a partir de 1919.
24. EXPRESSIONISMO
Alemanha 1910: o expressionismo surge
como uma nova vanguarda toma forma,
apresentando-se como reação à estética
impressionista de valorização sensorial.
A base do expressionismo é o resultado de
um processo criativo que supõe a perda do
controle consciente durante a produção da
obra de arte.
25. A realidade não deve mais ser percebida em
planos distintos (físico, psíquico, etc.), mas
sim transformada em expressão.
O movimento expressionista é bastante
influenciado pela 1º Guerra Mundial, e seus
quadros ressaltam um lado obscuro da
humanidade, retratando faces marcadas pela
angústia e pelo medo.
A mais conhecida tela expressionista é “O
grito”, de Edvard Munch.
26.
27. Na tela “O grito”, as linhas retorcidas e as cores fortes
contribuem para criar um clima de aflição e angústia que
parecem ecoar no grito que dá nome à obra.
Em seu diário, Munch escreve sobre o
entardecer de Nordstrand, cidade da Noruega,
que inspirou o quadro:
“Eu estava a passear cá fora com dois amigos e
o sol começava a pôr-se – de repente o céu
ficou vermelho, cor de sangue – Eu parei, sentia-
me exausto e apoiei-me a uma cerca – havia
sangue e línguas de fogo por cima do fiorde
azul-escuro e da cidade – os meus amigos
continuaram a andar e eu ali fiquei, de pé, a
tremer – e senti um grito infindável atravessar a
natureza”.
28. Os poetas expressionistas aborda, em suas
obras, a derrocada do mundo burguês e
capitalista, denunciando um universo em
crise e a sensação de impotência do homem
preso em um mundo “sem alma”.
Há nos textos expressionistas um forte
caráter negativista, fazendo com que muitas
vezes a representação do mundo se faça de
forma grotesca e deformada.
29. A literatura expressionista cria também
imagens distorcidas da realidade para
traduzir as vivências humanas.
Uma passagem do romance Amar, verbo
intransitivo, de Mário de Andrade, flagra o
impacto da Floresta da Tijuca em Fräulein
Elza. Contemplando o espetáculo magnífico
da natureza brasileira, a alemã é tomada por
sensações e impressões que alteram o modo
como vê montanhas e árvores.
30. A luz delirava, apressada a um vago aviso da tarde. Era
tal e tanta que embaçava de ouro a amplidão. Se via
tudo de longe num halo que divinizava e afastava as
coisas mais. Lassitude. No quiriri tecido de ruidinhos
abafados, a cidade se movia pesada, lerda. O mar
parava azul. [...]
Fräulein botara os braços cruzados no parapeito de
pedra, fincara o mento aí, nas carnes rijas. E se perdia.
Os olhos dela pouco a pouco se fecharam, cega duma
vez. A razão pouco a pouco escampou. Desapareceu
por fim, escorraçada pela vida excessiva dos
sentidos. Das partes profundas do ser lhe viam apelos
vagos e decretos fracionados. Se misturavam
animalidades e invenções geniais. [...] Adquirira enfim
uma alma vegetal.
ANDRADE, Mário de. Amar, verbo intransitivo. 18. ed.
Belo Horizonte: Vila Rica, 1992. p. 120. (Fragmento)
31. DADAÍSMO
Em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial,
o romeno Tristan Tzara espanta o mundo
com mais uma vanguarda: o Dadaísmo ou
Dadá, a mais radical e a menos
compreensível de todas as vanguardas.
O Dadá vem para abolir de vez a lógica, a
organização, o olhar racional, dando à arte
um caráter de espontaneidade total.
32. A falta de sentido já é anunciada no nome
escolhido para a vanguarda.
Dizia Tzara que dada, palavra que encontrou
casualmente num dicionário, pode significar:
rabo de vaca santa, mãe; certamente; ama-
de-leite. Mas acabou afirmando, no
movimento dadaísta: DADÁ NÃO SIGNIFICA
NADA.
33. O principal problema de todas as manifestações
artísticas está, segundo os dadaístas, em almejar
algo impossível: explicar o ser humano. Em mais
uma afirmação retumbante, Tzara decreta: “A obra
de arte não deve ser a beleza em si mesma, porque
a beleza está morta.”
A falta de lógica e a espontaneidade alcançam na
literatura sua expressão máxima.
Em seu último manifesto, Tzara diz que o grande
segredo da poesia é que “o pensamento se faz na
boca”. para orientar melhor seus seguidores, cria
uma receita para fazer um poema dadaísta.
34. Receita de poema dadaísta
Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você
deseja dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras
que formam esse artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas
são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma
sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do
público.
35. Embora muitas das propostas dadaístas
pareçam infantis aos olhos contemporâneos,
é preciso levar em consideração o momento
em que surgiram. Em uma Europa caótica e
em guerra, insistir na falta de lógica e na
gratuidade dos acontecimentos talvez não
fosse um absurdo, mas o espelho crítico de
uma realidade incômoda.
36. SURREALISMO
O Surrealismo foi, cronologicamente, o
último movimento da vanguarda europeia do
início do século XX. Note como André Breton
(1896 – 1966), autor do primeiro manifesto
surrealista, definiu o movimento:
Surrealismo, s.m. Automatismo psíquico pelo
qual alguém se propõe exprimir, seja
verbalmente, seja por escrito, seja de
qualquer outra maneira, o funcionamento real
do pensamento.
38. “O Surrealismo não é um estilo. É o grito da
mente que se volta para si mesma.” Assim o
ator e escritor Antonin Artaud definiu essa
vanguarda.
Fortemente ligado às artes visuais, o
Surrealismo é uma vanguarda interessada
em adquirir um maior conhecimento do ser
humano.
39. Seus seguidores pretendem, por meio da
valorização da fantasia, do sonho, do
interesse pela loucura, liberar o inconsciente
humano, terreno fértil e ainda muito pouco
explorado.
O fascínio pelo inconsciente e por todas as
formas que vão além da realidade objetiva
aproxima os surrealistas da teoria
psicanalítica de Sigmund Freud.
40. As bases da Psicanálise: o modelo
freudiano
Freud propôs um modelo explicativo para a estrutura
de nosso “sistema” psíquico. O comportamento
humano é visto, nessa teoria, como o resultado da
interação entre três partes: id, ego e superego.
O id seria o lado mais agressivo e animalesco,
dominado pelos desejos de natureza sexual e livre das
imposições culturais e sociais. O id leva a buscar
sempre o prazer.
O ego, domínio da percepção, do pensamento e do
controle motor, é o encarregado de encontrar formas
de alcançar a realização do desejo contido no id.
O superego funciona como o censor do id. É nele que
ficam guardadas as proibições, as regras socialmente
impostas ao indivíduo.
41. Os surrealistas veem a teoria de Freud como
sinal de que há muito a ser descoberto sobre
o ser humano. Eles acreditam que a razão
não é o melhor instrumento para essas
descobertas, porque ela ignora nosso
universo inconsciente. Por isso, as
manifestações artísticas que produzem são
um desafio evidente à organização racional
do mundo.
42. O grande nome da literatura surrealista é
André Breton. Em 1924, ele publica em Paris
o Manifesto do Surrealismo, em que define
o espírito e os objetivos da nova vanguarda.
Na literatura, a liberação do inconsciente
deve ser alcançada com o auxílio da escrita
automática. No Manifesto, André Breton
ensina como usar o automatismo para fazer
emergir o inconsciente.
43. [...] Mandem trazer algo com que escrever, depois de se haverem
estabelecido em um lugar tão favorável quanto possível à
concentração do espírito sobre si mesmo. Ponham-se no
estado mais passivo, ou receptivo que puderem. Façam
abstração de seus gênios, de seus talentos e dos de todos os
outros. Digam a si mesmos que a literatura é um dos: mais
tristes caminhos que levam a tudo. Escrevam depressa, sem
um assunto preconcebido, bastante depressa para não
conterem e não serem tentados a reler. A primeira frase virá
sozinha, tanto é verdade que a cada segundo é uma frase
estrangeira ou estranha a nosso pensamento consciente que
só pede para se exteriorizar.[...]
BRE TON, André.
44. O resultado desse processo é sempre um
texto em que as relações lógicas não servem
de apoio para o leitor, porque as imagens
criadas não encontram equivalente no mundo
conhecido. Privado das bases racionais de
análise, não resta ao leitor outra saída a não
ser entregar-se ao universo de sonho
proposto pelo texto.
45. No Brasil, o Surrealismo lança suas raízes na obra do modernista
Murilo Mendes, que procura, em vários poemas, construir imagens
que trazem à tona o misterioso inconsciente.
Aproximação do terror
I
Dos braços do poeta
Pende a ópera do mundo
(Tempo, cirurgião do mundo):
O abismo bate palmas,
A noite aponta o revólver.
Ouço a multidão, o coro do universo,
O trote das estrelas
Já nos subúrbios da caneta:
As rosas perderam a fala.
Entrega-se a morte a domicílio.
Dos braços…
Pende a ópera do mundo.
46. A sucessão de imagens apresentadas no
poema não permite que o leitor componha
um quadro único, racional, em que possa
perceber as relações lógicas entre as
sequências.
a atmosfera criada lembra o espaço do
sonho, em que acontecimentos totalmente
não relacionados se apresentam
encadeados, como se fossem uma
sequência lógica.
47. A HERANÇA BRASILEIRA DAS
VANGUARDAS
A principal herança das vanguardas
europeias para a literatura brasileira, além da
influencia localizada que algumas delas
exerceram sobre certos poetas e escritores, é
o impulso de destruir os modelos arcaicos,
desafiar o gosto estabelecido e propor um
olhar inovador para o mundo.
Ruptura e transformação: dois termos que
definem bem o espírito da primeira geração
modernista.
48. Com suas propostas agressivas,
iconoclastas, desafiadoras, as vanguardas
libertaram a arte dos modelos que, durante
séculos, dominaram o olhar dos artistas para
a realidade. Em resumo, criaram uma nova
arte para um novo mundo e uma nova
humanidade.
49. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
ABAURRE, Maria Luiza. Vanguardas culturais
europeias. In: Português: contexto,
interlocução e sentido. São Paulo: Moderna,
2008. (volume 1). (p. 30-43).