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FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ DE SANTA CATARINA
IVANIR FERREIRA FRANÇA
A MÚSICA NA CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA EM THE WALL
SÃO JOSÉ, 2012.
IVANIR FERREIRA FRANÇA
A MÚSICA NA CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA EM THE WALL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
disciplina de Projeto Experimental II, como
requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Comunicação Social com
Habilitação em Jornalismo, da Faculdade
Estácio de Sá de Santa Catarina.
Professores orientadores:
Conteúdo: Lúcia C. M. de Miranda Moreira,
Doutora.
Metodologia: Savani Terezinha de Oliveira
Borges, Especialista.
SÃO JOSÉ 2012.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
F383m FERREIRA, Ivanir Aparecido.
A música na construção imagética em The Wall./ Ivanir
Aparecido Ferreira. – São José, 2012.
106 f. ; il. ; 21 cm.
Trabalho Monográfico (Graduação em Comunicação
Social com Habilitação em Jornalismo) – Faculdade Estácio de Sá
de Santa Catarina, 2012.
Bibliografia: f. 101 – 105.
The Wall. 2. Pink Floyd. 3. Audio-visual. I. Título.
CDD 778.535
Tudo o que consigo entender do discurso acadêmico é
ser vergonhoso obedecer a essa lei de bom grado e
sermos culpados por nos regozijarmos com nosso
destino. Esse sol que, há poucas horas, dominava tudo
com luz direta e branca, em breve irá encharcar o
horizonte ocidental com várias cores. Nos jogos desse
sol agonizante, certos espíritos poéticos encontrarão
novos prazeres; eles descobrirão uma fileira de colunas
deslumbrantes, cascatas de metal fundido, galerias de
fogo, um esplendor triste, a volúpia da saudade, todos os
encantos do sonho, todas as lembranças do ópio. E o pôr
do sol lhes parecerá de fato como a maravilhosa
alegoria de uma alma carregada de vida que vai para
trás do horizonte com uma enorme provisão de
pensamentos e sonhos. Charles Baudelaire ao livro
“Contos de Imaginação e Mistério”, de Edgar Allan
Poe.
RESUMO
Neste trabalho propõe-se apresentar como se dá a estruturação e montagem de um filme – no
caso específico do longa dirigido por Alan Parker e roteirizado por Roger Waters – The Wall.
Baseado no disco homônimo da banda inglesa Pink Floyd descreve-se uma análise sobre a
construção cinematográfica, a partir das músicas do álbum, onde as imagens são construídas e
roteirizadas para representar os sentimentos e significados das letras de – The Wall.
Inicialmente, apresentam-se algumas abordagens referentes à história do cinema, do rock e da
banda Pink Floyd. Utiliza-se a relação do audiovisual e é destacado alguns conceitos nos
domínios da imagem e do som. Com relação ao sonoro há algumas características e
interpretações do termo “Som” pelo viés do compositor e teórico cinematográfico Michel
Chion. Na abordagem da linguagem cinematográfica, específica do filme pontos e
características a serem discutidas pelo viés de Jean Claude Carrière, Michel Chion e Bret
Urick. A escolha desta abordagem referente ao audiovisual é definida através dos conceitos
cinematográficos de construção “inversa”, ou seja, as imagens, como pano de fundo para as
músicas. Estas escolhas podem ser resumidas na busca por estruturar a obra por meio de
parâmetros relacionados ao audiovisual bem como na utilização de eventos imagéticos para
complementar e interpretar a significação musical.
Palavras-chave: Audiovisual. The Wall. Pink Floyd.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1: In The Flesh………............................................................................................40
Ilustração 2: In The Flesh........................................................................................................40
Ilustração 3: Goodbye Blue Sky..............................................................................................51
Ilustração 4: Another Brick in the Wall, part 2.......................................................................55
Ilustração 5: Another Brick in The Wall, part 2......................................................................57
Ilustração 6: Mother……………............................................................................................60
Ilustração 7: Mother……........................................................................................................61
Ilustração 8: Empty Spaces/What Shall we do now?..............................................................66
Ilustração 9: Empty Spaces/What Shall we do now?..............................................................68
Ilustração 10: Don’t me Leave Me Now…….........................................................................73
Ilustração 11: In The Flesh…………………………..............................................................89
Ilustração 12: In The Flesh......................................................................................................90
Ilustração 13: In The Flesh ………………….........................................................................90
Ilustração 14: Waiting for the Worms…………………….....................................................94
Ilustração 15: The Trial……………..……………………......................................................95
Ilustração 16: Outside The Wall………………......................................................................98
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................9
1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................11
1.2 OBJETIVOS.......................................................................................................................11
1.2.1 Objetivo geral.................................................................................................................11
1.2.2 Objetivos específicos......................................................................................................11
2 REVISÃO DE LITERATURA...........................................................................................13
2.1 BREVE HISTÓRIA DO CINEMA....................................................................................13
2.1.1 A Origem do Cinema.....................................................................................................13
2.1.2 Avanços Tecnológicos....................................................................................................14
2.1.3 Características fundamentais da linguagem fílmica ..................................................18
2.1.4 Cinema na Guerra e os gêneros cinematográficos .....................................................21
2.1.4.1 O som no cinema..........................................................................................................23
2.2 O NASCIMENTO DO ROCK ...........................................................................................24
2.3 PINK FLOYD – A BANDA ..............................................................................................27
2.4 THE WALL – O ÁLBUM .................................................................................................31
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .....................................................................33
4 ANÁLISE DOS DADOS .....................................................................................................35
4.1 THE WALL – O FILME....................................................................................................35
4.1.1 Recordações – A guerra como primeiro tijolo............................................................36
4.1.2 Another Brick in The Wall part 1................................................................................43
4.2 EDUCAÇÃO – A LINHA DE DESTRUIÇÃO DAS ALMAS.........................................47
4.2.1 Another Brick in The Wall. Part 2...............................................................................52
4.3 CASAMENTO – O FIM DA INOCÊNCIA ......................................................................59
4.3.1 Another Brick in The Wall, Part 3...............................................................................73
4.3.2 Drogas – A exclusão do mundo exterior......................................................................76
5 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 99
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................101
ANEXO A – Termo de Responsabilidade ..........................................................................106
9
1 INTRODUÇÃO
A música faz-se presente em obras visuais desde os anos de ouro do cinema mudo
(1920 – 1929), quando era interpretada por músicos que as acompanhavam, adequando à
banda sonora às sequências projetadas, de acordo com a emoção a ser transmitida para o
telespectador. Contudo com a evolução da indústria cinematográfica, a partir de 1926, há a
implantação do som junto à película cinematográfica. Avanço esse que fomenta a construção
audiovisual, ou seja, o som e as imagens fazem parte do que se vê na tela, com isso os valores
simbólicos e narrativos tornam-se cada vez mais relevantes. Para esse fenômeno dá-se o nome
de: “valor acrescentado”. “[...] podemos entender o valor expressivo e informativo com que
um som enriquece uma imagem. Em particular, tudo aquilo que no ecrã é choque, explosão,
realizados com materiais frágeis, com o som tomam proporções e materialidade” (CHION,
2011, p. 12).
Com a composição dessas duas artes, o espectador pode “chegar”, muitas vezes,
onde a sua visão sozinha não conseguiria. Há então por parte da banda sonora o
preenchimento dos espaços entre as imagens, que fazem o espectador “ver além”, há um
efeito de som que completa uma determinada cena, por exemplo, a música clássica usada no
início do filme Laranja Mecânica (1971) de Stanley Kubrick, – The Thieving Magpie
Abridged, composta por, Gioacchino Rossini, destoa totalmente das cenas de barbárie
comandadas por – Alexander DeLarge – no conflito com outra gangue em um anfiteatro
abandonado, esse efeito anempático à cena, tem o efeito de apresentar a verdade mecânica,
por trás da tomada, ou seja, mostra ao espectador que aquela tomada é composta da mais pura
teatralidade cinematográfica. Por este contexto define-se que o efeito sonoro cria e pontua as
imagens, tendo até mesmo o silêncio esse poder, pois age por meio de seu apelo psicológico, e
faz com que o espectador “desperte” e fique a imaginar o que se passará na tomada seguinte.
Como a exemplo das cenas do longa Batman Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan,
onde as tomadas que antecedem o aparecimento do morcego, na tela, são precedidas de um
silêncio cortante ou de uma tensa composição de Hans Zimmer. Há então com a justaposição:
música-imagem um ganho para o cinema, que usa a banda sonora para estabelecer fronteiras
entre o que o cineasta quer apresentar e o que o telespectador vê ou interpreta. Com a música
acrescentada as imagens o efeito/causa de reações como medo, suspense, terror ou alegria são
estimulados pelo som, e esses sentimentos são modificados de acordo com as referências que
cada espectador trás consigo antes de ver a projeção.
10
Na construção fílmica os sons/músicas se sobrepõem às imagens, o que sustenta uma
lógica estésica de análise musical: “A imagem nos leva a perceber espaços visíveis e
invisíveis que são preenchidos pela música que ‘enfeitiça’”. (BRESSON, 1975 apud
GONÇALVES, 2009, p. 3). Porém, as percepções do telespectador frente à tela sempre serão
limitadas por fatores físicos, ou seja, as percepções visuais e sonoras têm cada qual, a sua
velocidade, sendo a sonora mais rápida e nítida e a visual mais lenta, porque assume duas
dimensões simultâneas, no espaço que explora e o tempo que segue. “O olho é mais ágil
espacialmente e o ouvido é mais ágil temporalmente” (CHION, 2011, p. 17). Então pode-se
destacar que: a complementação musical faz-se indispensável para a compreensão de uma
obra cinematográfica, e a conjuntura imagem e som/música, transmite ao telespectador uma
ideia da interpretação artística do diretor de um filme. Essa interpretação ao ser transmitida
para o público pode ou não ser compreendida, pois ela depende exclusivamente do repertório
que o “interlocutor” emprega à obra. Neste contexto este trabalho procura abordar reflexões,
sobre o filme – The Wall – frisando a importância da música na construção do enredo e das
imagens. Imprescindível para contemplar as imagens, a música cria em torno dessas, as
atmosferas sentimentais, pretendidas pelo cineasta, e a exibição delas sem um plano sonoro,
não resultaria no efeito/causa desejado pelo idealizador, seriam apenas sugestões, mas não
implicariam significado ao estado do protagonista.
Também pretende-se exemplificar como a sutil “transgressão” existente entre a
fronteira diegética1
e a não-diegética2
, bem como relacionar o diálogo entre música e as
imagens criadas. Nesse caso há a aplicação do sentido complementar que a música aplica as
imagens, Michel Chion utiliza o termo “porosidade” para referir-se a esta complementaridade
musical, ele a explica através de uma cena onde um pianista toca e de repente é acompanhado
por uma – ausente na história – orquestra de cordas.
The Wall que é dirigido pelo inglês Alan Parker e roteirizado por Roger Waters,
baixista e vocalista da banda Pink Floyd, foi lançado em 1982, enquadrado como gênero
musical tem duração de 95 minutos. O filme discorre sobre os problemas psicológicos de
Pink, interpretado por Bob Geldof, que em seus delírios, cria inúmeras imagens/fatores que o
prendem a um “muro” surreal de infelicidade e amarguras desde a sua infância. O título do
1
Som Diegético: sonoridades objetivas; todo o universo sonoro que é perceptível pelos personagens em cena,
tais como a paisagem sonora (o som dos carros numa cidade, o ruído de uma multidão, os pássaros no campo, a
música num bar, etc), ou o diálogo entre personagens. Os sons diegéticos podem decorrer dentro do
enquadramento visual da cena ou não (on screen / off screen). (BARBOSA, 2001, p. 2).
2
Som não Diegético: sonoridades subjectivas; todo o som imposto na cena que não é percepcionado pelos
personagens, mas que tem um papel muito importante na interpretação da cena, ainda que de uma forma quase
subliminar para a audiência; sons não diegéticos são tipicamente, voz de narração, música de fundo ou efeitos
sonoros especiais. (BARBOSA, 2001, p. 2).
11
longa, além de ser homônimo ao disco no qual baseia-se é uma sutil referência metafórica ao
muro psicológico que prende Pink em um universo de isolamento e infelicidade. Esse
universo o sufoca desde a morte do pai na segunda guerra mundial, entre outros fatores que o
coagem em um muro de proteção mental: a superproteção da mãe, o método totalitário que
lhe é imposto na escola primária pelo professor, este na figura de um “operador” do método
de produção em massa de “inteligências” alienadas para suprir as demandas do progresso
desenfreado da sociedade capitalista. Fatores esses que culminam na mente de Pink uma
querele sobre a aplicação das políticas totalitárias, numa referência clara ao terceiro Reich, de
Adolf Hitler, na Alemanha nazista, que perdurou entre os anos de 1933 a 1945.
1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA
A música da Banda Pink Floyd e a construção da significação do Filme The Wall.
Em que medida as canções Another Brick in The Wall I, II e III tecem os sentidos das
imagens em The Wall?
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Objetivo geral
Propor uma análise das relações letra, música e imagens na construção do Filme The
Wall.
1.2.2 Objetivos específicos
a) Fazer revisão de literatura metodológica pertinente ao tema;
b) Analisar a estrutura do filme The Wall;
12
c) Selecionar as cenas e canções na análise;
d) Analisar as canções “Another Brick in The Wall I, II e III” na construção dos
sentidos do filme.
13
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 BREVE HISTÓRIA DO CINEMA
2.1.1 A Origem do Cinema
Desde o seu nascimento, ao término do século 19 o cinema desenvolve-se
principalmente na Europa, tudo tem início em 1895, quando, no meio de outras numerosas
invenções, os irmãos Lumière, finalizam o cinematógrafo (L'APPARITION..., 2007, tradução
nossa). É em 22 de dezembro de 1895, no Grande Café em Paris, que os irmãos Auguste e
Louis Lumière fizeram história com a primeira transmissão cinematográfica usando o
cinematógrafo: “aparelho registrado na história como o equipamento que pela primeira vez
fez projeções de fotografias por transparência”. (LIMA, 2008). Porém na história há vestígios
de que aproximadamente no ano 12.000 a.C. o homem já registrava imagens em perspectiva
de movimento, como cita Zbigniew Herbert em reportagem publicada na revista Piauí em
dezembro de 2011. Segundo o poeta e dramaturgo polonês as imagens pintadas na Caverna de
Lascaux, localizada no sudoeste da França são:
[...] de animais, a maioria de perfil, eram desenhadas em movimento com grande
vigor e ao mesmo tempo com a sensibilidade das mulheres de Modigliani. O
conjunto tem um aspecto desordenado, como se tivesse sido pintado às pressas por
um gênio louco, com técnica cinematográfica, cheia de aproximações e planos
distantes. (HERBERT, 2011, p. 52).
Arlindo Machado em seu livro Pré-cinema e Pós-cinema destaca que a primeira
sessão de cinema como conhecemos hoje, ou seja, numa sala pública de projeções, aconteceu
há mais de dois mil anos, antes que Louis Lumière apresentasse as paisagens animadas de La
Giotat no Grand Café de Paris.
Ela teve lugar na mente de Platão (que, por sua vez, a credita a Sócrates, num
diálogo com o discípulo Glauco) e veio a ser conhecida posteriormente como a
‘alegoria da caverna’. Ela inaugura também, na história do pensamento ocidental, o
horror à razão dos sentidos, o escárnio das funções do prazer, a repulsa a todas as
construções gratuitas do imaginário, a negação, enfim de tudo isso que dois milênios
depois, seria a substância de uma arte que, paradoxalmente, o próprio Platão
14
inventava. (MACHADO, 1997, p. 28).
Para Paola Gama e Fernanda Sendra devido a esta preocupação de registrar o
movimento, os Egípcios criaram, por volta de 1.120 a.C. um modelo que é descrito por
pesquisadores como “Código Social”.
Esse “código” nada mais era do que uma espécie de padrão gráfico de representação
que era facilmente reconhecido por todos. Dessa forma, todos podiam compreender
a narrativa proposta pelo autor proporcionando sua conservação para novas
gerações. Com o tempo o Homem desenvolveu novas formas de comunicação e
novos meios de narrativas nas quais a representação do movimento muitas vezes
estava presente, como nas artes, na pintura, na escultura, na escrita e no teatro.
(GAMA; SENDRA, 2007, p. 1).
Gama e Sendra ainda apontam que os primeiros ensaios teatrais registrados na Idade
Média, apresentavam narrativas de interação entre os personagens, dos cenários e da plateia.
Segundo elas: “há quem acredite que a história era contada não só através do diálogo dos
personagens, mas também pelo cenário onde a história se passava e o figurino que o elenco
utilizava”. (GAMA; SENDRA, 2007, p. 2). É por volta do ano 5.000 a.C. na China, que surge
o teatro das sombras. Exibido por meio das silhuetas dos personagens em uma parede a
narrativa: “[...] era apresentada à plateia apenas pela projeção do movimento, sem vozes, sem
figurino, e na maioria das vezes, sem cenário”. (GAMA; SENDRA, 2007, p. 2). As autoras
destacam que o teatro de sombras chinesas prova a importância do movimento para o
entendimento da narrativa e explica por que o Homem sempre buscou representá-lo. Na busca
por apresentar essas imagens pesquisadores elencaram várias alternativas que permitissem
gravar esses movimentos, e então surgem as primeiras máquinas que registram a imagem por
meio da luz.
2.1.2 Avanços Tecnológicos
A invenção que fez possível à experiência de registrar uma figura utilizando a luz foi a
câmara escura, ou seja, uma caixa completamente vedada, à luz, com uma pequena entrada de
um dos lados, que ao ser apontada para algum objeto, captura a imagem que se projeta dentro
dela, a imagem é registrada na parede oposta ao local de captação de luz, como aponta Salles
(2008). Essa invenção em 1820 permitiu aos franceses Niecephore Niepse e Louis Daguerre:
15
[...] o início de análises e pesquisas aprofundadas sobre a decomposição do
movimento humano e animal, através da captura real das diversas fases do
movimento. A fotografia permitia agora o desenvolvimento de uma nova forma de
expressão gráfica: estava nascendo o cinema. (GAMA; SENDRA, 2007, p. 2)
Segundo o professor de fotografia, Felipe Salles (2008), relatos mostram que câmara
escura é uma invenção que não se pode precisar a origem, pois há descrições de quartos
fechados semelhantes à câmara escura que projetavam as imagens em seu interior já na
Renascença, com referências que precedem desde a Grécia antiga. Há também citações que
remontam este conhecimento entre os chineses, árabes, assírios e babilônios.
Centenas de ilustrações de tratados renascentistas fazem alusão a este tipo de
câmara, que, longe de ser apenas uma caixa, tinham as dimensões de uma sala, onde
artistas se posicionavam em seu interior, podendo assim se utilizar da projeção para
tomar moldes de desenho. (SALLES, 2008).
A busca por elementos fotossensíveis que permitissem o desenho por meio da luz foi
tema de variadas pesquisas, realizadas com materiais que viriam a formular a fotografia, ou
seja, o uso de sais de prata, por exemplo, já há muito trabalhados pela alquimia renascentista,
se mostraram sensíveis à luz, segundo o que fora referenciado pelo historiador alemão, Georg
Fabricius em 1566. De acordo com Salles (2008), os halelos, ou sais de prata, alteravam-se
com muita rapidez frente à ação da luz, enegrecendo na mesma proporção em que a recebiam.
Foi em 1800 que o inventor e pesquisador inglês Thomas Wedgwood (1771 – 1805),
conseguiu obter as primeiras imagens com a câmara escura, porém a fotografia viria a ser
fomentada apenas 40 anos depois, pois a impressão feita sobre o papel de sais de prata era
inconstante e a imagem não se mantinha, motivada pela vibração de suas moléculas que
continuavam a receber luz e por consequência enegreciam a imagem.
Neste contraponto histórico surge Nicéphore Nièpce (1765 – 1833), inventor francês
que dedicou parte de sua vida nas pesquisas de técnicas que pudessem fomentar a gravação de
imagens por meio da luz. A “[...] busca pelo registro visual era um fascínio pessoal de
Nicéphore, que estudou diversas técnicas reprográficas, e tendo com isso feito importantes
melhorias no processo de litografia”. (SALLES, 2008). Nos seus estudos e experiências para
gravar a imagem Nièpce tentou utilizar chapas metálicas emulsionadas em betume3
para
imprimir as imagens no interior da câmara escura, porém a incidência de luz era muito baixa e
o tempo de exposição ultrapassava 12 horas, fato esse que distorcia a imagem pelo
3
O betume era uma espécie de verniz utilizado na técnica de água forte, que possui a propriedade de secar
rapidamente quando exposto à luz (SALLES, 2008).
16
movimento terrestre. Além disso, o solvente evaporava deixando a chapa seca.
Assim, uma única imagem sobreviveu dessas experiências, muito provavelmente por
ter sido tirada de sua janela, que permitia a entrada de luz em condições de
temperatura mais amenas, fazendo o solvente não se evaporar. Essa ‘fotografia’, de
1826 ou 27, é atualmente considerada historicamente a primeira, mas o próprio
Nièpce não considerava esta uma experiência bem-sucedida, porque a imagem
original é um grande borrão, impossível de ser copiada, e cujos contornos só podem
ser vistos quando olhados em certo ângulo e com luz adequada. A reprodução que
hoje temos foi feita e retocada com técnicas modernas na década de 1950.
(SALLES, 2008).
Nesse contexto temos a participação de Louis Jacques Mandé Daguerre, que
utilizava o mesmo tipo de lente que Nièpce para seus experimentos e trabalhava com a câmara
escura, porém para a pintura. Segundo Salles (2008), Daguerre estava entusiasmado com a
possibilidade de uma técnica eficiente de reprodução visual e propôs a Nièpce uma sociedade,
a princípio houve recusa por parte de Nièpce, porém pela insistência de Daguerre, eles vieram
a trabalhar juntos em 1829. A sociedade entre eles era objetivada pelo aprimoramento das
técnicas até então desenvolvidas, porém ambos trabalhavam em sentidos opostos, Nièpce
tinha em mente uma imagem capaz de ser copiada, reproduzida, e Daguerre, que era pintor,
buscava simplesmente uma imagem satisfatória. Nada conseguiram em 4 anos de trabalho, e
após a sociedade, Nièpce veio a falecer, em 1833. Contudo Daguerre continuou as
experiências, e volta-se aos sais de prata novamente, e após experimentos ele consegue
desenvolver uma solução para o problema: a “queima” das fotos depois de serem retiradas da
câmara escura.
[...] ele próprio conta que foi através de um acaso: estando exausto e decepcionado
por não conseguir obter resultados satisfatórios, jogou uma de suas chapas num
armário e esqueceu-se dela. Alguns dias mais tarde, à procura de alguns químicos,
abriu o armário e deparou-se com ela, só que havia uma imagem impressa nela, que
antes não estava lá. Procurou a razão disso e desconfiou que havia sido por causa do
mercúrio de um termômetro que havia se quebrado. Fez alguns testes e o resultado
foi o daguerreótipo. (SALLES, 2008).
Novamente observa-se que na história a busca pelo registro das imagens era uma
constante como aponta Bernardet (1980) que afirma haver já no século XVII, revoluções na
tentativa de formar imagens, pelo jesuíta Kirchner, que usava uma lanterna mágica, aparelho
onde as imagens eram fixas, um tipo de câmera escura. Também o astrônomo francês Pierre
Janssen, em 1873 pesquisa uma ‘câmara-revólver’ para registrar a passagem de Vênus pelo
Sol. Porém é próximo ao final do século, que o fotógrafo inglês Eadweard J. Muybridge
17
monta um complexo equipamento com vinte e quatro câmaras para analisar o galope de um
cavalo, “e o francês Marey cria o ‘fuzil fotográfico’ capaz de tirar doze fotos em um segundo,
e que ele usa para fotografar e analisar o voo de um pássaro”. (BERNADET, 1980, p. 126).
É dentro deste fugás momento histórico que nasce em 1840, Antoine Lumière. E
após 19 anos, ele passa a dedicar-se a fotografia e instala um estúdio fotográfico em Lyon.
Auguste (1864-1948) e Louis (1862-1964), filhos de Antoine auxiliavam-no no estúdio
fotográfico, e em 1894 conhecem em uma exibição o cinestoscópio, invenção do americano
Thomas Alva Edison, quem 1891 como afirma Ronald Bergan (2009), patenteou o aparelho.
O cinestoscópio era composto de um visor que dentro do qual eram rodados um rolo de 1,5 m
de filme ininterruptamente, e seus “os primeiros filmes eram de dançarinas, animais e homens
trabalhando”. (BERGAN, 2009, p. 16).
É a partir deste invento que os irmãos Lumière desenvolvem o Cinematógrafo,
aparelho patenteado em nome deles em 13.2.1895. Lima (2008) aponta que a primeira
tentativa dos irmãos Lumière para fazer as projeções no cinematógrafo em 1894, foram
frustradas, pois a fita de papel que eles usaram como suporte para as fotografias, se rompia e a
projeção não tinha boa transparência, e as imagens não eram nítidas. Após outras tentativas
entre elas utilizando uma fita de tecido essa, porém a pouca transparência, e a baixa nitidez,
faziam com que a emulsão fotográfica não se fixasse bem no tecido que resistiu somente a
cinco projeções. Foi aí que os irmãos notaram que era necessário construir um aparelho capaz
de fotografar 16 quadros por segundo. Também seria necessário que este aparelho puxasse a
película e a deixasse parada novamente.
Louis imaginou um mecanismo vendo por acaso uma funcionária da fábrica
trabalhar com uma máquina de costura. Observando que o tecido parava quando a
agulha penetrava no tecido, e quando a agulha saia o tecido andava, teve a ideia de
fazer um dispositivo que fizesse com o filme o mesmo movimento. Junto com o
irmão Auguste criou uma câmera fotográfica adaptada com uma manivela que
acionava uma biela (hoje chamada grifa) constituída de duas garras. Esta manivela
estava presa a uma roda grande dentada. Quando o operador girava a manivela, a
roda grande acionava a roda menor e esta fazia a grifa puxar o filme. Ao mesmo
tempo um eixo também ligado à manivela, abria um obturador no tempo certo para a
exposição da película, enquanto a grifa buscava novo fotograma. (LIMA, 2008).
A primeira apresentação pública do cinematógrafo foi em Paris no Grand Café, a
exibição foi de cerca de 20 min., com 10 filmes gravados em câmera imóvel com algumas
cenas panorâmicas.
O primeiro filme teria sido A saída da fabrica Lumière (1895) – centenas de pessoas
18
passando pelos portões, entre eles um homem de bicicleta, um cão e um cavalo. Diz-
se que o filme foi ensaiado, pois nenhum dos empregados olha para a câmera ou
caminha em sua direção. Também integravam a primeira apresentação Demolição de
um muro (1985), que utiliza movimento reverso para “reconstruir” o muro, sendo o
primeiro filme com efeitos especiais; e o Regador regado (1895), considerado a
primeira comédia, que mostra um jardineiro tomando um jato d’água na cara por
travessura de um menino que pisa na mangueira e depois a solta. (BERGAN, 2009,
p. 17, grifo do autor).
Contudo os irmãos não atribuíram valor aquela nova invenção, e um conhecido
mágico francês que estava na plateia foi falar com Lumière para adquirir um aparelho. Géorge
Mélies foi desencorajado. Bernadet (1980) explica que Lumière, disse-lhe que o aparelho não
tinha futuro como espetáculo, era apenas um instrumento científico desenvolvido para
reproduzir o movimento e só poderia servir para pesquisas. “Mesmo que o público, no início
se divertisse com ele, seria uma novidade de vida breve, logo cansaria”. (BERNADET, 1980,
p. 125). Porém Géorge Mélies comprara uma câmera na Inglaterra, e inaugura o Théatre
Robert Houdin, o transformando em estúdio cinematográfico. Surge então o cinema como o
conhecemos hoje, com a montagem dos frames, transmutando a realidade em fantasia e vice-
versa. Jean-Cloude Bernadet (1980) descreve no livro O que é Cinema que graças a um acaso
surgiu a primeira montagem cinematográfica.
[...] quem primeiro percebeu que o fantástico no cinema podia ser tão real como a
realidade foi mesmo Mélies. E por acaso. Estava ele filmando na rua (acabou
comprando na Inglaterra a câmara que não conseguira na França), quando a máquina
enguiçou, e depois voltou a funcionar. Na tela, viu-se o seguinte: numa rua de Paris
cheia de gente passa um ônibus que, de repente, se transforma num carro fúnebre.
(BERNADET, 1980, p. 126).
A explicação, para tal fato foi que durante o concerto da câmara o ônibus que ali
estava saiu, dando lugar ao carro fúnebre. Porém na imagem ficou a mágica com a força da
realidade. O cinema torna-se então um meio de retratar a realidade através da fantasia, com
uma linguagem própria e dinâmica e a partir disso cientistas e artistas não medem esforços
para reproduzir o real através dos meios artificiais, que o cinema proporcionou.
2.1.3 Características fundamentais da linguagem fílmica
Jacques Aumont destaca em seu livro A Estética do Cinema que um filme é
constituído por imagens fixas chamadas fotogramas, estas dispostas em sequência em uma
19
película passando com certo ritmo em um projetor, essa película da origem a uma imagem
muito aumentada e que se move. “Evidentemente, existem grandes diferenças entre o
fotograma e a imagem na tela – começando pela impressão de movimento que a última dá,
mas ambos apresentam-se a nós sob. a forma uma imagem plana e delimitada por um
quadro”. (AUMONT, 1995, p. 19).
Para Alexandre Arnoux “[...] o cinema é uma linguagem de imagens com o seu
vocabulário próprio, a sua sintaxe, flexões, elipses, convenções e gramática”. (MARTIN,
2005, p. 22). Essa linguagem junto ao cinema, como explicam Fernando Albagli e Benjamin
Albagli na introdução do livro de Jean-Claude Carrière, A linguagem secreta do cinema foi
inventada pouco antes da primeira guerra mundial. No pós-guerra os administradores
coloniais francesas montavam sessões de cinema, para os povos africanos, com o objetivo de
divertir e mostrar para aquela população subjugada, a incontestável supremacia das nações
brancas. Contudo “[...] o cinema criou uma nova – absolutamente nova – linguagem, que
poucos espectadores podiam absorver sem esforço ou ajuda”. (CARIÈRE, 2006, p. 15).
Porém o cinema não surgiu como uma linguagem autenticamente nova, pois nas primeiras
transmissões a linguagem era baseada na do teatro. E a câmera estática, apenas apresentava a
visão do espectador, ou seja, para quem estava assistindo o filme, não se tinha nada de novo, e
sim a mesma percepção do teatro, e ainda sem cores e sem som. Quando a plateia percebeu
que o trem dos irmãos Lumière, não os esmagaria, na sala de projeção do Grand Café, logo
foi compreendido a sequência lógica de rolos que perfaziam o recém-criado projetor. Nas
conclusões de Carieère (2006), o cinema: “[...] não era diferente do que acontecia no teatro,
onde o palco era estático e claramente demarcado... e como não tinham voz e (quase sempre)
cor, eminentes cabeças concluíram que tudo aquilo era decididamente inferior ao teatro de
verdade”. (CARIÈRE, 2006, p. 16). É a partir do momento que os cineastas começaram a
cortar o filme em cenas, ou seja, literalmente cortar o fotograma, transformando a cena
“natural” gravada em novas imagens. “Foi aí, na relação invisível de uma cena com a outra,
que o cinema realmente gerou uma nova linguagem”. (CARRIÈRE, 2006, p. 16).
É a partir deste momento que tanto a afirmação de Alexandre Arnoux quanto a de
Jean-Claude Carrière (2006) corroboram, para eles: o cinema ostenta uma linguagem que
nenhuma outra mídia possui. Pode-se afirmar que o cinema possuí uma semiótica específica,
ou seja, como apontou Umberto Eco (1991) em seu livro Semiótica e filosofia da Linguagem:
a semiótica específica é a gramática de um sistema único de signos. Neste contexto Carrière
(2006) explica que a linguagem que foi criada no cinema pode mudar, atenuar o tempo,
buscar novas referências ou mesmo expor o desejo de algum personagem a ser filmado.
20
Segundo o autor o cinema criou-se em um curto período de tempo, empiricamente, baseado
em fracassos e vitórias, uma surpreendente gramática. Ele cita variados exemplos de como a
imagem sugere ao espectador um referido entendimento.
Por exemplo, os olhos de um homem vagueiam por sobre a multidão e, de súbito,
param. Se, nesse momento, outro personagem for imediatamente focalizado, sabe-se
que o primeiro homem está olhando para ele. Se a direção do olhar for bem
estabelecida, essa relação fica demonstrada sem sombra de dúvida. (CARRIÈRE,
2006, p. 19).
É também destacado pelo autor que nenhuma outra forma de expressão artística
sugere atar esta relação por justaposição, mesmo um personagem não se encontrando no
mesmo quadro que o outro, ou seja, no momento em que se é focado um determinado
personagem a simples sugestão do olhar ou gesto dele remete ao personagem mostrado
anteriormente. “Um relacionamento ilusório (pois eles não estão no mesmo quadro), mas forte
e inequívoco”. (CARRIÈRE, 2006, p. 19).
[...] como se víssemos de fato uma porção de espaço de três dimensões análogo ao
espaço real no qual vivemos. Apesar de suas limitações (presença do quadro,
ausência de terceira dimensão, caráter artificial ou ausência de cor etc.), essa
analogia é vivenciada com muita força e provoca uma “impressão de realidade”
específica do cinema, que se manifesta principalmente na ilusão de movimento e na
ilusão de profundidade. (AUMONT, 1995, p. 21).
Carrière (2006) destaca que ao contrário da linguagem escrita, que se deve saber
interpretar o código a imagem está ao alcance de todos. “Uma linguagem não só nova como
também universal: um antigo sonho”. (CARRIÈRE, 2006, p. 20). Ele também afirma que essa
linguagem única do cinema foi criada a partir dela mesmo, valendo-se de tudo o que veio
antes, como o teatro a música a arquitetura e a pintura. E foi por meio dessa repetição de
formas, com o contato cotidiano a todos os tipos de plateias, que a linguagem formou-se e se
expandiu a cada cineasta, que de seu próprio jeito ia enriquecendo, o vasto e invisível
dicionário do cinema. “Uma linguagem que continua em mutação, semana, dia a dia, como
reflexo veloz dessas relações obscuras, multifacetadas, complexas e contraditórias, as relações
que constituem o singular tecido conjuntivo das sociedades humanas”. (CARRIÈRE, 2006, p.
23). É a partir de 1903, pelas lentes de George Méliès que ao interpretar em O melômano, um
músico que troca constantemente de cabeça, “jogando uma a uma num fio telegráfico, como
se fossem notas musicais” (BERGAN, 2009, p. 18), que o cinema começa a estruturar-se a
partir de sua própria gramática, criando para si uma linguagem como já citada única e em
21
constante mutação.
2.1.4 Cinema na Guerra e os gêneros cinematográficos
Como já citado, Bergan (2009) apoia, que foi por meio do cinematógrafo (1895) dos
irmãos Lumière na França e do Cinestocópio (1893) de Edison nos EUA que foram
propagadas ao público as primeiras projeções cinematográficas, porém como destaca Carrière
(2006) a câmera estática reproduzia ao telespectador apenas a visão que ele já obtinha ao ver
uma peça de teatro e com uma grande perda, a falta de som, este foi um dos motivos que
levaram Lumière a desencorajar Méliès sobre o futuro do cinema. Contudo a genialidade e
teimosia de George Méliès o levaram a comprar uma câmera na Inglaterra e como cita
Bernadet (1980), no livro O que é Cinema, foi o primeiro a descobrir a montagem
cinematográfica, fato esse que veio a transformar o cinema em uma fábrica ilusões.
É aí que residia a novidade: na ilusão. Ver o trem4
na tela como se fosse verdadeiro.
Parece tão verdadeiro - embora a gente saiba que é de mentira - que dá para fazer de
conta, enquanto dura o filme, que é de verdade. Um pouco como num sonho: o que a
gente vê e faz num sonho não é real, mas isso só sabemos depois, quando
acordamos.Enquanto dura o sonho, pensamos que é verdade. Essa ilusão de verdade,
que se chama impressão de realidade, foi provavelmente a base do grande sucesso
do cinema. O cinema dá a impressão de que é a própria vida que vemos na tela,
brigas verdadeiras, amores verdadeiros. Mesmo quando se trata de algo que sabemos
não ser verdade, como o Pica pau amarelo ou O mágico de Oz, ou um filme de
ficção científica como 20015
ou Contatos imediatos do terceiro grau, a imagem
cinematográfica permite nos assistir a essas fantasias como se
fossem verdadeiras, ela confere realidade a estas fantasias. (BERNADET, 1980, p.
125-126).
Com o advento da montagem o cinema se diferencia das outras artes. Torna-se, como
destaca Bernadet (1980), uma arte criada pela burguesia europeia do final do século 19 e
início do 20, época de grandes mutações sociais como a implantação da energia elétrica,
telefone o avião e dentro deste contexto histórico é destacado como trunfo social a criação do
4
Chegada de um trem à estação (L’Arrivée d’um train en gare de La Ciotat, 1895) é a sequencia de um só plano
com 50 segundos, filmada por Louis Lumière. O público protegeu-se sob as poltronas, convencido de que o trem
era real (BERGAN, 2009, p. 16).
5
Filme de Stanley Kubrick adaptado da série homônima de 4 livros de Arthur C. Clarke. Lançado em 1968. “O
cinema conheceu poucos artistas tão completos e perturbadores quanto Stanley Kubrick (1928-1999). Um filme
de Kubrick carrega sempre um paradoxo: imediatamente reconhecível como dele, jamais repete a experiência
das obras anteriores. Por sua vez, o octogenário Arthur C. Clarke é sinônimo do melhor que a ficção científica
pode produzir em literatura. Que sua obra seja tão respeitada por cientistas quanto cultuada por uma legião de
leitores é simbólico da dimensão de seu talento”. (LABAKI, 2007).
22
cinema. Neste período há por parte da sociedade burguesa o consumo de literatura, teatro,
música, e outras artes, todavia essas artes já existiam antes da sociedade burguesa e o cinema
é a arte que ela cria.
É a grande época da burguesia triunfante: ela está transformando a produção, as
relações de trabalho, a sociedade, com a Revolução Industrial; ela está impondo seu
domínio sobre o mundo ocidental, colonizando uma imensa parte do mundo que
posteriormente viria a chamar-se Terceiro Mundo. No bojo de sua euforia
dominadora, a burguesia desenvolve mil e uma máquinas e técnicas que não só
facilitarão seu processo de dominação, a acumulação de capital, como criarão um
universo cultural à sua imagem. Um universo cultural que expressará o seu triunfo e
que ela imporá às sociedades, num processo de dominação cultural, ideológico,
estético. (BERNADET, 1980, p. 126-127).
Bergan (2009) destaca que o cinema do inicio do século continuou a crescer
principalmente nos EUA, pois a Europa estava em crise hás vésperas da primeira guerra
mundial (1914 – 1918). Neste mesmo período os produtores norte americanos voltaram suas
atenções para a Califórnia, vindo a formar ali o famoso complexo cinematográfico conhecido
como Hollywood. O autor aponta que os fatores que levaram os produtores para a região
foram os grandes espaços e a liberdade que a região oferecia. Neste período eclode na Europa
a guerra, segundo Rafael de España (1996), o cinema tornou-se um meio de comunicação
bélico, mesmo de forma limitada e ingênua.
As fitas de propaganda que circularam no período da Grande Guerra eram poucas e
de origem quase exclusivamente norte-americanas. Isto se deve, basicamente, ao
elevado nível industrial que o cinema dos EUA havia alcançado e sua grande
capacidade de ‘seduzir’ o público, e, por outro lado, condicionar suas principais
características. Como os Estados Unidos demoraram muito para entrar nessa disputa,
percebemos que os primeiros filmes dedicados à Guerra possuíam uma curiosa
mensagem pacifista: o exemplo mais conhecido é a produção de Thomas H.
Ince, Civilization (1916), que poderia ser considerada como um apoio tácito à
candidatura isolada de Woodrow Wilson. Seu antibelicismo primário e retórico
encaixa com perfeição na raiva antigermânica, igualmente irracional, que pode ser
apreciada em um filme posterior à disputa, porém, também produzido por
Ince: Behind the Door (1920). Nesta virulenta denúncia da barbárie tudesca,
podemos ver como os tripulantes de um submarino alemão violam e assassinam uma
enfermeira americana e depois se desfazem do cadáver mediante um prático e
original recurso com o lança-torpedos. Estabelecida a premissa de que os alemães
são umas feras sem consciência, os autores nos preparam para a cena final, na qual o
marido da enfermeira (que tem a astúcia de se apresentar como um imigrante de
origem alemã) tem a oportunidade de se vingar do capitão do ‘V-Boot’, esfolando-o
vivo. (ESPAÑA, 1996).
Passado o período conturbado da 1ª guerra mundial e com a Europa em reconstrução
os EUA passam a ser os novos detentores da produção no cinema. O surgimento dos estúdios
23
Warner e FOX além de outros também reafirmam esta condição americana à época. Ronald
Bergan (2009) afirma que no período de 1920 a 1929 foi a era de ouro para o silêncio
cinematográfico:
A Era do Cinema Mudo assistiu à consolidação do sistema de estúdios, que duraria
até os anos 50. Nessa década, as primeiras grandes estrelas, como Garbo e Dietrich,
iluminaram as telas. Mas em 1929 uma inovação tecnológica mudaria o rumo do
cinema. (BERGAN, 2009, p. 20).
Nesta mesma época foram iniciados a formatos segmentados de cinema, ou seja, a
criação de gêneros. Segundo Bergan (2009), nos anos 20 o destaque fora para o faroeste.
Também os estúdios eram fomentados pelo apogeu da comédia destacando atores como
Charlie Chaplin. Neste período de redescobrimento “os estúdios perceberam o valor de
identificar atores com certos papéis para que o público associasse a suas ‘personalidades’”.
(BERGAN, 2009, p. 21). Entre as novas descobertas realizadas pelo cinema chegaram os
gêneros de ação e horror. O primeiro grande filme de ação foi – A marca de Zorro (EUA,
1920). Outros gêneros então foram surgindo com o passar dos anos e sendo aperfeiçoados por
meio da evolução tecnológica.
2.1.4.1 O som no cinema
Em 1926, a Warner Bros, estreia o filme – Dom Juan, o qual a banda sonora continha
apenas música e efeitos sonoros, o primeiro programa sincronizado utilizando sistemas de
som em seus discos o Vitaphone6
. Fora a primeira alternativa nas salas de exibição, motivada
por uma crise financeira do estúdio. “[...] uma trilha musical gravada em discos acompanhava
as imagens, poupando o exibidor do custo de uma orquestra”. (BERGAN, 2009, p. 25).
Em 1927, é lançado também pelo estúdio Warner – O cantor de Jazz, o longa fora
protagonizado pelo cantor Al Jolson e gravado originalmente sem som, porém após as
edições, o filme continha, além de músicas alguns diálogos sobrepostos com sincronia labial.
Fazendo do longa o “primeiro” filme sonoro da história.
6
Sistema sonoro desenvolvido pela empresa com o mesmo nome, fundada em 1926 pela Western Electric
e Warner Bros. O Vitaphone, que utilizava o processo de gravação da banda sonora num disco que
posteriormente era sincronizado aquando da exibição do filme, foi utilizado em mais de duas mil curtas-
metragens e em grande parte das longas-metragens produzidas pela Warner entre 1926 e 1930. (CHAMBEL,
2011).
24
A utilização do som no cinema levou a criação de um novo gênero cinematográfico,
Bergan (2009) refere-se a partir desde momento ao musical, sendo o seu representante inicial
o longa da MGM – Melodia da Broadway (1929, EUA). Também este é o primeiro filme
100% falado da história do cinema. Causando a partir de então corridas dos estúdios e do
cinema para novas as tecnologias.
Com a chegada dos anos 30 os EUA mergulham em uma crise financeira, gerada por
uma crise de superprodução, o país então se volta para o protecionismo e há o retorno do
espírito puritano que perdura até a década de 40. Porém após a segunda-guerra (1939 – 1945)
este espírito dá lugar à rebeldia que é agravada nos anos 50 com a entrada dos EUA na guerra
da Coréia. Jovens não contentes com o governo buscam novas formas de protestar e o
puritanismo americano não é mais unanimidade, os negros começam a ter seu espaço na
sociedade, e por meio da música, causam uma verdadeira revolução que aos poucos vai
tomando conta do país e com a mistura de ritmos e danças, iniciam a maior revolução sonora
da história.
2.2 O NASCIMENTO DO ROCK
A principal revolução musical da história nasce com os gritos e lamentos dos negros
americanos, segundo a Jornalista Simone Paula Marques Tinti, no fim dos anos 50, nos EUA,
a chamada geração silenciosa, que fora marcada pela segunda guerra mundial, “viu-se frente a
um ritmo até então desconhecido, derivado da sonoridade de um povo marginalizado”.
(TINTI, 2003). Paulo Chacon (1985) em seu livro O que é o Rock destaca que o rock provem
de 3 pilares da música americana a “pop music” o “rhythm and blues” e a “country and
western music”.
A pop music representava a herança da música branca, conservadora, adulta e kitch7
dos anos 40. Refletia uma proposta de vida que defendia o status quo, se
autoglorificava da vitória na II guerra e reproduzia os valores do american way of
life. [...] O rhythm and blues é a vertente negra do Rock. É ali que vamos buscar,
quase que exclusivamente as origens corpóreas do Rock. Reprimidos pela sociedade
wasp (white, anglo-saxon and protestant) a mão-de-obra negra, desde os tempos da
7
O termo kitsch é utilizado para designar o mau gosto artístico e produções consideradas de qualidade inferior.
Aparece no vocabulário dos artistas e colecionadores de arte em Munique, em torno de 1860 e 1870, com base
em kitschen, [atravancar], e verkitschen, [trapacear] (vender outra coisa no lugar do objeto combinado), o que
denota imediatamente o sentido pejorativo que o acompanha desde o nascimento (KITSCH, 2011).
25
escravidão, se refugiava na música (os blues)[...] O terceiro campo, talvez o mais
isolado dos três, é o da country and western music. De uma certa maneira esse ramo
do folk music (como o blues) representou, especialmente no caso do country, a
versão branca para o sofrimento dos pequenos camponeses. (CHACON, 1985, p. 22-
24-25).
O rock surge na América como um movimento da contracultura, ou seja, suas
primeiras manifestações se apresentavam contrárias aos valores veiculados pela sociedade na
época. A principal revolução musical da história atingiu, segundo Tinti (2003), primeiramente
os jovens americanos e em seguida no mundo todo. Nessa época, a tradicional sociedade
norte-americana passou a ser contestada, pelos jovens que foram rotulados de “rebeldes sem
causa”. Até mesmo os filmes da época representavam a alienação da juventude; no filme
juventude Transviada (1955), o personagem de James Dean, representava o comportamento
adotado pela juventude: “recusar o mundo sem, no entanto chegar a uma visão crítica da
realidade dividida entre amor/pacifismo e violência/autodestruição”. (MUGGIATI, 1973,
apud TINTI, 2003). Essa juventude “rebelde” adere ao rock como forma de expressão. Parte
do reconhecimento do rock como arte foi iniciada pelo DJ americano Alan Freed, que atribuiu
a nomenclatura Rock ‘n’ roll ao novo estilo musical. O termo até então era utilizado por
negros norte-americanos para referir-se ao ato sexual em letras de rhythm and blues. Tinti
(2003) destaca que: ele divulgava ‘festinhas’ de rock’n’ roll após o programa de música
clássica que tinha em uma rádio no estado de Ohio. O rock a partir disso teve um importante
papel social na história, pois foi através dele que, em salões, jovens americanos dançavam
lado a lado, indiferentes da cor da pele. O rock então torna-se muito mais do que um tipo de
música: ele é uma maneira de ser, uma óptica da realidade, uma nova forma de
comportamento.
O Rock é e se define pelo seu público. Que, por não ser uniforme, por variar
individual e coletivamente, exige do rock a mesma poliformia, para que se adapte no
tempo e no espaço em função do processo de fusão (ou choque) com a cultura local
e com as mudanças que os anos provocam de geração a geração. Mais poliformo
ainda porque seu mercado básico, o jovem, é dominado pelo sentimento da busca
que dificulta o alcance ao ponto da definição (e da estagnação...). (CHACON, 1985,
p. 18-19).
A primeira década do Rock foi marcada pela experimentação do novo ritmo
dançante, e como explica Chacon (1985) foram surgindo os primeiros ídolos do Rock e as
bandas que viriam a marcar a época.
Como toda criança que quando cresce e fica bonita e inteligente, aqui também não
26
faltou quem quisesse, mais tarde, assumir a paternidade: Rocket’88 (Jackie Breston,
1951), Crasy, man, crazy (Bill Haley, 1953), Sh-boom (Crew-Cuts, 1954) são
algumas opções. Onde parece não haver dúvida é na primazia de Bill Haley and his
Comets como o primeiro grupo de Rock ‘n’ roll. (CHACON, 1985, p. 26-27).
Após os primeiros anos do Rock começam a surgir os novos gêneros e em meados
dos anos 60, mais precisamente na primavera de 1966, cerca de 15 mil jovens reúnem-se no
Golden Gate Park, em São Francisco, para confraternizarem ao som de grupos desconhecidos
no cenário musical americano, com nomes propositalmente bizzaros como: Grateful Dead
(Morto Agradecido), Jefferson Airplane (Avião de Jefferson), estes grupos e jovens
desencadearam a segunda maior revolução musical da história, há a noção do espetáculo
propondo ao espectador uma verdadeira aventura sensorial. O experimento entre música e
animação visual, ligados à filosofia oriental era o pretexto para a viagem, ou seja, para a
completa evasão, a libertação individual e coletiva.
Esta linguagem que não deixa de surpreender e indignar a América silenciosa que
não vê no movimento hippie senão a apologia do sexo, da droga e da imoralidade,
encontra na mesma altura estranhas ressonâncias na Inglaterra. Robert Wyatt,
baterista de um conjunto progressista com o curioso nome de Soft Machine
(Máquina Suave, segundo o título de um romance de W. Burroughs) declara: –
Quase todos os grupos pop-music, aqui na América, fabricam indefinidamente sons
e melodias para fazer consumir, sob formas mais ou menos novas, as mesmas
emoções, facilmente identificadas e assimiladas pelo público. Queremos quebrar
esta imagem e este conceito reencontrar o espírito do jazz, ou seja, uma expressão
autêntica, selvagem (wild), mas desta vez nossa e não dos Negros. (COLECTIVO
ROCK ON, 1988, p. 10).
Na Inglaterra o movimento hippie tenta reencontrar um estilo de vida que fuja do
tradicional “english way of living”. Na terra da rainha os jovens encontram-se em lojas
próprias do movimento, onde foram abolidas as normativas tradicionais do comércio, para
ouvir música, fumar, realizar trocas e conversar. Também galgados na filosofia oriental os
jovens ingleses, são apoiados por integrantes das principais bandas de Rock local. O Beatle
George Harrison e o Stone Brian Jones “[...] fazem concorrência à guitarra e a bateria com
suas cítaras e tablas”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 11). As rádios piratas transformam-
se na principal vazão expressional da geração pop britânica, que passa a ouvir um novo estilo
de música batizada de psicodélica. O movimento que como o americano contesta política e
sociedade cria um periódico próprio para dar voz a suas constatações, o International Times
(IT), torna-se o porta-voz oficioso da comunidade jovem londrina. Com a propagação do IT
vem à explosão psicodélica inglesa como uma maneira de ser, uma filosofia baseada na
palavra. O slogam do jornal “Quando a música muda, as paredes da cidade tremem” traduz o
27
sentimento da juventude que por meio das artes pretendia mudar a Inglaterra. A partir deste
movimento começam a surgir principalmente em Londres clubes que respiram a nova
filosofia. Entre eles estava o UFO:
UFO é uma discoteca de pessoas que leem IT. Tentamos criar um ambiente diferente
do dos outros clubes. Temos tocadores de cítara, grandes grupos de percussão
africanos, projeções de filmes de Buñel ou de Marylin Monroe. (COLECTIVO
ROCK ON, 1988, p. 13).
É em outubro de 1966 no lançamento do IT no UFO que sobe ao palco um grupo
descoberto no último verão por John Hopkins (um dos fundadores do UFO). O Pink Floyd.
2.3 PINK FLOYD – A BANDA
Formada no inicio de 66, na faculdade de arquitetura londrina de Regent Street, os
jovens estudantes Roger Waters, Nick Mason, Rick Wrigth e Syd Barret, que estudava artes
em Camberwell, se conhecem durante a década que segundo Paulo Chacon (1985): o rock
inglês começa a desabrochar, e os jovens reúnem-se em nome do movimento underground. O
Pink Floyd influenciado principalmente pelo blues americano, que era considerado por eles a
verdadeira essência do Rock como declarara Waters em 66: “ O rock é apenas um ritmo sem
expressão real. Pelo contrário, temos de admitir que o rhythm and blues está na base do rock
original”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 15). Outros fatores que influenciavam a banda
eram a eclosão cultural alternativa, provenientes dos movimentos da contracultura, inglesa e
americana. Inicialmente por sugestão de Syd Barrett, guitarrista fundador da banda o grupo
denominou-se - The Pink Floyd Sound. O nome escolhido findava homenagear os bluesmens
americanos Pink Anderson8
e Floyd Council9
. “No entanto, e as coincidências são
demasiadas, quando o ácido foi introduzido na Inglaterra, por volta de 1966, em gíria
chamava-se Floyd e a uma ampola de ácido que curiosamente era mais ou menos cor de rosa
(Pink)”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 14).
A década de 60 conhecida por suas revoluções culturais, e a quebra de paradigmas
8
Cantor e guitarrista de blues, Anderson nasceu em Laurens, Carolina do Sul em 12 de fevereiro de 1900 e
faleceu em outubro de 1974 (MEDICINE..., 2009, tradução nossa).
9
Nascido em 02 de setembro de 1911, em Chapel Hill, Carolina do Norte, ele começou sua carreira tocando nas
ruas de Chapel Hill, em meados dos anos 20 (AHLSTRAND, 2002, tradução nossa).
28
sociais atrelados diretamente ao rock, que se anunciava com uma nova roupagem, deixando
de lado a rebeldia, “[...] meramente visual dos anos 50, para um nível mais profundo de
contestação social e política”. (CHACON, 1985, p. 33). Novos ideais norteavam os jovens, o
movimento hippie contestava o capitalismo e a guerra e esta inquietude culminou o
Woodstock10
em 1969, o festival reuniu mais de meio milhão de jovens unidos em uma
mensagem de paz e cultura.
No âmago destas revoluções há também uma nova concepção mercadológica para as
bandas inglesas que já firmadas na Europa dirigem suas atenções para os dólares americanos.
Entre elas, o destaque é para os Beatles e os Rolling Stones, que foram “escolhidos para uma
construção segura da travessia dos grupos do velho mundo ao mercado americano”.
(CHACON, 1985, p. 31). Ainda segundo Chacon (1985), o principal motivo da escolha dessas
bandas para emergir do cenário inglês para dentro do EUA - era a incrível capacidade e
genialidade que ambas tinham de representar os valores do seu próprio tempo nas letras. O
Pink Floyd que acabara de se formar e se destacava pelas fortes referências revolucionárias
seiscentistas, tinha como seu homem criativo Syd Barret, que segundo o site oficial da banda
era o gestor do grupo, alimentado por muito LCD11
. Sua visão era perfeita para a época, e
vice-versa. Ele levaria a banda para a fama, e danos irreparáveis a si mesmo ao longo do
caminho. E embora fosse de Barrett a ideia do Floyd. Ele durou apenas três anos. Mas sempre
soube o que eles se tornariam (REMEMBER..., 2011, tradução nossa). Durante os três
primeiros anos de trabalho com o lançamento do álbum The piper at the gates of dawn (1967)
e o início da produção do segundo disco A saucerful of secrets, Barret já apresentava sérios
problemas, devido ao consumo excessivo de drogas, e por consenso do grupo, deixa a banda.
A maioria das canções de Piper foi escrita durante um estouro de criatividade no
final de 1966 e inicio de 1967, quando Barret morava num apartamento na Rua
Earlham, na região central de Londres. [...]. Ele se sentava com enormes quantidades
de haxixe e maconha, e escrevia aquelas canções incríveis. (HARRIS, 2006, p. 39).
Em 1969, com nova formação o Pink Floyd lança mais dois álbuns. More, e logo em
seguida o álbum duplo Ummagumma – disco este que conquistou o quinto lugar nas paradas
10
“O Woodstock pode ser visto como o progresso da juventude em busca de uma ideologia relacionada à
vontade de viver e de poder, que vai de encontro ao Sistema. Também pode ser visto como a atualização da
utopia de uma geração, evidenciada na forma de energia social. Nesse sentido o rock talvez tenha sido um dos
pioneiros da contracultura, da transformação e da revolução do aqui e agora”. (AMORIM, 2007, p. 51).
11
O LSD, também chamado de ácido, pills, cones ou trips é uma droga com ação alucinógena ou psicodélica.
Pode apresentar a forma de barras, cápsulas, tiras de gelatina, micropontos ou folhas de papel secante (como
selos ou autocolantes), sendo que uma dose média é de 50 a 75 microgramas. (importantes a nível visual e
sensorial). (LSD, 2011).
29
britânicas. Nos anos seguintes 1970, 71 e 72 a banda produzira mais três discos Atom Heart
Mother, Meddle e Obscured by Clouds respectivamente. É em 72 o início dos trabalhos do
álbum The Dark Side of the Moon, lançado em 1973. Segundo a Revista Rolling Stone em
matéria publicada em 2008 (Dark Side of The Moon faz 35) o LP alcançou a vendagem de 40
milhões de unidades, sendo o terceiro disco mais vendido na história, até o momento.
Dark Side apresentava temas universais, como morte, insanidade, opulência,
pobreza, guerra e paz. O disco também tinha vestígios de elementos autobiográficos
que se referiam à criação de Waters, à morte de seu pai na Segunda Guerra Mundial
e ao destino que acometeu Syd Barret, o ocasionalmente criativo líder do Pink Floyd
que sucumbiu a problemas mentais e deixou seus colegas atordoados em 1968.
(HARRIS, 2006, p. 8-9).
Em sequência vieram os álbuns, Wish You Were Here (1975) foi um divisor de águas
na carreira da banda pós-Barret. Wish You Were Here aborda principalmente o tema da
ausência, na faixa Shine on You Crazy Diamond, - “dividida em nove partes e com longos
trechos instrumentais. A música é um tributo de Waters e Gilmour para Barrett”. (SET...,
2011). Dando seguimento a The Dark Side of the Moon, outro ensaio sobre a loucura
cotidiana. Dominado pelo líquido-rock na faixa “Shine On You Crazy Diamond”, é uma
alusão ao pungente errante ex-membro Syd Barrett. “Have a cigar” é uma explosão ardente
no mundo musical, com a linha clássica, “Quem é Pink?” (ROLLING STONE, 2003,
tradução nossa). Em Animals lançado em 1977, “os vocais de Gilmour foram empurados para
o fundo, enquanto as inconfundíveis lamurias de Waters se tornaram a assinatura da banda”.
(HARRIS, 2006, p. 10). Todo esse contexto pós-Dark Side desencadeou em 1979 a Ópera
Rock – The Wall, por fazer parte do tema principal deste trabalho será melhor explicado
posteriormente. Nos anos seguintes a banda lança em 1983, The Final Cut, dedicado ao pai de
Waters - Eric Fletcher Waters. Este seguiu a mesma temática de The Wall, porém ao contrário
da ópera não deixa dúvidas sobre sua finalidade: “Requiem para o sonho do pós-guerra, por
Roger Waters, executado por Pink Floyd”. (HARRIS, 2006, p. 10), abordando a guerra das
Malvinas12
na faixa The Fletcher Memorial Home além de Two Suns in the Sunsel que tratam
com cinismo o medo de uma possível guerra nuclear entre EUA e a extinta União Soviética,
as críticas do disco são todas direcionadas ao governo inglês e seus aliados.
As contradições com que o grupo vinha sofrendo principalmente depois de The Wall,
12
Segundo Joana D’Arc Torres Assis em seu livro – Guerra das Malvinas, 1983 - A invasão Argentina ao
território britânico, ordenada pelo governo ditatorial comandado pelo General Leopoldo Galtieri, foi motivado
pelas acusações de má administração do país e abusos de direitos humanos. A intenção de o governo militar era
motivar um “boom” patriótico dentro da Argentina, motivado pela guerra. O conflito que durou pouco mais de 2
meses foi o estopim para o fim do governo totalitarista argentino (ASSIS, 1983).
30
onde Waters aplicava toda sua individualidade aos trabalhos desgastaram a relação do grupo,
e após um período de três anos, em que cada membro já trabalhava em projetos solos Waters
anuncia sua saída do Floyd. Na gravação de The Final Cut,último álbum da banda contando
com Waters, os creditos pelo trabalho foram todos para o baixista, com participação de
Gilmour nos vocais em apenas uma das músicas. Harris (2006) destaca as palavras de Waters
ao anunciar a saída da banda: “Seus merdas – vocês nunca vão se dar bem”. (HARRIS, 2006,
p. 10).
Wright já havia deixado a banda legalmente há algum tempo, e trabalhava como
músico contratado já na turnê de The Wall. Não tendo nenhuma participação em The Final
Cut, mas Gilmour e Mason decidiram continuar com o Pink Floyd sem o seu "líder" de
outrora. Um período turbulento seguiu-se, porém o acordo foi finalmente alcançado: Waters
iria continuar a executar as músicas em que trabalhou, enquanto estava com a banda, bem
como material solo novo. Gilmour - agora primeiro entre iguais - e Mason continuaria a
gravar e tocar com Wright como Pink Floyd (WHICH..., 2011, tradução nossa).
Para a surpresa de Waters, com Gilmour a frente do Floyd é lançado em 1987 o álbum,
A Momentary Lapse of Reason – prova enfaticamente que a banda poderia existir sem Waters.
O disco alcançou o primeiro lugar no Reino Unido e nos EUA. Além de quebrar recordes de
receita este disco é o primeiro desde a fundação da banda, com participação de letristas de
fora do grupo. O álbum também é marcado pela turnê monumental que se estabeleceu por
lotar estádios durante os quatro anos de duração, e foi vista por 5,5 milhões de pessoas nos
200 shows que a banda realizou. Na turnê, foi lançado o álbum ao vivo – Delicate of Thunder
(1988). Com The Division Bell (1994), segundo disco de estúdio pós-Waters e também último
disco do Pink Floyd, teve sua fenomenal turnê “[...] parcialmente patrocinada pela
Volkswagen. ‘Não vejo razão para pedirmos desculpas por querer fazer música e ganhar
dinheiro’ disse Gilmour”. (HARRIS, 2006, p. 11). A frase de Gilmour é uma resposta a
Waters que a distância não acreditava “[...] que o Pink Floyd agora era um grupo que se
apresentava ao vivo com uma banda de oito músicos” (HARRIS, 2006, p. 11), e o que mais
irritava o ex-líder do Floyd era as canções creditadas a Gilmour, sua esposa e a jornalista e
escritora inglesa, Polly Samson. Em 2004 Waters declara:
Fiquei perturbado e um tanto desiludido porque a massa não coseguiu ver a porra da
diferença... Bom, na verdade ela vê. Estou sendo indelicado. Existe um grande
número de pessoas que consegue enxergar a diferença, mas havia também outras
muitas que não conseguiam. Mas quando o segundo disco saiu... Bom, já tinham se
31
tornado o Spinal Tap13
àquela altura. Letras escritas pela nova esposa. E foram
mesmo! Quero dizer, dá um tempo, porra! Qual é! E que ousadia: chamar aquilo de
Pink Floyd. Era um disco horroroso. (HARRIS, 2006, p. 11).
Em junho de 2005, é realizada a reunião da banda no festival Live 814
londrino, porém
mesmo o evento sendo em prol de causas sociais não evitou a troca de ironias entre Gilmour e
Waters que declarou: “De qualquer maneira, fazemos isso por todos aqueles que não estão
aqui, e em particular, é claro por Syd”. (HARRIS, 2006, p. 11).
Na história do Pink Floyd há o ano de 1979 em que foi lançado o álbum mais
controverso da banda, The Wall, ou – O Muro – em tradução livre, foi precedido em 16 de
novembro do mesmo ano pelo single “Another Brick in The Wall, part 2” o disco vendeu
apenas na primeira semana 340 mil cópias. E “demorou apenas uma semana para chegar ao
primeiro lugar dos tops [...]”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 83). O que mais chamava a
atenção na época era o conteúdo antieducacional que compunha o single, fato este que ao
final de novembro causa furor na imprensa inglesa com a colocação nas lojas da obra
completa: The Wall.
2.4 THE WALL – O ÁLBUM
Repleto de efeitos sonoros, gritos, suspiros e risos perfeitamente alinhados ao som da
música, The Wall provoca os ouvidos e as tripas, segundo aponta a coletânea Colectivo Rock
On de 1988. Décimo primeiro álbum de estúdio da banda, foi lançado em 30 de novembro de
1979. Centrado em Pink - personagem fictício alterego do baixista Roger Waters. Suas
composições abordam temas como o abandono e o isolamento pessoal. Com letras amargas,
que em alguns trechos chegam a beirar o desespero, as músicas são carregadas de
significantes, ruídos, gritos e vozes. “The Wall é genericamente considerado um trabalho de
Roger Waters e, pode-se mesmo dizer, autobiográfico. O álbum e o espetáculo refletem a sua
vida e os seus problemas”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 84).
Segundo o site oficial da banda, o “nascimento” do álbum se deu em 1977, com o
13
“Banda imaginária lançada por um falso documentário que levou as pessoas a acreditarem que ela realmente
existia”. (HARRIS, 2005, p. 11).
14
Festival criado em 2005 que segundo estimativas do site oficial reuniram um bilhão de pessoas na luta contra a
pobreza e a fome na África. O Live 8 aconteceu simultaneamente em 10 cidades pelo mundo contando com mais
de 1000 músicos, que lutam em prol da causa (LIVE 8, 2005, tradução nossa).
32
disco Animals, neste ano a banda estava com a turnê, In the Flesh, quando em um show no
Canadá, Waters ficou perplexo com a atitude do público que pedia para a banda executar as
músicas antigas, enquanto eles pretendiam apresentar as novas composições. Foi que em um
ataque de raiva, Waters cuspiu em um fã que invadira o palco. Após o fatídico episódio,
Waters imaginou construir um muro entre a banda e o público. The Wall torna-se um álbum
que transmuta as emoções de Waters, e em 1982, tomam forma imagética pelo olhar do
diretor inglês, Alan Parker, que produz o filme homônimo, roteirizado por Waters.
Comercialmente bem sucedido, The Wall foi um dos álbuns mais vendidos de 1980, vendendo
mais de 11.5 milhões de unidades nos Estados Unidos, com isso alcançando a primeira
posição da revista Billboard em março do mesmo ano. Na terra da Rainha o álbum alcançou
vendagem já em 1979 de “600 000 cópias nas primeiras quatro semanas e em fins de janeiro
já ultrapassava 1.200,000 cópias”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 83). A revista Rolling
Stone listou The Wall na 87ª posição em sua lista dos 500 melhores álbuns de todos os
tempos.
The Wall é o álbum mais elaboradamente teatral do Pink Floyd, inspirado em seu
próprio sucesso: a enormidade de The Dark Side of the Moon. O baixista-
letrista Roger Waters primeiro bateu em cima do “muro” como uma metáfora para o
isolamento e rebelião. Ópera rock de autopiedade suprema, o também “muro” na indulgência
é hipnótico: o trovão totalitário de In the Flesh? com o langor suicida
de Comfortably Numb, e o drama brechtiano de The Trial. Fazem com que o Rock nunca
tenha sido tão eletrizante (ROLLING STONE, 2003, tradução nossa). Divídido em 26 atos:
sendo o primeiro ato/música In the Flesh?, como descrita pela revista Rolling Stone, a letra da
canção, que em tradução para o português descreve-se como, Em carne e osso, é uma torrente
de emoções que são disparadas contra os ouvintes, e convidando-os a “sentir a calorosa
emoção da confusão” (To feel the warm thrill of confusion15
). Além da letra provocativa a
melodia, entra como um “trovão” sem avisar. Os sons pesados do baixo, as guitarras
desconcertantes acompanhadas de um estridente órgão, abrem o prelúdio do álbum como um
convite à imersão no mundo/muro/mente de Pink.
15
Verso de “In the Flesh?”.
33
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O conjunto de procedimentos metodológicos pertinentes para perfazer as implicações
referentes ao trabalho passa pelo método de Pesquisa, ou seja, “procedimentos sistemáticos,
baseados no raciocínio lógico, que tem por objetivo encontrar soluções para problemas
propostos, mediante a utilização de métodos científicos”. (ANDRADE, 2003, p. 121).
Já no que tange a classificação este estudo caracteriza-se como uma pesquisa porque
busca apresentar soluções para a formulação do filme The Wall a partir da música, refletindo
alguns pormenores psicológicos e semióticos que motivam o isolamento do protagonista do
longa. O estudo dos princípios e dos métodos de pesquisa, ou seja, como será orientado o
aspecto científico da monografia “refere-se ao tipo de pesquisa voltada para a inquirição de
métodos e procedimentos adotados como científicos. Faz parte da pesquisa metodológica o
estudo dos paradigmas, as crises da ciência, os métodos e as técnicas dominantes da produção
científica”. (DEMO, 1994, p. 37). Também se pode explicar estes termos de estudo através da
linha de raciocínio de Laville (1999). “O método são regras precisas e fáceis, a partir da
observação exata das quais se terá certeza de nunca tomar um erro por uma verdade, e, [...]
chegar ao conhecimento verdadeiro de tudo do que é capaz”. (LAVILLE, 1999, p. 11).
Para a pesquisa exploratória, ou seja, as primeiras orientações do desenvolvimento
do trabalho. Visa-se “[...] proporcionar maiores informações sobre determinado assunto,
facilitar a delimitação de um tema de trabalho, definir objetivos [...] de uma pesquisa ou
descobrir novo tipo de enfoque para o trabalho que se tem em mente”. (FONTE, 2012).
Dentro deste contexto aborda-se os pormenores para a escolha do tema, que foi feita por
proximidade, ou seja, os conhecimentos sobre música e cinema além de provocar curiosidades
sobre o tema, facilitaram a busca de referências sobre a pesquisa, que foi iniciada em meados
de 2011, quando se deu início a seleção das cenas que poderiam ser analisadas mais a fundo,
pois como o filme é uma história linear, era imprescindível a escolha de um recorte, para ser
motivada a pesquisa. Para o desenvolvimento do trabalho é necessário a busca de variadas
referências textuais e imagéticas, para firmar esta temática foi utilizada a pesquisa descritiva,
ou seja, “os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados sem
que o pesquisador interfira neles”. (FONTE, 2012).
No capítulo 4, onde é descrita a análise da pesquisa o leitor encontrará a abordagem
frente as três canções Another Brick in The Wall, que formam a tríade da vida do protagonista
Pink, além de uma descrição sobre o filme que orienta o leitor sobre os caminhos tomados
34
pelo protagonista até, esse chegar às músicas descritas anteriormente. Também haverá a
disponibilidade para o leitor neste capítulo de observar as referências bibliográficas utilizadas
ao longo do trabalho. Pesquisa bibliográfica:
é aquela que utiliza material escrito / gravado, mecânica ou eletronicamente. São
consideradas fontes bibliográficas os livros (de leitura corrente ou de referência, tais
como dicionários, enciclopédias, anuários etc.), as publicações periódicas (jornais,
revistas, panfletos etc.), fitas gravadas de áudio e vídeo, páginas de web sites,
relatórios de simpósios / seminários, anais de congressos etc. (FONTE, 2012).
Para o desenvolvimento do trabalho foram elencados autores como Michel Chion,
Jean Claude Carièrre e Bret Urick, estes são muito utilizados por terem em seus estudos
abordagens que são intimamente ligadas ao assunto. Por esse contexto, pode-se citar que
houve a escolha da abordagem qualitativa:
a pesquisa qualitativa não procura enumerar e ou medir os eventos estudados, nem
emprega instrumental estatístico na análise dos dados. Parte de questões ou focos de
interesses amplos, que vão se definindo à medida em que o estudo se desenvolve.
Envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos pelo
contato direto do pesquisador com a situação estudada. (GODOY, 1995).
Também destaca-se que esta pesquisa foi elencada com base de o estudo não
objetivar dados numéricos. E sim de forma aprofundada, descritiva e textual, há objetivar
abordar algumas questões semiológicas encontradas nos significados e significantes do filme.
Por semiologia pode-se entender: o estudo da semiótica esta por sua vez explicada por Lúcia
Santaella (1983) como: a ciência dos signos, ou seja, o estudo das linguagens, seja ela verbal
ou não verbal. O conceito de verbal ou não verbal também é exemplificado por Santaella
(1983): como linguagem verbal pode-se entender a ciência linguística, ou seja, os estudos
referentes à língua falada e escrita. E a não verbal são os signos, ou seja, elementos que
significam algo a alguém. No que tange a análise do filme The Wall, a aplicação de semiótica
é voltada a Qualidade de sentimento, conflito e interpretação: “exemplificar as categorias
como manifestações psicológicas significa examinar os modos gerais conforme os quais se dá
a apreensão dos fenômenos na consciência”. (SANTAELLA, 1983, p. 40). Em outras palavras
é uma análise que difere da razão, pois para Peirce “consciência é como um lago sem fundo
no qual as ideias (partícula materiais da consciência) estão localizadas em diferentes
profundidades”. (SANTAELLA, 1983, p. 40-41). Dentro destes preceitos a abordagem teórica
do trabalho pretende no próximo capítulo exemplificar e sugerir uma visão sobre os sentidos
do Filme The Wall.
35
4 ANÁLISE DOS DADOS
4.1 THE WALL – O FILME
Produzido em 1982, pelo diretor inglês, Alan Parker e roteirizado por Roger Waters
o filme conta em seu elenco com Bob Geldof, interpretando Pink, enquadrado no gênero
drama/musical a película Floydiana16
alcançou mais US$ 67 mil em bilheteria na sua primeira
projeção nos EUA. Segundo a publicação – Colectivo Rock On, no filme as representações
imagéticas para as composições de Waters seguem uma descrição quase sádica.
Tudo é autobiográfico, os pormenores mais íntimos são rigorosamente autênticos,
pensamentos, paranoias, destruições, sonhos, pesadelos, etc. Em outras palavras, o
nível de loucura a que chegou. A sua lucidez, a sua condição. E finalmente o ódio
que tem a si próprio. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 90).
Ao contrário do álbum (que inicia com uma torrente massiva de sons pesados), o
filme introduz o espectador letargicamente, em uma sonora calmaria – comum a parte da
canção The Little Boy That Santa Claus Forgot, (O pequeno menino que Papai Noel
Esqueceu) interpretada pela cantora inglesa Vera Lynn17
. Uma pequena parte é cancionada
enquanto a câmera executa uma tomada de aproximação em travelling18
de baixo ao longo de
um corredor estéril e cinzento de um hotel.
O trecho da canção executado no filme fala sobre – o natal que vem apenas uma vez
por ano, e que todas as crianças merecem risos e alegrias, neste dia. Porém um recorte do
trecho executado remete a primeira música, da banda que é uma introdução (recordações), ao
mundo de Pink - I tell you of the little boy who lives across the way. | This fell a's Christmas
is Just another Day..., (Digo-vos do menino que mora do outro lado da rua. | Natal para
ele é só mais um dia...), neste ponto da canção, há um corte seco na música que é substituído
pelo ruído de um aspirador de pó, que acaba de ser ligado pela camareira que sai de um
quarto. Neste caso, como explica Chion (2011), há a aplicação do valor acrescentado pela
16
Nomenclatura utilizada por fãs, para vincular-se a Banda.
17
Vera nos anos de guerra fez todo esforço para trazer conforto para os soldados britânicos cantando canções
como ‘Since rely Yours’ ou visitando os hospitais onde estavam as vítimas dos bombardeios (THE
GUARDIAN, 2009, tradução nossa).
18
“Tomada feita por uma câmera montada num carinho ou sobre trilhos que segue a movimentação do ator ou a
ação narrativa em qualquer direção: para frente, para trás, por trás e em torno do sujeito ou objeto filmados”.
(BERGAN, 2010, p. 147).
36
música, ou seja, o ruído cria a partir dele o interlúdio na canção uma sugestão de apreensão no
telespectador. Em outras palavras, “[...] a música exprime diretamente a sua participação na
emoção da cena, dando ritmo, o tom e o fraseado adaptados, isto evidentemente em função
dos códigos culturais da tristeza, da alegria da emoção e do movimento”. (CHION, 2011, p.
14). A música de Vera remonta a infância que Pink, não teve, pois ele cresceu em uma família
pobre (composta apenas por ele e a mãe), e com a ausência do pai, morto na segunda guerra.
No disco o ouvinte é jogado no mundo de Pink e no seu “muro”, através de In the Flesh?. No
entanto no filme a introdução melancólica de The Little Boy..., e em seguida a composição de
Waters, escrita para o filme, When the Tigers Broke Free, Part119
(Quando os Tigres se
Libertam, parte 1), preparam o espectador para algo maior. A cena estéril no corredor do hotel
causa um efeito de suspense, pois a música é anempática à cena, ou seja, a canção “revela a
verdade mecânica por trás das imagens”. (CHION, 2011, p. 17).
Urick (2010) explica que a cena de When the Tigers Broke Free adentra ao filme
com imagens de uma “recordação” do que Pink, nunca viu. A tomada da câmera ao som de
bombas caindo, revela aos poucos o pai de Pink, em meio a escuridão, em uma casa mata, o
signo20
representativo da escuridão, retoma as lembranças que Pink, não tem, de seu pai, e sim
apenas sugestões do que ele vê na TV, em outras palavras, a escuridão é perfaz o universo
icônico21
, ou seja, mesmo as imagens estando lá, são apenas representações de uma possível
realidade na mente de Pink, que está sentado no quarto de hotel ao final da canção, e não na
guerra como as imagens sugerem.
4.1.1 Recordações – A guerra como primeiro tijolo
Ao final da primeira (segunda na classificação cronológica, porém primeira
19
It was just before dawn | One miserable morning in black forty-four | When the Forward Commander was told
to sit thight | When he asked that his men be withdrawn | And the Generals gave thanks | As the others ranks |
Held back the enemy tanks for a while | And the Anzio Bridgehead was held for the price |
Of a few hundred ordinary lives (Um pouco antes do amanhecer | Em uma penosa manhã nos negros 44 |
Quando o comando avançado disse para permanecer um pouco mais | Quando ele pediu que seus homens
batessem em retirada | E os generais agradeceram | como as tropas | Seguraram os blindados inimigos por alguns
instantes | E pela cabeceira da ponte de Anzio pagaram o preço | De algumas centenas de vidas ordinárias).
20
“Defino um Signo como qualquer coisa que, de um lado, é assim determinada por um Objeto e, de outro,
assim determina uma ideia na mente de uma pessoa, esta última determinação, que denomino o Interpretante do
signo, é, desse modo, mediatamente determinada por aquele Objeto. Um signo, assim, tem uma relação triádica
com seu Objeto e com seu Interpretante”. (SANTAELLA, 2000 p. 12).
21
“ O objeto do ícone, [...], é sempre uma simples possibilidade, isto é possibilidade do efeito de impressão que
ele está apto a produzir ao excitar nosso sentido”. (SANTAELLA, 1983, p. 64).
37
composição da banda a ser executada) canção do filme (When the Tigers Broke Free, Part 1),
a cena retoma ao quarto em que Pink está, totalmente catatônico, com as cenas de guerra que
observa na televisão, cenas essas uma constante durante o filme, salvo no início do terceiro
ato em Another brick in The Wall, part 3 (ideia que será desenvolvida posteriormente), em
todas as outras tomadas de Pink frente ao aparelho televisivo, retomam o tema guerra e
abandono. Tigers fala sobre como as ordens do alto comando britânico, acabaram com as
vidas ordinárias de seus soldados, para segurar por alguns instantes uma companhia de
tanques alemães que avançava sobre a ponte de Anzio, na Itália. Ao fechar o quadro da cena
novamente no quarto, a primeira imagem que é focada é a de um relógio com a figura de
Mickey Mouse, no pulso de Pink. Os tons que a composição e a música enfatizam nas
imagens aplicadas para representar a canção traçam o desenrolar do filme. Assim pode-se
dizer que: “a música como tema para o argumento cinematográfico inverte o processo de
criação, passando a mostrar visualmente o que a música representa, transmutando-a em cenas,
sequências e diálogos”. (RODRIGUES, 2005, p. 118).
A cena desenrola-se novamente melancólica com os versos da canção - The Little
Boy- He's thelittle boy that Santa Claus forgot shesings. And goodness knows he didn't want a
lot. | He sent a note to Santa for some soldiers and a drum. | It broke his little heart when he
found Santa hadn't come. | In the street he envies all those lucky boys...-(ele é o garotinho que
papai Noel esqueceu | e as boas novas | ele não queria muito | Ele escreveu uma carta para
Papai Noel/ pedindo alguns soldados de chumbo e um tambor | E seu pequeno coração se
partiu | Quando papai Noel não veio | Ele invejava nas ruas | todos aqueles garotos
afortunados) são entoados enquanto a câmera segue em traveling pelo braço de Pink,
passando pela sua mão onde um cigarro já queima seus dedos, a tomada sobe pelo seu peito
até dar um zoom em seu olho, onde há um corte dinâmico22
na cena, ou seja, a sobreposição
abrupta de uma cena para a outra, quebrando a sensação de ação continua. Então o espectador
se vê novamente no corredor, com a visão da camareira desligando o aspirador. Na sequência
fílmica, há a presença do que se chama de fluxo do som, ou seja:
O fluxo do som de um filme caracteriza-se pelo caráter mais ou menos ligado, mais
ou menos insensível e fluidamente encadeado dos diferentes elementos sonoros,
sucessivos, ou, pelo contrário, mais ou menos acidentado e partido por cortes secos
– que interrompem brutalmente um som para o substituírem por outro. (CHION,
2011, p. 42).
22
“Edição de uma série de tomadas abruptas de pessoas e objetos não necessariamente na mesma cena,
quebrando a sensação de ação continua, mas compondo um todo coerente”. (BERGAN, 2010, p. 146).
38
Alguns críticos e analistas da obra do Floyd atribuem à letargia em que ele encontra-
se no quarto de hotel, ao momento do nascimento. Para o autor do site The Wall A Complete
Analisys, Bret Urick, É interessante perceber que o tom de Tigers..., part 1 é destacado e
observacional, já na segunda é pessoal e emocionalmente carregado. Ainda há um toque de
carne e sangue nas letras, ou seja, nos adjetivos subjetivos, tais como “miseráveis”, “preto” e
“normal” usado para descrever a manhã pouco antes da batalha que terá de Pink (Roger
Waters) a perda da vida do pai (URICK, 2010, tradução nossa). Waters afirma nos
comentários do filme (THE WALL, 1982), que seu pai, serviu de modelo para o próprio pai
de Pink, pois ele era 2° tenente do 8 º Batalhão dos Fuzileiros Reais Cia C. A que tropa
realizou a linha de frente, em fevereiro de 1944, quando os alemães lançaram um contra-
ataque contra aos Aliados, na tentativa de expulsá-los de volta para o mar. O destino dos
homens é ainda indeterminado, neste ponto do filme, como é o de Pink ainda por
nascer. Contudo, a história revela que a Cia Real Fusiliers C foi completamente destruída pelo
contra-ataque alemão, “pagando o preço com centenas de vidas ordinárias”, entre as quais a
vida Eric Fletcher Waters, pai de Roger e, ficticiamente, Pink pai.
A prefação de encerramento de Tigers/The Little Boy abre em contraste com o jogo
de imagens entre o branco do corredor (agora iluminado) do hotel com a escuridão do quarto
de Pink, estas tomadas convergem a face de Pink e então às imagens em um – plano
subjetivo23
– da rebelião de insanidade à entrada da canção In the Flesh?24
como no álbum a
imersão do espectador ao mundo de Pink se faz com: a entrada do som pesado do baixo, as
guitarras desconcertantes acompanhadas de um estridente órgão, que na película é sobreposta
aos gritos de jovens, por trás de uma porta a ser rompida, cena que supre a consternação de In
the Flesh?. As imagens que seguem são de tomadas intercaladas, ou seja, há a aplicação de
um – plano sequência25
– na cena entre os soldados no campo de batalha e os jovens, órfãos
da guerra. As imagens seguem remontando o bombardeio às forças aliadas e cada soldado que
cai no campo de batalha, “derruba” imediatamente um jovem (representando o pai morto e o
filho atingido indiretamente, pela bomba). Os filhos da guerra correm como loucos a esmo,
como os soldados no campo de batalha, nesta cena o objetivo dos jovens ensandecidos e para
23
“Plano que reproduz o que um personagem vê, muitas vezes precedido por planos do personagem olhando o
objeto”. (BERGAN, 2010, p. 147).
24
So ya thought ya | Might like to go to the show | To feel the warm thrill of confusion | That space cadet glow |
Tell me is something eluding you sunshine? | Is this not what you expected to see? | If you want to find out what's
behind these cold eyes | You'll just have to claw your way through this disguise! (Então você achou | que gostaria
de ir ao show | para sentir o calor da emoção e da confusão | o fulgor do cadete do espaço? | Diga-me alguma
coisa está te iludindo, benzinho | Isto não é o que você esperava ver? | Se você quiser descobrir o que há atrás
deste olhar frio | Você terá que abrir caminho através deste disfarce).
25
“Plano longo que capta uma sequência de ações, sem cortes”. (BERGAN, 2010, p. 147).
39
chegar ao show de Pink. Os signos representativos na composição imagética para
complementar a música estão atrelados ao universo da secundidade, pois como explica
Santaella (2000), é a linguagem visual, quase sempre figurativa, que tem uma vocação
referencial, o que a caracteriza como signo, ou seja, quando os jovens que estão correndo em
direção ao palco para ver Pink, caem com as bombas lançadas há anos atrás nos soldados que
correm no campo de batalha, há uma reação, em outras palavras o revivar das ações ocorridas
na guerra são familiarmente proeminentes.
Em consequência, se o sentido da imagem existe em função do contexto fílmico
criado pela montagem, ele também existe em função do contexto mental do
espectador, cada um reagindo de acordo com os seus gostos, a sua instrução, a sua
cultura [...]. (MARTIN, 2005, p. 34).
Ao início do trecho cancionado da música, ou seja, com presença de vocais. Pink
inicia a performance no alto de uma sacada, uniformizado, bradando os primeiros versos, que
convidam o telespectador e a plateia de jovens, que o assistem a sentir o – calor da confusão e
descobrir o que há por trás de seus olhos frios. Há referências na cena ao do 3º Reich alemão,
protagonizado por Adolf Hitler. Os referenciais são utilizados no uniforme de Pink e também
no cenário. Há um emblema com dois martelos cruzados, quase a uma cópia da suástica
teutônica, difundida pelo ocultista alemão Guido Von List, e depois utilizada pelas forças
hitleristas. Também há contornos ao regime Stalinista da extinta União Soviética, na utilização
do martelo, um dos símbolos do regime Comunista. Outras evidências que contemplam a
significação ao regime Nazi-socialista é à disposição das bandeiras com pedestais e as cores
escolhidas para estas, pretas e vermelhas, cores essas predominantes no Regime totalitarista
alemão, e em alguns casos o uso dos standard utilizando uma águia como símbolo, dentro de
um círculo sobre a bandeira, o símbolo faz alusão ao regime Hitlerista, pois os mesmos
standarts foram utilizados por Hitler da ascensão à queda do Reich, conforme se pode ver na
imagem a seguir.
40
Ilustração1: In The Flesh
Fonte: The Wall (1982).
E talvez o referencial maior seja a águia postada no centro da sacada, com as asas
abertas e cabeça virada para o lado com os martelos cruzados, dentro de um círculo e presos
em suas garras conforme ilustração a seguir. Pode-se citar também o fato de Pink gerir como
um maestro as cenas de guerra que se passam entre o plano sequência no campo de batalha e a
sua performance no “palco”.
Ilustração 2: In The Flesh
Fonte: The Wall (1982).
Em In the Flesh?, pode-se perceber que Pink, já encontra-se com as sobrancelhas e
cabelos raspados, fato este que acontece apenas na segunda metade do filme, na canção Bring
41
The Boys Back Home. De acordo com o Urick (2010), a tomada mostra que In the Flesh? é
um possível renascimento de Pink para o mundo, depois de que seu muro veio a baixo.
Ao final da canção a cena que o espectador visualiza coloca o primeiro tijolo no muro,
antes mesmo de Pink nascer – um avião das forças alemãs lança uma bomba em direção a
casa mata em que Pink pai tentava pedir socorro, pelo rádio comunicador. Após a explosão da
bomba o seu corpo já sem vida é mostrado coberto de sangue, soltando o aparelho telefônico.
Nós ouvimos os aviões, ouvimos cair bombas, vemos o pai morrer, sua mão escorregar
lentamente do telefone - que simboliza a comunicação - como ele foi pedir ajuda. (Não é mera
coincidência, ou, considerando que mais alguns tijolos eram formados pela falta bruta de
comunicação de sua parte.) Como uma tragédia grega, a criança chora, o pai morre, e nós, o
público, sabemos tudo, o que virá a acontecer. Levar esses fragmentos díspares e começar a
juntar as peças do “Muro” que Pink está destinado a construir (URICK, 2010, tradução
nossa). Com o fim da vida de Pink pai, em paradoxo tem início a vida de Pink. A cena de paz
em um jardim inglês, com a predominância de sons diegéticos26
coloca um contraponto as
imagens sádicas passadas em In the Flesh? as imagens e os sons transmitem o imaginário da
calmaria antes da tempestade. A sequência de imagens também sobre o efeito de sons
diegéticos mostra os terríveis traumas dos sobreviventes dos conflitos, na tomada inicial de
The Thin Ice27
há cenas de corpos e soldados sobreviventes com sérios ferimentos nas areias
da praia da Normandia.
The Thin Ice representa o começo da vida cheia de obstáculos a que Pink enfrentará,
pois ainda no berço já tem de confrontar-se com o “espetáculo” da vida moderna, como
sugere a letra da canção. A música que começa com a afirmação “Momma loves her baby |
and Daddy loves too” (Mamãe ama seu filinho e papai também te ama) na composição da
letra em seguida, Waters brinca com a ambiguidade das palavras céu e mar que cobertas por
imagens de soldados retalhados exalta: “E o mar pode parecer morno para você filinho e o céu
26
“Som Diegético: sonoridades objetivas; todo o universo sonoro que é perceptível pelos personagens em cena,
tais como a paisagem sonora (o som dos carros numa cidade, o ruído de uma multidão, os pássaros no campo, a
música num bar, etc), ou o diálogo entre personagens. Os sons diegéticos podem decorrer dentro do
enquadramento visual da cena ou não (onscreen / off screen)”. (BARBOSA, 2001, p. 2).
27
Momma loves her baby | And daddy loves you too. | And the sea may look warm to you babe |
And the sky may look blue | But oh Baby | Oh baby blue | Oh babe. | If you should go skating |
On the thin ice of modern life | Dragging behind you the silent reproach | Of a million tear-stained eyes
Don't be surprised, when a crack in the ice | Appears under your feet | You slip out of your depth and out of your
mind | With your fear flowing out behind you | As you claw the thin ice. (Mamãe ama seu filinho | E papai
também te ama | E o mar talvez pareça morno para você, filinho | E o céu talvez pareça azul | Mas oh filinho | Oh
triste filinho | oh filinho | Se você for patinar | no gelo fino da vida moderna | Se arrastando atrás de você a
censura silenciosa | De um milhão de olhos lacrimejantes | Não fique surpreso | Quando uma rachadura no gelo
surgir sob seus pés | Você entra em desespero e fica completamente louco | Com seus medos fluindo atrás de
você | Enquanto você se agarra ao gelo fino).
42
pode parecer azul, mas Oh filinho”. (And the sea may look warm to you Babe And the Sky
may look blue, Oh babe). Urick (2010) destaca a aplicação do “mas” destina que apesar de o
mar e o céu considerados símbolos de tranquilidade, por várias culturas, a vida não reflete
esses significados à Pink, mas sim, a duplicidade da canção que é escancarada com o termo
“Blue” que em tradução literal significa “azul”, porém, ela é aplicada na canção com o
significado contextual de “Make me blue”, ou seja, “me deixou triste” (Oooh babe, Oooh
baby blue28
) essa é a “introdução” que Waters utiliza para introduzir o bebê Pink na vida
moderna. Nesse caso pode-se aplicar a teoria de Michel Chion sobre as formas de a música
criar sentimentos no cinema em relação a uma cena especifica. “[...] a música exprime
diretamente a sua participação na emoção da cena, dando ritmo, o tom e o fraseado adaptados,
isto evidentemente em função dos códigos culturais da tristeza, da alegria, da emoção e do
movimento”. (CHION, 2011, p. 14).
A letra da canção sugere o prelúdio sobre o gelo fino que se abrirá sobre os pés
(dentro da mente) de Pink. Após a canção versar sobre a loucura da vida moderna e a única
sustentação que servirá como base para Pink, – O gelo Fino – (The Thin Ice), a tomada retoma
ao quarto do hotel, todo desarrumado, o aparelho televisor ligado transmitindo cenas do
desenho de “Tom e Jerry”, numa importante referência a infância perdida, e que Pink tenta
recuperar balbuciando suas lembranças. Na tomada, Pink encontra-se boiando na piscina,
deitado, para Urick (2010), Pink é uma reminiscência da clássica representação da
crucificação de Jesus ele está passivo ao confronto de seus fantasmas. Porém, quando a
imagem do corpo de seu pai no campo entra em – corte súbito29
– a ele na tela, Pink então
“trava uma batalha” que faz com que a piscina encha-se de sangue. A linguagem visual que é
aplicada “internamente” na cena remete ao universo da secundidade, pois apesar de ser uma
imagem mental, ela faz o protagonista ver e estar diante de algo, que significa alguma coisa.
A linguagem visual tem sua característica primordial na incidência com que imagens
singulares, que e agora, se apresentam à percepção. Ver é estar diante de algo,
mesmo que esse algo seja uma imagem mental onírica, pois o que caracteriza a
imagem é sua presença, estar presente, tomando conta da nossa apreensão. Aliada ao
seu caráter perceptivo, que corresponde tipicamente ao universo da secundidade, a
linguagem visual, quase sempre figurativa, tem uma vocação referencial, o que a
caracteriza como signo. (SANTAELLA, 2005, p. 19).
Neste momento a canção que até agora vinha em um tom “apaziguador” de piano
28
Tradução nossa. “Oh filinho, Oh triste filhinho”.
29
Justaposição de imagens muito dispares em um filme para dar a sensação de surpresa ou horror.
(BERGAN,2009, p. 500).
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A MÚSICA NA CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA EM THE WALL

  • 1. FACULDADE ESTÁCIO DE SÁ DE SANTA CATARINA IVANIR FERREIRA FRANÇA A MÚSICA NA CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA EM THE WALL SÃO JOSÉ, 2012.
  • 2. IVANIR FERREIRA FRANÇA A MÚSICA NA CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA EM THE WALL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à disciplina de Projeto Experimental II, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo, da Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina. Professores orientadores: Conteúdo: Lúcia C. M. de Miranda Moreira, Doutora. Metodologia: Savani Terezinha de Oliveira Borges, Especialista. SÃO JOSÉ 2012.
  • 3. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) F383m FERREIRA, Ivanir Aparecido. A música na construção imagética em The Wall./ Ivanir Aparecido Ferreira. – São José, 2012. 106 f. ; il. ; 21 cm. Trabalho Monográfico (Graduação em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo) – Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina, 2012. Bibliografia: f. 101 – 105. The Wall. 2. Pink Floyd. 3. Audio-visual. I. Título. CDD 778.535
  • 4.
  • 5. Tudo o que consigo entender do discurso acadêmico é ser vergonhoso obedecer a essa lei de bom grado e sermos culpados por nos regozijarmos com nosso destino. Esse sol que, há poucas horas, dominava tudo com luz direta e branca, em breve irá encharcar o horizonte ocidental com várias cores. Nos jogos desse sol agonizante, certos espíritos poéticos encontrarão novos prazeres; eles descobrirão uma fileira de colunas deslumbrantes, cascatas de metal fundido, galerias de fogo, um esplendor triste, a volúpia da saudade, todos os encantos do sonho, todas as lembranças do ópio. E o pôr do sol lhes parecerá de fato como a maravilhosa alegoria de uma alma carregada de vida que vai para trás do horizonte com uma enorme provisão de pensamentos e sonhos. Charles Baudelaire ao livro “Contos de Imaginação e Mistério”, de Edgar Allan Poe.
  • 6. RESUMO Neste trabalho propõe-se apresentar como se dá a estruturação e montagem de um filme – no caso específico do longa dirigido por Alan Parker e roteirizado por Roger Waters – The Wall. Baseado no disco homônimo da banda inglesa Pink Floyd descreve-se uma análise sobre a construção cinematográfica, a partir das músicas do álbum, onde as imagens são construídas e roteirizadas para representar os sentimentos e significados das letras de – The Wall. Inicialmente, apresentam-se algumas abordagens referentes à história do cinema, do rock e da banda Pink Floyd. Utiliza-se a relação do audiovisual e é destacado alguns conceitos nos domínios da imagem e do som. Com relação ao sonoro há algumas características e interpretações do termo “Som” pelo viés do compositor e teórico cinematográfico Michel Chion. Na abordagem da linguagem cinematográfica, específica do filme pontos e características a serem discutidas pelo viés de Jean Claude Carrière, Michel Chion e Bret Urick. A escolha desta abordagem referente ao audiovisual é definida através dos conceitos cinematográficos de construção “inversa”, ou seja, as imagens, como pano de fundo para as músicas. Estas escolhas podem ser resumidas na busca por estruturar a obra por meio de parâmetros relacionados ao audiovisual bem como na utilização de eventos imagéticos para complementar e interpretar a significação musical. Palavras-chave: Audiovisual. The Wall. Pink Floyd.
  • 7. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1: In The Flesh………............................................................................................40 Ilustração 2: In The Flesh........................................................................................................40 Ilustração 3: Goodbye Blue Sky..............................................................................................51 Ilustração 4: Another Brick in the Wall, part 2.......................................................................55 Ilustração 5: Another Brick in The Wall, part 2......................................................................57 Ilustração 6: Mother……………............................................................................................60 Ilustração 7: Mother……........................................................................................................61 Ilustração 8: Empty Spaces/What Shall we do now?..............................................................66 Ilustração 9: Empty Spaces/What Shall we do now?..............................................................68 Ilustração 10: Don’t me Leave Me Now…….........................................................................73 Ilustração 11: In The Flesh…………………………..............................................................89 Ilustração 12: In The Flesh......................................................................................................90 Ilustração 13: In The Flesh ………………….........................................................................90 Ilustração 14: Waiting for the Worms…………………….....................................................94 Ilustração 15: The Trial……………..……………………......................................................95 Ilustração 16: Outside The Wall………………......................................................................98
  • 8. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................9 1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA ............................................................................11 1.2 OBJETIVOS.......................................................................................................................11 1.2.1 Objetivo geral.................................................................................................................11 1.2.2 Objetivos específicos......................................................................................................11 2 REVISÃO DE LITERATURA...........................................................................................13 2.1 BREVE HISTÓRIA DO CINEMA....................................................................................13 2.1.1 A Origem do Cinema.....................................................................................................13 2.1.2 Avanços Tecnológicos....................................................................................................14 2.1.3 Características fundamentais da linguagem fílmica ..................................................18 2.1.4 Cinema na Guerra e os gêneros cinematográficos .....................................................21 2.1.4.1 O som no cinema..........................................................................................................23 2.2 O NASCIMENTO DO ROCK ...........................................................................................24 2.3 PINK FLOYD – A BANDA ..............................................................................................27 2.4 THE WALL – O ÁLBUM .................................................................................................31 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .....................................................................33 4 ANÁLISE DOS DADOS .....................................................................................................35 4.1 THE WALL – O FILME....................................................................................................35 4.1.1 Recordações – A guerra como primeiro tijolo............................................................36 4.1.2 Another Brick in The Wall part 1................................................................................43 4.2 EDUCAÇÃO – A LINHA DE DESTRUIÇÃO DAS ALMAS.........................................47 4.2.1 Another Brick in The Wall. Part 2...............................................................................52 4.3 CASAMENTO – O FIM DA INOCÊNCIA ......................................................................59 4.3.1 Another Brick in The Wall, Part 3...............................................................................73 4.3.2 Drogas – A exclusão do mundo exterior......................................................................76 5 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 99 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................101 ANEXO A – Termo de Responsabilidade ..........................................................................106
  • 9. 9 1 INTRODUÇÃO A música faz-se presente em obras visuais desde os anos de ouro do cinema mudo (1920 – 1929), quando era interpretada por músicos que as acompanhavam, adequando à banda sonora às sequências projetadas, de acordo com a emoção a ser transmitida para o telespectador. Contudo com a evolução da indústria cinematográfica, a partir de 1926, há a implantação do som junto à película cinematográfica. Avanço esse que fomenta a construção audiovisual, ou seja, o som e as imagens fazem parte do que se vê na tela, com isso os valores simbólicos e narrativos tornam-se cada vez mais relevantes. Para esse fenômeno dá-se o nome de: “valor acrescentado”. “[...] podemos entender o valor expressivo e informativo com que um som enriquece uma imagem. Em particular, tudo aquilo que no ecrã é choque, explosão, realizados com materiais frágeis, com o som tomam proporções e materialidade” (CHION, 2011, p. 12). Com a composição dessas duas artes, o espectador pode “chegar”, muitas vezes, onde a sua visão sozinha não conseguiria. Há então por parte da banda sonora o preenchimento dos espaços entre as imagens, que fazem o espectador “ver além”, há um efeito de som que completa uma determinada cena, por exemplo, a música clássica usada no início do filme Laranja Mecânica (1971) de Stanley Kubrick, – The Thieving Magpie Abridged, composta por, Gioacchino Rossini, destoa totalmente das cenas de barbárie comandadas por – Alexander DeLarge – no conflito com outra gangue em um anfiteatro abandonado, esse efeito anempático à cena, tem o efeito de apresentar a verdade mecânica, por trás da tomada, ou seja, mostra ao espectador que aquela tomada é composta da mais pura teatralidade cinematográfica. Por este contexto define-se que o efeito sonoro cria e pontua as imagens, tendo até mesmo o silêncio esse poder, pois age por meio de seu apelo psicológico, e faz com que o espectador “desperte” e fique a imaginar o que se passará na tomada seguinte. Como a exemplo das cenas do longa Batman Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan, onde as tomadas que antecedem o aparecimento do morcego, na tela, são precedidas de um silêncio cortante ou de uma tensa composição de Hans Zimmer. Há então com a justaposição: música-imagem um ganho para o cinema, que usa a banda sonora para estabelecer fronteiras entre o que o cineasta quer apresentar e o que o telespectador vê ou interpreta. Com a música acrescentada as imagens o efeito/causa de reações como medo, suspense, terror ou alegria são estimulados pelo som, e esses sentimentos são modificados de acordo com as referências que cada espectador trás consigo antes de ver a projeção.
  • 10. 10 Na construção fílmica os sons/músicas se sobrepõem às imagens, o que sustenta uma lógica estésica de análise musical: “A imagem nos leva a perceber espaços visíveis e invisíveis que são preenchidos pela música que ‘enfeitiça’”. (BRESSON, 1975 apud GONÇALVES, 2009, p. 3). Porém, as percepções do telespectador frente à tela sempre serão limitadas por fatores físicos, ou seja, as percepções visuais e sonoras têm cada qual, a sua velocidade, sendo a sonora mais rápida e nítida e a visual mais lenta, porque assume duas dimensões simultâneas, no espaço que explora e o tempo que segue. “O olho é mais ágil espacialmente e o ouvido é mais ágil temporalmente” (CHION, 2011, p. 17). Então pode-se destacar que: a complementação musical faz-se indispensável para a compreensão de uma obra cinematográfica, e a conjuntura imagem e som/música, transmite ao telespectador uma ideia da interpretação artística do diretor de um filme. Essa interpretação ao ser transmitida para o público pode ou não ser compreendida, pois ela depende exclusivamente do repertório que o “interlocutor” emprega à obra. Neste contexto este trabalho procura abordar reflexões, sobre o filme – The Wall – frisando a importância da música na construção do enredo e das imagens. Imprescindível para contemplar as imagens, a música cria em torno dessas, as atmosferas sentimentais, pretendidas pelo cineasta, e a exibição delas sem um plano sonoro, não resultaria no efeito/causa desejado pelo idealizador, seriam apenas sugestões, mas não implicariam significado ao estado do protagonista. Também pretende-se exemplificar como a sutil “transgressão” existente entre a fronteira diegética1 e a não-diegética2 , bem como relacionar o diálogo entre música e as imagens criadas. Nesse caso há a aplicação do sentido complementar que a música aplica as imagens, Michel Chion utiliza o termo “porosidade” para referir-se a esta complementaridade musical, ele a explica através de uma cena onde um pianista toca e de repente é acompanhado por uma – ausente na história – orquestra de cordas. The Wall que é dirigido pelo inglês Alan Parker e roteirizado por Roger Waters, baixista e vocalista da banda Pink Floyd, foi lançado em 1982, enquadrado como gênero musical tem duração de 95 minutos. O filme discorre sobre os problemas psicológicos de Pink, interpretado por Bob Geldof, que em seus delírios, cria inúmeras imagens/fatores que o prendem a um “muro” surreal de infelicidade e amarguras desde a sua infância. O título do 1 Som Diegético: sonoridades objetivas; todo o universo sonoro que é perceptível pelos personagens em cena, tais como a paisagem sonora (o som dos carros numa cidade, o ruído de uma multidão, os pássaros no campo, a música num bar, etc), ou o diálogo entre personagens. Os sons diegéticos podem decorrer dentro do enquadramento visual da cena ou não (on screen / off screen). (BARBOSA, 2001, p. 2). 2 Som não Diegético: sonoridades subjectivas; todo o som imposto na cena que não é percepcionado pelos personagens, mas que tem um papel muito importante na interpretação da cena, ainda que de uma forma quase subliminar para a audiência; sons não diegéticos são tipicamente, voz de narração, música de fundo ou efeitos sonoros especiais. (BARBOSA, 2001, p. 2).
  • 11. 11 longa, além de ser homônimo ao disco no qual baseia-se é uma sutil referência metafórica ao muro psicológico que prende Pink em um universo de isolamento e infelicidade. Esse universo o sufoca desde a morte do pai na segunda guerra mundial, entre outros fatores que o coagem em um muro de proteção mental: a superproteção da mãe, o método totalitário que lhe é imposto na escola primária pelo professor, este na figura de um “operador” do método de produção em massa de “inteligências” alienadas para suprir as demandas do progresso desenfreado da sociedade capitalista. Fatores esses que culminam na mente de Pink uma querele sobre a aplicação das políticas totalitárias, numa referência clara ao terceiro Reich, de Adolf Hitler, na Alemanha nazista, que perdurou entre os anos de 1933 a 1945. 1.1 TEMA E PROBLEMA DE PESQUISA A música da Banda Pink Floyd e a construção da significação do Filme The Wall. Em que medida as canções Another Brick in The Wall I, II e III tecem os sentidos das imagens em The Wall? 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo geral Propor uma análise das relações letra, música e imagens na construção do Filme The Wall. 1.2.2 Objetivos específicos a) Fazer revisão de literatura metodológica pertinente ao tema; b) Analisar a estrutura do filme The Wall;
  • 12. 12 c) Selecionar as cenas e canções na análise; d) Analisar as canções “Another Brick in The Wall I, II e III” na construção dos sentidos do filme.
  • 13. 13 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 BREVE HISTÓRIA DO CINEMA 2.1.1 A Origem do Cinema Desde o seu nascimento, ao término do século 19 o cinema desenvolve-se principalmente na Europa, tudo tem início em 1895, quando, no meio de outras numerosas invenções, os irmãos Lumière, finalizam o cinematógrafo (L'APPARITION..., 2007, tradução nossa). É em 22 de dezembro de 1895, no Grande Café em Paris, que os irmãos Auguste e Louis Lumière fizeram história com a primeira transmissão cinematográfica usando o cinematógrafo: “aparelho registrado na história como o equipamento que pela primeira vez fez projeções de fotografias por transparência”. (LIMA, 2008). Porém na história há vestígios de que aproximadamente no ano 12.000 a.C. o homem já registrava imagens em perspectiva de movimento, como cita Zbigniew Herbert em reportagem publicada na revista Piauí em dezembro de 2011. Segundo o poeta e dramaturgo polonês as imagens pintadas na Caverna de Lascaux, localizada no sudoeste da França são: [...] de animais, a maioria de perfil, eram desenhadas em movimento com grande vigor e ao mesmo tempo com a sensibilidade das mulheres de Modigliani. O conjunto tem um aspecto desordenado, como se tivesse sido pintado às pressas por um gênio louco, com técnica cinematográfica, cheia de aproximações e planos distantes. (HERBERT, 2011, p. 52). Arlindo Machado em seu livro Pré-cinema e Pós-cinema destaca que a primeira sessão de cinema como conhecemos hoje, ou seja, numa sala pública de projeções, aconteceu há mais de dois mil anos, antes que Louis Lumière apresentasse as paisagens animadas de La Giotat no Grand Café de Paris. Ela teve lugar na mente de Platão (que, por sua vez, a credita a Sócrates, num diálogo com o discípulo Glauco) e veio a ser conhecida posteriormente como a ‘alegoria da caverna’. Ela inaugura também, na história do pensamento ocidental, o horror à razão dos sentidos, o escárnio das funções do prazer, a repulsa a todas as construções gratuitas do imaginário, a negação, enfim de tudo isso que dois milênios depois, seria a substância de uma arte que, paradoxalmente, o próprio Platão
  • 14. 14 inventava. (MACHADO, 1997, p. 28). Para Paola Gama e Fernanda Sendra devido a esta preocupação de registrar o movimento, os Egípcios criaram, por volta de 1.120 a.C. um modelo que é descrito por pesquisadores como “Código Social”. Esse “código” nada mais era do que uma espécie de padrão gráfico de representação que era facilmente reconhecido por todos. Dessa forma, todos podiam compreender a narrativa proposta pelo autor proporcionando sua conservação para novas gerações. Com o tempo o Homem desenvolveu novas formas de comunicação e novos meios de narrativas nas quais a representação do movimento muitas vezes estava presente, como nas artes, na pintura, na escultura, na escrita e no teatro. (GAMA; SENDRA, 2007, p. 1). Gama e Sendra ainda apontam que os primeiros ensaios teatrais registrados na Idade Média, apresentavam narrativas de interação entre os personagens, dos cenários e da plateia. Segundo elas: “há quem acredite que a história era contada não só através do diálogo dos personagens, mas também pelo cenário onde a história se passava e o figurino que o elenco utilizava”. (GAMA; SENDRA, 2007, p. 2). É por volta do ano 5.000 a.C. na China, que surge o teatro das sombras. Exibido por meio das silhuetas dos personagens em uma parede a narrativa: “[...] era apresentada à plateia apenas pela projeção do movimento, sem vozes, sem figurino, e na maioria das vezes, sem cenário”. (GAMA; SENDRA, 2007, p. 2). As autoras destacam que o teatro de sombras chinesas prova a importância do movimento para o entendimento da narrativa e explica por que o Homem sempre buscou representá-lo. Na busca por apresentar essas imagens pesquisadores elencaram várias alternativas que permitissem gravar esses movimentos, e então surgem as primeiras máquinas que registram a imagem por meio da luz. 2.1.2 Avanços Tecnológicos A invenção que fez possível à experiência de registrar uma figura utilizando a luz foi a câmara escura, ou seja, uma caixa completamente vedada, à luz, com uma pequena entrada de um dos lados, que ao ser apontada para algum objeto, captura a imagem que se projeta dentro dela, a imagem é registrada na parede oposta ao local de captação de luz, como aponta Salles (2008). Essa invenção em 1820 permitiu aos franceses Niecephore Niepse e Louis Daguerre:
  • 15. 15 [...] o início de análises e pesquisas aprofundadas sobre a decomposição do movimento humano e animal, através da captura real das diversas fases do movimento. A fotografia permitia agora o desenvolvimento de uma nova forma de expressão gráfica: estava nascendo o cinema. (GAMA; SENDRA, 2007, p. 2) Segundo o professor de fotografia, Felipe Salles (2008), relatos mostram que câmara escura é uma invenção que não se pode precisar a origem, pois há descrições de quartos fechados semelhantes à câmara escura que projetavam as imagens em seu interior já na Renascença, com referências que precedem desde a Grécia antiga. Há também citações que remontam este conhecimento entre os chineses, árabes, assírios e babilônios. Centenas de ilustrações de tratados renascentistas fazem alusão a este tipo de câmara, que, longe de ser apenas uma caixa, tinham as dimensões de uma sala, onde artistas se posicionavam em seu interior, podendo assim se utilizar da projeção para tomar moldes de desenho. (SALLES, 2008). A busca por elementos fotossensíveis que permitissem o desenho por meio da luz foi tema de variadas pesquisas, realizadas com materiais que viriam a formular a fotografia, ou seja, o uso de sais de prata, por exemplo, já há muito trabalhados pela alquimia renascentista, se mostraram sensíveis à luz, segundo o que fora referenciado pelo historiador alemão, Georg Fabricius em 1566. De acordo com Salles (2008), os halelos, ou sais de prata, alteravam-se com muita rapidez frente à ação da luz, enegrecendo na mesma proporção em que a recebiam. Foi em 1800 que o inventor e pesquisador inglês Thomas Wedgwood (1771 – 1805), conseguiu obter as primeiras imagens com a câmara escura, porém a fotografia viria a ser fomentada apenas 40 anos depois, pois a impressão feita sobre o papel de sais de prata era inconstante e a imagem não se mantinha, motivada pela vibração de suas moléculas que continuavam a receber luz e por consequência enegreciam a imagem. Neste contraponto histórico surge Nicéphore Nièpce (1765 – 1833), inventor francês que dedicou parte de sua vida nas pesquisas de técnicas que pudessem fomentar a gravação de imagens por meio da luz. A “[...] busca pelo registro visual era um fascínio pessoal de Nicéphore, que estudou diversas técnicas reprográficas, e tendo com isso feito importantes melhorias no processo de litografia”. (SALLES, 2008). Nos seus estudos e experiências para gravar a imagem Nièpce tentou utilizar chapas metálicas emulsionadas em betume3 para imprimir as imagens no interior da câmara escura, porém a incidência de luz era muito baixa e o tempo de exposição ultrapassava 12 horas, fato esse que distorcia a imagem pelo 3 O betume era uma espécie de verniz utilizado na técnica de água forte, que possui a propriedade de secar rapidamente quando exposto à luz (SALLES, 2008).
  • 16. 16 movimento terrestre. Além disso, o solvente evaporava deixando a chapa seca. Assim, uma única imagem sobreviveu dessas experiências, muito provavelmente por ter sido tirada de sua janela, que permitia a entrada de luz em condições de temperatura mais amenas, fazendo o solvente não se evaporar. Essa ‘fotografia’, de 1826 ou 27, é atualmente considerada historicamente a primeira, mas o próprio Nièpce não considerava esta uma experiência bem-sucedida, porque a imagem original é um grande borrão, impossível de ser copiada, e cujos contornos só podem ser vistos quando olhados em certo ângulo e com luz adequada. A reprodução que hoje temos foi feita e retocada com técnicas modernas na década de 1950. (SALLES, 2008). Nesse contexto temos a participação de Louis Jacques Mandé Daguerre, que utilizava o mesmo tipo de lente que Nièpce para seus experimentos e trabalhava com a câmara escura, porém para a pintura. Segundo Salles (2008), Daguerre estava entusiasmado com a possibilidade de uma técnica eficiente de reprodução visual e propôs a Nièpce uma sociedade, a princípio houve recusa por parte de Nièpce, porém pela insistência de Daguerre, eles vieram a trabalhar juntos em 1829. A sociedade entre eles era objetivada pelo aprimoramento das técnicas até então desenvolvidas, porém ambos trabalhavam em sentidos opostos, Nièpce tinha em mente uma imagem capaz de ser copiada, reproduzida, e Daguerre, que era pintor, buscava simplesmente uma imagem satisfatória. Nada conseguiram em 4 anos de trabalho, e após a sociedade, Nièpce veio a falecer, em 1833. Contudo Daguerre continuou as experiências, e volta-se aos sais de prata novamente, e após experimentos ele consegue desenvolver uma solução para o problema: a “queima” das fotos depois de serem retiradas da câmara escura. [...] ele próprio conta que foi através de um acaso: estando exausto e decepcionado por não conseguir obter resultados satisfatórios, jogou uma de suas chapas num armário e esqueceu-se dela. Alguns dias mais tarde, à procura de alguns químicos, abriu o armário e deparou-se com ela, só que havia uma imagem impressa nela, que antes não estava lá. Procurou a razão disso e desconfiou que havia sido por causa do mercúrio de um termômetro que havia se quebrado. Fez alguns testes e o resultado foi o daguerreótipo. (SALLES, 2008). Novamente observa-se que na história a busca pelo registro das imagens era uma constante como aponta Bernardet (1980) que afirma haver já no século XVII, revoluções na tentativa de formar imagens, pelo jesuíta Kirchner, que usava uma lanterna mágica, aparelho onde as imagens eram fixas, um tipo de câmera escura. Também o astrônomo francês Pierre Janssen, em 1873 pesquisa uma ‘câmara-revólver’ para registrar a passagem de Vênus pelo Sol. Porém é próximo ao final do século, que o fotógrafo inglês Eadweard J. Muybridge
  • 17. 17 monta um complexo equipamento com vinte e quatro câmaras para analisar o galope de um cavalo, “e o francês Marey cria o ‘fuzil fotográfico’ capaz de tirar doze fotos em um segundo, e que ele usa para fotografar e analisar o voo de um pássaro”. (BERNADET, 1980, p. 126). É dentro deste fugás momento histórico que nasce em 1840, Antoine Lumière. E após 19 anos, ele passa a dedicar-se a fotografia e instala um estúdio fotográfico em Lyon. Auguste (1864-1948) e Louis (1862-1964), filhos de Antoine auxiliavam-no no estúdio fotográfico, e em 1894 conhecem em uma exibição o cinestoscópio, invenção do americano Thomas Alva Edison, quem 1891 como afirma Ronald Bergan (2009), patenteou o aparelho. O cinestoscópio era composto de um visor que dentro do qual eram rodados um rolo de 1,5 m de filme ininterruptamente, e seus “os primeiros filmes eram de dançarinas, animais e homens trabalhando”. (BERGAN, 2009, p. 16). É a partir deste invento que os irmãos Lumière desenvolvem o Cinematógrafo, aparelho patenteado em nome deles em 13.2.1895. Lima (2008) aponta que a primeira tentativa dos irmãos Lumière para fazer as projeções no cinematógrafo em 1894, foram frustradas, pois a fita de papel que eles usaram como suporte para as fotografias, se rompia e a projeção não tinha boa transparência, e as imagens não eram nítidas. Após outras tentativas entre elas utilizando uma fita de tecido essa, porém a pouca transparência, e a baixa nitidez, faziam com que a emulsão fotográfica não se fixasse bem no tecido que resistiu somente a cinco projeções. Foi aí que os irmãos notaram que era necessário construir um aparelho capaz de fotografar 16 quadros por segundo. Também seria necessário que este aparelho puxasse a película e a deixasse parada novamente. Louis imaginou um mecanismo vendo por acaso uma funcionária da fábrica trabalhar com uma máquina de costura. Observando que o tecido parava quando a agulha penetrava no tecido, e quando a agulha saia o tecido andava, teve a ideia de fazer um dispositivo que fizesse com o filme o mesmo movimento. Junto com o irmão Auguste criou uma câmera fotográfica adaptada com uma manivela que acionava uma biela (hoje chamada grifa) constituída de duas garras. Esta manivela estava presa a uma roda grande dentada. Quando o operador girava a manivela, a roda grande acionava a roda menor e esta fazia a grifa puxar o filme. Ao mesmo tempo um eixo também ligado à manivela, abria um obturador no tempo certo para a exposição da película, enquanto a grifa buscava novo fotograma. (LIMA, 2008). A primeira apresentação pública do cinematógrafo foi em Paris no Grand Café, a exibição foi de cerca de 20 min., com 10 filmes gravados em câmera imóvel com algumas cenas panorâmicas. O primeiro filme teria sido A saída da fabrica Lumière (1895) – centenas de pessoas
  • 18. 18 passando pelos portões, entre eles um homem de bicicleta, um cão e um cavalo. Diz- se que o filme foi ensaiado, pois nenhum dos empregados olha para a câmera ou caminha em sua direção. Também integravam a primeira apresentação Demolição de um muro (1985), que utiliza movimento reverso para “reconstruir” o muro, sendo o primeiro filme com efeitos especiais; e o Regador regado (1895), considerado a primeira comédia, que mostra um jardineiro tomando um jato d’água na cara por travessura de um menino que pisa na mangueira e depois a solta. (BERGAN, 2009, p. 17, grifo do autor). Contudo os irmãos não atribuíram valor aquela nova invenção, e um conhecido mágico francês que estava na plateia foi falar com Lumière para adquirir um aparelho. Géorge Mélies foi desencorajado. Bernadet (1980) explica que Lumière, disse-lhe que o aparelho não tinha futuro como espetáculo, era apenas um instrumento científico desenvolvido para reproduzir o movimento e só poderia servir para pesquisas. “Mesmo que o público, no início se divertisse com ele, seria uma novidade de vida breve, logo cansaria”. (BERNADET, 1980, p. 125). Porém Géorge Mélies comprara uma câmera na Inglaterra, e inaugura o Théatre Robert Houdin, o transformando em estúdio cinematográfico. Surge então o cinema como o conhecemos hoje, com a montagem dos frames, transmutando a realidade em fantasia e vice- versa. Jean-Cloude Bernadet (1980) descreve no livro O que é Cinema que graças a um acaso surgiu a primeira montagem cinematográfica. [...] quem primeiro percebeu que o fantástico no cinema podia ser tão real como a realidade foi mesmo Mélies. E por acaso. Estava ele filmando na rua (acabou comprando na Inglaterra a câmara que não conseguira na França), quando a máquina enguiçou, e depois voltou a funcionar. Na tela, viu-se o seguinte: numa rua de Paris cheia de gente passa um ônibus que, de repente, se transforma num carro fúnebre. (BERNADET, 1980, p. 126). A explicação, para tal fato foi que durante o concerto da câmara o ônibus que ali estava saiu, dando lugar ao carro fúnebre. Porém na imagem ficou a mágica com a força da realidade. O cinema torna-se então um meio de retratar a realidade através da fantasia, com uma linguagem própria e dinâmica e a partir disso cientistas e artistas não medem esforços para reproduzir o real através dos meios artificiais, que o cinema proporcionou. 2.1.3 Características fundamentais da linguagem fílmica Jacques Aumont destaca em seu livro A Estética do Cinema que um filme é constituído por imagens fixas chamadas fotogramas, estas dispostas em sequência em uma
  • 19. 19 película passando com certo ritmo em um projetor, essa película da origem a uma imagem muito aumentada e que se move. “Evidentemente, existem grandes diferenças entre o fotograma e a imagem na tela – começando pela impressão de movimento que a última dá, mas ambos apresentam-se a nós sob. a forma uma imagem plana e delimitada por um quadro”. (AUMONT, 1995, p. 19). Para Alexandre Arnoux “[...] o cinema é uma linguagem de imagens com o seu vocabulário próprio, a sua sintaxe, flexões, elipses, convenções e gramática”. (MARTIN, 2005, p. 22). Essa linguagem junto ao cinema, como explicam Fernando Albagli e Benjamin Albagli na introdução do livro de Jean-Claude Carrière, A linguagem secreta do cinema foi inventada pouco antes da primeira guerra mundial. No pós-guerra os administradores coloniais francesas montavam sessões de cinema, para os povos africanos, com o objetivo de divertir e mostrar para aquela população subjugada, a incontestável supremacia das nações brancas. Contudo “[...] o cinema criou uma nova – absolutamente nova – linguagem, que poucos espectadores podiam absorver sem esforço ou ajuda”. (CARIÈRE, 2006, p. 15). Porém o cinema não surgiu como uma linguagem autenticamente nova, pois nas primeiras transmissões a linguagem era baseada na do teatro. E a câmera estática, apenas apresentava a visão do espectador, ou seja, para quem estava assistindo o filme, não se tinha nada de novo, e sim a mesma percepção do teatro, e ainda sem cores e sem som. Quando a plateia percebeu que o trem dos irmãos Lumière, não os esmagaria, na sala de projeção do Grand Café, logo foi compreendido a sequência lógica de rolos que perfaziam o recém-criado projetor. Nas conclusões de Carieère (2006), o cinema: “[...] não era diferente do que acontecia no teatro, onde o palco era estático e claramente demarcado... e como não tinham voz e (quase sempre) cor, eminentes cabeças concluíram que tudo aquilo era decididamente inferior ao teatro de verdade”. (CARIÈRE, 2006, p. 16). É a partir do momento que os cineastas começaram a cortar o filme em cenas, ou seja, literalmente cortar o fotograma, transformando a cena “natural” gravada em novas imagens. “Foi aí, na relação invisível de uma cena com a outra, que o cinema realmente gerou uma nova linguagem”. (CARRIÈRE, 2006, p. 16). É a partir deste momento que tanto a afirmação de Alexandre Arnoux quanto a de Jean-Claude Carrière (2006) corroboram, para eles: o cinema ostenta uma linguagem que nenhuma outra mídia possui. Pode-se afirmar que o cinema possuí uma semiótica específica, ou seja, como apontou Umberto Eco (1991) em seu livro Semiótica e filosofia da Linguagem: a semiótica específica é a gramática de um sistema único de signos. Neste contexto Carrière (2006) explica que a linguagem que foi criada no cinema pode mudar, atenuar o tempo, buscar novas referências ou mesmo expor o desejo de algum personagem a ser filmado.
  • 20. 20 Segundo o autor o cinema criou-se em um curto período de tempo, empiricamente, baseado em fracassos e vitórias, uma surpreendente gramática. Ele cita variados exemplos de como a imagem sugere ao espectador um referido entendimento. Por exemplo, os olhos de um homem vagueiam por sobre a multidão e, de súbito, param. Se, nesse momento, outro personagem for imediatamente focalizado, sabe-se que o primeiro homem está olhando para ele. Se a direção do olhar for bem estabelecida, essa relação fica demonstrada sem sombra de dúvida. (CARRIÈRE, 2006, p. 19). É também destacado pelo autor que nenhuma outra forma de expressão artística sugere atar esta relação por justaposição, mesmo um personagem não se encontrando no mesmo quadro que o outro, ou seja, no momento em que se é focado um determinado personagem a simples sugestão do olhar ou gesto dele remete ao personagem mostrado anteriormente. “Um relacionamento ilusório (pois eles não estão no mesmo quadro), mas forte e inequívoco”. (CARRIÈRE, 2006, p. 19). [...] como se víssemos de fato uma porção de espaço de três dimensões análogo ao espaço real no qual vivemos. Apesar de suas limitações (presença do quadro, ausência de terceira dimensão, caráter artificial ou ausência de cor etc.), essa analogia é vivenciada com muita força e provoca uma “impressão de realidade” específica do cinema, que se manifesta principalmente na ilusão de movimento e na ilusão de profundidade. (AUMONT, 1995, p. 21). Carrière (2006) destaca que ao contrário da linguagem escrita, que se deve saber interpretar o código a imagem está ao alcance de todos. “Uma linguagem não só nova como também universal: um antigo sonho”. (CARRIÈRE, 2006, p. 20). Ele também afirma que essa linguagem única do cinema foi criada a partir dela mesmo, valendo-se de tudo o que veio antes, como o teatro a música a arquitetura e a pintura. E foi por meio dessa repetição de formas, com o contato cotidiano a todos os tipos de plateias, que a linguagem formou-se e se expandiu a cada cineasta, que de seu próprio jeito ia enriquecendo, o vasto e invisível dicionário do cinema. “Uma linguagem que continua em mutação, semana, dia a dia, como reflexo veloz dessas relações obscuras, multifacetadas, complexas e contraditórias, as relações que constituem o singular tecido conjuntivo das sociedades humanas”. (CARRIÈRE, 2006, p. 23). É a partir de 1903, pelas lentes de George Méliès que ao interpretar em O melômano, um músico que troca constantemente de cabeça, “jogando uma a uma num fio telegráfico, como se fossem notas musicais” (BERGAN, 2009, p. 18), que o cinema começa a estruturar-se a partir de sua própria gramática, criando para si uma linguagem como já citada única e em
  • 21. 21 constante mutação. 2.1.4 Cinema na Guerra e os gêneros cinematográficos Como já citado, Bergan (2009) apoia, que foi por meio do cinematógrafo (1895) dos irmãos Lumière na França e do Cinestocópio (1893) de Edison nos EUA que foram propagadas ao público as primeiras projeções cinematográficas, porém como destaca Carrière (2006) a câmera estática reproduzia ao telespectador apenas a visão que ele já obtinha ao ver uma peça de teatro e com uma grande perda, a falta de som, este foi um dos motivos que levaram Lumière a desencorajar Méliès sobre o futuro do cinema. Contudo a genialidade e teimosia de George Méliès o levaram a comprar uma câmera na Inglaterra e como cita Bernadet (1980), no livro O que é Cinema, foi o primeiro a descobrir a montagem cinematográfica, fato esse que veio a transformar o cinema em uma fábrica ilusões. É aí que residia a novidade: na ilusão. Ver o trem4 na tela como se fosse verdadeiro. Parece tão verdadeiro - embora a gente saiba que é de mentira - que dá para fazer de conta, enquanto dura o filme, que é de verdade. Um pouco como num sonho: o que a gente vê e faz num sonho não é real, mas isso só sabemos depois, quando acordamos.Enquanto dura o sonho, pensamos que é verdade. Essa ilusão de verdade, que se chama impressão de realidade, foi provavelmente a base do grande sucesso do cinema. O cinema dá a impressão de que é a própria vida que vemos na tela, brigas verdadeiras, amores verdadeiros. Mesmo quando se trata de algo que sabemos não ser verdade, como o Pica pau amarelo ou O mágico de Oz, ou um filme de ficção científica como 20015 ou Contatos imediatos do terceiro grau, a imagem cinematográfica permite nos assistir a essas fantasias como se fossem verdadeiras, ela confere realidade a estas fantasias. (BERNADET, 1980, p. 125-126). Com o advento da montagem o cinema se diferencia das outras artes. Torna-se, como destaca Bernadet (1980), uma arte criada pela burguesia europeia do final do século 19 e início do 20, época de grandes mutações sociais como a implantação da energia elétrica, telefone o avião e dentro deste contexto histórico é destacado como trunfo social a criação do 4 Chegada de um trem à estação (L’Arrivée d’um train en gare de La Ciotat, 1895) é a sequencia de um só plano com 50 segundos, filmada por Louis Lumière. O público protegeu-se sob as poltronas, convencido de que o trem era real (BERGAN, 2009, p. 16). 5 Filme de Stanley Kubrick adaptado da série homônima de 4 livros de Arthur C. Clarke. Lançado em 1968. “O cinema conheceu poucos artistas tão completos e perturbadores quanto Stanley Kubrick (1928-1999). Um filme de Kubrick carrega sempre um paradoxo: imediatamente reconhecível como dele, jamais repete a experiência das obras anteriores. Por sua vez, o octogenário Arthur C. Clarke é sinônimo do melhor que a ficção científica pode produzir em literatura. Que sua obra seja tão respeitada por cientistas quanto cultuada por uma legião de leitores é simbólico da dimensão de seu talento”. (LABAKI, 2007).
  • 22. 22 cinema. Neste período há por parte da sociedade burguesa o consumo de literatura, teatro, música, e outras artes, todavia essas artes já existiam antes da sociedade burguesa e o cinema é a arte que ela cria. É a grande época da burguesia triunfante: ela está transformando a produção, as relações de trabalho, a sociedade, com a Revolução Industrial; ela está impondo seu domínio sobre o mundo ocidental, colonizando uma imensa parte do mundo que posteriormente viria a chamar-se Terceiro Mundo. No bojo de sua euforia dominadora, a burguesia desenvolve mil e uma máquinas e técnicas que não só facilitarão seu processo de dominação, a acumulação de capital, como criarão um universo cultural à sua imagem. Um universo cultural que expressará o seu triunfo e que ela imporá às sociedades, num processo de dominação cultural, ideológico, estético. (BERNADET, 1980, p. 126-127). Bergan (2009) destaca que o cinema do inicio do século continuou a crescer principalmente nos EUA, pois a Europa estava em crise hás vésperas da primeira guerra mundial (1914 – 1918). Neste mesmo período os produtores norte americanos voltaram suas atenções para a Califórnia, vindo a formar ali o famoso complexo cinematográfico conhecido como Hollywood. O autor aponta que os fatores que levaram os produtores para a região foram os grandes espaços e a liberdade que a região oferecia. Neste período eclode na Europa a guerra, segundo Rafael de España (1996), o cinema tornou-se um meio de comunicação bélico, mesmo de forma limitada e ingênua. As fitas de propaganda que circularam no período da Grande Guerra eram poucas e de origem quase exclusivamente norte-americanas. Isto se deve, basicamente, ao elevado nível industrial que o cinema dos EUA havia alcançado e sua grande capacidade de ‘seduzir’ o público, e, por outro lado, condicionar suas principais características. Como os Estados Unidos demoraram muito para entrar nessa disputa, percebemos que os primeiros filmes dedicados à Guerra possuíam uma curiosa mensagem pacifista: o exemplo mais conhecido é a produção de Thomas H. Ince, Civilization (1916), que poderia ser considerada como um apoio tácito à candidatura isolada de Woodrow Wilson. Seu antibelicismo primário e retórico encaixa com perfeição na raiva antigermânica, igualmente irracional, que pode ser apreciada em um filme posterior à disputa, porém, também produzido por Ince: Behind the Door (1920). Nesta virulenta denúncia da barbárie tudesca, podemos ver como os tripulantes de um submarino alemão violam e assassinam uma enfermeira americana e depois se desfazem do cadáver mediante um prático e original recurso com o lança-torpedos. Estabelecida a premissa de que os alemães são umas feras sem consciência, os autores nos preparam para a cena final, na qual o marido da enfermeira (que tem a astúcia de se apresentar como um imigrante de origem alemã) tem a oportunidade de se vingar do capitão do ‘V-Boot’, esfolando-o vivo. (ESPAÑA, 1996). Passado o período conturbado da 1ª guerra mundial e com a Europa em reconstrução os EUA passam a ser os novos detentores da produção no cinema. O surgimento dos estúdios
  • 23. 23 Warner e FOX além de outros também reafirmam esta condição americana à época. Ronald Bergan (2009) afirma que no período de 1920 a 1929 foi a era de ouro para o silêncio cinematográfico: A Era do Cinema Mudo assistiu à consolidação do sistema de estúdios, que duraria até os anos 50. Nessa década, as primeiras grandes estrelas, como Garbo e Dietrich, iluminaram as telas. Mas em 1929 uma inovação tecnológica mudaria o rumo do cinema. (BERGAN, 2009, p. 20). Nesta mesma época foram iniciados a formatos segmentados de cinema, ou seja, a criação de gêneros. Segundo Bergan (2009), nos anos 20 o destaque fora para o faroeste. Também os estúdios eram fomentados pelo apogeu da comédia destacando atores como Charlie Chaplin. Neste período de redescobrimento “os estúdios perceberam o valor de identificar atores com certos papéis para que o público associasse a suas ‘personalidades’”. (BERGAN, 2009, p. 21). Entre as novas descobertas realizadas pelo cinema chegaram os gêneros de ação e horror. O primeiro grande filme de ação foi – A marca de Zorro (EUA, 1920). Outros gêneros então foram surgindo com o passar dos anos e sendo aperfeiçoados por meio da evolução tecnológica. 2.1.4.1 O som no cinema Em 1926, a Warner Bros, estreia o filme – Dom Juan, o qual a banda sonora continha apenas música e efeitos sonoros, o primeiro programa sincronizado utilizando sistemas de som em seus discos o Vitaphone6 . Fora a primeira alternativa nas salas de exibição, motivada por uma crise financeira do estúdio. “[...] uma trilha musical gravada em discos acompanhava as imagens, poupando o exibidor do custo de uma orquestra”. (BERGAN, 2009, p. 25). Em 1927, é lançado também pelo estúdio Warner – O cantor de Jazz, o longa fora protagonizado pelo cantor Al Jolson e gravado originalmente sem som, porém após as edições, o filme continha, além de músicas alguns diálogos sobrepostos com sincronia labial. Fazendo do longa o “primeiro” filme sonoro da história. 6 Sistema sonoro desenvolvido pela empresa com o mesmo nome, fundada em 1926 pela Western Electric e Warner Bros. O Vitaphone, que utilizava o processo de gravação da banda sonora num disco que posteriormente era sincronizado aquando da exibição do filme, foi utilizado em mais de duas mil curtas- metragens e em grande parte das longas-metragens produzidas pela Warner entre 1926 e 1930. (CHAMBEL, 2011).
  • 24. 24 A utilização do som no cinema levou a criação de um novo gênero cinematográfico, Bergan (2009) refere-se a partir desde momento ao musical, sendo o seu representante inicial o longa da MGM – Melodia da Broadway (1929, EUA). Também este é o primeiro filme 100% falado da história do cinema. Causando a partir de então corridas dos estúdios e do cinema para novas as tecnologias. Com a chegada dos anos 30 os EUA mergulham em uma crise financeira, gerada por uma crise de superprodução, o país então se volta para o protecionismo e há o retorno do espírito puritano que perdura até a década de 40. Porém após a segunda-guerra (1939 – 1945) este espírito dá lugar à rebeldia que é agravada nos anos 50 com a entrada dos EUA na guerra da Coréia. Jovens não contentes com o governo buscam novas formas de protestar e o puritanismo americano não é mais unanimidade, os negros começam a ter seu espaço na sociedade, e por meio da música, causam uma verdadeira revolução que aos poucos vai tomando conta do país e com a mistura de ritmos e danças, iniciam a maior revolução sonora da história. 2.2 O NASCIMENTO DO ROCK A principal revolução musical da história nasce com os gritos e lamentos dos negros americanos, segundo a Jornalista Simone Paula Marques Tinti, no fim dos anos 50, nos EUA, a chamada geração silenciosa, que fora marcada pela segunda guerra mundial, “viu-se frente a um ritmo até então desconhecido, derivado da sonoridade de um povo marginalizado”. (TINTI, 2003). Paulo Chacon (1985) em seu livro O que é o Rock destaca que o rock provem de 3 pilares da música americana a “pop music” o “rhythm and blues” e a “country and western music”. A pop music representava a herança da música branca, conservadora, adulta e kitch7 dos anos 40. Refletia uma proposta de vida que defendia o status quo, se autoglorificava da vitória na II guerra e reproduzia os valores do american way of life. [...] O rhythm and blues é a vertente negra do Rock. É ali que vamos buscar, quase que exclusivamente as origens corpóreas do Rock. Reprimidos pela sociedade wasp (white, anglo-saxon and protestant) a mão-de-obra negra, desde os tempos da 7 O termo kitsch é utilizado para designar o mau gosto artístico e produções consideradas de qualidade inferior. Aparece no vocabulário dos artistas e colecionadores de arte em Munique, em torno de 1860 e 1870, com base em kitschen, [atravancar], e verkitschen, [trapacear] (vender outra coisa no lugar do objeto combinado), o que denota imediatamente o sentido pejorativo que o acompanha desde o nascimento (KITSCH, 2011).
  • 25. 25 escravidão, se refugiava na música (os blues)[...] O terceiro campo, talvez o mais isolado dos três, é o da country and western music. De uma certa maneira esse ramo do folk music (como o blues) representou, especialmente no caso do country, a versão branca para o sofrimento dos pequenos camponeses. (CHACON, 1985, p. 22- 24-25). O rock surge na América como um movimento da contracultura, ou seja, suas primeiras manifestações se apresentavam contrárias aos valores veiculados pela sociedade na época. A principal revolução musical da história atingiu, segundo Tinti (2003), primeiramente os jovens americanos e em seguida no mundo todo. Nessa época, a tradicional sociedade norte-americana passou a ser contestada, pelos jovens que foram rotulados de “rebeldes sem causa”. Até mesmo os filmes da época representavam a alienação da juventude; no filme juventude Transviada (1955), o personagem de James Dean, representava o comportamento adotado pela juventude: “recusar o mundo sem, no entanto chegar a uma visão crítica da realidade dividida entre amor/pacifismo e violência/autodestruição”. (MUGGIATI, 1973, apud TINTI, 2003). Essa juventude “rebelde” adere ao rock como forma de expressão. Parte do reconhecimento do rock como arte foi iniciada pelo DJ americano Alan Freed, que atribuiu a nomenclatura Rock ‘n’ roll ao novo estilo musical. O termo até então era utilizado por negros norte-americanos para referir-se ao ato sexual em letras de rhythm and blues. Tinti (2003) destaca que: ele divulgava ‘festinhas’ de rock’n’ roll após o programa de música clássica que tinha em uma rádio no estado de Ohio. O rock a partir disso teve um importante papel social na história, pois foi através dele que, em salões, jovens americanos dançavam lado a lado, indiferentes da cor da pele. O rock então torna-se muito mais do que um tipo de música: ele é uma maneira de ser, uma óptica da realidade, uma nova forma de comportamento. O Rock é e se define pelo seu público. Que, por não ser uniforme, por variar individual e coletivamente, exige do rock a mesma poliformia, para que se adapte no tempo e no espaço em função do processo de fusão (ou choque) com a cultura local e com as mudanças que os anos provocam de geração a geração. Mais poliformo ainda porque seu mercado básico, o jovem, é dominado pelo sentimento da busca que dificulta o alcance ao ponto da definição (e da estagnação...). (CHACON, 1985, p. 18-19). A primeira década do Rock foi marcada pela experimentação do novo ritmo dançante, e como explica Chacon (1985) foram surgindo os primeiros ídolos do Rock e as bandas que viriam a marcar a época. Como toda criança que quando cresce e fica bonita e inteligente, aqui também não
  • 26. 26 faltou quem quisesse, mais tarde, assumir a paternidade: Rocket’88 (Jackie Breston, 1951), Crasy, man, crazy (Bill Haley, 1953), Sh-boom (Crew-Cuts, 1954) são algumas opções. Onde parece não haver dúvida é na primazia de Bill Haley and his Comets como o primeiro grupo de Rock ‘n’ roll. (CHACON, 1985, p. 26-27). Após os primeiros anos do Rock começam a surgir os novos gêneros e em meados dos anos 60, mais precisamente na primavera de 1966, cerca de 15 mil jovens reúnem-se no Golden Gate Park, em São Francisco, para confraternizarem ao som de grupos desconhecidos no cenário musical americano, com nomes propositalmente bizzaros como: Grateful Dead (Morto Agradecido), Jefferson Airplane (Avião de Jefferson), estes grupos e jovens desencadearam a segunda maior revolução musical da história, há a noção do espetáculo propondo ao espectador uma verdadeira aventura sensorial. O experimento entre música e animação visual, ligados à filosofia oriental era o pretexto para a viagem, ou seja, para a completa evasão, a libertação individual e coletiva. Esta linguagem que não deixa de surpreender e indignar a América silenciosa que não vê no movimento hippie senão a apologia do sexo, da droga e da imoralidade, encontra na mesma altura estranhas ressonâncias na Inglaterra. Robert Wyatt, baterista de um conjunto progressista com o curioso nome de Soft Machine (Máquina Suave, segundo o título de um romance de W. Burroughs) declara: – Quase todos os grupos pop-music, aqui na América, fabricam indefinidamente sons e melodias para fazer consumir, sob formas mais ou menos novas, as mesmas emoções, facilmente identificadas e assimiladas pelo público. Queremos quebrar esta imagem e este conceito reencontrar o espírito do jazz, ou seja, uma expressão autêntica, selvagem (wild), mas desta vez nossa e não dos Negros. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 10). Na Inglaterra o movimento hippie tenta reencontrar um estilo de vida que fuja do tradicional “english way of living”. Na terra da rainha os jovens encontram-se em lojas próprias do movimento, onde foram abolidas as normativas tradicionais do comércio, para ouvir música, fumar, realizar trocas e conversar. Também galgados na filosofia oriental os jovens ingleses, são apoiados por integrantes das principais bandas de Rock local. O Beatle George Harrison e o Stone Brian Jones “[...] fazem concorrência à guitarra e a bateria com suas cítaras e tablas”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 11). As rádios piratas transformam- se na principal vazão expressional da geração pop britânica, que passa a ouvir um novo estilo de música batizada de psicodélica. O movimento que como o americano contesta política e sociedade cria um periódico próprio para dar voz a suas constatações, o International Times (IT), torna-se o porta-voz oficioso da comunidade jovem londrina. Com a propagação do IT vem à explosão psicodélica inglesa como uma maneira de ser, uma filosofia baseada na palavra. O slogam do jornal “Quando a música muda, as paredes da cidade tremem” traduz o
  • 27. 27 sentimento da juventude que por meio das artes pretendia mudar a Inglaterra. A partir deste movimento começam a surgir principalmente em Londres clubes que respiram a nova filosofia. Entre eles estava o UFO: UFO é uma discoteca de pessoas que leem IT. Tentamos criar um ambiente diferente do dos outros clubes. Temos tocadores de cítara, grandes grupos de percussão africanos, projeções de filmes de Buñel ou de Marylin Monroe. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 13). É em outubro de 1966 no lançamento do IT no UFO que sobe ao palco um grupo descoberto no último verão por John Hopkins (um dos fundadores do UFO). O Pink Floyd. 2.3 PINK FLOYD – A BANDA Formada no inicio de 66, na faculdade de arquitetura londrina de Regent Street, os jovens estudantes Roger Waters, Nick Mason, Rick Wrigth e Syd Barret, que estudava artes em Camberwell, se conhecem durante a década que segundo Paulo Chacon (1985): o rock inglês começa a desabrochar, e os jovens reúnem-se em nome do movimento underground. O Pink Floyd influenciado principalmente pelo blues americano, que era considerado por eles a verdadeira essência do Rock como declarara Waters em 66: “ O rock é apenas um ritmo sem expressão real. Pelo contrário, temos de admitir que o rhythm and blues está na base do rock original”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 15). Outros fatores que influenciavam a banda eram a eclosão cultural alternativa, provenientes dos movimentos da contracultura, inglesa e americana. Inicialmente por sugestão de Syd Barrett, guitarrista fundador da banda o grupo denominou-se - The Pink Floyd Sound. O nome escolhido findava homenagear os bluesmens americanos Pink Anderson8 e Floyd Council9 . “No entanto, e as coincidências são demasiadas, quando o ácido foi introduzido na Inglaterra, por volta de 1966, em gíria chamava-se Floyd e a uma ampola de ácido que curiosamente era mais ou menos cor de rosa (Pink)”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 14). A década de 60 conhecida por suas revoluções culturais, e a quebra de paradigmas 8 Cantor e guitarrista de blues, Anderson nasceu em Laurens, Carolina do Sul em 12 de fevereiro de 1900 e faleceu em outubro de 1974 (MEDICINE..., 2009, tradução nossa). 9 Nascido em 02 de setembro de 1911, em Chapel Hill, Carolina do Norte, ele começou sua carreira tocando nas ruas de Chapel Hill, em meados dos anos 20 (AHLSTRAND, 2002, tradução nossa).
  • 28. 28 sociais atrelados diretamente ao rock, que se anunciava com uma nova roupagem, deixando de lado a rebeldia, “[...] meramente visual dos anos 50, para um nível mais profundo de contestação social e política”. (CHACON, 1985, p. 33). Novos ideais norteavam os jovens, o movimento hippie contestava o capitalismo e a guerra e esta inquietude culminou o Woodstock10 em 1969, o festival reuniu mais de meio milhão de jovens unidos em uma mensagem de paz e cultura. No âmago destas revoluções há também uma nova concepção mercadológica para as bandas inglesas que já firmadas na Europa dirigem suas atenções para os dólares americanos. Entre elas, o destaque é para os Beatles e os Rolling Stones, que foram “escolhidos para uma construção segura da travessia dos grupos do velho mundo ao mercado americano”. (CHACON, 1985, p. 31). Ainda segundo Chacon (1985), o principal motivo da escolha dessas bandas para emergir do cenário inglês para dentro do EUA - era a incrível capacidade e genialidade que ambas tinham de representar os valores do seu próprio tempo nas letras. O Pink Floyd que acabara de se formar e se destacava pelas fortes referências revolucionárias seiscentistas, tinha como seu homem criativo Syd Barret, que segundo o site oficial da banda era o gestor do grupo, alimentado por muito LCD11 . Sua visão era perfeita para a época, e vice-versa. Ele levaria a banda para a fama, e danos irreparáveis a si mesmo ao longo do caminho. E embora fosse de Barrett a ideia do Floyd. Ele durou apenas três anos. Mas sempre soube o que eles se tornariam (REMEMBER..., 2011, tradução nossa). Durante os três primeiros anos de trabalho com o lançamento do álbum The piper at the gates of dawn (1967) e o início da produção do segundo disco A saucerful of secrets, Barret já apresentava sérios problemas, devido ao consumo excessivo de drogas, e por consenso do grupo, deixa a banda. A maioria das canções de Piper foi escrita durante um estouro de criatividade no final de 1966 e inicio de 1967, quando Barret morava num apartamento na Rua Earlham, na região central de Londres. [...]. Ele se sentava com enormes quantidades de haxixe e maconha, e escrevia aquelas canções incríveis. (HARRIS, 2006, p. 39). Em 1969, com nova formação o Pink Floyd lança mais dois álbuns. More, e logo em seguida o álbum duplo Ummagumma – disco este que conquistou o quinto lugar nas paradas 10 “O Woodstock pode ser visto como o progresso da juventude em busca de uma ideologia relacionada à vontade de viver e de poder, que vai de encontro ao Sistema. Também pode ser visto como a atualização da utopia de uma geração, evidenciada na forma de energia social. Nesse sentido o rock talvez tenha sido um dos pioneiros da contracultura, da transformação e da revolução do aqui e agora”. (AMORIM, 2007, p. 51). 11 O LSD, também chamado de ácido, pills, cones ou trips é uma droga com ação alucinógena ou psicodélica. Pode apresentar a forma de barras, cápsulas, tiras de gelatina, micropontos ou folhas de papel secante (como selos ou autocolantes), sendo que uma dose média é de 50 a 75 microgramas. (importantes a nível visual e sensorial). (LSD, 2011).
  • 29. 29 britânicas. Nos anos seguintes 1970, 71 e 72 a banda produzira mais três discos Atom Heart Mother, Meddle e Obscured by Clouds respectivamente. É em 72 o início dos trabalhos do álbum The Dark Side of the Moon, lançado em 1973. Segundo a Revista Rolling Stone em matéria publicada em 2008 (Dark Side of The Moon faz 35) o LP alcançou a vendagem de 40 milhões de unidades, sendo o terceiro disco mais vendido na história, até o momento. Dark Side apresentava temas universais, como morte, insanidade, opulência, pobreza, guerra e paz. O disco também tinha vestígios de elementos autobiográficos que se referiam à criação de Waters, à morte de seu pai na Segunda Guerra Mundial e ao destino que acometeu Syd Barret, o ocasionalmente criativo líder do Pink Floyd que sucumbiu a problemas mentais e deixou seus colegas atordoados em 1968. (HARRIS, 2006, p. 8-9). Em sequência vieram os álbuns, Wish You Were Here (1975) foi um divisor de águas na carreira da banda pós-Barret. Wish You Were Here aborda principalmente o tema da ausência, na faixa Shine on You Crazy Diamond, - “dividida em nove partes e com longos trechos instrumentais. A música é um tributo de Waters e Gilmour para Barrett”. (SET..., 2011). Dando seguimento a The Dark Side of the Moon, outro ensaio sobre a loucura cotidiana. Dominado pelo líquido-rock na faixa “Shine On You Crazy Diamond”, é uma alusão ao pungente errante ex-membro Syd Barrett. “Have a cigar” é uma explosão ardente no mundo musical, com a linha clássica, “Quem é Pink?” (ROLLING STONE, 2003, tradução nossa). Em Animals lançado em 1977, “os vocais de Gilmour foram empurados para o fundo, enquanto as inconfundíveis lamurias de Waters se tornaram a assinatura da banda”. (HARRIS, 2006, p. 10). Todo esse contexto pós-Dark Side desencadeou em 1979 a Ópera Rock – The Wall, por fazer parte do tema principal deste trabalho será melhor explicado posteriormente. Nos anos seguintes a banda lança em 1983, The Final Cut, dedicado ao pai de Waters - Eric Fletcher Waters. Este seguiu a mesma temática de The Wall, porém ao contrário da ópera não deixa dúvidas sobre sua finalidade: “Requiem para o sonho do pós-guerra, por Roger Waters, executado por Pink Floyd”. (HARRIS, 2006, p. 10), abordando a guerra das Malvinas12 na faixa The Fletcher Memorial Home além de Two Suns in the Sunsel que tratam com cinismo o medo de uma possível guerra nuclear entre EUA e a extinta União Soviética, as críticas do disco são todas direcionadas ao governo inglês e seus aliados. As contradições com que o grupo vinha sofrendo principalmente depois de The Wall, 12 Segundo Joana D’Arc Torres Assis em seu livro – Guerra das Malvinas, 1983 - A invasão Argentina ao território britânico, ordenada pelo governo ditatorial comandado pelo General Leopoldo Galtieri, foi motivado pelas acusações de má administração do país e abusos de direitos humanos. A intenção de o governo militar era motivar um “boom” patriótico dentro da Argentina, motivado pela guerra. O conflito que durou pouco mais de 2 meses foi o estopim para o fim do governo totalitarista argentino (ASSIS, 1983).
  • 30. 30 onde Waters aplicava toda sua individualidade aos trabalhos desgastaram a relação do grupo, e após um período de três anos, em que cada membro já trabalhava em projetos solos Waters anuncia sua saída do Floyd. Na gravação de The Final Cut,último álbum da banda contando com Waters, os creditos pelo trabalho foram todos para o baixista, com participação de Gilmour nos vocais em apenas uma das músicas. Harris (2006) destaca as palavras de Waters ao anunciar a saída da banda: “Seus merdas – vocês nunca vão se dar bem”. (HARRIS, 2006, p. 10). Wright já havia deixado a banda legalmente há algum tempo, e trabalhava como músico contratado já na turnê de The Wall. Não tendo nenhuma participação em The Final Cut, mas Gilmour e Mason decidiram continuar com o Pink Floyd sem o seu "líder" de outrora. Um período turbulento seguiu-se, porém o acordo foi finalmente alcançado: Waters iria continuar a executar as músicas em que trabalhou, enquanto estava com a banda, bem como material solo novo. Gilmour - agora primeiro entre iguais - e Mason continuaria a gravar e tocar com Wright como Pink Floyd (WHICH..., 2011, tradução nossa). Para a surpresa de Waters, com Gilmour a frente do Floyd é lançado em 1987 o álbum, A Momentary Lapse of Reason – prova enfaticamente que a banda poderia existir sem Waters. O disco alcançou o primeiro lugar no Reino Unido e nos EUA. Além de quebrar recordes de receita este disco é o primeiro desde a fundação da banda, com participação de letristas de fora do grupo. O álbum também é marcado pela turnê monumental que se estabeleceu por lotar estádios durante os quatro anos de duração, e foi vista por 5,5 milhões de pessoas nos 200 shows que a banda realizou. Na turnê, foi lançado o álbum ao vivo – Delicate of Thunder (1988). Com The Division Bell (1994), segundo disco de estúdio pós-Waters e também último disco do Pink Floyd, teve sua fenomenal turnê “[...] parcialmente patrocinada pela Volkswagen. ‘Não vejo razão para pedirmos desculpas por querer fazer música e ganhar dinheiro’ disse Gilmour”. (HARRIS, 2006, p. 11). A frase de Gilmour é uma resposta a Waters que a distância não acreditava “[...] que o Pink Floyd agora era um grupo que se apresentava ao vivo com uma banda de oito músicos” (HARRIS, 2006, p. 11), e o que mais irritava o ex-líder do Floyd era as canções creditadas a Gilmour, sua esposa e a jornalista e escritora inglesa, Polly Samson. Em 2004 Waters declara: Fiquei perturbado e um tanto desiludido porque a massa não coseguiu ver a porra da diferença... Bom, na verdade ela vê. Estou sendo indelicado. Existe um grande número de pessoas que consegue enxergar a diferença, mas havia também outras muitas que não conseguiam. Mas quando o segundo disco saiu... Bom, já tinham se
  • 31. 31 tornado o Spinal Tap13 àquela altura. Letras escritas pela nova esposa. E foram mesmo! Quero dizer, dá um tempo, porra! Qual é! E que ousadia: chamar aquilo de Pink Floyd. Era um disco horroroso. (HARRIS, 2006, p. 11). Em junho de 2005, é realizada a reunião da banda no festival Live 814 londrino, porém mesmo o evento sendo em prol de causas sociais não evitou a troca de ironias entre Gilmour e Waters que declarou: “De qualquer maneira, fazemos isso por todos aqueles que não estão aqui, e em particular, é claro por Syd”. (HARRIS, 2006, p. 11). Na história do Pink Floyd há o ano de 1979 em que foi lançado o álbum mais controverso da banda, The Wall, ou – O Muro – em tradução livre, foi precedido em 16 de novembro do mesmo ano pelo single “Another Brick in The Wall, part 2” o disco vendeu apenas na primeira semana 340 mil cópias. E “demorou apenas uma semana para chegar ao primeiro lugar dos tops [...]”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 83). O que mais chamava a atenção na época era o conteúdo antieducacional que compunha o single, fato este que ao final de novembro causa furor na imprensa inglesa com a colocação nas lojas da obra completa: The Wall. 2.4 THE WALL – O ÁLBUM Repleto de efeitos sonoros, gritos, suspiros e risos perfeitamente alinhados ao som da música, The Wall provoca os ouvidos e as tripas, segundo aponta a coletânea Colectivo Rock On de 1988. Décimo primeiro álbum de estúdio da banda, foi lançado em 30 de novembro de 1979. Centrado em Pink - personagem fictício alterego do baixista Roger Waters. Suas composições abordam temas como o abandono e o isolamento pessoal. Com letras amargas, que em alguns trechos chegam a beirar o desespero, as músicas são carregadas de significantes, ruídos, gritos e vozes. “The Wall é genericamente considerado um trabalho de Roger Waters e, pode-se mesmo dizer, autobiográfico. O álbum e o espetáculo refletem a sua vida e os seus problemas”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 84). Segundo o site oficial da banda, o “nascimento” do álbum se deu em 1977, com o 13 “Banda imaginária lançada por um falso documentário que levou as pessoas a acreditarem que ela realmente existia”. (HARRIS, 2005, p. 11). 14 Festival criado em 2005 que segundo estimativas do site oficial reuniram um bilhão de pessoas na luta contra a pobreza e a fome na África. O Live 8 aconteceu simultaneamente em 10 cidades pelo mundo contando com mais de 1000 músicos, que lutam em prol da causa (LIVE 8, 2005, tradução nossa).
  • 32. 32 disco Animals, neste ano a banda estava com a turnê, In the Flesh, quando em um show no Canadá, Waters ficou perplexo com a atitude do público que pedia para a banda executar as músicas antigas, enquanto eles pretendiam apresentar as novas composições. Foi que em um ataque de raiva, Waters cuspiu em um fã que invadira o palco. Após o fatídico episódio, Waters imaginou construir um muro entre a banda e o público. The Wall torna-se um álbum que transmuta as emoções de Waters, e em 1982, tomam forma imagética pelo olhar do diretor inglês, Alan Parker, que produz o filme homônimo, roteirizado por Waters. Comercialmente bem sucedido, The Wall foi um dos álbuns mais vendidos de 1980, vendendo mais de 11.5 milhões de unidades nos Estados Unidos, com isso alcançando a primeira posição da revista Billboard em março do mesmo ano. Na terra da Rainha o álbum alcançou vendagem já em 1979 de “600 000 cópias nas primeiras quatro semanas e em fins de janeiro já ultrapassava 1.200,000 cópias”. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 83). A revista Rolling Stone listou The Wall na 87ª posição em sua lista dos 500 melhores álbuns de todos os tempos. The Wall é o álbum mais elaboradamente teatral do Pink Floyd, inspirado em seu próprio sucesso: a enormidade de The Dark Side of the Moon. O baixista- letrista Roger Waters primeiro bateu em cima do “muro” como uma metáfora para o isolamento e rebelião. Ópera rock de autopiedade suprema, o também “muro” na indulgência é hipnótico: o trovão totalitário de In the Flesh? com o langor suicida de Comfortably Numb, e o drama brechtiano de The Trial. Fazem com que o Rock nunca tenha sido tão eletrizante (ROLLING STONE, 2003, tradução nossa). Divídido em 26 atos: sendo o primeiro ato/música In the Flesh?, como descrita pela revista Rolling Stone, a letra da canção, que em tradução para o português descreve-se como, Em carne e osso, é uma torrente de emoções que são disparadas contra os ouvintes, e convidando-os a “sentir a calorosa emoção da confusão” (To feel the warm thrill of confusion15 ). Além da letra provocativa a melodia, entra como um “trovão” sem avisar. Os sons pesados do baixo, as guitarras desconcertantes acompanhadas de um estridente órgão, abrem o prelúdio do álbum como um convite à imersão no mundo/muro/mente de Pink. 15 Verso de “In the Flesh?”.
  • 33. 33 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O conjunto de procedimentos metodológicos pertinentes para perfazer as implicações referentes ao trabalho passa pelo método de Pesquisa, ou seja, “procedimentos sistemáticos, baseados no raciocínio lógico, que tem por objetivo encontrar soluções para problemas propostos, mediante a utilização de métodos científicos”. (ANDRADE, 2003, p. 121). Já no que tange a classificação este estudo caracteriza-se como uma pesquisa porque busca apresentar soluções para a formulação do filme The Wall a partir da música, refletindo alguns pormenores psicológicos e semióticos que motivam o isolamento do protagonista do longa. O estudo dos princípios e dos métodos de pesquisa, ou seja, como será orientado o aspecto científico da monografia “refere-se ao tipo de pesquisa voltada para a inquirição de métodos e procedimentos adotados como científicos. Faz parte da pesquisa metodológica o estudo dos paradigmas, as crises da ciência, os métodos e as técnicas dominantes da produção científica”. (DEMO, 1994, p. 37). Também se pode explicar estes termos de estudo através da linha de raciocínio de Laville (1999). “O método são regras precisas e fáceis, a partir da observação exata das quais se terá certeza de nunca tomar um erro por uma verdade, e, [...] chegar ao conhecimento verdadeiro de tudo do que é capaz”. (LAVILLE, 1999, p. 11). Para a pesquisa exploratória, ou seja, as primeiras orientações do desenvolvimento do trabalho. Visa-se “[...] proporcionar maiores informações sobre determinado assunto, facilitar a delimitação de um tema de trabalho, definir objetivos [...] de uma pesquisa ou descobrir novo tipo de enfoque para o trabalho que se tem em mente”. (FONTE, 2012). Dentro deste contexto aborda-se os pormenores para a escolha do tema, que foi feita por proximidade, ou seja, os conhecimentos sobre música e cinema além de provocar curiosidades sobre o tema, facilitaram a busca de referências sobre a pesquisa, que foi iniciada em meados de 2011, quando se deu início a seleção das cenas que poderiam ser analisadas mais a fundo, pois como o filme é uma história linear, era imprescindível a escolha de um recorte, para ser motivada a pesquisa. Para o desenvolvimento do trabalho é necessário a busca de variadas referências textuais e imagéticas, para firmar esta temática foi utilizada a pesquisa descritiva, ou seja, “os fatos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados sem que o pesquisador interfira neles”. (FONTE, 2012). No capítulo 4, onde é descrita a análise da pesquisa o leitor encontrará a abordagem frente as três canções Another Brick in The Wall, que formam a tríade da vida do protagonista Pink, além de uma descrição sobre o filme que orienta o leitor sobre os caminhos tomados
  • 34. 34 pelo protagonista até, esse chegar às músicas descritas anteriormente. Também haverá a disponibilidade para o leitor neste capítulo de observar as referências bibliográficas utilizadas ao longo do trabalho. Pesquisa bibliográfica: é aquela que utiliza material escrito / gravado, mecânica ou eletronicamente. São consideradas fontes bibliográficas os livros (de leitura corrente ou de referência, tais como dicionários, enciclopédias, anuários etc.), as publicações periódicas (jornais, revistas, panfletos etc.), fitas gravadas de áudio e vídeo, páginas de web sites, relatórios de simpósios / seminários, anais de congressos etc. (FONTE, 2012). Para o desenvolvimento do trabalho foram elencados autores como Michel Chion, Jean Claude Carièrre e Bret Urick, estes são muito utilizados por terem em seus estudos abordagens que são intimamente ligadas ao assunto. Por esse contexto, pode-se citar que houve a escolha da abordagem qualitativa: a pesquisa qualitativa não procura enumerar e ou medir os eventos estudados, nem emprega instrumental estatístico na análise dos dados. Parte de questões ou focos de interesses amplos, que vão se definindo à medida em que o estudo se desenvolve. Envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada. (GODOY, 1995). Também destaca-se que esta pesquisa foi elencada com base de o estudo não objetivar dados numéricos. E sim de forma aprofundada, descritiva e textual, há objetivar abordar algumas questões semiológicas encontradas nos significados e significantes do filme. Por semiologia pode-se entender: o estudo da semiótica esta por sua vez explicada por Lúcia Santaella (1983) como: a ciência dos signos, ou seja, o estudo das linguagens, seja ela verbal ou não verbal. O conceito de verbal ou não verbal também é exemplificado por Santaella (1983): como linguagem verbal pode-se entender a ciência linguística, ou seja, os estudos referentes à língua falada e escrita. E a não verbal são os signos, ou seja, elementos que significam algo a alguém. No que tange a análise do filme The Wall, a aplicação de semiótica é voltada a Qualidade de sentimento, conflito e interpretação: “exemplificar as categorias como manifestações psicológicas significa examinar os modos gerais conforme os quais se dá a apreensão dos fenômenos na consciência”. (SANTAELLA, 1983, p. 40). Em outras palavras é uma análise que difere da razão, pois para Peirce “consciência é como um lago sem fundo no qual as ideias (partícula materiais da consciência) estão localizadas em diferentes profundidades”. (SANTAELLA, 1983, p. 40-41). Dentro destes preceitos a abordagem teórica do trabalho pretende no próximo capítulo exemplificar e sugerir uma visão sobre os sentidos do Filme The Wall.
  • 35. 35 4 ANÁLISE DOS DADOS 4.1 THE WALL – O FILME Produzido em 1982, pelo diretor inglês, Alan Parker e roteirizado por Roger Waters o filme conta em seu elenco com Bob Geldof, interpretando Pink, enquadrado no gênero drama/musical a película Floydiana16 alcançou mais US$ 67 mil em bilheteria na sua primeira projeção nos EUA. Segundo a publicação – Colectivo Rock On, no filme as representações imagéticas para as composições de Waters seguem uma descrição quase sádica. Tudo é autobiográfico, os pormenores mais íntimos são rigorosamente autênticos, pensamentos, paranoias, destruições, sonhos, pesadelos, etc. Em outras palavras, o nível de loucura a que chegou. A sua lucidez, a sua condição. E finalmente o ódio que tem a si próprio. (COLECTIVO ROCK ON, 1988, p. 90). Ao contrário do álbum (que inicia com uma torrente massiva de sons pesados), o filme introduz o espectador letargicamente, em uma sonora calmaria – comum a parte da canção The Little Boy That Santa Claus Forgot, (O pequeno menino que Papai Noel Esqueceu) interpretada pela cantora inglesa Vera Lynn17 . Uma pequena parte é cancionada enquanto a câmera executa uma tomada de aproximação em travelling18 de baixo ao longo de um corredor estéril e cinzento de um hotel. O trecho da canção executado no filme fala sobre – o natal que vem apenas uma vez por ano, e que todas as crianças merecem risos e alegrias, neste dia. Porém um recorte do trecho executado remete a primeira música, da banda que é uma introdução (recordações), ao mundo de Pink - I tell you of the little boy who lives across the way. | This fell a's Christmas is Just another Day..., (Digo-vos do menino que mora do outro lado da rua. | Natal para ele é só mais um dia...), neste ponto da canção, há um corte seco na música que é substituído pelo ruído de um aspirador de pó, que acaba de ser ligado pela camareira que sai de um quarto. Neste caso, como explica Chion (2011), há a aplicação do valor acrescentado pela 16 Nomenclatura utilizada por fãs, para vincular-se a Banda. 17 Vera nos anos de guerra fez todo esforço para trazer conforto para os soldados britânicos cantando canções como ‘Since rely Yours’ ou visitando os hospitais onde estavam as vítimas dos bombardeios (THE GUARDIAN, 2009, tradução nossa). 18 “Tomada feita por uma câmera montada num carinho ou sobre trilhos que segue a movimentação do ator ou a ação narrativa em qualquer direção: para frente, para trás, por trás e em torno do sujeito ou objeto filmados”. (BERGAN, 2010, p. 147).
  • 36. 36 música, ou seja, o ruído cria a partir dele o interlúdio na canção uma sugestão de apreensão no telespectador. Em outras palavras, “[...] a música exprime diretamente a sua participação na emoção da cena, dando ritmo, o tom e o fraseado adaptados, isto evidentemente em função dos códigos culturais da tristeza, da alegria da emoção e do movimento”. (CHION, 2011, p. 14). A música de Vera remonta a infância que Pink, não teve, pois ele cresceu em uma família pobre (composta apenas por ele e a mãe), e com a ausência do pai, morto na segunda guerra. No disco o ouvinte é jogado no mundo de Pink e no seu “muro”, através de In the Flesh?. No entanto no filme a introdução melancólica de The Little Boy..., e em seguida a composição de Waters, escrita para o filme, When the Tigers Broke Free, Part119 (Quando os Tigres se Libertam, parte 1), preparam o espectador para algo maior. A cena estéril no corredor do hotel causa um efeito de suspense, pois a música é anempática à cena, ou seja, a canção “revela a verdade mecânica por trás das imagens”. (CHION, 2011, p. 17). Urick (2010) explica que a cena de When the Tigers Broke Free adentra ao filme com imagens de uma “recordação” do que Pink, nunca viu. A tomada da câmera ao som de bombas caindo, revela aos poucos o pai de Pink, em meio a escuridão, em uma casa mata, o signo20 representativo da escuridão, retoma as lembranças que Pink, não tem, de seu pai, e sim apenas sugestões do que ele vê na TV, em outras palavras, a escuridão é perfaz o universo icônico21 , ou seja, mesmo as imagens estando lá, são apenas representações de uma possível realidade na mente de Pink, que está sentado no quarto de hotel ao final da canção, e não na guerra como as imagens sugerem. 4.1.1 Recordações – A guerra como primeiro tijolo Ao final da primeira (segunda na classificação cronológica, porém primeira 19 It was just before dawn | One miserable morning in black forty-four | When the Forward Commander was told to sit thight | When he asked that his men be withdrawn | And the Generals gave thanks | As the others ranks | Held back the enemy tanks for a while | And the Anzio Bridgehead was held for the price | Of a few hundred ordinary lives (Um pouco antes do amanhecer | Em uma penosa manhã nos negros 44 | Quando o comando avançado disse para permanecer um pouco mais | Quando ele pediu que seus homens batessem em retirada | E os generais agradeceram | como as tropas | Seguraram os blindados inimigos por alguns instantes | E pela cabeceira da ponte de Anzio pagaram o preço | De algumas centenas de vidas ordinárias). 20 “Defino um Signo como qualquer coisa que, de um lado, é assim determinada por um Objeto e, de outro, assim determina uma ideia na mente de uma pessoa, esta última determinação, que denomino o Interpretante do signo, é, desse modo, mediatamente determinada por aquele Objeto. Um signo, assim, tem uma relação triádica com seu Objeto e com seu Interpretante”. (SANTAELLA, 2000 p. 12). 21 “ O objeto do ícone, [...], é sempre uma simples possibilidade, isto é possibilidade do efeito de impressão que ele está apto a produzir ao excitar nosso sentido”. (SANTAELLA, 1983, p. 64).
  • 37. 37 composição da banda a ser executada) canção do filme (When the Tigers Broke Free, Part 1), a cena retoma ao quarto em que Pink está, totalmente catatônico, com as cenas de guerra que observa na televisão, cenas essas uma constante durante o filme, salvo no início do terceiro ato em Another brick in The Wall, part 3 (ideia que será desenvolvida posteriormente), em todas as outras tomadas de Pink frente ao aparelho televisivo, retomam o tema guerra e abandono. Tigers fala sobre como as ordens do alto comando britânico, acabaram com as vidas ordinárias de seus soldados, para segurar por alguns instantes uma companhia de tanques alemães que avançava sobre a ponte de Anzio, na Itália. Ao fechar o quadro da cena novamente no quarto, a primeira imagem que é focada é a de um relógio com a figura de Mickey Mouse, no pulso de Pink. Os tons que a composição e a música enfatizam nas imagens aplicadas para representar a canção traçam o desenrolar do filme. Assim pode-se dizer que: “a música como tema para o argumento cinematográfico inverte o processo de criação, passando a mostrar visualmente o que a música representa, transmutando-a em cenas, sequências e diálogos”. (RODRIGUES, 2005, p. 118). A cena desenrola-se novamente melancólica com os versos da canção - The Little Boy- He's thelittle boy that Santa Claus forgot shesings. And goodness knows he didn't want a lot. | He sent a note to Santa for some soldiers and a drum. | It broke his little heart when he found Santa hadn't come. | In the street he envies all those lucky boys...-(ele é o garotinho que papai Noel esqueceu | e as boas novas | ele não queria muito | Ele escreveu uma carta para Papai Noel/ pedindo alguns soldados de chumbo e um tambor | E seu pequeno coração se partiu | Quando papai Noel não veio | Ele invejava nas ruas | todos aqueles garotos afortunados) são entoados enquanto a câmera segue em traveling pelo braço de Pink, passando pela sua mão onde um cigarro já queima seus dedos, a tomada sobe pelo seu peito até dar um zoom em seu olho, onde há um corte dinâmico22 na cena, ou seja, a sobreposição abrupta de uma cena para a outra, quebrando a sensação de ação continua. Então o espectador se vê novamente no corredor, com a visão da camareira desligando o aspirador. Na sequência fílmica, há a presença do que se chama de fluxo do som, ou seja: O fluxo do som de um filme caracteriza-se pelo caráter mais ou menos ligado, mais ou menos insensível e fluidamente encadeado dos diferentes elementos sonoros, sucessivos, ou, pelo contrário, mais ou menos acidentado e partido por cortes secos – que interrompem brutalmente um som para o substituírem por outro. (CHION, 2011, p. 42). 22 “Edição de uma série de tomadas abruptas de pessoas e objetos não necessariamente na mesma cena, quebrando a sensação de ação continua, mas compondo um todo coerente”. (BERGAN, 2010, p. 146).
  • 38. 38 Alguns críticos e analistas da obra do Floyd atribuem à letargia em que ele encontra- se no quarto de hotel, ao momento do nascimento. Para o autor do site The Wall A Complete Analisys, Bret Urick, É interessante perceber que o tom de Tigers..., part 1 é destacado e observacional, já na segunda é pessoal e emocionalmente carregado. Ainda há um toque de carne e sangue nas letras, ou seja, nos adjetivos subjetivos, tais como “miseráveis”, “preto” e “normal” usado para descrever a manhã pouco antes da batalha que terá de Pink (Roger Waters) a perda da vida do pai (URICK, 2010, tradução nossa). Waters afirma nos comentários do filme (THE WALL, 1982), que seu pai, serviu de modelo para o próprio pai de Pink, pois ele era 2° tenente do 8 º Batalhão dos Fuzileiros Reais Cia C. A que tropa realizou a linha de frente, em fevereiro de 1944, quando os alemães lançaram um contra- ataque contra aos Aliados, na tentativa de expulsá-los de volta para o mar. O destino dos homens é ainda indeterminado, neste ponto do filme, como é o de Pink ainda por nascer. Contudo, a história revela que a Cia Real Fusiliers C foi completamente destruída pelo contra-ataque alemão, “pagando o preço com centenas de vidas ordinárias”, entre as quais a vida Eric Fletcher Waters, pai de Roger e, ficticiamente, Pink pai. A prefação de encerramento de Tigers/The Little Boy abre em contraste com o jogo de imagens entre o branco do corredor (agora iluminado) do hotel com a escuridão do quarto de Pink, estas tomadas convergem a face de Pink e então às imagens em um – plano subjetivo23 – da rebelião de insanidade à entrada da canção In the Flesh?24 como no álbum a imersão do espectador ao mundo de Pink se faz com: a entrada do som pesado do baixo, as guitarras desconcertantes acompanhadas de um estridente órgão, que na película é sobreposta aos gritos de jovens, por trás de uma porta a ser rompida, cena que supre a consternação de In the Flesh?. As imagens que seguem são de tomadas intercaladas, ou seja, há a aplicação de um – plano sequência25 – na cena entre os soldados no campo de batalha e os jovens, órfãos da guerra. As imagens seguem remontando o bombardeio às forças aliadas e cada soldado que cai no campo de batalha, “derruba” imediatamente um jovem (representando o pai morto e o filho atingido indiretamente, pela bomba). Os filhos da guerra correm como loucos a esmo, como os soldados no campo de batalha, nesta cena o objetivo dos jovens ensandecidos e para 23 “Plano que reproduz o que um personagem vê, muitas vezes precedido por planos do personagem olhando o objeto”. (BERGAN, 2010, p. 147). 24 So ya thought ya | Might like to go to the show | To feel the warm thrill of confusion | That space cadet glow | Tell me is something eluding you sunshine? | Is this not what you expected to see? | If you want to find out what's behind these cold eyes | You'll just have to claw your way through this disguise! (Então você achou | que gostaria de ir ao show | para sentir o calor da emoção e da confusão | o fulgor do cadete do espaço? | Diga-me alguma coisa está te iludindo, benzinho | Isto não é o que você esperava ver? | Se você quiser descobrir o que há atrás deste olhar frio | Você terá que abrir caminho através deste disfarce). 25 “Plano longo que capta uma sequência de ações, sem cortes”. (BERGAN, 2010, p. 147).
  • 39. 39 chegar ao show de Pink. Os signos representativos na composição imagética para complementar a música estão atrelados ao universo da secundidade, pois como explica Santaella (2000), é a linguagem visual, quase sempre figurativa, que tem uma vocação referencial, o que a caracteriza como signo, ou seja, quando os jovens que estão correndo em direção ao palco para ver Pink, caem com as bombas lançadas há anos atrás nos soldados que correm no campo de batalha, há uma reação, em outras palavras o revivar das ações ocorridas na guerra são familiarmente proeminentes. Em consequência, se o sentido da imagem existe em função do contexto fílmico criado pela montagem, ele também existe em função do contexto mental do espectador, cada um reagindo de acordo com os seus gostos, a sua instrução, a sua cultura [...]. (MARTIN, 2005, p. 34). Ao início do trecho cancionado da música, ou seja, com presença de vocais. Pink inicia a performance no alto de uma sacada, uniformizado, bradando os primeiros versos, que convidam o telespectador e a plateia de jovens, que o assistem a sentir o – calor da confusão e descobrir o que há por trás de seus olhos frios. Há referências na cena ao do 3º Reich alemão, protagonizado por Adolf Hitler. Os referenciais são utilizados no uniforme de Pink e também no cenário. Há um emblema com dois martelos cruzados, quase a uma cópia da suástica teutônica, difundida pelo ocultista alemão Guido Von List, e depois utilizada pelas forças hitleristas. Também há contornos ao regime Stalinista da extinta União Soviética, na utilização do martelo, um dos símbolos do regime Comunista. Outras evidências que contemplam a significação ao regime Nazi-socialista é à disposição das bandeiras com pedestais e as cores escolhidas para estas, pretas e vermelhas, cores essas predominantes no Regime totalitarista alemão, e em alguns casos o uso dos standard utilizando uma águia como símbolo, dentro de um círculo sobre a bandeira, o símbolo faz alusão ao regime Hitlerista, pois os mesmos standarts foram utilizados por Hitler da ascensão à queda do Reich, conforme se pode ver na imagem a seguir.
  • 40. 40 Ilustração1: In The Flesh Fonte: The Wall (1982). E talvez o referencial maior seja a águia postada no centro da sacada, com as asas abertas e cabeça virada para o lado com os martelos cruzados, dentro de um círculo e presos em suas garras conforme ilustração a seguir. Pode-se citar também o fato de Pink gerir como um maestro as cenas de guerra que se passam entre o plano sequência no campo de batalha e a sua performance no “palco”. Ilustração 2: In The Flesh Fonte: The Wall (1982). Em In the Flesh?, pode-se perceber que Pink, já encontra-se com as sobrancelhas e cabelos raspados, fato este que acontece apenas na segunda metade do filme, na canção Bring
  • 41. 41 The Boys Back Home. De acordo com o Urick (2010), a tomada mostra que In the Flesh? é um possível renascimento de Pink para o mundo, depois de que seu muro veio a baixo. Ao final da canção a cena que o espectador visualiza coloca o primeiro tijolo no muro, antes mesmo de Pink nascer – um avião das forças alemãs lança uma bomba em direção a casa mata em que Pink pai tentava pedir socorro, pelo rádio comunicador. Após a explosão da bomba o seu corpo já sem vida é mostrado coberto de sangue, soltando o aparelho telefônico. Nós ouvimos os aviões, ouvimos cair bombas, vemos o pai morrer, sua mão escorregar lentamente do telefone - que simboliza a comunicação - como ele foi pedir ajuda. (Não é mera coincidência, ou, considerando que mais alguns tijolos eram formados pela falta bruta de comunicação de sua parte.) Como uma tragédia grega, a criança chora, o pai morre, e nós, o público, sabemos tudo, o que virá a acontecer. Levar esses fragmentos díspares e começar a juntar as peças do “Muro” que Pink está destinado a construir (URICK, 2010, tradução nossa). Com o fim da vida de Pink pai, em paradoxo tem início a vida de Pink. A cena de paz em um jardim inglês, com a predominância de sons diegéticos26 coloca um contraponto as imagens sádicas passadas em In the Flesh? as imagens e os sons transmitem o imaginário da calmaria antes da tempestade. A sequência de imagens também sobre o efeito de sons diegéticos mostra os terríveis traumas dos sobreviventes dos conflitos, na tomada inicial de The Thin Ice27 há cenas de corpos e soldados sobreviventes com sérios ferimentos nas areias da praia da Normandia. The Thin Ice representa o começo da vida cheia de obstáculos a que Pink enfrentará, pois ainda no berço já tem de confrontar-se com o “espetáculo” da vida moderna, como sugere a letra da canção. A música que começa com a afirmação “Momma loves her baby | and Daddy loves too” (Mamãe ama seu filinho e papai também te ama) na composição da letra em seguida, Waters brinca com a ambiguidade das palavras céu e mar que cobertas por imagens de soldados retalhados exalta: “E o mar pode parecer morno para você filinho e o céu 26 “Som Diegético: sonoridades objetivas; todo o universo sonoro que é perceptível pelos personagens em cena, tais como a paisagem sonora (o som dos carros numa cidade, o ruído de uma multidão, os pássaros no campo, a música num bar, etc), ou o diálogo entre personagens. Os sons diegéticos podem decorrer dentro do enquadramento visual da cena ou não (onscreen / off screen)”. (BARBOSA, 2001, p. 2). 27 Momma loves her baby | And daddy loves you too. | And the sea may look warm to you babe | And the sky may look blue | But oh Baby | Oh baby blue | Oh babe. | If you should go skating | On the thin ice of modern life | Dragging behind you the silent reproach | Of a million tear-stained eyes Don't be surprised, when a crack in the ice | Appears under your feet | You slip out of your depth and out of your mind | With your fear flowing out behind you | As you claw the thin ice. (Mamãe ama seu filinho | E papai também te ama | E o mar talvez pareça morno para você, filinho | E o céu talvez pareça azul | Mas oh filinho | Oh triste filinho | oh filinho | Se você for patinar | no gelo fino da vida moderna | Se arrastando atrás de você a censura silenciosa | De um milhão de olhos lacrimejantes | Não fique surpreso | Quando uma rachadura no gelo surgir sob seus pés | Você entra em desespero e fica completamente louco | Com seus medos fluindo atrás de você | Enquanto você se agarra ao gelo fino).
  • 42. 42 pode parecer azul, mas Oh filinho”. (And the sea may look warm to you Babe And the Sky may look blue, Oh babe). Urick (2010) destaca a aplicação do “mas” destina que apesar de o mar e o céu considerados símbolos de tranquilidade, por várias culturas, a vida não reflete esses significados à Pink, mas sim, a duplicidade da canção que é escancarada com o termo “Blue” que em tradução literal significa “azul”, porém, ela é aplicada na canção com o significado contextual de “Make me blue”, ou seja, “me deixou triste” (Oooh babe, Oooh baby blue28 ) essa é a “introdução” que Waters utiliza para introduzir o bebê Pink na vida moderna. Nesse caso pode-se aplicar a teoria de Michel Chion sobre as formas de a música criar sentimentos no cinema em relação a uma cena especifica. “[...] a música exprime diretamente a sua participação na emoção da cena, dando ritmo, o tom e o fraseado adaptados, isto evidentemente em função dos códigos culturais da tristeza, da alegria, da emoção e do movimento”. (CHION, 2011, p. 14). A letra da canção sugere o prelúdio sobre o gelo fino que se abrirá sobre os pés (dentro da mente) de Pink. Após a canção versar sobre a loucura da vida moderna e a única sustentação que servirá como base para Pink, – O gelo Fino – (The Thin Ice), a tomada retoma ao quarto do hotel, todo desarrumado, o aparelho televisor ligado transmitindo cenas do desenho de “Tom e Jerry”, numa importante referência a infância perdida, e que Pink tenta recuperar balbuciando suas lembranças. Na tomada, Pink encontra-se boiando na piscina, deitado, para Urick (2010), Pink é uma reminiscência da clássica representação da crucificação de Jesus ele está passivo ao confronto de seus fantasmas. Porém, quando a imagem do corpo de seu pai no campo entra em – corte súbito29 – a ele na tela, Pink então “trava uma batalha” que faz com que a piscina encha-se de sangue. A linguagem visual que é aplicada “internamente” na cena remete ao universo da secundidade, pois apesar de ser uma imagem mental, ela faz o protagonista ver e estar diante de algo, que significa alguma coisa. A linguagem visual tem sua característica primordial na incidência com que imagens singulares, que e agora, se apresentam à percepção. Ver é estar diante de algo, mesmo que esse algo seja uma imagem mental onírica, pois o que caracteriza a imagem é sua presença, estar presente, tomando conta da nossa apreensão. Aliada ao seu caráter perceptivo, que corresponde tipicamente ao universo da secundidade, a linguagem visual, quase sempre figurativa, tem uma vocação referencial, o que a caracteriza como signo. (SANTAELLA, 2005, p. 19). Neste momento a canção que até agora vinha em um tom “apaziguador” de piano 28 Tradução nossa. “Oh filinho, Oh triste filhinho”. 29 Justaposição de imagens muito dispares em um filme para dar a sensação de surpresa ou horror. (BERGAN,2009, p. 500).