1. TEXTOS “ESQUERDA DESALINHADA”
Miséria da economia
1 – O nascimento da mão invisível
A economia nasceu no século XVIII quando alguns filósofos pretenderam
explicar o funcionamento das relações económicas de acordo com as suas
convicções morais e religiosas (Locke, Smith) ou à luz do naturalismo (Quesnay).
Pretendiam interpretar as relações económicas no quadro de uma
estabilidade natural, num equilíbrio divino, eterno, em que uns trabalhavam e
outros dirigiam, uns eram ricos e outros pobres. Eivado do mesmo espírito de
imutabilidade, os constitucionalistas americanos construiram um documento
“técnico” mais estável que a Bíblia que, como se sabe, embora livro “sagrado”
tem mais interpretações do que as formas de cozinhar bacalhau.
A ideia da perenidade é uma obsessão em muitas escolas filosóficas e em
ideologias obscurantistas. Veja-se por exemplo as concepções da imortalidade
da chamada alma, do amor eterno do espírito romântico, dos “valores” que as
direitas tanto gostam de apregoar. Desgraçadamente para a humanidade, o
capitalismo para além de eterno (acabou a História segundo Fukuyama),
pretende que as ofensas ambientais encontrem no planeta Terra uma infinita
capacidade de encaixe. Mas, voltemos ao nosso tema, a miséria actual da
economia, como ciência social.
A maior complexidade das relações económicas, no final do século XVIII, num
quadro onde o comércio longínquo e a indústria tinham uma relevância muito
superior à do passado exigia um esforço de teorização que perpetuasse a
ordem construida à sombra do poderio dos impérios britânico e francês.
Convinha, portanto, que a economia se autonomizasse, das relações sociais e
políticas, surgisse como corpo teórico técnico com uma axiomática, numa
equação onde os graus de liberdade eram a contabilidade, a gestão e o
trabalho duro (sobretudo alheio). Essa escola produz, ainda hoje em profusão,
todos os gestores e MBA’s, ignorantes em ciências sociais e admiradores dos
Druckers que apontam as “maquilladoras” mexicanas como exemplo virtuoso
de desenvolvimento e riqueza. É essa gentinha elegante que enche a plateia
do Compromisso Portugal e bate palmas ao Carrapatoso e outros compadres
das Torres Gêmeas (PS+PSD).
Essa axiomática da economia clássica nasceu assim baseada na ideia da
concorrência, da mão invisível que tudo equilibra e regula, na anormalidade
das perturbações do mercado, como o desemprego, a fome, a guerra. Só que
essa anormalidade acabou por se afirmar como a regra vigente e até o Bush a
imortalizou ao decretar a “guerra infinita”.
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2. Um postulado (“lei das vantagens comparativas”) definiria, ad eternum as
“naturais” tendências para uns produzirem bens industriais e outros matérias
primas ou produtos agrícolas. E foi assim que a indústria têxtil indiana sucumbiu
à concorrência dos tecidos de Manchester, tornando a Índia especializada na
produção de milhões de esfomeados, na verdade, mais devido ao exército
britânico que funcionou como regulador do mercado global do que por obra
e graça divina. Também num protectorado inglês chamado Portugal a
industrialização abortou sob a batuta de comerciantes de vinhos.
Neste contexto, o Estado restringia-se à cobrança de impostos para pagar a
defesa e a segurança que as nações tinham de possuir para se defenderem do
inimigo externo; para amaciar o azedume dos trabalhadores nacionais menos
encantados com a ordem estabelecida e massacrar colonizados recalcitrantes
em aceitar a “modernidade”.
2 – A mão invisível a monte e a mão pesada do Estado
Após a I Guerra Mundial não se compreendia à luz daquela economia
“clássica” porque o desemprego afinal não era um mero desajustamento entre
a oferta e a procura ou que a equação de Fisher não explicasse a inflação
galopante. Parece que a tal mãozinha invisível andava em parte incerta e que
a transposição dos mecanismos naturais não trazia o desejado equilíbrio.
Perante a miséria teórica da economia “clássica” não poderia a burguesia
aceitar a teoria marxista do valor, a alienação a favor do capitalista, a luta de
classes, o cariz político das relações sociais pois isso seria negar o carácter
“técnico” da sua economia e, mais grave, aceitar a sua incapacidade e
ilegitimidade históricas. Tornava-se, pois imperioso alterar alguma coisa para
que o mecanismo da exploração capitalista continuasse legitimado, pelo
menos enquanto a tal mão invisível estivesse a monte.
Foi inventada então, outra mão, bem mais visível – o Estado – que, sem perder
as suas funções tradicionais de polícia e guerreiro, trataria de impulsionar o
crescimento económico, cujo conceito era, aliás, estranho até então. E aceite
o crescimento, estava justificada a política económica, a actuação deliberada
de certos meios para atingir determinados fins e o incremento da carga fiscal. É
justo citar o principal criador da nova doutrina, o especulador financeiro, J M
Keynes.
Surge o New Deal como programa de gastos públicos para gerar crescimento
e reduzir o desemprego e nasce a segurança social (Beverege) para minorar os
estragos do capitalismo selvagem que para o revolucionário Carrapatoso e
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3. amigos terá sido obra de comunistas... Surge a planificação do crescimento
económico virado para a guerra (Alemanha nazi) ou a industrialização a todo
o vapor na URSS estalinista. É curioso comparar toda esta lógica de dinamismo
e voluntarismo com o elogio da ruralidade e do analfabetismo, regado a água
benta, no Portugal periférico do homem das botas, parido em terras de Santa
Comba Dão.
Após a II Guerra Mundial também ninguém pensou deixar às “forças do
mercado” a reconstrução física do aparelho produtivo e o Plano Marshall
encarregou-se de trazer bens e multinacionais americanas para a Europa e até
dólares para assegurar o retorno. Assiste-se ao grande crescimento dos
aparelhos de estado, à segmentação da política económica em política
industrial, agrícola, monetária, cambial, orçamental...; à nacionalização de
sectores basilares da actividade (metalurgia, química pesada, banca,
energia...); ao lançamento de sistemas universais de saúde, educação e
segurança social para assim se conseguir a brandura das direcções sindicais e
da esquerda reformista, bem como a desmobilização revolucionária da
multidão. Tudo, porém, sempre num plano nacional excepto no respeitante à
supremacia do dólar selada em Bretton Woods quando ainda havia canhões a
troar.
3 – O regresso da mãozinha invisível
Passados os chamados “gloriosos 30 anos” em que o crescimento económico
parecia poder atingir o céu, o modelo estiolou; a libra e o dólar deixaram de
equivaler a ouro, o petróleo deixa de ser quase dado. O capitalismo engendra
então um novo modelo económico em que o gasto público deixa de ser
virtuoso, Keynes é questionado, a privatização e o monetarismo são a
salvação. Na gaveta das teorias gastas, o capitalismo foi buscar de novo a
ideia da mão invisível, da concorrência, do mercado como o grande
regenerador e os trabalhadores como um bando de malandros a necessitar da
disciplina imposta por patrões, obviamente, iluminados gestores e criadores de
riqueza. E vem-nos à memória uma frase batida... Borges, Carrapatoso, Mexia,
Relvas e outras anti-sociais figuras.
A escola de Chicago e Milton Friedman inicia no Chile a aplicação dessas
velharias teóricas tornando Pinochet o campeão da reintrodução das regras
do mercado, da livre iniciativa, do progresso... Segue-se, já nos anos 80,
Thatcher, que iniciou com a sua postura face aos mineiros a transformação da
Inglaterra no país mais desigual da UE; e Reagan com o despedimento dos
controladores aéreos consolidando a dependência dos EUA, face à aceitação
do dólar, na economia mais parasitária (e endividada) do planeta.
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4. Os instrumentos reguladores das regras do mercado, da livre concorrência,
assentam numa profusão de instituições multilaterais, (FMI, UE, OCDE, OMC...)
colonizadas por funcionários das multinacionais e do sistema financeiro que se
parafraseiam umas às outras e indicam aos diplomatas o que devem dizer. O
receituário é conhecido: privatizações, desvalorização das moedas,
flexibilidade da legislação laboral, endividamento externo, redução dos gastos
públicos de carácter social o, que em resumo, significa maior pressão sobre a
multidão, saque dos haveres estatais e punção fiscal. Como factor de
integração desta panóplia convencionou-se a utilização do termo
globalização.
Passadas umas décadas a economia reassume hoje, a sua função religiosa,
desligada da vida social que, para tal efeito se deverá enquadrar na velha
axiomática abstracta e “natural”; concorrência, estabilização dos papéis de
ricos e pobres, de trabalhadores e capitalistas, de governantes e governados. E
fixados os parâmetros do equilíbrio, da perpetuidade da ordem social, só resta
para a actuação humana neste domínio, a gestão técnica dos recursos, como
é defendido pelas cabecinhas ocas dos comprometidos com Portugal,
emanação pretensamente regeneradora do desgastado mandarinato.
PS – Não resistimos à tentação de referir alguns aspectos de figuras que
recentemente transformaram o Beato em lixeira.
Nogueira Leite e Fernando Pacheco, universitários do biscate actualizaram
para 200 000, os 150 000 funcionários públicos a mais, avaliados pelo Borges, há
mais de dez anos. Como também são funcionários públicos incluíram-se
naqueles excedentários?
O colunável Nogueira Leite foi ainda acusado, há poucos anos, de plágio por
um grupo de técnicos do Banco de Portugal, mandados calar pela
administração para evitar a bronca.
O afamado gestor Mexia quando na Galp, pela sua incúria em montar sistemas
de segurança eficazes na refinaria de Matosinhos, foi o responsável pela morte
de dois trabalhadores em 2004, pouco antes de ingressar no governo do tonto
Santana, facto que não joga a favor da sua inteligência.
Setembro 2006
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