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Direito, escassez e escolha
Os direitos sociais ganharam espaço na vida do cidadão durante o século XIX. A Revolução Industrial foi
palco para a consagração desses direitos, pois apesar de trazer desenvolvimento econômico, sacrificou a
classe trabalhadora e aqueles que se encontravam à margem da sociedade, gerando inconformismo e
fazendo com que fosse necessária a intervenção estatal na prestação de mecanismos capazes de
realizar a justiça social.
Tais direitos só alcançariam força e seriam plenamente exigíveis a partir do momento que fossem
incluídos formalmente nas Constituições mundo a fora.E essa foi a tendência durante o século XX. As
Constituições Mexicana (de 1917) e de Weimar (de 1919), foram pioneiras ao incluir em seus textos as
normas que definem os direitos sociais.
Em contraposição aos direitos de primeira dimensão que dependem, em regra, do não agir estatal, o
reconhecimento dos direitos de segunda dimensãoeconômicos, sociais e culturais tem um grau de
complexidade elevado quanto a sua efetivação, pois, necessitam basicamente da atuação positiva do
Poder Público.
Desta feita, o Estado torna-se responsável em oferecer os meios necessários à concretude dos direitos
fundamentais, sejam eles, de primeira, segunda ou terceira dimensão, estes últimos são os direitos de
toda humanidade, "fruto do sentimento de solidariedade mundial que brotou como reação aos abusos
praticados durante o regime nazista.
A Constituição Federal de 1988 acompanhou o espírito mundial em relação ao prestígio dado aos direitos
sociais, após a Segunda Guerra e, destinou capítulo específico para elencá-los. Apesar da importância
dispensada à eles, ou seja, encontram-se no rol de direitos materialmente fundamentais, a sua eficácia é
reduzida e, sua aplicação imediata, conforme explicita o artigo 5º, §1º da Constituição, é controvertida.
Há de asseverar que, o reconhecimento da normatividade e exigibilidade dos direitos sociais é
fundamental para a efetivação e exaltação do Estado Democrático de Direito. Marmelstein trata com
propriedade dos direitos sociais e os define como:
[....] à luz do direito positivo-constitucional brasileiro, verdadeiros direitos fundamentais, tanto em sentido
formal (pois estão na Constituição e têm status de norma constitucional) quanto em sentido material (pois
são valores intimamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana).
o presente trabalho resguarda-se no estudo das políticas públicas, naquilo que compreende a sua
definição, formulação e execução, o que sempre esbarra na questão orçamentária. E no controle
jurisdicional, quando este disser respeito à atuação ou omissão estatal na elaboração e cumprimento das
políticas essenciais para a consagração dos direitos prestacionais.
Em outro momento, aborda-se a reserva do possível, como forma de ponderar atuação do Poder Público
na ausência de fixação de políticas sociais para a efetivação dos direitos de segunda dimensão, posto
que, estes direitos estão subordinados a alocação de recursos.
Confrontando a ideia de respeito à teoria da reserva do possível, o ensaio discorre acerca do mínimo
existencial, a sua relação com a dignidade da pessoa humana, sendo ele "o conteúdo essencial dos
direitos fundamentais" .
É debatida à legitimidade do Poder Judiciário na concretização das políticas públicas, como meio de
garantir a realização dos direitos prestacionais. Vislumbra-se que, diante do caso concreto, a via judicial
torna-se apta para assegurar a efetivação de tais direitos.
Dentre as atividades que o administrador público desempenha, encontra-se a formulação e execução das
políticas públicas utilizadas para alcançar a efetivação dos direitos sociais e garantir o desenvolvimento e
bem estar da sociedade.
Nesse sentido, é necessário que se determine o que seriam políticas públicas, posto que, a limitação
desse conceito, é interessante para a presente análise. Nas palavras de Appio estas,
[....] podem ser conceituadas, portanto, como instrumentos de execução de programas políticos baseados
na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos
cidadãos, tendo como escopo assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos os
cidadãos .
Ao determinar a finalidade da política pública, pode-se vislumbrar a sua relação com os direitos sociais,
tendo em vista que, é por meio dos programas de governo que se resguarda, por exemplo, o direito à
saúde, quando há o fornecimento gratuito de vacinas, se adquire medicamento que amenize enfermidade
grave, ou até mesmo, paga-se tratamento de alto valor econômico. É através das políticas elaboradas
que são traçados objetivos e alcançadas as metas essenciais para a concretude dos valores
estabelecidos em nossa Carta Magna.
Caberá ao Estado através do planejamento e execução das ações fornecer os meios de proteção e
exaltação do princípio basilar constitucional, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Fortalecendo essa
afirmativa, Barcellos, diz que:
[....] a Constituição de 1988 efetivamente ocupou-se das condições materiais de existência dos indivíduos,
pressuposto de sua dignidade, dedicando-lhe considerável espaço no texto constitucional e impondo a
todos os entes da Federação a responsabilidade comum de alcançar os objetivos relacionados com o
tema
Restringe-se nesse momento, a abordagem acerca das políticas elaboradas em preservação ao direito à
saúde, como forma de contextualizar a importância da criação e efetiva execução de determinadas ações
estatais.
A Constituição de 1988 reservou espaço especial para cuidar do direito à saúde. A redação do art. 196,
que trata desse assunto, é clara ao dizer que, a saúde é direito dos cidadãos e o Estado tem a obrigação
de fornecer os aspectos materiais essenciais para a sua efetivação. O texto constitucional buscava um
Estado intervencionista como forma de assegurar a democracia na sociedade, buscando combater as
desigualdades sociais existentes.
Hoje, a situação mudou um pouco, o Estado está cada vez menos presente na vida em sociedade. Criamse as políticas sociais como forma de prestação mínima àqueles que não dispõem de recursos e, as
políticas econômicas como meio de regular as operações relacionadas ao assunto, posto que, a sua
desestabilização acarretaria danos inimagináveis.
Uma observação importante a ser feita é a escassez de recursos versus a multiplicidade das
necessidades da população, pois, mesmo o Estado ausente dessas relações, ainda é fundamental e
necessária sua participação na vida do povo. E diante da insuficiência financeira, é preciso que o
administrador/legislador use da discricionariedade na escolha da destinação desses recursos.
A efetivação do direito a saúde necessita de diversos mecanismos, sejam eles, medidas que previnam
doenças, saneamento básico, higiene, enfim, alternativas que evitem as enfermidades que acometem o
cidadão. Principalmente aquele de baixa renda, que não tem fundos suficientes para tratar de sua saúde
na rede particular e, depende da atividade pública ou do desembolso de verba destinada a tratamento
específico, para ter o seu direito constitucional assegurado.
A questão da discricionariedade do administrador/legislador, bem como, o orçamento diminuto colabora
para que surja um impasse, pois o Estado não tem capacidade de arcar com os gastos e, outras vezes,
não realiza a melhor escolha para atingir os seus fins. A esse respeito, Mello, adverte que, "só pode
pretender, tanto nos casos de vinculação, quanto nos casos de discrição, que a conduta do administrador
atenda excelentemente, à perfeição, a finalidade que a animou"
Por tratar-se de direito, a garantia fundamental à saúde, pode ter sua efetivação consagrada através do
Judiciário, em respeito ao exposto no art. 5º, XXXV da CF, "a lei não excluirá da apreciação do Pode
Judiciário lesão ou ameaça ao direito", bem como, ao §1º do mesmo dispositivo, que diz, "as normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". É acerca da efetivação através
dos tribunais e do controle das políticas públicas que trataremos em seguida.
Embora os direitos sociais tenham força normativa e ocupem espaço de destaque na Constituição, não
estão sendo auto-aplicáveis, contrariando o §1º do art. 5º da CF e, no mesmo sentido nem auto-exigíveis.
Para Marmelstein tais direitos são:
[....] de tal magnitude para a ordem constitucional que sua efetividade não pode dependerde decisões
políticas dos representantes das maiorias (Legislativo ou Executivo), o que justifica maior interferência
judicial na busca da concretização máxima dessas normas, mesmo na ausência de uma regulamentação
infraconstitucional .
Recorre-se à Justiça na tentativa de se ter de forma eficaz a prática de ações que visem à concretização
dos valores constitucionais. "O controle judicial das políticas públicas se dá, por conseguinte, em caráter
preventivo, concomitante e sucessivo à implementação dos programas públicos sociais e econômicos"
.No pensamento de Jorge Neto, a omissão do Estado ou a sua insuficiência na concretização desses fins,
possibilita o controle judicial das políticas públicas .
Discute-se acerca da legitimidade do Poder Judiciário na implementação das políticas públicas, como
meio de garantir a efetivação dos direitos sociais. Posto que, os juízes não foram eleitos pelo voto
popular, dessa forma, em uma democracia representativa, como é o modelo brasileiro, não estariam os
magistrados autorizados a invadir uma esfera reservada ao Legislativo e Executivo, ferindo dessa forma o
princípio da separação dos poderes.
Porém, a esfera judicial, é apenas substitutiva, ou seja, na ausência injustificada da atuação do Estado na
realização dos preceitos constitucionais, estaria sim, habilitado o Judiciário para garantir o cumprimento
da tutela pleiteada. Ilustrando essa ideia, Jorge Neto discorre que:
O desafio que se apresenta, para garantia dos direitos de segunda e terceira dimensões, está em um
ponto de interseção importante e aparentemente incontornável entre as funções legislativas e executiva,
que autorizam, planejam e executam as políticas públicas, e a judiciária, que deve garantir a efetivação
desses direitos
É preciso reforçar que, não é a princípio, incumbência do Judiciário a efetivação dos direitos sociais, já
que, esta se daria através da execução de políticas públicas e este encargo é primariamente do
Executivo. Porém, quando o caso concreto dispuser, o Judiciário poderá apreciar a demanda desde que
não se intrometa nos critérios de conveniência e oportunidade dos planos de governo, e tão somente,
garanta um cumprimento racional dos preceitos constitucionais e, consequentemente, exerça sua função
de guardião da Constituição, sobretudo, na defesa da concretização de direitos por ela definidos como
imprescindíveis.
A doutrina e a jurisprudência encontram-se divididas no que diz respeito ao ativismo judicial,
principalmente em relação à revisão dos atos meramente políticos da Administração Pública. De um lado,
encontram-se os que se defendem que este papel caberia àqueles que foram delegados pelo povo, ou
seja, aos que exercem mandato eletivo. Do outro, os que veem a esfera judicial como instrumento
democrático, onde o cidadão através da prestação jurisdicional pode ter seu direito reconhecido e tão
logo, efetivado.
Se filiando a corrente que discorda dessa intromissão judicial, o pensamento de Canotilho ao levantar que
os tribunais não são órgãos de conformação social, dessa forma, não poderão fazer controle judicial da
realização dos direitos sociais (2002). Desfrutando da mesma ideia, manifesta-se Leal, quando assegura
que:
[....] a administração financeira do Estado, bem como a definição de estratégias e políticas para a melhor
aplicação dos recursos públicos a fim de atender às necessidades da população, por óbvio, fogem da
alçada do Poder Judiciário(2005).
Em lado oposto, há autores que sustentam a viabilidade do Poder Judiciário em efetivar as políticas
públicas, seja na sua formulação ou criando meios para a sua execução, quando omisso o Executivo.
Para tanto, buscam critérios de aferição dos limites e das condições plausíveis do Estado para assegurar
os direitos sociais. É por esse caminho, que Appio, diz:
Não havendo a reserva absoluta da lei, a intervenção judicial na própria formulação das políticas públicas
se mostra compatível com a democracia, desde que observados mecanismos de comunicação entre a
instância judicial e a sociedade através das instâncias de democracia participativa .
Argumentando também a favor da possibilidade de atuação judicial Barroso, diz, "onde não haja lei ou
ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir" (2005).
Para finalizar esse entendimento, Jorge Neto, acredita que o Poder Judiciário é um meio democrático,
posto que, se encontra mais próximo ao cidadão e este pode recorrer a esta esfera na busca da
implementação dos seus direitos, o que da mesma forma não ocorreria nas demais esferas do Estado.
Dessa discussão, aponta-se o conflito entre o princípio da separação dos poderes e o princípio da
máxima efetividade dos direitos fundamentais. É nesse ínterim, que fica caracterizada a complexidade do
assunto, posto que, atendendo a um desses princípios em detrimento do outro, pode-se sob uma
vertente, possibilitar a não efetivação e concretização dos direitos fundamentais, sob outra, o Judiciário
poderia se tornar uma via corriqueira para a tomada de decisões políticas .
A concretização dos direitos sociais se submete à disponibilidade de recursos financeiros para que sejam
executadas as políticas públicas. Talvez seja esse o maior entrave para a não aplicação das políticas
essenciais para o desenvolvimento e bem estar social, indisponibilidade da alocação de verbas.
A reserva do possível é sempre aplicada perante a escassez de recursos, pois diante do caso concreto, o
Poder Público não tendo recursos materiais para implementar os programas de governo, terá de ser
razoável na escolha da destinação daquele orçamento reduzido.
O Tribunal Constitucional Federal alemão foi precursor na aplicação da teoria da reserva do possível em
decisão, quando "decidiu que os direitos constitucionais individuais devem ser racionalmente limitados
pelas possibilidades da coletividade" .
O caso levado à Corte alemã tratava da limitação da quantidade de vagas destinadas aos universitários
aprovados no curso de medicina na Universidade de Hamburgo e Munique. Pretendia-se que, inexistisse
essa limitação de vagas, tendo como fundamento, o artigo 12 da Lei Fundamental da Alemanha, que
garantia ao cidadão escolher sua profissão e seu centro de formação.
O Tribunal em conveniência com a reserva do possível considerou inaplicável a possibilidade do aumento
do número de vagas, considerando a prestação buscada desproporcional aos gastos que se teria para o
seu alcance. Em relação à discussão, é razoável acreditar que, o pedido realizado deve respeitar aquilo
que o cidadão pode requerer do Estado, pois mesmo este tendo capacidade financeira, não estará
obrigado a prestar demandas irrazoáveis (SARLET, 2006).
Sob a alegação de insuficiência de verba, o Estado não poderá se eximir sempre da realização das suas
atividades, em especial, da aplicação das políticas públicas que garantem a efetivação dos direitos
prestacionais. Caberá ao Poder Público, provar que inexiste orçamento para o cumprimento do seu dever.
No entanto, diante da imensa necessidade do cidadão, vê-se que o Estado brasileiro é reconhecidamente
privado de recurso financeiro para abranger todas. Dessa forma, o Estado-Juiz ao apreciar uma demanda
deverá respeitar esse fator e, com isso, decidir de tal maneira que em favor de um direito, não prive
outros tantos.
É delicado para o julgador, quando ocorrer no caso específico, uma situação onde de um lado estar o
Poder Público sem verba suficiente para cumprir a determinação legal, do outro, o cidadão órfão da
prestação dos seus direitos. Nesse sentido, o juiz terá de observar se a medida adotada será a mais
adequada. É nesse ponto que se critica a atuação do magistrado, pois, em determinadas demandas ele
não possui conhecimento técnico, bem como, desconhece a carência dos cofres públicos. As decisões
judiciais devem ser fundamentadas em dados reais, respeitar e compilar os principais princípios que
regem o Estado brasileiro, como forma de assegurar um resultado justo, onde aquela decisão não traga
impacto negativo para o Estado e muito menos para o cidadão.
O impacto no orçamento público deve ser um dos pontos mais bem analisados quando a demanda
judicial disser a esse respeito, posto que, os resultados negativos para os cofres públicos poderão trazer
mais danos que benefícios. Além de viabilizar a não-efetivação das demais demandas. É nesse sentido
que a atuação judicial deverá usar da ponderação e tomar tecnicamente a melhor escolha.
A teoria da reserva do possível reflete como melhor argumento para assegurar a não implementação da
consagração dos direitos sociais, por isso, sofre críticas, como bem relata Barcellos que:
[....] na ausência de um estudo mais aprofundado, a reserva do possível funcionou muitas vezes como o
mote mágico, porque assustador e desconhecido, que impedia qualquer avanço na sindicabilidade dos
direitos sociais" .
Quando não efetivados os direitos sociais prestigiados pela Carta Magna perdem sua força normativa,
passando a ser meros axiomas, subordinados a fatores como a questão orçamentária. Nesse sentido
adverte Sarlet que:
[....] a reserva do possível há de ser encarada com reservas, também é certo que as limitações da reserva
do possível não são, em si mesmas, uma falácia, como já se disse mais de uma vez entre nós. O que tem
sido, de fato, falaciosa é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nós
como argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo
da efetivação de direitos fundamentais, especialmente de cunho social .
Agindo dentro das suas atribuições, o Judiciário apreciará todas as questões que lhe baterem à porta,
porém, em relação à implementação das políticas públicas, o ativismo judicial deverá exaltar
primariamente os preceitos constitucionais, mas para isso, será necessária a ponderação dos valores
envolvidos, ou seja, respeito à escassez do orçamento público, bem como, respeito à força trazida pelos
direitos sociais. Credibilizando esse entendimento, o Min. Celso de Mello ao relatar seu voto da ADPF
45/2004, proferiu que:
Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de
concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um
binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face
do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas
as prestações positivas dele reclamadas.
Um dos mais fortes argumentos em defesa da exigibilidade dos direitos fundamentais e sua aplicabilidade
imediata é a sua relação com o princípio basilar do direito, dignidade da pessoa humana. Tal princípio,
"apresenta-se como núcleo intangível dos direitos fundamentais". É por meio desse argumento que se
busca a efetivação do mínimo existencial, ou seja, é dever do Poder Público para assegurar a
preservação da dignidade da pessoa humana, o fornecimento do mínimo essencial para o indivíduo.
Dificulta-se quanto a sua aplicação, o mínimo existencial, pela imprecisão do seu conteúdo, além do que,
o Estado brasileiro é carente, o que torna complicado dizer que o administrador não presta nem o mínimo
de assistência aos seus cidadãos. Apesar de no país existirem milhões de miseráveis, o governo não tem
condições orçamentárias de arcar com todas essas mazelas, é inviável para a administração assegurar a
prestação de todos os direitos assegurados constitucionalmente.
Para fins de conceituação, Jorge Neto, ao tratar de mínimo existencial, diz que este "apresenta-se muito
mais como uma ideia conceitual ou um topos argumentativo que como uma regra concreta que assegure
a intervenção do Poder Judiciário e adequada efetivação de determinadas políticas públicas" .
Barcellos acredita que, "o mínimo existencial corresponde ao conjunto de situações materiais
indispensáveis à existência humana digna" . Porém, ele só poderá ser delimitado e reconhecido quando
estiver no caso concreto, o administrador/legislador através do caso em espécie é que poderá reconhecer
o quanto e como será prestada a política pública para assegurar sua efetivação e, na omissão ou ineficaz
atuação dessa atividade por parte do administrador/legislador, é que o Poder Judiciário intrometer-se-á.
A questão do mínimo existencial não é só de cunho social, ou seja, sua prestação não se dará apenas
com a elaboração de programas assistenciais, como Bolsa-Família, é necessária a alocação de verbas,
melhor dizendo, a arrecadação cada vez maior de recursos para que seja assegurada ao cidadão uma
qualidade de vida superior a que realimente ele goza.
Reforçando o entendimento que, a escassez de recursos é determinante para a exigibilidade na aplicação
do mínimo existencial, Amaral, levanta a seguinte indagação:
[....] o mínimo existencial é o mesmo em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e interior de Alagoas e do
Piauí? Se a resposta for positiva, então a escassez de recursos não estará sendo considerada. Se a
resposta for negativa, então parecerá que foi incluída uma 'condição' que afasta a exigibilidade
'incondicional' .
Por outro lado, não pode o Poder Público se eximir de seu dever, pelo simples fato, de alegar não possuir
fundos suficientes para garantir o que prever o texto constitucional. É nesse cenário que surge o Poder
Judiciário como guardião da Constituição. Os programas governamentais devem assegurar o mínimo
existencial para o cidadão, de forma que não se agrave o quadro de desigualdade no país.
Uma vez não respeitado o que dita a Constituição, como por exemplo, em seu artigo 5º, § 1º que prevê
que os preceitos que tratam de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, poderá o
Estado-Juiz manifestar-se, em proteção não só ao dispositivo constitucional, mas também, ao núcleo
intangível, a dignidade da pessoa humana. É nesse sentido que Barcellos lembra que,
[....] a consagração constitucional da dignidade, e da mesma forma das condições materiais que
compõem o seu conteúdo, teve e tem sobretudo o propósito de formar um limite à atuação, ou à omissão,
dos poderes constituídos, em garantia das minorias e de todo e qualquer indivíduo .
Dessa forma, a efetivação do mínimo existencial, ou seja, a prestação positiva por parte do Poder Público,
de políticas públicas que garantam o essencial de direitos sociais ao cidadão, depende além da atuação
do administrador/legislador na elaboração desses programas, como também, na captação de recursos
que tenham como fim a exaltação das normas programáticas elencadas na Constituição.
Em especial no que diz respeito ao direito social à saúde, como anteriormente dito, a aplicação do que
corresponde ao mínimo existencial será através do caso concreto, deve haver um sopesamento entre o
que será excesso à prestação, posto que, o direito à vida humana (art. 5º, XVIII, "d", da CF) estaria em
evidência, como também, a escassez de recursos públicos, bem como, os demais indivíduos que não
necessitam especificamente de determinado tratamento.
O presente ensaio procurou demonstrar a viabilidade do Poder Judiciário, quando acionado, se tornar
instrumento eficaz na criação e implementação de políticas públicas, como forma de atender aos anseios
sociais e concretização dos valores constitucionais.
A elaboração e eficaz estruturação das políticas públicas são essenciais para a consagração dos direitos
prestacionais, pois é através dos programas de governo que se consegue concretizar o exposto no texto
constitucional. Porém, nem sempre o administrador/legislador cumpre com o seu dever e, na omissão ou
na ineficaz prestação que surge a possibilidade do Estado-Juiz poder atuar, a via judicial será substitutiva.
Examinou-se a consagração dos direitos sociais em face da reserva do possível. A escassez de recursos
torna complicada a efetivação das políticas públicas que garantem ao cidadão a prestação de serviços. O
Poder Público só realizará as ações que poderá custear. Por não ter orçamento suficiente, a efetivação
dos direitos sociais esbarra nesse entrave, já que é notória a insuficiência de verbas em detrimento das
necessidades da população.
Tratou-se ainda, por outro lado, da concretização do "mínimo existencial" como forma de garantir o
respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, assegurando ao cidadão a prestação mínima
essencial para a exaltação da justiça social, buscando diminuir a desigualdade entre os indivíduos. É
dever do Governo prestar pelo menos o básico, aquilo que o cidadão jamais poderia ter em falta, não se
fala aqui, de dar à pessoa o que se pede, mas sim, que o Estado ofereça o suficiente para que se respeite
a dignidade da pessoa humana.
Por tudo que já foi exposto, conclui-se que, é viável o controle da atuação do administrador/legislador por
parte do Poder Judiciário, e este o poderá fazer de maneira eficaz, porém, devendo ser respeitados os
limites dessa intromissão. O Juiz não poderá adentrar na esfera administrativa quando os atos desta
forem ao encontro do que expõe o texto constitucional, não será ele que fará juízo de oportunidade e
conveniência, nessa área quem atuará é o administrador.
O Poder Judiciário quando agir no ativismo judicial, não ferirá a separação dos poderes, não afrontará o
Legislativo e/ou Executivo no uso da sua discricionariedade, apenas será instrumento concretizador da
justiça social exaltada no Estado Democrático de Direito. A decisão judicial não transmite a vontade do
juiz, reflete a vontade de um ou mais cidadãos que recorrem ao Judiciário, na tentativa de ter seu direito,
anteriormente violado ou não assegurado, reconhecido e concretizado.

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Direitos sociais e políticas públicas

  • 1. Direito, escassez e escolha Os direitos sociais ganharam espaço na vida do cidadão durante o século XIX. A Revolução Industrial foi palco para a consagração desses direitos, pois apesar de trazer desenvolvimento econômico, sacrificou a classe trabalhadora e aqueles que se encontravam à margem da sociedade, gerando inconformismo e fazendo com que fosse necessária a intervenção estatal na prestação de mecanismos capazes de realizar a justiça social. Tais direitos só alcançariam força e seriam plenamente exigíveis a partir do momento que fossem incluídos formalmente nas Constituições mundo a fora.E essa foi a tendência durante o século XX. As Constituições Mexicana (de 1917) e de Weimar (de 1919), foram pioneiras ao incluir em seus textos as normas que definem os direitos sociais. Em contraposição aos direitos de primeira dimensão que dependem, em regra, do não agir estatal, o reconhecimento dos direitos de segunda dimensãoeconômicos, sociais e culturais tem um grau de complexidade elevado quanto a sua efetivação, pois, necessitam basicamente da atuação positiva do Poder Público. Desta feita, o Estado torna-se responsável em oferecer os meios necessários à concretude dos direitos fundamentais, sejam eles, de primeira, segunda ou terceira dimensão, estes últimos são os direitos de toda humanidade, "fruto do sentimento de solidariedade mundial que brotou como reação aos abusos praticados durante o regime nazista. A Constituição Federal de 1988 acompanhou o espírito mundial em relação ao prestígio dado aos direitos sociais, após a Segunda Guerra e, destinou capítulo específico para elencá-los. Apesar da importância dispensada à eles, ou seja, encontram-se no rol de direitos materialmente fundamentais, a sua eficácia é reduzida e, sua aplicação imediata, conforme explicita o artigo 5º, §1º da Constituição, é controvertida. Há de asseverar que, o reconhecimento da normatividade e exigibilidade dos direitos sociais é fundamental para a efetivação e exaltação do Estado Democrático de Direito. Marmelstein trata com propriedade dos direitos sociais e os define como: [....] à luz do direito positivo-constitucional brasileiro, verdadeiros direitos fundamentais, tanto em sentido formal (pois estão na Constituição e têm status de norma constitucional) quanto em sentido material (pois são valores intimamente ligados ao princípio da dignidade da pessoa humana). o presente trabalho resguarda-se no estudo das políticas públicas, naquilo que compreende a sua definição, formulação e execução, o que sempre esbarra na questão orçamentária. E no controle jurisdicional, quando este disser respeito à atuação ou omissão estatal na elaboração e cumprimento das políticas essenciais para a consagração dos direitos prestacionais. Em outro momento, aborda-se a reserva do possível, como forma de ponderar atuação do Poder Público na ausência de fixação de políticas sociais para a efetivação dos direitos de segunda dimensão, posto que, estes direitos estão subordinados a alocação de recursos. Confrontando a ideia de respeito à teoria da reserva do possível, o ensaio discorre acerca do mínimo existencial, a sua relação com a dignidade da pessoa humana, sendo ele "o conteúdo essencial dos direitos fundamentais" . É debatida à legitimidade do Poder Judiciário na concretização das políticas públicas, como meio de garantir a realização dos direitos prestacionais. Vislumbra-se que, diante do caso concreto, a via judicial torna-se apta para assegurar a efetivação de tais direitos. Dentre as atividades que o administrador público desempenha, encontra-se a formulação e execução das políticas públicas utilizadas para alcançar a efetivação dos direitos sociais e garantir o desenvolvimento e bem estar da sociedade. Nesse sentido, é necessário que se determine o que seriam políticas públicas, posto que, a limitação desse conceito, é interessante para a presente análise. Nas palavras de Appio estas, [....] podem ser conceituadas, portanto, como instrumentos de execução de programas políticos baseados na intervenção estatal na sociedade com a finalidade de assegurar igualdade de oportunidades aos cidadãos, tendo como escopo assegurar as condições materiais de uma existência digna a todos os cidadãos . Ao determinar a finalidade da política pública, pode-se vislumbrar a sua relação com os direitos sociais, tendo em vista que, é por meio dos programas de governo que se resguarda, por exemplo, o direito à saúde, quando há o fornecimento gratuito de vacinas, se adquire medicamento que amenize enfermidade grave, ou até mesmo, paga-se tratamento de alto valor econômico. É através das políticas elaboradas que são traçados objetivos e alcançadas as metas essenciais para a concretude dos valores estabelecidos em nossa Carta Magna. Caberá ao Estado através do planejamento e execução das ações fornecer os meios de proteção e exaltação do princípio basilar constitucional, qual seja, a dignidade da pessoa humana. Fortalecendo essa afirmativa, Barcellos, diz que: [....] a Constituição de 1988 efetivamente ocupou-se das condições materiais de existência dos indivíduos, pressuposto de sua dignidade, dedicando-lhe considerável espaço no texto constitucional e impondo a todos os entes da Federação a responsabilidade comum de alcançar os objetivos relacionados com o tema Restringe-se nesse momento, a abordagem acerca das políticas elaboradas em preservação ao direito à saúde, como forma de contextualizar a importância da criação e efetiva execução de determinadas ações estatais.
  • 2. A Constituição de 1988 reservou espaço especial para cuidar do direito à saúde. A redação do art. 196, que trata desse assunto, é clara ao dizer que, a saúde é direito dos cidadãos e o Estado tem a obrigação de fornecer os aspectos materiais essenciais para a sua efetivação. O texto constitucional buscava um Estado intervencionista como forma de assegurar a democracia na sociedade, buscando combater as desigualdades sociais existentes. Hoje, a situação mudou um pouco, o Estado está cada vez menos presente na vida em sociedade. Criamse as políticas sociais como forma de prestação mínima àqueles que não dispõem de recursos e, as políticas econômicas como meio de regular as operações relacionadas ao assunto, posto que, a sua desestabilização acarretaria danos inimagináveis. Uma observação importante a ser feita é a escassez de recursos versus a multiplicidade das necessidades da população, pois, mesmo o Estado ausente dessas relações, ainda é fundamental e necessária sua participação na vida do povo. E diante da insuficiência financeira, é preciso que o administrador/legislador use da discricionariedade na escolha da destinação desses recursos. A efetivação do direito a saúde necessita de diversos mecanismos, sejam eles, medidas que previnam doenças, saneamento básico, higiene, enfim, alternativas que evitem as enfermidades que acometem o cidadão. Principalmente aquele de baixa renda, que não tem fundos suficientes para tratar de sua saúde na rede particular e, depende da atividade pública ou do desembolso de verba destinada a tratamento específico, para ter o seu direito constitucional assegurado. A questão da discricionariedade do administrador/legislador, bem como, o orçamento diminuto colabora para que surja um impasse, pois o Estado não tem capacidade de arcar com os gastos e, outras vezes, não realiza a melhor escolha para atingir os seus fins. A esse respeito, Mello, adverte que, "só pode pretender, tanto nos casos de vinculação, quanto nos casos de discrição, que a conduta do administrador atenda excelentemente, à perfeição, a finalidade que a animou" Por tratar-se de direito, a garantia fundamental à saúde, pode ter sua efetivação consagrada através do Judiciário, em respeito ao exposto no art. 5º, XXXV da CF, "a lei não excluirá da apreciação do Pode Judiciário lesão ou ameaça ao direito", bem como, ao §1º do mesmo dispositivo, que diz, "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". É acerca da efetivação através dos tribunais e do controle das políticas públicas que trataremos em seguida. Embora os direitos sociais tenham força normativa e ocupem espaço de destaque na Constituição, não estão sendo auto-aplicáveis, contrariando o §1º do art. 5º da CF e, no mesmo sentido nem auto-exigíveis. Para Marmelstein tais direitos são: [....] de tal magnitude para a ordem constitucional que sua efetividade não pode dependerde decisões políticas dos representantes das maiorias (Legislativo ou Executivo), o que justifica maior interferência judicial na busca da concretização máxima dessas normas, mesmo na ausência de uma regulamentação infraconstitucional . Recorre-se à Justiça na tentativa de se ter de forma eficaz a prática de ações que visem à concretização dos valores constitucionais. "O controle judicial das políticas públicas se dá, por conseguinte, em caráter preventivo, concomitante e sucessivo à implementação dos programas públicos sociais e econômicos" .No pensamento de Jorge Neto, a omissão do Estado ou a sua insuficiência na concretização desses fins, possibilita o controle judicial das políticas públicas . Discute-se acerca da legitimidade do Poder Judiciário na implementação das políticas públicas, como meio de garantir a efetivação dos direitos sociais. Posto que, os juízes não foram eleitos pelo voto popular, dessa forma, em uma democracia representativa, como é o modelo brasileiro, não estariam os magistrados autorizados a invadir uma esfera reservada ao Legislativo e Executivo, ferindo dessa forma o princípio da separação dos poderes. Porém, a esfera judicial, é apenas substitutiva, ou seja, na ausência injustificada da atuação do Estado na realização dos preceitos constitucionais, estaria sim, habilitado o Judiciário para garantir o cumprimento da tutela pleiteada. Ilustrando essa ideia, Jorge Neto discorre que: O desafio que se apresenta, para garantia dos direitos de segunda e terceira dimensões, está em um ponto de interseção importante e aparentemente incontornável entre as funções legislativas e executiva, que autorizam, planejam e executam as políticas públicas, e a judiciária, que deve garantir a efetivação desses direitos É preciso reforçar que, não é a princípio, incumbência do Judiciário a efetivação dos direitos sociais, já que, esta se daria através da execução de políticas públicas e este encargo é primariamente do Executivo. Porém, quando o caso concreto dispuser, o Judiciário poderá apreciar a demanda desde que não se intrometa nos critérios de conveniência e oportunidade dos planos de governo, e tão somente, garanta um cumprimento racional dos preceitos constitucionais e, consequentemente, exerça sua função de guardião da Constituição, sobretudo, na defesa da concretização de direitos por ela definidos como imprescindíveis. A doutrina e a jurisprudência encontram-se divididas no que diz respeito ao ativismo judicial, principalmente em relação à revisão dos atos meramente políticos da Administração Pública. De um lado, encontram-se os que se defendem que este papel caberia àqueles que foram delegados pelo povo, ou seja, aos que exercem mandato eletivo. Do outro, os que veem a esfera judicial como instrumento democrático, onde o cidadão através da prestação jurisdicional pode ter seu direito reconhecido e tão logo, efetivado. Se filiando a corrente que discorda dessa intromissão judicial, o pensamento de Canotilho ao levantar que os tribunais não são órgãos de conformação social, dessa forma, não poderão fazer controle judicial da
  • 3. realização dos direitos sociais (2002). Desfrutando da mesma ideia, manifesta-se Leal, quando assegura que: [....] a administração financeira do Estado, bem como a definição de estratégias e políticas para a melhor aplicação dos recursos públicos a fim de atender às necessidades da população, por óbvio, fogem da alçada do Poder Judiciário(2005). Em lado oposto, há autores que sustentam a viabilidade do Poder Judiciário em efetivar as políticas públicas, seja na sua formulação ou criando meios para a sua execução, quando omisso o Executivo. Para tanto, buscam critérios de aferição dos limites e das condições plausíveis do Estado para assegurar os direitos sociais. É por esse caminho, que Appio, diz: Não havendo a reserva absoluta da lei, a intervenção judicial na própria formulação das políticas públicas se mostra compatível com a democracia, desde que observados mecanismos de comunicação entre a instância judicial e a sociedade através das instâncias de democracia participativa . Argumentando também a favor da possibilidade de atuação judicial Barroso, diz, "onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir" (2005). Para finalizar esse entendimento, Jorge Neto, acredita que o Poder Judiciário é um meio democrático, posto que, se encontra mais próximo ao cidadão e este pode recorrer a esta esfera na busca da implementação dos seus direitos, o que da mesma forma não ocorreria nas demais esferas do Estado. Dessa discussão, aponta-se o conflito entre o princípio da separação dos poderes e o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais. É nesse ínterim, que fica caracterizada a complexidade do assunto, posto que, atendendo a um desses princípios em detrimento do outro, pode-se sob uma vertente, possibilitar a não efetivação e concretização dos direitos fundamentais, sob outra, o Judiciário poderia se tornar uma via corriqueira para a tomada de decisões políticas . A concretização dos direitos sociais se submete à disponibilidade de recursos financeiros para que sejam executadas as políticas públicas. Talvez seja esse o maior entrave para a não aplicação das políticas essenciais para o desenvolvimento e bem estar social, indisponibilidade da alocação de verbas. A reserva do possível é sempre aplicada perante a escassez de recursos, pois diante do caso concreto, o Poder Público não tendo recursos materiais para implementar os programas de governo, terá de ser razoável na escolha da destinação daquele orçamento reduzido. O Tribunal Constitucional Federal alemão foi precursor na aplicação da teoria da reserva do possível em decisão, quando "decidiu que os direitos constitucionais individuais devem ser racionalmente limitados pelas possibilidades da coletividade" . O caso levado à Corte alemã tratava da limitação da quantidade de vagas destinadas aos universitários aprovados no curso de medicina na Universidade de Hamburgo e Munique. Pretendia-se que, inexistisse essa limitação de vagas, tendo como fundamento, o artigo 12 da Lei Fundamental da Alemanha, que garantia ao cidadão escolher sua profissão e seu centro de formação. O Tribunal em conveniência com a reserva do possível considerou inaplicável a possibilidade do aumento do número de vagas, considerando a prestação buscada desproporcional aos gastos que se teria para o seu alcance. Em relação à discussão, é razoável acreditar que, o pedido realizado deve respeitar aquilo que o cidadão pode requerer do Estado, pois mesmo este tendo capacidade financeira, não estará obrigado a prestar demandas irrazoáveis (SARLET, 2006). Sob a alegação de insuficiência de verba, o Estado não poderá se eximir sempre da realização das suas atividades, em especial, da aplicação das políticas públicas que garantem a efetivação dos direitos prestacionais. Caberá ao Poder Público, provar que inexiste orçamento para o cumprimento do seu dever. No entanto, diante da imensa necessidade do cidadão, vê-se que o Estado brasileiro é reconhecidamente privado de recurso financeiro para abranger todas. Dessa forma, o Estado-Juiz ao apreciar uma demanda deverá respeitar esse fator e, com isso, decidir de tal maneira que em favor de um direito, não prive outros tantos. É delicado para o julgador, quando ocorrer no caso específico, uma situação onde de um lado estar o Poder Público sem verba suficiente para cumprir a determinação legal, do outro, o cidadão órfão da prestação dos seus direitos. Nesse sentido, o juiz terá de observar se a medida adotada será a mais adequada. É nesse ponto que se critica a atuação do magistrado, pois, em determinadas demandas ele não possui conhecimento técnico, bem como, desconhece a carência dos cofres públicos. As decisões judiciais devem ser fundamentadas em dados reais, respeitar e compilar os principais princípios que regem o Estado brasileiro, como forma de assegurar um resultado justo, onde aquela decisão não traga impacto negativo para o Estado e muito menos para o cidadão. O impacto no orçamento público deve ser um dos pontos mais bem analisados quando a demanda judicial disser a esse respeito, posto que, os resultados negativos para os cofres públicos poderão trazer mais danos que benefícios. Além de viabilizar a não-efetivação das demais demandas. É nesse sentido que a atuação judicial deverá usar da ponderação e tomar tecnicamente a melhor escolha. A teoria da reserva do possível reflete como melhor argumento para assegurar a não implementação da consagração dos direitos sociais, por isso, sofre críticas, como bem relata Barcellos que: [....] na ausência de um estudo mais aprofundado, a reserva do possível funcionou muitas vezes como o mote mágico, porque assustador e desconhecido, que impedia qualquer avanço na sindicabilidade dos direitos sociais" . Quando não efetivados os direitos sociais prestigiados pela Carta Magna perdem sua força normativa, passando a ser meros axiomas, subordinados a fatores como a questão orçamentária. Nesse sentido adverte Sarlet que:
  • 4. [....] a reserva do possível há de ser encarada com reservas, também é certo que as limitações da reserva do possível não são, em si mesmas, uma falácia, como já se disse mais de uma vez entre nós. O que tem sido, de fato, falaciosa é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nós como argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação de direitos fundamentais, especialmente de cunho social . Agindo dentro das suas atribuições, o Judiciário apreciará todas as questões que lhe baterem à porta, porém, em relação à implementação das políticas públicas, o ativismo judicial deverá exaltar primariamente os preceitos constitucionais, mas para isso, será necessária a ponderação dos valores envolvidos, ou seja, respeito à escassez do orçamento público, bem como, respeito à força trazida pelos direitos sociais. Credibilizando esse entendimento, o Min. Celso de Mello ao relatar seu voto da ADPF 45/2004, proferiu que: Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa -, traduzem-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. Um dos mais fortes argumentos em defesa da exigibilidade dos direitos fundamentais e sua aplicabilidade imediata é a sua relação com o princípio basilar do direito, dignidade da pessoa humana. Tal princípio, "apresenta-se como núcleo intangível dos direitos fundamentais". É por meio desse argumento que se busca a efetivação do mínimo existencial, ou seja, é dever do Poder Público para assegurar a preservação da dignidade da pessoa humana, o fornecimento do mínimo essencial para o indivíduo. Dificulta-se quanto a sua aplicação, o mínimo existencial, pela imprecisão do seu conteúdo, além do que, o Estado brasileiro é carente, o que torna complicado dizer que o administrador não presta nem o mínimo de assistência aos seus cidadãos. Apesar de no país existirem milhões de miseráveis, o governo não tem condições orçamentárias de arcar com todas essas mazelas, é inviável para a administração assegurar a prestação de todos os direitos assegurados constitucionalmente. Para fins de conceituação, Jorge Neto, ao tratar de mínimo existencial, diz que este "apresenta-se muito mais como uma ideia conceitual ou um topos argumentativo que como uma regra concreta que assegure a intervenção do Poder Judiciário e adequada efetivação de determinadas políticas públicas" . Barcellos acredita que, "o mínimo existencial corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna" . Porém, ele só poderá ser delimitado e reconhecido quando estiver no caso concreto, o administrador/legislador através do caso em espécie é que poderá reconhecer o quanto e como será prestada a política pública para assegurar sua efetivação e, na omissão ou ineficaz atuação dessa atividade por parte do administrador/legislador, é que o Poder Judiciário intrometer-se-á. A questão do mínimo existencial não é só de cunho social, ou seja, sua prestação não se dará apenas com a elaboração de programas assistenciais, como Bolsa-Família, é necessária a alocação de verbas, melhor dizendo, a arrecadação cada vez maior de recursos para que seja assegurada ao cidadão uma qualidade de vida superior a que realimente ele goza. Reforçando o entendimento que, a escassez de recursos é determinante para a exigibilidade na aplicação do mínimo existencial, Amaral, levanta a seguinte indagação: [....] o mínimo existencial é o mesmo em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e interior de Alagoas e do Piauí? Se a resposta for positiva, então a escassez de recursos não estará sendo considerada. Se a resposta for negativa, então parecerá que foi incluída uma 'condição' que afasta a exigibilidade 'incondicional' . Por outro lado, não pode o Poder Público se eximir de seu dever, pelo simples fato, de alegar não possuir fundos suficientes para garantir o que prever o texto constitucional. É nesse cenário que surge o Poder Judiciário como guardião da Constituição. Os programas governamentais devem assegurar o mínimo existencial para o cidadão, de forma que não se agrave o quadro de desigualdade no país. Uma vez não respeitado o que dita a Constituição, como por exemplo, em seu artigo 5º, § 1º que prevê que os preceitos que tratam de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, poderá o Estado-Juiz manifestar-se, em proteção não só ao dispositivo constitucional, mas também, ao núcleo intangível, a dignidade da pessoa humana. É nesse sentido que Barcellos lembra que, [....] a consagração constitucional da dignidade, e da mesma forma das condições materiais que compõem o seu conteúdo, teve e tem sobretudo o propósito de formar um limite à atuação, ou à omissão, dos poderes constituídos, em garantia das minorias e de todo e qualquer indivíduo . Dessa forma, a efetivação do mínimo existencial, ou seja, a prestação positiva por parte do Poder Público, de políticas públicas que garantam o essencial de direitos sociais ao cidadão, depende além da atuação do administrador/legislador na elaboração desses programas, como também, na captação de recursos que tenham como fim a exaltação das normas programáticas elencadas na Constituição. Em especial no que diz respeito ao direito social à saúde, como anteriormente dito, a aplicação do que corresponde ao mínimo existencial será através do caso concreto, deve haver um sopesamento entre o que será excesso à prestação, posto que, o direito à vida humana (art. 5º, XVIII, "d", da CF) estaria em evidência, como também, a escassez de recursos públicos, bem como, os demais indivíduos que não necessitam especificamente de determinado tratamento. O presente ensaio procurou demonstrar a viabilidade do Poder Judiciário, quando acionado, se tornar instrumento eficaz na criação e implementação de políticas públicas, como forma de atender aos anseios sociais e concretização dos valores constitucionais.
  • 5. A elaboração e eficaz estruturação das políticas públicas são essenciais para a consagração dos direitos prestacionais, pois é através dos programas de governo que se consegue concretizar o exposto no texto constitucional. Porém, nem sempre o administrador/legislador cumpre com o seu dever e, na omissão ou na ineficaz prestação que surge a possibilidade do Estado-Juiz poder atuar, a via judicial será substitutiva. Examinou-se a consagração dos direitos sociais em face da reserva do possível. A escassez de recursos torna complicada a efetivação das políticas públicas que garantem ao cidadão a prestação de serviços. O Poder Público só realizará as ações que poderá custear. Por não ter orçamento suficiente, a efetivação dos direitos sociais esbarra nesse entrave, já que é notória a insuficiência de verbas em detrimento das necessidades da população. Tratou-se ainda, por outro lado, da concretização do "mínimo existencial" como forma de garantir o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, assegurando ao cidadão a prestação mínima essencial para a exaltação da justiça social, buscando diminuir a desigualdade entre os indivíduos. É dever do Governo prestar pelo menos o básico, aquilo que o cidadão jamais poderia ter em falta, não se fala aqui, de dar à pessoa o que se pede, mas sim, que o Estado ofereça o suficiente para que se respeite a dignidade da pessoa humana. Por tudo que já foi exposto, conclui-se que, é viável o controle da atuação do administrador/legislador por parte do Poder Judiciário, e este o poderá fazer de maneira eficaz, porém, devendo ser respeitados os limites dessa intromissão. O Juiz não poderá adentrar na esfera administrativa quando os atos desta forem ao encontro do que expõe o texto constitucional, não será ele que fará juízo de oportunidade e conveniência, nessa área quem atuará é o administrador. O Poder Judiciário quando agir no ativismo judicial, não ferirá a separação dos poderes, não afrontará o Legislativo e/ou Executivo no uso da sua discricionariedade, apenas será instrumento concretizador da justiça social exaltada no Estado Democrático de Direito. A decisão judicial não transmite a vontade do juiz, reflete a vontade de um ou mais cidadãos que recorrem ao Judiciário, na tentativa de ter seu direito, anteriormente violado ou não assegurado, reconhecido e concretizado.