A crise dos PPR e fundos de investimento em Portugal
1. A crise financeira. O naufrágio dos PPR e dos fundos de investimento em
geral.
Portugal - anos de propaganda sobre os PPR
Há anos que começou a ouvir-se o canto da sereia da modernidade
sobre a forma como assegurar o rendimento e o nível de vida dos
trabalhadores após a retirada da actividade laboral.
Numa primeira fase (finais dos anos 90), surgiram os arautos da falência
da segurança social que, naturalmente, ocultaram o papel do primeiro-
ministro Cavaco Silva na descapitalização da mesma, desviando o
dinheiro retido e adstrito às pensões futuras para colmatar o deficit do
Estado; ou, tolerantes perante as empresas que alegremente se
financiavam retendo as contribuições para a Segurança Social que
acumulava créditos incobráveis, mais tarde cedidos no âmbito da
titularização levada a cabo pela Ferreira Leite em 2003, negócio ruinoso
como se sabe.
Em paralelo, o “mercado”, isto é, o sistema financeiro, oferecia a
possibilidade de se assegurar o futuro através de fundos de pensões, de
capitalização de poupanças, com a habilidade e com as formas
expeditas que se vão observando actualmente com toda a nitidez. Um
dos arautos desse modelo dá pelo nome de Bagão Félix, hoje,
comentador de assuntos económicos que por vezes até parece um
esquerdista.
Era tempo de se falar de plafonamentos dos descontos para a
Segurança Social e de pilares para canalizar dinheiro dos trabalhadores,
mormente dos mais bem pagos, para a gestão privada. O Estado,
sempre muito solícito em tudo o que é apoio à “iniciativa privada”,
passou a conceder benefícios fiscais aos engajados nessa fórmula; o
Estado, prescindia portanto, de receitas para que muitos, entre
assustados e convencidos da bondade do sistema, canalizassem
poupanças para a sanguessuga financeira. Ninguém encontrou nesses
benefícios fonte de deficit, claro está.
A questão é que no mundo financeiro de hoje tudo se baseia em
expectativas, na virtualidade; melhor, numa cadeia de expectativas e
de confiança. A instituição A regista lucros baseados em expectativas,
validadas por empresas de rating e pelas chamadas “casas de
investimento” e aceita títulos emitidos pela instituição B ou coloca títulos
na instituição C baseada em expectativas sobre o funcionamento do
mercado que se tem sempre, não só como infalível mas, como objecto
da crença infantil de que se pode cavalgar uma onda que nunca se
desfaz na areia da praia.
2. E chegou a crise atrás do subprime em Agosto de 2007. Estoirou nos EUA
como poderia ter rebentado na Europa uma vez que a regulação em
ambos os lados do Atlântico é quase nula. Quando o papagaio
Sócrates aponta para os nefastos efeitos na Europa da leviandade da
regulação americana, está a sacudir a água do seu sujo capote.
Recordem-se que o BCE tem como único objectivo a inflação (nas
entrelinhas, apenas a contenção salarial) ou como o Banco de Portugal
e a CMVM dormiam enquanto no BCP os dinheiros fluíam de modos
menos canónicos.
Adiante. Os mandarins, ao mais alto nível, com o Trichet à cabeça e as
caixas de ressonância Constâncio e Teixeira dos Santos no fim da
cadeia do poder, garantiram, com ares firmes e quiçá sorridentes, ao
“mercado” (pois as pessoas são figurantes e irrelevantes) que a Europa
era uma fortaleza imune aos desvarios americanos ou que o sistema
financeiro português é sólido. Pela maneira como nos costumam divertir
com as suas previsões quase sempre falaciosas, podemos pensar que
são ignorantes ou aldrabões. Note-se até a leviandade com que o
futuro é encarado quando os índices de confiança dos empresários são
a base dos indicadores de tendência. Como sempre, na raiz, estão as
nebulosas cadeias de expectativas.
Voltando à questão dos PPR, retirámos do Semanário Económico de
22/8 o seguinte ilustrativo título – “77% dos fundos PPR têm retornos
negativos”. E, como subtítulo uma frase mais clarividente – “quem
investiu em PPR para construir um pé-de-meia para a reforma tem
razões para se mostrar apreensivo…”.
Mais detalhadamente ficamos a saber que os PPR mais prudentes, com
menor cobertura em acções de empresas obtiveram uma
rendabilidade de 0,28% nos 12 meses terminados em Julho último; e que
os mais ambiciosos com mais de 35% de investimento em acções,
perderam 8,9%.
Alguém poderá dizer que foi culpa do “subprime”, género de peste que
tudo pretende justificar. Nada disso. Nos últimos três anos, a média
anual da rendabilidade, para o conjunto dos PPR, fixa-se em 1,59%, que
passa a 2,6% se se considerarem os últimos cinco anos. Em suma, os PPR
não valorizam coisa nenhuma pois nem sequer a inflação compensam,
Assim, os mais avisados e os mais enrascados retiraram 460 M euros de
PPR nos primeiros sete meses do ano.
De acordo com notícia do Diário Económico de 22/7 e também no que
respeita a fundos de pensões, o BCP perdeu 558 M euros, o BPI 250 M
euros e o BES 234 M euros no primeiro semestre, devido à desvalorização
dos activos que cobriam as suas responsabilidades. Quando as
cotações sobem, eles valorizam os activos e aceitam responsabilidades
3. mas, quando elas baixam, surge a desvalorização dos activos, não se
reduzindo, naturalmente as responsabilidades; então, os bancos
afectam novos activos para manter a cobertura e… quando eles se
esgotarem vão à falência ou o paizinho Estado dá uma ajuda,
pagando os desvarios dos capitalistas que tanto protege.
Mas não são só os fundos geridos pelo sistema financeiro,
nomeadamente pelos bancos que colocam os valores entregues pelas
pessoas no “mercado”. O Fundo de Estabilização Financeira da
Segurança Social, existente como forma de assegurar o pagamento de
pensões em caso de crise grave, tem cerca de 20% do seu pecúlio,
equivalente a 1600 M euros, aplicado em títulos e submetido aos riscos
que se vêm revelando.
Sócrates afirmou que “nunca será permitido que as pensões dos
portugueses sejam jogadas na bolsa” o que é mais uma falsidade,
como é habitual, sempre que abre a cloaca. Como se está em pré-
campanha eleitoral ele, para captar votos, querendo que as pessoas se
esqueçam das suas promessas não cumpridas pretende demarcar-se
da sua gémea Balela F Leite que defende uma maior inserção no
mercado, a privatização de tudo incluindo a saúde e a educação.
Enfim, contradições no seio do entulho.
Os fundos de investimento em geral
O panorama atrás referido emana da situação que se observa para o
conjunto dos fundos de investimento. No ano terminado em Junho
último a “indústria” europeia da especulação havia perdido 800 000 M
de euros na valorização dos seus activos e, se o desporto especulativo
estivesse num campeonato europeu as medalhas pelas perdas teriam
sido assim distribuídas:
Medalha de ouro – Portugal (- 30,79%)
(neste momento solene sugerimos que cantem o hino!!)
Medalha de prata – Lituânia ( - 30,16%)
Medalha de bronze – Polónia (-27,40%)
Em finais de Agosto, a melhor marca europeia nas perdas continuava a
pertencer a Portugal (-33,62%) só ultrapassada, a nível mundial pela
Coreia (-37,52%). Afinal o “sólido” sistema financeiro português não é só
bom a aumentar os juros, a inventar comissões e pequenas falcatruas,
como na questão dos arredondamentos.
Sublinhamos, sinteticamente, alguns elementos que contribuem para
esta situação:
4. 1. O mercado bolsista não é uma fonte de financiamento da
actividade económica onde se gera a riqueza mas, antes, um
redemoinho para onde é atraída parte substancial da poupança
mundial;
2. A realização de rendimentos fáceis e rápidos, só é possível se
desligada da base produtiva emanada do trabalho e do esforço,
com resultados bem mais comedidos e diluídos no tempo; a sua
relevância actual torna a economia mundial infectada por
especuladores e rentistas completamente parasitários;
3. O jogo especulativo, pela dimensão que assumiu leva a reboque
a economia real e, a íntima relação existente entre os capitalistas
e os Estados, toma a economia real a fonte primacial dos lucros e
a esponja que absorve os prejuízos quando as coisas correm mal;
4. O jogo especulativo é facilitado por regras contabilísticas
imprudentes que permitem a avaliação dos activos com a
incorporação de mais-valias não consolidadas, resultantes da
própria especulação, tendo em vista a apresentação de lucros
elevados para distribuição aos accionistas e para a elevação
artificial das cotações;
5. O mesmo jogo é facilitado pelos mecanismos da titularização, da
emissão dos chamados “derivados” ou “futuros” que
estabelecem extensas cadeias de títulos, dependentes uns dos
outros, sem qualquer relação ou sequer conhecimento
relativamente ao facto que lhes deu origem, na economia real;
6. A extrema facilidade da circulação dos capitais gera fluxos de
valor incomensurável sob a forma de títulos, sob a forma de
compras especulativas de matérias primas ou bens alimentares,
forçando assim variações de preços com efeitos devastadores na
economia real, desregulamentada e isenta de controlos públicos,
de acordo com a teologia neoliberal;
7. Essa circulação de capitais torna-se ainda mais imprecisa e
incontrolada dada a existência dos paraísos fiscais, de onde e
para onde os capitais se refugiam sempre que necessário e cuja
existência é essencial para a lavagem de dinheiro oriundo dos
diversos tráfegos e formas de corrupção, como para a criação de
liquidez no sistema financeiro.
Saídas para a crise
Já se está a ver a saída em falso que se prepara. Os bancos centrais
fornecem liquidez aos bancos, os Estados absorvem créditos incobráveis
5. e até nacionalizam para reconstituir o funcionamento do “mercado”
constituindo meros detalhes, sem importância, o aumento das taxas de
juro ou os milhares de desempregados que vão resultar das falências e
das fusões de instituições. Os capitalistas, os banqueiros os gestores de
topo responsáveis pela indigestão provocada pelo banquete, na pior
das hipóteses ficam a aguardar as privatizações que se seguirão daqui
a uns poucos anos, à sombra dos muitos milhões que retiveram em bom
recato, fora desta turbulência.
A solução qual é?
Cremos que as esquerdas de pendor libertário ou estatizante não
detêm um “corpus” de medidas verdadeiramente alternativas para a
situação actual. E que a sua constituição é uma necessidade imperiosa,
pois nada há a esperar das reuniões do G8, ou dos dirigentes dos países
ocidentais.
Num quadro de medidas de aplicação imediata, mesmo sem colocar
em causa o funcionamento capitalista da economia mundial seria
necessário, para obviar a situações destas, entre outras, as seguintes
medidas que se lançam aqui para discussão:
• Regras prudentes de avaliação dos activos, desligadas das
cotações da bolsa;
• Limitação drástica ou cessação da emissão de produtos
derivados;
• Inviabilização de transferências bancárias provenientes ou
destinadas a “paraísos fiscais” ou registos “off-shore”;
• Anulação de todos os direitos de propriedade detidos por
grandes accionistas e gestores de topo responsáveis por
instituições em falência ou sérias dificuldades, com afectação dos
seus bens pessoais à redução dos prejuízos das mesmas;
• Ligação a longo prazo dos níveis das taxas de juro aos índices de
actualizações salariais, para créditos de carácter social, como a
compra de habitação pelos trabalhadores;
• Constituição de comissões de verificação dos actos da gestão
das instituições, emanadas dos próprios trabalhadores, por
eleição directa e com mandatos revogáveis a todo o momento.
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