1. A MISSÃO PROFÉTICA DAS TESTEMUNHAS DE DEUS
Apocalipse 11
Apocalipse 11 pode entender-se como a extensão adicional do
capítulo 10 e não como uma visão desconexa, já que nesta visão das duas
testemunhas se revela o que João experimentou simbolicamente ao
comer o livrinho. Muitos comentadores bíblicos consideram a visão a
respeito das duas testemunhas de Deus em Apocalipse 11:1-13 como o
desenvolvimento adicional da visão do livrinho aberto de Apocalipse 10.
Mounce conclui dizendo que "[Apoc. 11:1-13] forma o conteúdo do
'livrinho' do capítulo que foi doce ao paladar e amargo ao ventre (Apoc.
10:9, 10)".1
Uma opinião assim se apóia no fato de que ambas as visões são
parte do mesmo interlúdio do tempo do fim entre a sexta e a sétima
trombeta. Mas também existe o mesmo desenvolvimento temático entre
Apocalipse 10 e 11. A proclamação do livrinho aberto é denominada
"profetizar" (Apoc. 10:11), o que se descreve como a mesma missão das
duas testemunhas em Apocalipse 11:3, 6 e 10. Além disso, a mensagem
do livrinho e o das duas testemunhas se dirige aos mesmos ouvintes no
mundo (Apoc. 10:11; 11:9). Apocalipse 10 está ampliado na visão
seguinte do capítulo 11, e separar o capítulo 11 de sua introdução no
capítulo 10 é separar o que Deus uniu. Nosso primeiro assunto é ver de
que maneira Apocalipse 11 desenvolve o tema de Apocalipse 10.
A Natureza Simbólica da Visão de Apocalipse 11
Assim como a visão preliminar de Apocalipse 10 é simbólica em
suas apresentações, também o é a visão do capítulo 11. Este capítulo
aponta diretamente a sua descrição simbólica quando declara que a
grande cidade é "simbolicamente" (CI, BJ [pneumatikós,
"espiritualmente", RA]; "alegoricamente", JS; "linguagem figurada",
DHH) "Sodoma e Egito" (Apoc. 11:8). A descrição do capítulo 11 é
2. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 2
distintivamente hebraica em caráter. Toma sua linguagem e imagens de
Daniel, Ezequiel, Zacarias, e também das vidas de Moisés e Elias.
Entretanto, a descrição da morte das duas testemunhas, sua ressurreição
e sua ascensão visível está obviamente tirada da vida de Jesus narrada
nos Evangelhos.
Os apóstolos usaram em forma consistente termos e imagens
hebraicas como linguagem simbólica para descrever a missão de Jesus e
de sua igreja (ver Primeira parte, caps. III e IV desta obra). Um exemplo
revelador está em Hebreus 12:22-24, onde se menciona o "monte Sião"
para representar a igreja, porque o mediador do novo pacto de Deus
agora é Cristo Jesus. A visão de João dos 144.000 israelitas em
Apocalipse 7 deve ser interpretado igualmente de acordo com a
hermenêutica do evangelho (ver o cap. VIII desta obra). Uma aplicação
literal dos símbolos hebraicos em Apocalipse 11 nega o evangelho e
ignora que o Apocalipse está centrado em Cristo.
A Natureza Proléptica de Apocalipse 11:1-13
João usa com freqüência o estilo literário da prolepse, quer dizer,
antecipar um acontecimento futuro introduzindo um símbolo novo que se
explica mais tarde. Em Apocalipse 1 antecipa o evento culminante de
todo o livro: "Eis que vem com as nuvens..." (Apoc. 1:7), tema que João
desenvolverá em Apocalipse 6:12-17, 14:14-20 e 19:11-21. Todas as
promessas divinas nos capítulos 2 e 3 são descrições prolépticas breves
do que se desenvolve extensamente nos capítulos 21 e 22.
Outro exemplo está em Apocalipse 14:8, onde apresenta pela
primeira vez a "Babilônia" por meio de uma prolepse e desenvolve seu
significado completo nos capítulos 16 a 18. As 7 últimas pragas se
mencionam brevemente primeiro em Apocalipse 15, e depois se
desenvolvem detidamente em Apocalipse 16.
Todo o Apocalipse é uma revelação coerente, indivisível e
progressiva, e nele estão intimamente relacionadas todas as visões.
3. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 3
Sempre que seccionamos um capítulo da unidade total e tratamos de
aplicá-lo ao mundo ou à história da igreja, estamos destinados a
interpretar mal seu significado. Portanto, uma exegese responsável pelo
Apocalipse respeitará a conexão estrutural de todas as suas visões. Com
respeito ao capítulo 11, muitos consideram que é um dos capítulos mais
difíceis de interpretar do livro; outros o vêem como um resumo
proléptico dos capítulos 12 a 22.
Joseph S. Considine concluiu em seu estudo instrutivo sobre
Apocalipse 11, que os capítulos 10 e 11 "narram um relato contínuo, no
qual o capítulo 10 forma uma introdução solene para o capítulo 11", de
maneira que o 11 antecipa prolepticamente os acontecimentos de
Apocalipse 12 e 13. Também se deu conta dos interlúdios paralelos
dentro dos selos (cap. 7) e das trombetas (caps. 10 e 11 ), e por isso
declarou:
"Mas é mais que um paralelo; completa o que nos disse no episódio
entre o sexto e o sétimo selo, já que o que não se diz em um, diz-se no
outro. Estas visões interpostas nos dão um quadro da vida interior da igreja
de Cristo durante a luta... as visões interpostas apontam à obra e à fé dos
verdadeiros filhos de Deus... Os acontecimento preditos nos capítulos 7 e
10-11:1-13 são necessários como prelúdios do fim".2
Se reconhecermos estas relações estruturais, não podemos tratar
mais estas seções como digressões desnecessárias, mas sim antes como
partes essenciais que encaixam exatamente na estrutura total do livro.
Nenhuma perícope pode separar-se ou dividir-se do que a rodeia. Toda a
linguagem figurada de Apocalipse 11 fica esclarecida pela própria
Bíblia, o que significa que Apocalipse 11 deve interpretar-se por seu
contexto imediato (quer dizer, dos capítulos circundantes que tratam com
o tempo do fim) e por seu contexto mais amplo no Antigo Testamento,
antes que se possa empreender a tarefa de fazer qualquer aplicação à
história.
4. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 4
Apocalipse 11 oferece uma antecipação da última crise de fé para os
crentes verdadeiros que vivem no mundo; será uma crise universal
(menciona-se 4 vezes a palavra "terra" ) causada pelo testemunho
corajoso das testemunhas de Deus entre uma população hostil descrita
pela frase estereotipada "os moradores da terra" (v. 10).
Para João, "os moradores da terra" definem-se teologicamente como
os que são enganados pela adoração idolátrica da besta (ver Apoc. 13:8,
12, 14; 17:2) e cujos nomes não estão escritos no livro da vida (17:8).
São inimigos do povo de Deus e culpados do sangue dos santos (6:10).
Entretanto, a aparente derrota dos que adoram no templo de Deus será
finalmente mudada pelo ato de Deus. Serão vindicados por sua
ressurreição dos mortos e por sua ascensão visível ao céu "em uma
nuvem" (11:11, 12), o mesmo que seu Senhor experimentou durante sua
vida na terra. Nesse momento, a recompensa dos justos está
acompanhada por um grande terremoto que obriga muitos a darem
"glória ao Deus do céu" (v. 13).
É evidente que Apocalipse 11:1-13 não é uma profecia isolada
sobre o povo judeu ou de acontecimentos seculares da história do
mundo, mas sim está inextricavelmente tecida na malha do Apocalipse
de João, estabelecendo uma relação clara com Apocalipse 12 e 13 ao
introduzir em forma proléptica as unidades de tempo proféticas de "42
meses" e "1.260 dias" em Apocalipse 11:2 e 3 (ver Apoc. 12:6, 14; 13:5).
Apocalipse 11:7 introduz em forma abrupta "a besta que sobe do
abismo" sem nenhuma explicação adicional de sua identidade até que
Apocalipse 13 desenvolve suas conexões históricas e teológicas com
Daniel 7.
A recompensa dos mártires que aparece em Apocalipse 11:11 e 12
se volta a mencionar sob a sétima trombeta (11:16-18) e se amplia em
Apocalipse 14:1-5, 20:4-6 e 22:1-5. Em resumo, a visão simbólica de
Apocalipse 11:1-13 é uma sinopse breve e uma antecipação da revelação
progressiva dos capítulos 12 aos 22.
5. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 5
Símbolos da Igreja Verdadeira
"E foi-me dada uma cana semelhante a uma vara; e chegou o anjo e
disse: Levanta-te e mede o templo de Deus, e o altar, e os que nele adoram.
E deixa o átrio que está fora do templo e não o meças; porque foi dado às
nações, e pisarão a Cidade Santa por quarenta e dois meses. E darei poder
às minhas duas testemunhas, e profetizarão por mil duzentos e sessenta
dias, vestidas de pano de saco" (Apoc. 11:1-3).
É conveniente recordar que João tinha representado a igreja cristã
como um "reino de sacerdotes" para servir a Deus (Apoc. 1:6) e como
"sete castiçais" (vs. 12, 20) que se mantêm acesos pelo Cristo
ressuscitado (2:1, 5). Apocalipse 1 nos dá a chave para a aplicação dos
símbolos do santuário de Israel ao novo pacto, hermenêutica evangélica
que está fundamentada em Jesus como o Cordeiro expiatório e o
Sacerdote de Deus (1:5).
Representa-se a igreja apostólica como o novo Israel de Deus, como
o povo do novo pacto, enquanto que a comunidade judia perseguidora é
caracterizada como a "sinagoga de Satanás" (Apoc. 2:9; 3:9). Cristo
permanece como o sustentador de sua igreja e não tolera sua corrupção.
Desmascara os ensinos enganosos dessa "mulher Jezabel" na igreja de
Tiatira (2:20), e anuncia seu juízo quando diz: "Matarei os seus filhos, e
todas as igrejas conhecerão que eu sou aquele que sonda mentes e
corações, e vos darei a cada um segundo as vossas obras" (2:23). Por
outro lado, Cristo faz esta promessa à igreja da Filadélfia:
"Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais
sairá; gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade
do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu
Deus, e o meu novo nome" (Apoc. 3:12).
O Cristo ressuscitado considera seus seguidores como "colunas"
espirituais no templo de Deus, os que levam o nome "nova Jerusalém".
Além disso aparecem representados como os 144.000 israelitas
espirituais que servem a Deus "dia e noite em seu templo" (Apoc. 7:15).
Com esta valorização da igreja de Cristo, estamos preparados para
6. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 6
compreender a descrição simbólica da igreja e os gentios em Apocalipse
11.
Do céu é dado a João um caniço que serve como "uma vara de
medir", com a qual deve "medir" o templo [naós] de Deus e o altar
[thusiastérion] e os que adoram nele [NVI interpreta, "e conte os
adoradores que lá estiverem"] (Apoc. 11:1).
A questão fundamental é: O que significa a ordem para "medir" o
templo de Deus, o altar e seus adoradores? Há alguma descrição similar
no Antigo Testamento? Tanto Ezequiel como Zacarias descrevem visões
nas que se medem o novo templo prometido e a cidade de Deus. Zacarias
esclarece o ato de medir por meio da promessa que diz que Deus
escolheu a Jerusalém e que voltará para Sião depois do cativeiro
babilônico para proteger o seu povo (ver Zac. 1:16; 2:1-5). Para ele, "o
ato de medir" significou a promessa de restauração e amparo do fiel
remanescente do Israel.
Ezequiel vê um mensageiro divino que mede com um caniço de
medir o templo prometido e a santa cidade (caps. 40-48). Esta visão
também comunica uma promessa de restauração da adoração pura de
Deus para Israel que volta do cativeiro (44:15, 16, 24) e tem o propósito
de motivar os israelitas no cativeiro a arrepender-se de seus pecados e a
que sejam outra vez fiéis (43:10, 11 ). Ezequiel destaca a pureza ritual e
a santidade espiritual da adoração no novo templo (44:9), e dessa forma
separar "o sacro do profano" (42:20; 44:23, NBE). O nome da cidade
capital, com suas doze portas, chamar-se-á: "O Senhor está ali" (48:35,
NBE). Debaixo do templo correrá um rio de águas vivificantes com
árvores frutíferas em ambas as margens (cap. 47). Reconhece-se
geralmente que a visão que Ezequiel teve do templo e de suas medidas
está exposta como a Nova Jerusalém por João em Apocalipse 21 e 22.
Em Apocalipse 11 é dito a João para medir "o templo de Deus, e o
altar, e aos que nele adoram" (v. 1). Na perspectiva de seus protótipos do
Antigo Testamento, este "medir" indica a responsabilidade de João de
separar a comunidade santa da contaminação da adoração falsa e de
7. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 7
restaurar sua verdadeira adoração no "templo de Deus". Dentro do
Apocalipse, o "templo de Deus" é fundamentalmente o templo celestial
onde Cristo ministra ante o trono de Deus (5:6-10; 7:14-17; 11:19).
Os santos na terra entram agora pela fé e a oração neste santuário
celestial, e portanto são parte do templo de Deus no céu (ver Apoc. 8:3,
4; Heb. 10:19). Como seus nomes estão escritos no livro da vida do
Cordeiro, já não são mais parte dos (idólatras) "moradores da terra", e
embora fisicamente vivem sobre a terra, seu "cidadania está nos céus"
(Filip. 3:20). Estão "em Cristo" e, portanto, já estão sentados com ele
"nos lugares celestiais" (Ef. 2:6).
A igreja do tempo do fim deve restaurar esta adoração dos santos
dentro do templo celestial, e esta adoração restaurada deve incluir "o
altar" que estava dentro "do pátio dos sacerdotes" (um dos pátios
interiores do templo do Herodes) e que representa o sacrifício expiatório
de Cristo e sua intercessão por nós. A diferença fundamental entre a
adoração no santuário de Israel e a dos pagãos, era o conhecimento de
que Deus lhes tinha dado o "sangue" do sacrifício "para fazer expiação
sobre o altar por vossas almas" (Lev. 17:11 ).
O evangelho do Novo Testamento ensina que Deus "enviou a seu
Filho como propiciação por nossos pecados" (1 João 4:10; ver 2:2). A
obra expiatória de Cristo foi o propósito máximo da encarnação e do
amor de Deus, e só os verdadeiros crentes em Cristo podem participar
deste "altar" que representa a cruz da expiação (Heb. 13:10).
João também deve "medir" os adoradores. Isto significa separar os
verdadeiros adoradores da apostasia universal no tempo do fim, e esta
interpretação se confirma pela ordem de "deixar à parte" [literalmente,
"jogar fora"] o pátio que está fora, "e não o meças, porque foi entregue
aos gentios" (Apoc. 11:2). Este "pátio que está fora" representa o
território dos moradores da terra, onde os gentios estabeleceram seu
culto idolátrico. O mesmo que se instruiu a Ezequiel para que se
proibisse a qualquer estrangeiro que fora "incircunciso de coração e
incircunciso de carne" a entrar no templo (Ezeq. 44:9), assim agora João
8. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 8
deve excluir ou expulsar (ver João 9:34) a todos os adoradores que estão
no "pátio que está fora", quer dizer, os que não estão em Cristo, que não
entram no pátio interior mas sim antes adoram a besta.
Jesus fazia frente aos judeus com a afirmação absoluta de seu
messianismo: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. ...
Se alguém não permanecer em mim, será lançado fora, à semelhança do
ramo [literalmente, ebléthe êxo, 'é jogado fora']" (João 15:1, 6). O
Apocalipse amplia esta separação de todas as pessoas em uma escala
universal (Apoc. 22:14, 15).
João tinha indicado que ainda nas igrejas locais havia alguns que
eram meramente cristãos nominais ou que tinham sido enganados pelos
falsos profetas (Apoc. 2:14-16, 20-25; 3:1-5, 16). Se persistissem em sua
mornidão ou incredulidade, seriam rechaçados por Deus (2:23; 3:16).
Evidentemente, Deus tinha o propósito de restaurar e pôr à parte a
adoração verdadeira no tempo do fim da era cristã.
Para uma elucidação adicional de Apocalipse 11, precisamos
considerar o contexto do Apocalipse. É proveitoso comparar as visões do
tempo do fim dos selos e das trombetas. O selamento dos 144.000
israelitas espirituais em Apocalipse 7 deve colocar-se lado a lado com a
medição dos adoradores do templo da cidade santa, comparação que
provoca a surpresa da unidade essencial de ambas as visões do tempo do
fim. A respeito, uma erudita assinala que "medir os santos e excluir os
profanos precede à sétima trombeta assim como o selamento dos
escolhidos precede o sétimo selo".3
Praticamente todos os comentadores bíblicos relacionam a
"medição" dos santos em Apocalipse 11 com o "selamento" de um
número determinado de santos em Apocalipse 7, e interpretam ambos os
fatos como a promessa especial de Deus de proteger e preservar a seus
filhos durante a crise de fé do tempo do fim. Roy Naden conclui
dizendo: "Dessa forma, a medição do templo pode entender-se como
uma forma simbólica de dizer que Deus preserva ou 'sela' a sua igreja
durante os juízos finais derramados sobre os ímpios antes que Jesus
9. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 9
retorne".4 Deus deseja, obviamente, assinalar os verdadeiros adoradores
como seu povo especial e os põe à parte para que levem a cabo um
serviço especial no mundo. A ordem de Deus a João para medir o templo
(Apoc. 11:1, 2) é o resultado de comer e digerir o livrinho aberto de
Apocalipse 10. Terá que ter em conta que o possuir novo conhecimento
produz uma prova de fé e compromisso.
O Pisar da Cidade Santa
"E eles [os gentios] pisarão a cidade santa por quarenta e dois meses"
(Apoc. 11:2).
Esta predição da opressão une duas visões no livro de Daniel: as
que aparecem nos capítulos 7 e 8. Daniel tinha esboçado todo o
desenvolvimento da história da salvação desde seus dias até o juízo final
(Dan. 7). Desde os dias de Babilônia tinha previsto os grandes impérios
mundiais, o último dos quais seria o duradouro império romano que
"pisaria" a todas as suas vítimas (Dan. 7:7, 19, 23).
Mas Daniel foi além da Roma imperial quando viu como se
esmiuçaria em pequenos reinos (os "dez chifres"). Seu interesse principal
foi o conseguinte "chifre pequeno" (Dan. 7:24) que se impunha com
exigências políticas e religiosas e com uma "boca que falava grandes
coisas" (v. 8). O anjo interpretador assinala as características específicas
desse poder que exerceria um reino de terror sobre os santos.
"Proferirá palavras contra o Altíssimo, magoará os santos do Altíssimo
e cuidará em mudar os tempos e a lei; e os santos lhe serão entregues nas
mãos, por um tempo, dois tempos e metade de um tempo" (Dan. 7:25).
Este poder antiDeus (o "chifre pequeno") lutaria com os santos
durante 3 ½ tempos proféticos (ou "anos"), o que faz 42 meses proféticos
e dessa forma estabelece um elo específico entre Daniel 7 e Apocalipse
11. Em Daniel 8 o próprio "chifre pequeno" é descrito como o
arquiinimigo de Israel, que invade a "terra gloriosa" e depois pisoteia o
lugar santo e os seus adoradores (8:9-13).
10. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 10
Aqui temos um vínculo patente entre o Daniel 8 e Apocalipse 11.
Enquanto que os santos adoram a Deus e a Cristo ao entrar no templo
celestial por meio da fé, ainda permanecem em forma física na terra.
Com respeito a sua existência terrestre, descreve-se aos santos como "a
cidade santa" que não pode ser pisoteada pelos poderes hostis dos
"gentios". O desgaste dos santos só é permitido ["serão entregues"] por
um período de tempo limitado, por "42 meses". Esta unidade de tempo
também é usada para o tempo que concedido à besta do mar em
Apocalipse 13 que blasfema o nome de Deus, "de seu tabernáculo, e dos
que moram no céu" (Apoc. 13:5, 6). Por isso o pisar da cidade santa em
Apocalipse 11 se explica em Apocalipse 13:1-8 como o tempo de
perseguição dos adoradores por parte do anticristo, conexão que
confirma a interpretação de que Apocalipse 11 descreve os santos de
Deus como a "cidade santa" (cf. 20:9).
Tudo isto indica que Apocalipse 11 é uma prolepse ou antecipação
dos capítulos que seguem, enquanto que o livro do Daniel constitui a
principal raiz primária de Apocalipse 11-13. O Apocalipse transforma
por meio do evangelho a linguagem profética de Daniel, quer dizer,
desenvolve as predições de Daniel em termos de Cristo e seus seguidores
como os santos e adoradores verdadeiros de Deus.
As unidades de tempo de Daniel 7:25 e Apocalipse 11:2 e 3 se
caracterizam pela opressão e a perseguição espirituais. Com respeito a
isso, há uma correspondência com os 3 ½ anos do testemunho de Elias
durante a perseguição do rei apóstata de Israel, Acabe e sua esposa pagã,
Jezabel (ver Luc. 4:25; Sant. 5:17).
Aplica-se Apocalipse 11 ao Povo Judeu?
André Feuillet representa os que afirmam que os capítulos 5 a 11
tratam especificamente sobre "os judeus incrédulos" (incluindo as duas
séries dos selos e das trombetas) e em forma específica do juízo divino
manifestado na destruição de Jerusalém no ano 70. Portanto conclui que
11. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 11
as palavras de Apocalipse 11:8: "...onde também nosso Senhor foi
crucificado", não se referem a Roma e sim à "Jerusalém incrédula".5 Esta
hipótese determina também sua interpretação de Apocalipse 11:2 e 3 e
sua aplicação histórica ao povo judeu.
Feuillet escolhe o anúncio de Lucas 21, que "Jerusalém será pisada
pelos gentios, até que os tempos dos gentios se cumpram" (v. 24), como
sua norma guiadora para interpretar Apocalipse 11, e sua conclusão é a
seguinte: "Assim como Jesus deseja indicar por estas palavras [em Luc.
21:24] o castigo futuro dos judeus culpados, assim também a parte do
templo que seria 'pisada' deve representar os judeus apontados para o
castigo".6
A princípio este raciocínio de uma analogia ou correspondência
entre Apocalipse 11:2 e Lucas 21:24 parece lógico, mas contém um
defeito oculto da exegese do Apocalipse. De acordo com o Feuillet, o
Apocalipse é uma "releitura cristã maciça do Antigo Testamento".
Entretanto, falha em relacionar Apocalipse 11:2 com as visões do templo
em Daniel 7 e 8. A correspondência requer que devamos situar o
"pisoteio do lugar santo" (e dos adoradores em Apoc. 11) dentro do
curso do esboço profético de Daniel. Esta correlação com Daniel 7 e 8 é
indispensável para uma compreensão adequada de Apocalipse 11,
porque Daniel 7 é a raiz principal do Apocalipse de João.
Daniel apresenta os poderes mundiais sucessivos que perseguirão o
povo do pacto de Deus. Esta ordem, em seqüência, é de suprema
importância para identificar o anticristo no Apocalipse e para se localizar
sua unidade de tempo característica de "42 meses" ou "1.260 dias"
dentro da era da igreja, e só da perspectiva da cronologia sagrada de
Daniel podemos evitar a armadilha de tomar as unidades de tempo
profético em Apocalipse 11 a 13 como totalmente alegóricas e
significando algum tempo indefinido de perseguição. Os "42 meses" ou
"1.260 dias" não são elásticos ou atemporais, já que se originam na visão
de Daniel 7, onde determinam o período de tempo para o reino despótico
12. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 12
do "chifre pequeno" depois do desmoronamento do Império Romano no
ano 476 de nossa era (ver Dan. 7:8, 23-25).
Isolar o Apocalipse do livro de Daniel é igual a cortar a raiz
(Daniel) de seu fruto (o Apocalipse). Só Daniel atribui cada símbolo
apocalíptico a acontecimentos concretos da história. Por conseguinte,
ignorar o modelo cronológico da profecia de Daniel na interpretação do
Apocalipse pode considerar-se como um engano fundamental.
Como resultado desta falha em apreciar a relação entre Daniel e o
Apocalipse, Feuillet escolhe Lucas 21:24 como seu modelo para explicar
que Apocalipse 11:2 descreve os culpados "judeus assinalados para o
castigo". A conseqüência da equivalência de Apocalipse 11:2 e Lucas
21:24 é que os adoradores "no templo de Deus" (do Apoc. 11) são
judeus que crêem em Cristo, e que a "cidade santa" e o "pátio que está
fora" representa os judeus que rechaçam a Cristo, o "judaísmo
incrédulo". Feuillet apóia esta conclusão referindo-se a Lucas 13:25-28
como "a passagem paralela legítima".7
Entretanto, o Apocalipse não se concentra sobre os cristãos de
origem judaica em nenhuma de suas visões ou interpretações angélicas.
O "templo de Deus" é consistente com o templo celestial onde o Cristo
ressuscitado ministra ante o trono de Deus (Apoc. 11:19; 15:5, 8). Suas
"colunas" espirituais são todos os crentes da igreja cristã (3:12). Por
meio de Cristo os adoradores verdadeiros de todas as nações chegaram a
ser "um reino, sacerdotes para seu Deus e Pai" (1:6; também 5:10, CI).
Todos os crentes cristãos entram pela fé no templo celestial (5:8; 8:3, 4);
constituem o "reino" de Deus sobre a terra (1:6; 5:10) ou a "cidade santa"
(11:2; cf. 20:9). A teologia da adoração no Apocalipse não permite a
nenhum expositor restringir "os que nele adoram [no templo de Deus]"
aos judeus ou limitar "a cidade santa" aos judeus que crêem em Cristo, já
que estes termos hebraicos são os símbolos apocalípticos para o povo do
novo pacto do Messias Jesus, como se descreve nas 7 igrejas de
Apocalipse 2 e 3.
13. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 13
Se usarmos as "chaves" inspiradas da Escritura para resolver o
significado do Apocalipse de João, ou seja o Antigo Testamento e o
evangelho de Cristo (ver o cap. X desta obra), devemos rechaçar o
literalismo especulativo que reduz a mensagem de Apocalipse 11 ao
castigo de judeus culpados como em Lucas 21:24. A fonte hebraica de
"pisar a cidade santa" em Apocalipse 11 é o pisoteio do lugar santo e de
seu exército em Daniel 7 e 8. Daniel descreve como o templo de Deus e
seus adoradores verdadeiros seriam pisoteados, não pelo Império
Romano mas sim por uma adoração rebelde e idólatra que causa a
prevaricação assoladora (ver Dan. 7:21, 25; 8:11-13; 11:31-35; 12:11).
João reserva a frase "a cidade santa" para a Nova Jerusalém, a
morada eterna dos santos (Apoc. 21:2, 10), para "a cidade amada [de
Deus]" (20:9). João equipara profeticamente a Jerusalém com a Sodoma
e Egito (11:8). Assim o explica R. H. Charles:
"A segurança inviolável que os judeus concediam ao templo é
reinterpretado por nosso autor como significando a segurança espiritual
da comunidade cristã, apesar dos ataques de Satanás e do anticristo.
Mas essa segurança espiritual não exclui o martírio, como Apocalipse
11:3-13 o esclarece".8
As Duas Testemunhas
Enquanto Deus entrega o pátio que está fora aos gentios
perseguidores, diz: "E darei poder às minhas duas testemunhas, e
profetizarão por mil duzentos e sessenta dias, vestidas de pano de saco"
(Apoc. 11:3). A conjunção copulativa "e" aponta ao desenvolvimento do
versículo 2. O período do ministério dos "duas testemunhas" de Deus (v.
3) é o mesmo que o período no qual se acha "a cidade santa" (v. 3). Isto
pressupõe que "sua designação em dias antes que em meses não é mais
que uma variação literária (os meses solares têm 30 dias)".9 Também nos
ajuda a referência do tempo para o cuidado protetor que Deus tem da
14. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 14
"mulher" simbólica em Apocalipse 12, conforme o veremos na seguinte
comparação:
APOCALIPSE 11:3 APOCALIPSE 12:6
"E darei poder às minhas duas "A mulher, porém, fugiu para o
testemunhas, e profetizarão por mil deserto, onde lhe havia Deus
duzentos e sessenta dias, vestidas preparado lugar para que nele a
de pano de saco". sustentem durante mil duzentos e
sessenta dias".
Esta comparação de ambas as profecias ilumina o caráter dos "1.260
dias" e intercambia os "duas testemunhas" de Deus com a "mulher" de
Deus. Deus preserva o testemunho de suas próprias testemunhas e
sustenta seu ânimo no deserto de um mundo escuro. Dessa forma, os
"duas testemunhas" funcionam como um símbolo paralelo para a igreja
que testifica.
O Apocalipse começa com uma visão de Cristo ministrando em
meio dos 7 candelabros que se diz representarem a igreja, estendendo-se
desde sua ressurreição até sua volta (Apoc. 1:12-16, 20; 2:1). Cristo
também pode "remover" qualquer castiçal de um povo impenitente (2:5).
Portanto, a verdadeira sucessão apostólica não se determina pela
antiguidade, mas sim pela fidelidade à palavra de Deus e ao testemunho
de Cristo. A luz de Cristo e seu testemunho a respeito da obra redentora
de Deus, nunca cessará até que termine o tempo de graça.
Cristo sempre alimentará a sua igreja com alimento espiritual de
maneira que possam permanecer como a luz do mundo e o sal da terra
(ver Mat. 5:13, 14). Suas testemunhas espirituais autorizadas a dar
testemunho não se manterão quietos. Quando os discípulos louvaram a
Deus "em alta voz" enquanto Jesus fazia sua entrada triunfal em
Jerusalém, alguns dos fariseus lhe disseram: "Mestre, repreende os teus
discípulos! Mas ele lhes respondeu: Asseguro-vos que, se eles se
calarem, as próprias pedras clamarão" (Luc. 19:39, 40). Quando a
15. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 15
profecia do tempo do fim se cumpra na história, as testemunhas de Deus
darão testemunho dela sob juramento nos tribunais durante a
perseguição, como Jesus fez ante Pilatos (ver 1 Tim. 6:13).
Durante o reinado do anticristo e o pisoteio da "cidade santa" pelos
gentios, Deus comissiona a suas duas testemunhas para que profetizem
"vestidas de pano de saco" (Apoc. 11:3). Cristo comissionou a seus
apóstolos, e por extensão a seus seguidores, para que dêem testemunho
de sua obra redentora até o fim do tempo:
"Mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis
minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria
e até aos confins da terra" (At. 1:8; ver também Mat. 28:18-20; Luc. 24:48).
Por que João descreve a "duas testemunhas" de Deus nesta
representação simbólica? Alguns expositores aplicam as duas
testemunhas, ou os dois castiçais, aos mártires das 7 igrejas, quer dizer,
aos cristãos que testificaram intrepidamente do evangelho no mundo
como verdadeiros profetas de Deus, e que morreram pelo evangelho.
Outros sugerem a dois personagens distintos, como Enoc e Elias, ou
Pedro e Paulo (que foram martirizados por Nero em Roma), ou outros
dois personagens. Robert Mounce faz este comentário:
"Alegoricamente, podem ser a lei e os profetas, a lei e o evangelho, o
Antigo Testamento e o Novo Testamento, Israel e a igreja, Israel e a Palavra
de Deus, as igrejas de Esmirna e Filadélfia".10
Kenneth A. Strand apresentou o tratamento mais proveitoso a
respeito em seu artigo sobre as duas testemunhas de Apocalipse 11:3-12.
Dá devida consideração ao marco contextual das duas testemunhas em
Apocalipse 11 e o aplica à sexta trombeta na era da igreja. Além disso
observa que as duas testemunhas funcionam como uma unidade
inquebrantável, que experimentam juntos cada coisa. A característica
básica de sua missão é sua proclamação da obra de advertência de Deus.
Sobretudo, Strand assinala à teologia das duas testemunhas que satura o
livro do Apocalipse, como se expressa em Apocalipse 1:2, 9; 6:9; 12:17;
14:12 e 20:4. Explica esta característica que passou muito por alto:
16. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 16
"O acima expresso deixa claro que a 'palavra de Deus' e o 'testemunho
de Jesus' proporcionam um conceito ou um tema que impregna, aponta e é
a razão fundamental do livro do Apocalipse, e se diz que o mesmo
Apocalipse proclama esta dupla mensagem divina (1:2)"11
Isto significa que o duplo testemunho de Deus consiste do Antigo
Testamento e do Novo Testamento como uma unidade inquebrantável, o
que também foi afirmado pelo anjo de Apocalipse 10:7, que une a
corroboração profética no Antigo Testamento com o evangelho cristão
do Novo Testamento. A ênfase em ambos os testamentos assinala a um
reavivamento da Bíblia como a autoridade para a adoração verdadeira no
tempo do fim. O Apocalipse explica que o testemunho de Jesus às igrejas
está inspirado pelo Espírito de profecia, que inspirou os profetas de
Israel (Apoc. 19:10; ver 2:7, 11, 17, 29, etc.; também 1 Ped. 1:10, 11). O
testemunho histórico professado por Jesus, tal como registrado no Novo
Testamento, vem ao mundo com a mesma autoridade divina como o do
Antigo Testamento e será a norma no juízo filial, como Jesus declarou:
"Quem me rejeita e não recebe as minhas palavras tem quem o julgue;
a própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia. Porque
eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me
tem prescrito o que dizer e o que anunciar" (João 12:48, 49).
Strand explica a importância da teologia destas duas testemunhas da
seguinte maneira:
"No livro do Apocalipse, a fidelidade à 'palavra de Deus' e ao
'testemunho de Jesus Cristo' separa ao fiel do infiel, e causa perseguição
que inclui o próprio desterro de João e o martírio de outros crentes (ver outra
vez Apoc. 1:9; 6:9; 12:17; 20:4, etc. )".12
Nesta perspectiva, as duas testemunhas são em primeiro lugar a
Palavra de Deus e o testemunho histórico de Jesus, "ou o que hoje
chamamos a mensagem profética do Antigo Testamento e o testemunho
apostólico do Novo Testamento... mesmo que em segundo lugar pode ser
uma referência, também, à igreja em um sentido derivado como o
proclamador da mensagem divina".13 Entretanto, precisamos nos dar
conta de que não se pode separar a Bíblia e a verdadeira igreja de Cristo.
17. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 17
A Bíblia que consiste de "a palavra de Deus e o testemunho de Jesus"
constitui o fundamento firme e a legitimação da igreja. Só o testemunho
bíblico autentica a igreja verdadeira e sua sucessão apostólica. A
fidelidade à mensagem do evangelho apostólico também identifica a
mulher fiel de Apocalipse 12, em contraste com a mulher infiel do
capítulo 17. A igreja fiel é o meio indicado por Cristo para dar
testemunho ao mundo (ver At. 1:8; Luc. 24:48; Apoc. 22:17). Jesus
recalcou que seu testemunho do evangelho deve ser pregado por
testemunhas viventes antes que o evangelho possa ser uma testemunha
legal no juízo:
"E será pregado este evangelho do reino em todo mundo, para
testemunho [eís martúrion, "por testemunha"] a todas as nações; e então
virá o fim" (Mat. 24:14).
O rechaçar as testemunhas de Deus, indica que tanto a Escritura
como a igreja fiel são rechaçadas e perseguidas. A igreja de Deus se
caracterizará por sua renovada atitude em favor da Bíblia como as
testemunhas unidas dos dois testamentos para cumprir sua missão e
mandato no tempo do fim. As duas testemunhas de Apocalipse 11 não
são o Antigo Testamento e o Novo Testamento isolados das testemunhas
vivas de Deus, que são os proclamadores da mensagem divina de ambos
os testamentos. A união essencial de ambas as testemunhas se ilustra em
Apocalipse 10, onde o livrinho aberto ia ser digerido e proclamado por
João como o representante do povo de Deus!
Os "duas testemunhas" de Deus em Apocalipse 11 pregarão
"vestidos de saco" (Apoc. 11:3), o que no Antigo Testamento significava
a expressão de aflição ou arrependimento do pecado (Gên. 37:34; 1 Reis
21:27; Nee. 9:1; Est. 4:1; Dan. 9:3; Joel 1:13; Jon. 3:8; Mat. 11:21).
Também era considerado como um vestido distintivo do profeta (Zac.
13:4), especialmente desde que Elias tinha caminhado com um "vestido
de pêlos" (2 Reis 1:8) e também mais tarde João Batista (Mat. 3:4). As
testemunhas de Deus proclamam a necessidade urgente de arrepender-se,
porque "a grande cidade" (Apoc. 11:8, chamada mais tarde "Babilônia")
18. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 18
será destruída logo pelos juízos divinos (caps. 16-18). Por isso
profetizam as testemunhas. Entretanto, isso causará um rechaço
universal e "tormento" (11:10). Pelo visto, os moradores da terra não
encontrarão descanso das acusações de suas consciências turvadas
enquanto as testemunhas de Deus lhes dêem testemunho.
Bênçãos e Maldições das Duas Testemunhas
Apesar da oposição universal, a missão das testemunhas de Deus
será realizada depois de "1.260 dias". Entretanto, Deus reabilitará a seus
"profetas" fiéis ressuscitando-os dos mortos e recompensando-os com
uma ascensão visível ao céu em uma nuvem, similar à nuvem de seu
Senhor. Uma descrição tão vívida é a que inspira a todos os fiéis quando
têm que fazer frente a um inimigo irresistível. Alan F. Johnson faz este
comentário: "Isto assegura ao povo de Deus que não importa quantos de
seu santos escolhidos sejam oprimidos e mortos, as testemunhas de Deus
continuarão atestando de Cristo até que se cumpram os propósitos de
Deus".14
A linguagem que João usa em Apocalipse 11:4-12 é tirada de várias
passagens do Antigo Testamento e mostra seu estilo de simbolismo
combinado. Toma-se a liberdade para adaptar as descrições hebraicas.
Descreve as "duas testemunhas" como "as duas oliveiras e os dois
candeeiros que se acham em pé diante do Senhor da terra" (Apoc. 11:4),
e descreve seus poderes divinos em termos dos de Elias, Jeremias e
Moisés (vs. 5, 6). Uma confluência como esta de imagens hebraicas
tende a ressaltar a continuidade básica do pacto de Deus com seus
escolhidos até o fim. Garante a fidelidade de Deus ao novo Israel, as
testemunhas de Cristo, os "castiçais" em um mundo escuro.
João tira seu seguinte quadro simbólico de Zacarias 4, profeta que
usou duas oliveiras para representar aos dois israelitas "ungidos" de seus
dias que serviam "diante do Senhor de toda a terra", quer dizer, o rei
Zorobabel e o supremo sacerdote Josué (Zac. 4:11-14). Estas oliveiras
19. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 19
proporcionavam "azeite como ouro" para o candelabro com 7 abajures
(vs. 2, 3, 12). A mensagem ilustrada de Zacarias aos israelitas que
retornavam do cativeiro babilônico era clara: Deus proveria seu Espírito
à liderança religiosa e política de Israel, de maneira que pudessem
terminar a edificação de seu templo (vs. 6-9).
João descreve um quadro similar para a igreja do tempo do fim, já
que vê as duas testemunhas como dois castiçais e como dois oliveiras
que "estão em pé diante do Senhor da terra" (Apoc. 11:4). É obvio, deve
entender-se que seu significado simbólico está em uma continuidade
básica com o de Zacarias 4. A igreja, como sacerdotes reais (1:6; 5:10),
deve ir adiante no poder do Espírito Santo para terminar de edificar o
templo espiritual do povo de Deus na terra, apesar da cruel oposição. A
palavra "terra" é usada 4 vezes em Apocalipse 11:4-10, enfatizando a
missão universal da igreja.
Depois João manifesta a autoridade judicial das duas testemunhas
de Deus (Apoc. 11:5, 6). O conceito hebraico de represália fica
revalidado agora. Como as duas testemunhas estão autorizadas
diretamente por Deus, ratifica-se seu testemunho que não pode ser
resistido sem conseqüências graves. Jeremias descreveu figuradamente
um juízo anterior de Deus sobre um Judá impenitente: "Eis que
converterei em fogo as minhas palavras na tua boca e a este povo, em
lenha, e eles serão consumidos" (Jer. 5:14). Um exemplo literal de
semelhante poder foi a sentença de Elias sobre dois regimentos reais que
vieram para prendê-lo e morreram instantaneamente, consumidos por
fogo (2 Reis 1:10-12). Elias pronunciou uma maldição do pacto sobre a
terra, fechando o céu para que não chovesse. Como Moisés tornou as
águas em sangue, assim as testemunhas do tempo do fim receberão
poder sobrenatural do mesmo Deus do pacto (Apoc. 11:5, 6).
Segundo parece, o propósito de tais castigos é levar os inimigos
Deus a reconhecer a suas testemunhas e a aproveitar a necessidade de
arrepender-se. Aqui observamos uma correspondência essencial com os
20. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 20
castigos das trombetas que foram enviados do céu em resposta às
orações dos santos perseguidos (Apoc. 8:3-5).
Antecipação da Perseguição do Tempo do Fim
As advertências das duas testemunhas experimentam a mesma
oposição que a que Cristo e seus apóstolos experimentaram em
Jerusalém. João prediz:
"E, quando acabarem o seu testemunho, a besta que sobe do abismo
lhes fará guerra, e as vencerá, e as matará" (Apoc. 11:7).
Este texto é a primeira referência sobre "a besta" [theríon, "animal
selvagem"] no Apocalipse. Tem sua raiz central na quarta "besta" de
Daniel 7, que faz guerra contra os santos. Mas agora a besta "sobe do
abismo". G. B. Caird nota um princípio fundamental: "Sempre que os
homens reclamam poder despótico, recusando reconhecer que são
responsáveis ante Deus pelo uso que lhe dão, ali o monstro sobe do
abismo".15
Apocalipse 11 se concentra sobre os santos martirizados que não se
sepultam "na praça da grande cidade que, espiritualmente, se chama
Sodoma e Egito, onde também o seu Senhor foi crucificado" (v. 8). João se
refere manifestamente à cidade de Jerusalém, onde Cristo foi crucificado
"fora da porta" (Heb. 13:12), e onde os seguidores de Cristo também
foram perseguidos por seu testemunho do Cristo crucificado (At. 4-7).
João agora descreve Jerusalém como uma cidade que chegou a
estar, aos olhos de Deus, tão degradada moralmente como Sodoma,
opressora como o Egito (ver também Isa. 1:9; Ezeq. 16:26; Jer. 23:14) e
culpada da crucificação de Cristo (Apoc. 11:8). João a chama "a grande
cidade", uma frase que se usa 7 vezes exclusivamente para "Babilônia"
em todo o resto do livro (16:19; 17:18; 18:10, 16, 18, 19, 21). A "grande
cidade" está colocada em notório contraste com a "cidade santa" (Apoc.
11:2). A esfera de ação de ambas as cidades é universal no tempo do fim.
Paul S. Minear interpreta o conflito constante entre as duas cidades, "a
21. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 21
cidade santa" e "a grande cidade" em Apocalipse 11:2 e 8, à luz da morte
e ressurreição de Cristo.
"Este acontecimento [de Cristo] revela... a presença de 'a grande
cidade' em qualquer lugar que os homem rechacem a 'palavra de Deus e o
testemunho de Jesus', e a presença de 'a cidade santa' em qualquer lugar
que os homens são fiéis a essa palavra e testemunho... descreve-se a
cidade santa como o templo de Deus, seu altar, e os que adoram nele (xi.1).
Descreve-se à outra como o lugar onde os moradores da terra servem e
adoram à besta (xi.7). É a inimizade entre os dois senhores que revela a
natureza de ambas as cidades... O 'testemunho do Jesus' capacita João a
discernir os limites entre as duas cidades, assim como a discernir o término
verdadeiro de uma e o término enganoso da outra".16
Esta interação dinâmica da cidade santa (Jerusalém) e da cidade
corrompida (Babilônia) em Apocalipse 11 é só uma antecipação das
visões ampliadas da mulher pura e a meretriz em Apocalipse 12 e 17.
A Imitação de Cristo das Duas Testemunhas
É notável que Deus permita que suas duas testemunhas sejam
mortos depois que terminaram sua missão, quer dizer, depois dos 1.260
dias proféticos. Aqui observamos uma correspondência essencial com a
missão e a morte do Filho de Deus que foi crucificado só depois de ter
completado sua missão (João 12:23; 13:1; 17:1). Este modelo messiânico
se amplia posteriormente à ressurreição das testemunhas e sua ascensão
celestial em uma nuvem de glória (Apoc. 11:11, 12). Sua missão está
unida intimamente com a de seu Senhor, a quem João chama "a
testemunha fiel, o primogênito dos mortos" (Apoc. 1:5; também 3:14).
Estamos justificados em aplicar esta descrição simbólica tanto às
Escrituras como à igreja que proclama fielmente as Escrituras no tempo
do fim. Entretanto, devemos compreender que muitas aplicações
históricas no passado demonstraram ser só cumprimentos parciais, de
maneira que devemos estar alerta ao cumprimento completo nos
acontecimentos finais do tempo do fim.
22. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 22
João tinha anunciado antes que muitos fiéis seriam "guardados" da
hora final de prova (Apoc. 3:10). Contudo, muitos santos que dão
testemunho serão mortos no tempo do fim e seu testemunho universal
será emudecido pelo ódio fanático dos "moradores da terra". Então se
cumprirão em todo o globo as palavras do Jesus: "E matarão a alguns de
vós; e serão aborrecidos de todos por causa de meu nome" (Luc. 21:16,
17). Por outro lado, todo mundo se regozijará e enviarão presentes uns
aos outros quando se sentirem aliviados da voz de repreensão.
Uma situação similar ocorreu no Egito quando Israel tinha saído
(Sal. 105:38). Mas seu gozo terá uma vida efêmera, só "três dias e meio"
(Apoc. 11:9, 11 ). Este período de tempo está em contraste chamativo
com os 1.260 dias do ministério das testemunhas de Deus, quem honrará
logo a suas testemunhas com uma vindicação espetacular do céu. João
agora toma da maravilhosa visão de Ezequiel para descrever a
ressurreição das testemunhas executadas.
"E, depois daqueles três dias e meio, o espírito de vida, vindo de Deus,
entrou neles; e puseram-se sobre os pés, e caiu grande temor sobre os que
os viram. E ouviram uma grande voz do céu, que lhes dizia: Subi cá. E
subiram ao céu em uma nuvem; e os seus inimigos os viram" (Apoc.
11:11,12).
Chama-nos a atenção a reinterpretação criativa que João faz da
visão de Ezequiel a respeito da restauração do Israel como uma teocracia
depois da cativeiro babilônico (Ezeq. 37). João vê a visão de Israel
finalmente realizada nas testemunhas de Cristo no fim do tempo:
EZEQUIEL 37:10 APOCALIPSE 11:11
"Profetizei como ele me ordenara, "Mas, depois dos três dias e meio, um
e o espírito entrou neles, e viveram espírito de vida, vindo da parte de
e se puseram em pé, um exército Deus, neles penetrou, e eles se
sobremodo numeroso". ergueram sobre os pés, e àqueles que
os viram sobreveio grande medo".
23. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 23
Como no "vale dos ossos secos" de Ezequiel 37, onde os corpos
permaneceram insepultos, assim os corpos das testemunhas de Cristo
jazerão sobre a terra insepultos (Apoc. 11:9). A visão de Ezequiel
prometeu que Israel e sua adoração de Deus seriam restaurados depois de
seu cativeiro em Babilônia, e João também promete que as testemunhas
fiéis de Cristo, mortos por Babilônia na época da igreja, serão
restaurados à vida no reino de glória. João acrescenta sua ascensão
milagrosa ao céu em uma nuvem, assim como Cristo tinha subido ao céu
em uma nuvem (At. 1:9). Portanto, não se trata de um rapto dos cristãos,
invisível e secreto! Esta ressurreição e o arrebatamento visível será antes
uma comoção universal que causa terror nos corações dos moradores da
terra (Apoc. 11:11, 12). Todas serão testemunhas da mudança de papéis
que Deus fará de seu santos desprezados.
"Naquela hora", um grande terremoto causará o desmoronamento da
décima parte da cidade, matando a "sete mil homens" (Apoc. 11:13). Isto
aterroriza os sobreviventes até o ponto que se sentem constrangidos a dar
"glória ao Deus do céu" (v. 13). Os 7.000 idólatras mortos pelo
terremoto parecem funcionar como a contraparte dos 7.000 adoradores
fiéis de Jeová que foram preservados por Deus no tempo do profeta Elias
(ver 1 Reis 19:18; Rom. 11:4), o que sugere que o castigo de Deus está
limitado em proporção à população total, permitindo ainda tempo para o
arrependimento e para que reconheçam sua glória. Como parte da sexta
trombeta, o terremoto de Apocalipse 11:13 é um precursor limitado do
último terremoto (o de Apoc. 6:12-14; 11:19; 16:17-21). Bauckham
comenta a este respeito:
"O versículo 13 [de Apoc. 11] significa certamente que todos os
sobreviventes se arrependerão sinceramente e reconhecerão o único Deus
verdadeiro. A descrição de sua resposta corresponde ao convite do anjo que
em Apocalipse 14:6 e 7 chama as nações a reconhecer a Deus. Também
está em contraste com 9:20 e 21 (cf. 16:9-11)... Não a minoria fiel, e sim a
maioria infiel é a que é perdoada, com o fim de que possam chegar ao
arrependimento e a fé. Graças ao testemunho das testemunhas, o castigo é
em realidade salvífico".17
24. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 24
Esta interpretação de Apocalipse 11:13 considera o testemunho dos
mártires como eficaz entre as nações, especialmente pela forma como
fazem frente à morte, com a mesma vitória como a que Cristo
manifestou. O testemunho dos mártires mortos não terá sido em vão. Seu
sangue chegará a ser a semente de novos crentes, de maneira que se
realizará a esperança dos profetas de Israel para o tempo do fim:
"Todas as nações que fizeste virão, prostrar-se-ão diante de ti, Senhor,
e glorificarão o teu nome" (Sal. 86:9).
" Abençoe-nos Deus, e todos os confins da terra o temerão" (Sal. 67:7).
"Diante de mim se dobrará todo joelho, e jurará toda língua" (Isa.
45:23).
A Aplicação Historicista
Os intérpretes protestantes aplicaram os "duas testemunhas" de
Apocalipse 11 a todos os que pregaram intrepidamente o evangelho
bíblico da salvação e que desmascararam a apostasia da igreja medieval.
Viram-nos como a contraparte positiva do anticristo, a besta que sobe do
abismo em Apocalipse 11:7. Dessa maneira estabeleceram sua missão e
sua autocompreensão protestante. Rodney L. Pedersen apresenta um
relatório instrutivo da história da exegese de Apocalipse 11:3-13.18 Entre
as testemunhas simbólicas se contaram Savonarola, Wycliffe, Huss,
Jerônimo de Praga, Lutero, Zuínglio, Melanchton, Calvino e muitos
outros. A todos estes os considerou inspirados pelo Espírito, como foi o
profeta Elias, para proclamar "as claras afirmações da Escritura Sagrada
– doutrinas que tinham sido relutantes em apresentar".19 Todos foram
acusados falsamente e perseguidos "pela palavra de Deus e pelo
testemunho de Jesus Cristo".20
A fins do século XVII alguns expositores de influência como Pierre
Jurieu (em 1687) e Drue Cressener (em 1689) aplicaram a profecia das
duas testemunhas aos protestantes franceses que foram assassinados em
1686 (depois da revogação do decreto do Nantes em 1685, mas que foi
25. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 25
restaurado de novo em 1890). 21 Outros como Jonathan Edwards
(1703-1758) viram a Reforma predita na ressurreição e ascensão das
testemunhas de Apocalipse 11:11 e 12, porque os reformadores vieram
com o poder da Palavra de Deus, um poder que pode converter ou
destruir.22
Intérpretes historicistas posteriores aplicaram a morte das duas
testemunhas à proscrição temporária da religião cristã na França durante
a Revolução Francesa. Por quase 4 semanas, desde 10 de novembro até 6
de dezembro de 1793, o Concílio Nacional da França foi dominado pelas
exigências excessivas de alguns ultra revolucionários que rechaçaram
publicamente o Deus do cristianismo, puseram a um lado a Bíblia e
inclusive aboliram o ciclo semanal de 7 dias. Neste ato de desafio, a
França manifestou um espírito de ateísmo e portanto, muitos intérpretes
proféticos começaram a aplicar Apocalipse 11:7 e 8 à guerra contra a
Bíblia durante o reinado do terror da Revolução Francesa, mais ainda
porque isto ocorreu perto do fim dos 1.260 dias calculados de 538 até
1798. Ellen White, no Grande Conflito (1888, 1911), dedicou um
capítulo especial, o 16, à aplicação histórica de Apocalipse 11.
Enquanto que a descrição profética de Apocalipse 11 pode aplicar-
se a uma fase da Revolução Francesa se se restringirem as duas
testemunhas às Escrituras do Antigo Testamento e do Novo, uma
quantidade de característicos distintivos de Apocalipse 11 não se
cumpriram completamente, tais como a extensão mundial do testemunho
dos mártires (vs. 9, 10); o período de tempo dos "3 ½ dias" de rechaço de
enterrar os corpos das duas testemunhas (v. 9); e a declaração de que
matará as testemunhas, "quando tiverem acabado seu testemunho" (v. 7).
Resumo de Apocalipse 10 e 11
As visões de Apocalipse 10 e 11 dirigem seu feixe de luz ao novo
mandato da igreja no tempo do fim. Concentram-se sobre o tempo da
sexta trombeta, a fase final da era cristã, antes que termine o tempo de
26. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 26
graça com a sétima trombeta. A predição dos acontecimentos do tempo
do fim em Apocalipse 10 e 11 está em um contraste notável com o
quadro sombrio das visões das trombetas (Apoc. 8 e 9), com o qual
forma uma contraparte dramática.
As visões de Apocalipse 10 e 11 correspondem-se com a visão do
capítulo 7, que também descreve os acontecimentos do tempo do fim
dentro da série dos selos. Ambos os centros de atenção (Apoc. 7, 10 e
11) são visões para animar os santos a perseverar até o fim. Enquanto
que as trombetas representam castigos de Deus cada vez maiores sobre
os perseguidores, começando com a destruição de Jerusalém e continuando
durante a era cristã, Apocalipse 10 e 11 se centram na missão da reavivada
igreja de Cristo, iluminada por uma nova visão do livro de Daniel (Dan.
12:4) e habilitada com o Espírito de Deus (Apoc. 11:4-6), o que implica
que o conflito entre a vontade revelada de Deus e os poderes da religião
apóstata se intensificarão à medida que transcorra o tempo.
A sexta trombeta (Apoc. 9:14-19) descreve a confrontação final
entre os adoradores inspirados pelo demônio e as testemunhas de Cristo
cheios do Espírito. O conflito final leva a uma perseguição legal, prisão e
execução de todos os que se aderem ao testemunho de Jesus. A guerra
atroz que se trava entre a besta e as testemunhas de Cristo em Apocalipse
11 se amplia em Apocalipse 12 a 17. Estas ampliações se caracterizam
por repetições deliberadas dos símbolos chave (tais como unidades de
tempo, o testemunho, a besta, os moradores da terra), que servem como
elos deliberados entre Apocalipse 11 e os capítulos seguintes.
Enquanto que as imagens simbólicas de Apocalipse 10 e 11 são
tiradas do Antigo Testamento, todas são adaptadas ao evangelho de
Cristo e a suas testemunhas. Portanto, estes capítulos têm um caráter
fortemente antecipatório. Suas mensagens visionárias funcionam como
uma perspectiva proléptica das visões do tempo do fim de Apocalipse 12
a 22. Entretanto, João deseja completar primeiro a série das trombetas
com uma breve descrição da sétima trombeta.
27. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 27
A Sétima Trombeta
"O sétimo anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes vozes,
dizendo: O reino do mundo se tornou de nosso Senhor e do seu Cristo, e ele
reinará pelos séculos dos séculos" (Apoc. 11:15).
Nossa primeira impressão é que esta trombeta final não contém
nenhum "ai" porque anuncia só o começo do governo de Deus sobre a
terra. Não obstante, a sétima trombeta compreende um complexo cheio
de cenas para consumar o "mistério" de Deus (Apoc. 10:7), que
mencionam os 24 anciões em Apocalipse 11:16-18. Seu cântico de
louvor anuncia a execução do juízo de Deus sobre os mortos e os vivos
como a manifestação de seu reino:
"Graças te damos, Senhor, Deus Todo-poderoso, que és, e que eras, e
que hás de vir, que tomaste o teu grande poder e reinaste. E iraram-se as
nações, e veio a tua ira, e o tempo dos mortos, para que sejam julgados, e o
tempo de dares o galardão aos profetas, teus servos, e aos santos, e aos
que temem o teu nome, a pequenos e a grandes, e o tempo de destruíres os
que destroem a terra" (Apoc. 11:17, 18).
A expressão, "e iraram-se as nações, e veio a tua ira", resume o
tema do Salmo 2 e deve entender-se à luz deste salmo messiânico. Neste
salmo não se fala de guerras seculares, mas sim da ira das nações contra
o Deus de Israel e contra seu Messias (ver Sal. 2:6-9).
Para compreender o significado religioso dos acontecimentos finais,
devemos procurar suas descrições ampliadas nas visões dos capítulos 12
a 22. George Beasley-Murray expressou esta infra-estrutura literária do
Apocalipse nas seguintes palavras:
"Não nos equivocaremos muito se virmos o terceiro ai refletido na
primeira parte do versículo 18a, ao que se refere de forma mais explícita o
capítulo 16:17 (a sétima taça) e em maior plenitude o capítulo 17:12-18, que
é cantado no lamento do capítulo 18 e nos hinos de júbilo em 19:1-10, e
descritos em 19:11-16 (especialmente em 19:15)".23
Por Apocalipse 12 a 19 sabemos que a "ira" de Deus se manifestará
nas 7 últimas pragas (ver Apoc. 15:1). A sétima trombeta inclui os ais
das últimas pragas de Apocalipse 16. O canto litúrgico dos anciões no
28. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 28
céu apresenta uma sinopse de Apocalipse 12 a 22. Os capítulos 12 a 14
descrevem os esforços demoníacos do príncipe deste mundo, Satanás,
para destruir os seguidores de Cristo. O canto profético dos anciões em
Apocalipse 11 consola o povo de Cristo, ameaçado pelas hostes do
inimigo, que chegou o tempo [kronos] para três acontecimentos finais:
(1) para julgar aos mortos; (2) para recompensar a todos os santos, e
(3) para destruir os que destroem a terra (Apoc. 11:18). A referência ao
"destruidor" universal indica que o oráculo de condenação contra a
Babilônia antiga (ver Jer. 51:25) encontrará uma consumação final. O
tema de gratidão em Apocalipse 18 e 19 é o juízo contra Babilônia, o
destruidor do povo de Deus.
"Exultai sobre ela, ó céus, e vós, santos, apóstolos e profetas, porque
Deus contra ela julgou a vossa causa" (Apoc. 18:20; ver também 19:2).
O ato divino da destruição de Babilônia expõe um ato do reinado de
Cristo. Seu propósito é essencialmente construtivo, a restauração de sua
criação. Provê a seu povo com a herança prometida, a nova terra. A
segurança do juízo e da recompensa dos santos nos recorda a visão
fundamental do Daniel na qual "até que veio o Ancião de Dias e fez
justiça aos santos do Altíssimo; e veio o tempo em que os santos
possuíram o reino" (Dan. 7:22; ver também o V. 27). Esta tônica do
Daniel também é o tema dominante no livro do Apocalipse. A
declaração feita sob a sétima trombeta de que veio o tempo "para destruir
os que destroem a terra" (11:18), confirma a visão de Daniel de que o
reino de Deus "esmiuçará e consumirá a todos estes reino, mas ele
permanecerá para sempre" (Dan. 2:44; também o v. 45).
Apocalipse 11 conclui com uma nova visão: "E abriu-se no céu o
templo de Deus, e a arca do seu concerto foi vista no seu templo; e
houve relâmpagos, e vozes, e trovões, e terremotos, e grande saraiva"
(Apoc. 11:19).
Quem se volte a ver o arca do pacto de Deus, combinado com os
instrumentos de guerra divina (terremoto, saraiva, trovão, etc.), assegura
de uma maneira dramática à igreja que Cristo se levantará para cumprir
29. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 29
as promessas do pacto de Deus. As descrições apocalípticas representam
juízos históricos para a humanidade rebelde. O Deus do pacto também é
o Senhor da história. Seu reino de justiça e misericórdia será
estabelecido sobre a terra. A segurança fundamental de Apocalipse 11
pode resumir-se nestas palavras: "garantiram-se tanto o juízo sobre os
inimigos de Deus como a vindicação para a igreja. Esta é a grande
mensagem de Apocalipse 11".24
Referências
Para a Bibliografia, ver na páginas 296.
1 Mounce, The Book of Revelation, p. 218.
2 Considine, "The Two Witnesses: Rev. 11:3-13" (1946), pp. 378,
379.
3 J. M. Ford, Revelation, p. 177.
4 Naden, The Lamb Among the Beasts, p. 172.
5 Feuillet, The Apocalypse, p. 61.
6 Feuillet, Johannine Studies, p. 236.
7 Feuillet, Ibid., pp. 236, 237.
8 Charles, The Revelation of St. John, t. 1, p. xc.
9 Mounce, The Book of Revelation, p. 223.
10 Mounce, Ibid.
11 Strand, "The Two Witnesses of Rev. 11:2-12", p. 132.
12 Ibid., p. 133.
13 Ibid., pp. 134, 135.
14 Johnson, Revelation, p. 111.
15 Caird, The Revelation of St. John the Divine, p. 137.
16 Minear, "Ontology and Ecclesiology in the Apocalypse", pp.
98-100.
17 Bauckham, The Theology of the Book of Revelation, pp. 86, 87.
18 Ver o livro de R. L. Petersen.
19 Ellen White, GC 608.
30. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 30
20 Ibid., p. 271.
21 Ver Petersen, Preaching in the Last Days. The Theme of the 'Two
Witnesses' in the Sixteenth and Seventeenth Centuries, pp. 229,
250.
22 Ibid., pp. 230-232.
23 Beasley-Murray, Revelation, p. 188.
24 Naden, The Lamb Among the Beasts, p. 179.
31. A Missão Profética das Testemunhas de Deus. Apoc. 11 31
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