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Torre de Hanoi:jogando com a Matemática
                              Rufino, Elzimar de O. ∗
                                18 de maio de 2011


                                         Resumo
            As idéias principais deste artigo foram escritas em abril de 2006. Nosso
       objetivo aqui é mostrar como o jogo Torre de Hanoi pode ser utilizado
       como ferramenta valiosa em algumas situações do Ensino da Matemática,
       como por exemplo no estudo de exponenciais, funções exponenciais, loga-
       rítimos, progressão geométrica, função maior inteiro, indução matemática,
       etc.


       1     Um pouco de história
       O jogo tem origem em um mito indiano segundo o qual o centro do mundo
       encontra-se sob a cúpula de um templo situado em Benares, na Índia. Neste
       centro haveria uma placa de latão onde estariam fixados três pinos de dia-
       mente. Ao criar o mundo o deus Brahma teria colocado em um desses pinos
       sessenta e quatro discos de ouro, apoiados um sobre o outro de diâmetros
       decrescentes, estando o maior junto à placa e o menor no topo da pilha. Esta
       seria a Torre do Brahma. Segundo as leis imutáveis criadas por ele, os sacer-
       dotes teriam sido incubidos de transferir a pilha de discos para um dos out-
       ros pinos, trabalhando desde então, dia e noite sem sessar. Segundo o mito
       a vida decorrerá durante a realização de tal tarefa de transferência e, antes
       que os sacerdotes consigam levar a cabo a missão que receberam, o templo
       transformar-se-á em pó e o mundo desaparecerá, com um estrondo de trovão.
       No mundo ocidental o jogo foi inventado, a partir do mito pelo Matemático
       francês Edouard Lucas (4 de abril de 1842- 3 de outubro de 1891). A figura
       abaixo mostra uma Torre de Hanoi confeccionada em madeira.
   ∗
   Professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Roraima. Licenciado
em Matemática-UFRR, Especialista em Matemática-UFRR e Mestre em Matemática-UFAM.

                                            1
Figura 1: Torre de Hanoi

2    O objetivo e as regras
O objetivo principal do jogo é transladar a Torre de um pino para um dos
outros dois. As regras são simples: deve-se movimentar um disco de cada
vez, sendo que um disco qualquer nunca pode sobrepor outro de diâmetro
menor. Deve-se fazer a translação com um número mínimo de movimentos.


3    Algumas idéias sugestivas
O professor dispondo de várias Torres apresenta o jogo aos seus alunos
instigando-os a jogar começando com poucos discos e fazer anotações do
número de movimentos em uma tabela. Após jogarem bastante, provavel-
mente determinarão a tabela abaixo:

             número de discos      número de movimentos
                    1                        1
                    2                        3
                    3                        7
                    4                       15
                    5                       31

       Tabela 1: Número de discos e número de movimentos.

    A partir daí muitas idéias podem surgir dependendo da criatividade e
curiosidade dos participantes. Por exemplo, olhando a segunda coluna da
tabela acima como uma sequência pode-se perceber certa propriedade ou
uma lei de formação. Surgem então as seguintes perguntas:
   1- Que característica pode-se perceber na sequência (de cima para baixo)
formada pelos elementos da segunda coluna na tabela 1?

                                    2
Uma resposta esperada : cada elemento é o dobro do anterior mais
uma unidade.
    2- Como podemos representar essa propriedade matematicamente?
   3- Que propriedade ou relação existe entre o número de discos e o re-
spectivo número de movimentos?
   4- Dada uma quantidade de discos, como garantir que o número de
movimentos dado na tabela 1 é o número mínimo de movimentos?
    Vamos dar atenção agora à pergunta 2. Como expressar matemática-
mente a frase:cada elemento da sequência é o dobro do anterior mais
uma unidade. Surge a necessidade de se utilizar uma notação matemática
para cada termo, ou seja, para o primeiro, segundo, e assim por diante.
    Depois de verificadas as idéias dos alunos e os prós e contras, o professor
pode sugerir a notação utilizada na tabela abaixo.

                           termo        notação
                          primeiro        a1
                          segundo    a2 = 2a1 + 1
                          terceiro   a3 = 2a2 + 1
                           quarto    a4 = 2a3 + 1
                           quinto    a5 = 2a4 + 1

    De um modo geral, dado um número natural n temos an = 2an−1 + 1.
É claro que esta propriedade está apenas sendo conjecturada e a rigor teria
de ser demonstrada.


4     O número mínimo de movimentos
Manipulando os dados da primeira tabela , pode-se fazê-los perceber uma
função que determina o número mínimo de movimentos ao se jogar com
uma Torre com n discos. Vamos enunciar esse resultado e demonstrá-lo
formalmente. Porém, antes vamos ver dois lemas.

    Lema 1-Para qualquer n, o jogo tem solução.
    Prova: (Indução Matemática) Para n=1, obviamente o jogo tem solução.
Suponha que o jogo tenha solução para n = k discos, vamos mostrar que
possui solução para n = (k + 1) discos. Em uma Torre com n = (k + 1)
discos, a hipótese de indução nos diz que podemos transladar os k primeiros
discos para um dos dois pinos livres. Após feito isso, o (k + 1)−ésimo

                                      3
disco pode ser então transladado para o pino que ainda está livre. Usando
novamente a hipótese de indução podemos transladar os primeiros k discos
para cima do (k + 1)−ésimo disco e então o jogo estará solucionado.

   Lema 2-Acrescentando um disco ao jogo com uma Torre de n discos o
número de movimentos duplica mais uma unidade.
      Prova: É uma consequência do procedimento descrito na prova do Lema
1.
    Teorema- O número mínimo de movimentos ao se jogar com uma Torre
de n discos é dada pela função

                      f : N → N tal que f (n) = 2n − 1


    Prova: Seja f : N → N a função que determina a solução mínima para
um jogo com n discos garantida pelos Lemas 1 e 2. Pelo Lema 2, devemos
ter
                        f (n + 1) = 2f (n) + 1                      (1)
      ou ainda
                             f (n) = 2f (n − 1) + 1                          (2)
      Na equação (2) substituindo-se , n por n − 1, n − 2, n − 3, ..., 1, obtemos


f (n − 1) = 2f (n − 2) + 1, f (n − 2) = 2f (n − 3) + 1, , ..., f (1) = 1.

      Consequentemente, por sucessivas substituições (recorrência), resulta
que


                 f (n) = 2[2f (n − 2) + 1] + 1
                       = 22 f (n − 2) + 1 + 2
                       = 22 [2f (n − 3) + 1] + 1 + 2
                       = 23 f (n − 3) + 1 + 2 + 22
                       .
                       .
                       .
                       = 2n−1 f (1) + 1 + 2 + 22 + ... + 2n−2
                                  1 · 2n−1 − 1
                       = 2n−1 +
                                      2−1
                           n−1
                       = 2     − 1.


                                        4
a1 q n −1
   Note que utilizamos a fórmula Sn =       q−1       da soma dos n termos de
uma Progressão Geométrica.
   Vamos obter a expressão f (n) = 2n − 1 do número mínimo de movi-
mentos utiliando um outro olhar. Começaremos com uma
   Proposição- O número mínimo de movimentos realizados pelo disco
menor d1 em um jogo com n discos é dado pela expressão

                              gn (1) = 2n−1 .                             (3)


   Prova: (Indução matemática) Para n = 1 a proposição é válida visto
que, gn (1) = 1 = 21−1 .
   Suponhamos que a proposição seja válida para n = k, e vamos mostrar
que continua válida para n = k + 1. Devemos mostrar então a seguinte
implicação:

               gk (1) = 2k−1 ⇒ gk+1 (1) = 2(k+1)−1 = 2k .
    Veja que podemos transferir a Torre com k + 1 discos em três etapas
básicas:
    Etapa 1- Transferimos a Torre com k discos.
    Etapa 2- Transferimos a o disco dk+1 para o pino livre.
    Etapa 3- Transferimos a Torre com k discos para onde está o disco dk+1 .
    Assim, pela hipótese de indução, na etapa 1, o número mínimo de movi-
mentos do disco d1 é gk (1) = 2k−1 . Usando novamente a hipótese de in-
dução,o disco d1 se movimentará novamente na etapa 3, no mínimo, 2k−1
vezes. Portanto, ao transferirmos a Torre com k + 1 discos teremos movi-
mentado o disco d1 não menos que 2·2k−1 vezes, ou seja, gk+1 = 2·2k−1 =
2k como queríamos mostrar.
   Corolário- O número mínimo de movimentos realizados pelo disco di
em uma Torre com n discos é dado pela fórmula gn (i) = 2n−i .
    Prova- Observe que em um jogo com n discos, ao se transferir os i − 1
primeiros discos não se movimenta o disco di . Só apartir daí o disco di irá
se movimentar e imediatamente após cada um de seus movimentos os i − 1
primeiros discos irão sobrepô-lo (consequência da regra do jogo). Sendo
assim, para efeito de contagem, o disco di pode ser considerado o disco d1
em uma Torre com n − (i − 1) movimentos. Então devemos ter

                gn (i) = gn−(i−1) (1) = 2n−(i−1)−1 = 2i−1 .


                                     5
Por exemplo, jogando com uma Torre com 7 discos, a quantidade mín-
ima de movimentos realizados pelo d3 será

                           g7 (3) = 27−3 = 24 = 16.

    O interessante é que

                      (gn (n), gn (n − 1), ..., gn (2), gn (1))

é uma progressão geométrica de razão q = 2. Isso significa que um disco
de certo diâmetro movimenta-se o dobro de vezes que um disco de diâmetro
imediatamente maior.
    De acordo com o que vimos acima podemos obter a expresão f (n) que
determina o número mínimo de movimentos em um jogo com n discos
somando-se o número mínimo de movimentos de cada disco.Então
                 n
                                 1 · (2n − 1)
                      gn (i) =                = 2n − 1 = f (n).
                                     2−1
                i=1

    Corolário( do Corolário anterior)-Acrescentando um disco jogo, a quan-
tidade mínima de movimentos do disco di duplica.
    Prova: gn+1 (i) = 2n+1−i = 2 · 2n−i = 2gn (i).


5     Explorando o tempo
Uma idéia interessante é fazer uma estimativa do tempo gasto para o término
do jogo. Suponha que um jogador gaste um segundo para cada movimento.
O tempo gasto obviamente será f (n) segundos.
    Na mesma situação acima suponha que um jogador dispunha de 50 min-
utos. Ele poderá transferir uma Torre com no máximo quantos discos?
    Se os alunos observarem que 50 minutos equivalem a 3000 segundos,
tentarão (creio eu!) encontrar o maior valor de n tal que 2n − 1 = 3000 ou
2n − 1 esteja o mai próximo pssível de 3000. Verificarão, por exaustão, que
n = 11 e o tempo gasto será 2047 segundos.
    Para uso posterior vamos ver a definição da função maior inteiro.
   Definição- O maior inteiro de um número real x, denotado por x , é o
maior inteiro que é menor ou igual a x.
   Exemplos: 11, 56 = 11, −11, 56 = −12.
   A título de curiosidade apresentamos um gráfico desta função.Veja a
figura 2.

                                         6
Figura 2: Gráfico da função maior inteiro com x ∈ [−3, 3]

   O seguinte resultado nos dá uma estimativa do número de discos que se
pode movimentar dispondo-se de um um tempo pré-determinado.
    Teorema- Suponha que um jogador demore um segundo para movimen-
tar cada disco e que este dispõe de x segundos para jogar. Então, ele poderá
                                                 (x+1)
movimentar no máximo uma Torre com n = log2             discos.
    Prova: Como o número mínimo de movimentos é f (n) = 2n − 1 e
leva-se um segundo para movimentar cada disco, procuramos um n tal que
2n − 1 = x, ou esteja o mais próximo possível de x pela esquerda.
                                                       (x+1)
    Seja r ∈ R tal que 2r = x + 1, ou seja, r = log2         . Basta tomar
n= r .
    Os alunos logo perceberão que a tarefa de jogar com muitos discos é
ilusória. Jogando com 12 discos nas condições do teorema, o tempo gasto
seria mais de uma hora e imaginem que para um jogo com 64 discos se-
riam necessários 184447440737095511615 segundos, o que equivale a um
tempinho de cerca de 6 bilhões de séculos.
    Como se vê, acreditando ou não no mito, ainda terímos a existência de
nosso mundinho por muito tempo.


6    Idéias para vencer o jogo
Aqui usaremos a notação (i, j) para representar a transferência do disco di
para o pino j e Tn para uma Torre com n discos. Podemos considerar os
pinos 1, 2 e 3 da esquerda para a direita. Abaixo temos a sequência de
jogadas para um jogo com três discos, onde a Torre é transferida para o pino
2.


      (1, 2) → (2, 3) → (1, 3) → (3, 2) → (1, 1) → (2, 2) → (1, 2).


                                     7
Note que para transferir a Torre com 3 discos para o pino j devemos
começar movimentando o disco d1 para o pino j.
    Considere agora uma Torre com n discos. Ao transferir T3 estará lib-
erado um pino para a transferência de d4 . Transfira d4 e translade T3 para
onde está d4 , resultando aí T4 . Estará liberado um pino para a transferência
de d5 . Transfira d5 e transfira T4 para onde está d5 observando o processo
anterior. Continuando, sempre estará liberado um pino para a transferên-
cia de di . Transfira di e em seguida Ti−1 para onde está di . O jogo estará
terminado quando i = n.
    Para realizar o procedimento descrito anteriormente é necessário estar
atento para a paridade de i:
    Se i for par e deseja-se transferir Ti para o pino j, o procedimento
inicial deverá ser (1, k) onde k = j. Se i for ímpar, o procedimento inicial
deverá ser (1, j).
    Para considerações mais rigorosas a respeito de um algorítimo vencedor
sugerimos ao leitor consultar [1].
    Com um pouco de esforço muitas outras situações matemáticas podem
ser exploradas com o auxílio do jogo Torre de Hanoi.


Referências
 [1] Silva,Gentil Lopes. Novas Sequências Aritméticas e Geométri-
     cas.THESAURUS-DF, 2000.
 [2] MACHADO, Nilson José. Matemática e Educação: Alegorias e Temas
     Afins. Cortez, São Paulo,2001.
 [3] HEFEZ, Abramo. Elementos de Aritmática. Sociedade Brasileira de
     Matemática, Rio de Janeiro,2005.




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Torre de Hanoi: jogando com a Matemática

  • 1. Torre de Hanoi:jogando com a Matemática Rufino, Elzimar de O. ∗ 18 de maio de 2011 Resumo As idéias principais deste artigo foram escritas em abril de 2006. Nosso objetivo aqui é mostrar como o jogo Torre de Hanoi pode ser utilizado como ferramenta valiosa em algumas situações do Ensino da Matemática, como por exemplo no estudo de exponenciais, funções exponenciais, loga- rítimos, progressão geométrica, função maior inteiro, indução matemática, etc. 1 Um pouco de história O jogo tem origem em um mito indiano segundo o qual o centro do mundo encontra-se sob a cúpula de um templo situado em Benares, na Índia. Neste centro haveria uma placa de latão onde estariam fixados três pinos de dia- mente. Ao criar o mundo o deus Brahma teria colocado em um desses pinos sessenta e quatro discos de ouro, apoiados um sobre o outro de diâmetros decrescentes, estando o maior junto à placa e o menor no topo da pilha. Esta seria a Torre do Brahma. Segundo as leis imutáveis criadas por ele, os sacer- dotes teriam sido incubidos de transferir a pilha de discos para um dos out- ros pinos, trabalhando desde então, dia e noite sem sessar. Segundo o mito a vida decorrerá durante a realização de tal tarefa de transferência e, antes que os sacerdotes consigam levar a cabo a missão que receberam, o templo transformar-se-á em pó e o mundo desaparecerá, com um estrondo de trovão. No mundo ocidental o jogo foi inventado, a partir do mito pelo Matemático francês Edouard Lucas (4 de abril de 1842- 3 de outubro de 1891). A figura abaixo mostra uma Torre de Hanoi confeccionada em madeira. ∗ Professor do Departamento de Matemática da Universidade Federal de Roraima. Licenciado em Matemática-UFRR, Especialista em Matemática-UFRR e Mestre em Matemática-UFAM. 1
  • 2. Figura 1: Torre de Hanoi 2 O objetivo e as regras O objetivo principal do jogo é transladar a Torre de um pino para um dos outros dois. As regras são simples: deve-se movimentar um disco de cada vez, sendo que um disco qualquer nunca pode sobrepor outro de diâmetro menor. Deve-se fazer a translação com um número mínimo de movimentos. 3 Algumas idéias sugestivas O professor dispondo de várias Torres apresenta o jogo aos seus alunos instigando-os a jogar começando com poucos discos e fazer anotações do número de movimentos em uma tabela. Após jogarem bastante, provavel- mente determinarão a tabela abaixo: número de discos número de movimentos 1 1 2 3 3 7 4 15 5 31 Tabela 1: Número de discos e número de movimentos. A partir daí muitas idéias podem surgir dependendo da criatividade e curiosidade dos participantes. Por exemplo, olhando a segunda coluna da tabela acima como uma sequência pode-se perceber certa propriedade ou uma lei de formação. Surgem então as seguintes perguntas: 1- Que característica pode-se perceber na sequência (de cima para baixo) formada pelos elementos da segunda coluna na tabela 1? 2
  • 3. Uma resposta esperada : cada elemento é o dobro do anterior mais uma unidade. 2- Como podemos representar essa propriedade matematicamente? 3- Que propriedade ou relação existe entre o número de discos e o re- spectivo número de movimentos? 4- Dada uma quantidade de discos, como garantir que o número de movimentos dado na tabela 1 é o número mínimo de movimentos? Vamos dar atenção agora à pergunta 2. Como expressar matemática- mente a frase:cada elemento da sequência é o dobro do anterior mais uma unidade. Surge a necessidade de se utilizar uma notação matemática para cada termo, ou seja, para o primeiro, segundo, e assim por diante. Depois de verificadas as idéias dos alunos e os prós e contras, o professor pode sugerir a notação utilizada na tabela abaixo. termo notação primeiro a1 segundo a2 = 2a1 + 1 terceiro a3 = 2a2 + 1 quarto a4 = 2a3 + 1 quinto a5 = 2a4 + 1 De um modo geral, dado um número natural n temos an = 2an−1 + 1. É claro que esta propriedade está apenas sendo conjecturada e a rigor teria de ser demonstrada. 4 O número mínimo de movimentos Manipulando os dados da primeira tabela , pode-se fazê-los perceber uma função que determina o número mínimo de movimentos ao se jogar com uma Torre com n discos. Vamos enunciar esse resultado e demonstrá-lo formalmente. Porém, antes vamos ver dois lemas. Lema 1-Para qualquer n, o jogo tem solução. Prova: (Indução Matemática) Para n=1, obviamente o jogo tem solução. Suponha que o jogo tenha solução para n = k discos, vamos mostrar que possui solução para n = (k + 1) discos. Em uma Torre com n = (k + 1) discos, a hipótese de indução nos diz que podemos transladar os k primeiros discos para um dos dois pinos livres. Após feito isso, o (k + 1)−ésimo 3
  • 4. disco pode ser então transladado para o pino que ainda está livre. Usando novamente a hipótese de indução podemos transladar os primeiros k discos para cima do (k + 1)−ésimo disco e então o jogo estará solucionado. Lema 2-Acrescentando um disco ao jogo com uma Torre de n discos o número de movimentos duplica mais uma unidade. Prova: É uma consequência do procedimento descrito na prova do Lema 1. Teorema- O número mínimo de movimentos ao se jogar com uma Torre de n discos é dada pela função f : N → N tal que f (n) = 2n − 1 Prova: Seja f : N → N a função que determina a solução mínima para um jogo com n discos garantida pelos Lemas 1 e 2. Pelo Lema 2, devemos ter f (n + 1) = 2f (n) + 1 (1) ou ainda f (n) = 2f (n − 1) + 1 (2) Na equação (2) substituindo-se , n por n − 1, n − 2, n − 3, ..., 1, obtemos f (n − 1) = 2f (n − 2) + 1, f (n − 2) = 2f (n − 3) + 1, , ..., f (1) = 1. Consequentemente, por sucessivas substituições (recorrência), resulta que f (n) = 2[2f (n − 2) + 1] + 1 = 22 f (n − 2) + 1 + 2 = 22 [2f (n − 3) + 1] + 1 + 2 = 23 f (n − 3) + 1 + 2 + 22 . . . = 2n−1 f (1) + 1 + 2 + 22 + ... + 2n−2 1 · 2n−1 − 1 = 2n−1 + 2−1 n−1 = 2 − 1. 4
  • 5. a1 q n −1 Note que utilizamos a fórmula Sn = q−1 da soma dos n termos de uma Progressão Geométrica. Vamos obter a expressão f (n) = 2n − 1 do número mínimo de movi- mentos utiliando um outro olhar. Começaremos com uma Proposição- O número mínimo de movimentos realizados pelo disco menor d1 em um jogo com n discos é dado pela expressão gn (1) = 2n−1 . (3) Prova: (Indução matemática) Para n = 1 a proposição é válida visto que, gn (1) = 1 = 21−1 . Suponhamos que a proposição seja válida para n = k, e vamos mostrar que continua válida para n = k + 1. Devemos mostrar então a seguinte implicação: gk (1) = 2k−1 ⇒ gk+1 (1) = 2(k+1)−1 = 2k . Veja que podemos transferir a Torre com k + 1 discos em três etapas básicas: Etapa 1- Transferimos a Torre com k discos. Etapa 2- Transferimos a o disco dk+1 para o pino livre. Etapa 3- Transferimos a Torre com k discos para onde está o disco dk+1 . Assim, pela hipótese de indução, na etapa 1, o número mínimo de movi- mentos do disco d1 é gk (1) = 2k−1 . Usando novamente a hipótese de in- dução,o disco d1 se movimentará novamente na etapa 3, no mínimo, 2k−1 vezes. Portanto, ao transferirmos a Torre com k + 1 discos teremos movi- mentado o disco d1 não menos que 2·2k−1 vezes, ou seja, gk+1 = 2·2k−1 = 2k como queríamos mostrar. Corolário- O número mínimo de movimentos realizados pelo disco di em uma Torre com n discos é dado pela fórmula gn (i) = 2n−i . Prova- Observe que em um jogo com n discos, ao se transferir os i − 1 primeiros discos não se movimenta o disco di . Só apartir daí o disco di irá se movimentar e imediatamente após cada um de seus movimentos os i − 1 primeiros discos irão sobrepô-lo (consequência da regra do jogo). Sendo assim, para efeito de contagem, o disco di pode ser considerado o disco d1 em uma Torre com n − (i − 1) movimentos. Então devemos ter gn (i) = gn−(i−1) (1) = 2n−(i−1)−1 = 2i−1 . 5
  • 6. Por exemplo, jogando com uma Torre com 7 discos, a quantidade mín- ima de movimentos realizados pelo d3 será g7 (3) = 27−3 = 24 = 16. O interessante é que (gn (n), gn (n − 1), ..., gn (2), gn (1)) é uma progressão geométrica de razão q = 2. Isso significa que um disco de certo diâmetro movimenta-se o dobro de vezes que um disco de diâmetro imediatamente maior. De acordo com o que vimos acima podemos obter a expresão f (n) que determina o número mínimo de movimentos em um jogo com n discos somando-se o número mínimo de movimentos de cada disco.Então n 1 · (2n − 1) gn (i) = = 2n − 1 = f (n). 2−1 i=1 Corolário( do Corolário anterior)-Acrescentando um disco jogo, a quan- tidade mínima de movimentos do disco di duplica. Prova: gn+1 (i) = 2n+1−i = 2 · 2n−i = 2gn (i). 5 Explorando o tempo Uma idéia interessante é fazer uma estimativa do tempo gasto para o término do jogo. Suponha que um jogador gaste um segundo para cada movimento. O tempo gasto obviamente será f (n) segundos. Na mesma situação acima suponha que um jogador dispunha de 50 min- utos. Ele poderá transferir uma Torre com no máximo quantos discos? Se os alunos observarem que 50 minutos equivalem a 3000 segundos, tentarão (creio eu!) encontrar o maior valor de n tal que 2n − 1 = 3000 ou 2n − 1 esteja o mai próximo pssível de 3000. Verificarão, por exaustão, que n = 11 e o tempo gasto será 2047 segundos. Para uso posterior vamos ver a definição da função maior inteiro. Definição- O maior inteiro de um número real x, denotado por x , é o maior inteiro que é menor ou igual a x. Exemplos: 11, 56 = 11, −11, 56 = −12. A título de curiosidade apresentamos um gráfico desta função.Veja a figura 2. 6
  • 7. Figura 2: Gráfico da função maior inteiro com x ∈ [−3, 3] O seguinte resultado nos dá uma estimativa do número de discos que se pode movimentar dispondo-se de um um tempo pré-determinado. Teorema- Suponha que um jogador demore um segundo para movimen- tar cada disco e que este dispõe de x segundos para jogar. Então, ele poderá (x+1) movimentar no máximo uma Torre com n = log2 discos. Prova: Como o número mínimo de movimentos é f (n) = 2n − 1 e leva-se um segundo para movimentar cada disco, procuramos um n tal que 2n − 1 = x, ou esteja o mais próximo possível de x pela esquerda. (x+1) Seja r ∈ R tal que 2r = x + 1, ou seja, r = log2 . Basta tomar n= r . Os alunos logo perceberão que a tarefa de jogar com muitos discos é ilusória. Jogando com 12 discos nas condições do teorema, o tempo gasto seria mais de uma hora e imaginem que para um jogo com 64 discos se- riam necessários 184447440737095511615 segundos, o que equivale a um tempinho de cerca de 6 bilhões de séculos. Como se vê, acreditando ou não no mito, ainda terímos a existência de nosso mundinho por muito tempo. 6 Idéias para vencer o jogo Aqui usaremos a notação (i, j) para representar a transferência do disco di para o pino j e Tn para uma Torre com n discos. Podemos considerar os pinos 1, 2 e 3 da esquerda para a direita. Abaixo temos a sequência de jogadas para um jogo com três discos, onde a Torre é transferida para o pino 2. (1, 2) → (2, 3) → (1, 3) → (3, 2) → (1, 1) → (2, 2) → (1, 2). 7
  • 8. Note que para transferir a Torre com 3 discos para o pino j devemos começar movimentando o disco d1 para o pino j. Considere agora uma Torre com n discos. Ao transferir T3 estará lib- erado um pino para a transferência de d4 . Transfira d4 e translade T3 para onde está d4 , resultando aí T4 . Estará liberado um pino para a transferência de d5 . Transfira d5 e transfira T4 para onde está d5 observando o processo anterior. Continuando, sempre estará liberado um pino para a transferên- cia de di . Transfira di e em seguida Ti−1 para onde está di . O jogo estará terminado quando i = n. Para realizar o procedimento descrito anteriormente é necessário estar atento para a paridade de i: Se i for par e deseja-se transferir Ti para o pino j, o procedimento inicial deverá ser (1, k) onde k = j. Se i for ímpar, o procedimento inicial deverá ser (1, j). Para considerações mais rigorosas a respeito de um algorítimo vencedor sugerimos ao leitor consultar [1]. Com um pouco de esforço muitas outras situações matemáticas podem ser exploradas com o auxílio do jogo Torre de Hanoi. Referências [1] Silva,Gentil Lopes. Novas Sequências Aritméticas e Geométri- cas.THESAURUS-DF, 2000. [2] MACHADO, Nilson José. Matemática e Educação: Alegorias e Temas Afins. Cortez, São Paulo,2001. [3] HEFEZ, Abramo. Elementos de Aritmática. Sociedade Brasileira de Matemática, Rio de Janeiro,2005. 8