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Aspectos Epistemológicos do Dilema Teoria-Prática no Ensino de Administração de
Empresas

Autoria: Samuel Cruz dos Santos

Resumo

        Este artigo busca, à luz da análise de trechos das Diretrizes Curriculares dos Cursos de
Graduação em Administração de Empresas e da leitura de autores de Metodologia de Pesquisa e
Teoria Geral de Administração, descaracterizar a importância atribuída à possível dicotomia
teoria-prática no ensino de Administração de Empresas. Discute-se, com exemplos de autores
clássicos em Administração e Metodologia e com considerações contemporâneas, se procede a
inquietação presente na maioria dos centros de ensino de Administração de Empresas em relação
a uma abordagem mais prática para os cursos. As considerações levam em conta, basicamente, a
literatura de ciências sociais no que diz respeito à Metodologia e a análise do problema parte,
precisamente, da definição de Administração de Empresas como ciência social. A conclusão é
que o debate encontra-se fora do foco, deslocado de seu eixo se forem adotados determinados
princípios metodológicos.


1. Introdução

       O ano de 2004 testemunha um importante acontecimento para o ensino de Administração
de Empresas no Brasil, pois foi publicada no Diário Oficial da União de 04/03/2004 a Resolução
01, de 01/02, que institui as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Administração de Empresas no
País. Pela própria natureza da área de conhecimento e por sua juventude como ciência, a
Administração de Empresas é, nos termos de Bourdieu (1994), objeto em construção, ciência em
vias de se fazer. Como as demais ciências sociais, carece o pesquisador em Administração de
Empresas de vigilância epistemológica em vários graus1 e de um posicionamento diante de seu
objeto de estudo que imprime ao trabalho de pesquisar dificuldades extremas.

        O Conselho Federal de Administração destaca, em trabalho que sintetiza a história dos
cursos de Administração de Empresas no Brasil, que “os cursos de administração no Brasil têm
uma história muito curta, principalmente se comparamos com os EUA, onde os primeiros cursos
na área se iniciaram no final do século passado, com a criação da Wharton School, em 1881. Em
1952, ano em que se iniciava o ensino de administração no Brasil, os Estados Unidos já
formavam em torno de 50 mil bacharéis, 4 mil mestres e 100 doutores, por ano, em
administração”.2 Verifica-se, portanto, que não somente os cursos têm história recente no Brasil,
como também, ainda que tenham sido iniciados em 1881 nos Estados Unidos, a área é bastante
jovem.Entretanto, embora de história relativamente curta, a Administração de Empresas no Brasil
assiste à expansão acentuada do número de cursos e, conseqüentemente, do número de
profissionais formados ano a ano.

       Em função deste crescimento acentuado, o estabelecimento das diretrizes curriculares é
fundamental para dotar o estudante de instrumentos eficazes para viabilizar a objetivação, a
necessária ruptura e o necessário rigor diante do objeto de estudo. Em Administração, como nas
demais ciências sociais, “a influência das noções comuns é tão forte que as técnicas de
                                               1
objetivação devem ser utilizadas para realizar efetivamente uma ruptura que, na maior parte das
vezes, é mais professada que concretizada.”3.
        A ruptura, portanto, faz-se necessária para a construção do objeto de estudo para além das
aparências imediatas. A aparente dissociação entre Administração de Empresas e uma
perspectiva teórica mais apurada paira como uma nuvem persistente entre os estudantes de
graduação e, certamente, atua no sentido contrário desta necessária ruptura. A expectativa a
priori parece ser a de um curso eminentemente prático, voltado para o mercado ou qualquer dos
termos usual e largamente empregados entre os estudantes de Administração.

       Parece necessário reafirmar, permanentemente, para os alunos de Administração de
Empresas o caráter de ciência social de sua área. Como tal, trata-se de ciência por fazer, de objeto
a construir no decorrer da prática. Em termos mais precisos ainda, trata-se da impossibilidade da
separação entre teoria e prática. Não há, por certo, um mundo da prática que não tenha como seu
pano de fundo a teoria do social, a teoria administrativa. Não há, pois, como ignorar a interação
profunda, indissociável entre teoria e prática. Não há, nesta afirmação, qualquer adesão
metodológica que, a priori, eleja esta ou aquela corrente de pensamento. Há, provavelmente, uma
opção materialista em detrimento do idealismo subjetivo nos termos de Lefebvre (1991),
destacando-se, nas palavras do autor, que “ A separação metafísica entre sujeito e objeto – que,
ao mesmo tempo, coloca o problema e o torna insolúvel – reproduz e agrava, nas condições da
consciência moderna, a separação imaginária, o desdobramento fictício entre a parte lúcida de
nosso ser (a alma, o espírito) e a parte “natural” (o corpo, o mundo).
Para eliminar esse problema insolúvel, basta considerar a relação em questão como um fato,
tomando-a tal como se apresenta: o sujeito e o objeto, o pensamento e a natureza, são diferentes
mas ligados, através de um liame que é uma interação incessante.”4

       Desta forma, o objetivo deste trabalho é, à luz das Diretrizes Curriculares para os Cursos
de Graduação em Administração de Empresas, negar a existência do que se estabeleceu como um
grande mote dos cursos: a necessidade de ter um curso voltado para o mercado ou, de forma mais
amena, a necessidade de interação entre teoria e prática.


2. Alguns Aspectos Metodológicos

        Este artigo estruturou-se a partir da leitura de vários autores nos campos da Metodologia
da Pesquisa e da Teoria Geral de Administração e da constatação, a partir da leitura das Diretrizes
Curriculares dos Cursos de Graduação em Administração de Empresas, de certa dissonância
interna no texto da Resolução se confrontado com algumas questões básicas de metodologia
científica. Obviamente, não há a expectativa de que um texto legal, que segue determinadas
normas jurídicas em sua confecção, seja um tratado metodológico. Entretanto, parte-se da
premissa de que a norma reflete a posição dominante em determinado momento sobre o assunto
em questão e, desta forma, busca-se, no espírito da lei, a interpretação desta posição.

        A partir da leitura das Diretrizes, alguns artigos, os que mais esclareciam a questão da
interação teoria-prática em Administração de Empresas, foram destacados e, a partir do aporte
teórico de autores citados no decorrer deste artigo, algumas considerações de ordem ora
epistemológica, ora de método foram feitas.


                                                 2
A escolha dos autores não seguiu um padrão pré-determinado de filiação a uma ou outra
corrente metodológica. O único fio condutor foi considerar a Administração de Empresas como
ciência social. Alguma inclinação foi feita no sentido de privilegiar a metodologia sociológica
pela crença em sua generalidade, porém, no que guarda de especificidade, foi preservada a leitura
específica da Administração de Empresas de seu objeto de estudo. Assim, autores como Pierre
Bourdieu, Jean-Claude Chamboredon, Jean-Claude Passeron, Henri Lefebvre, Émile Durkheim
foram utilizados como fontes de algumas considerações. Outros autores, como Pedro Demo,
Michel Thiollent, entre outros, foram utilizados, embora não necessariamente citados no corpo do
texto, como fontes de método e metodologia. No campo da Teoria Geral de Administração, os
exemplos foram colhidos de Frederick Winslow Taylor, Henri Fayol, Peter Drucker e outros.
Adicionalmente, buscou-se a utilização de pesquisa recente como exemplo da impossibilidade de
dissociação teoria-prática nos termos explicados nas seções que se seguem.

       A escolha dos autores de metodologia, embora não esgote as abordagens existentes sobre
o tema, não se constitui em grande defeito, visto que o foco do trabalho está na questão teoria-
prática e, em que pesem algumas diferenças conceituais, vários pensadores em metodologia
poderiam ser escolhidos para exemplificar o que se pretende.

        Por fim, vale, uma vez mais, ressaltar que a escolha dos artigos do texto das Diretrizes
Curriculares foi feita de acordo com a necessidade da análise da fraqueza de utilização do termo
“curso mais voltado para a prática” no ensino de Administração. Tal fato, entretanto, não
significou uma leitura descontextualizada, mas, sim, direcionada ao fim pretendido. Tal escolha
não introduz viés pelo simples fato de não se pretender uma análise das Diretrizes Curriculares,
mas apenas tê-las como pano de fundo para a questão que se propõe.


3. Diretrizes Curriculares - Epistemologia e Análise

3.1 – Considerações Epistemológicas

       Não há, aqui, a intenção de conciliar pensamentos antagônicos em uma espécie de síntese
sem sentido que una teorias ou metodologias de coerências e lógicas internas mutuamente
excludentes, mas apenas ressaltar aspectos de diferentes visões de mundo, de diferentes noções
sobre como lidar com o objeto de estudo, que podem auxiliar a reflexão sobre o ensino de
Administração de Empresas e, certamente, podem ajudar no esforço epistemológico da área de
Administração. É uma pretensa síntese, descompromissada com a história da ciência, mas
ousada, por certo, exatamente por isso. Assim, reafirmo com outras palavras, não é preocupação
deste artigo discutir a metodologia, o empirismo, o positivismo, o estruturalismo, o
funcionalismo, o sistemismo, a dialética, o racionalismo aplicado, o existencialismo ou qualquer
outra corrente metodológica. Ainda que citações de pensadores e autores filiados a uma ou outra
correntes sejam feitas, não se trata da defesa pessoal da metodologia em si, mas da
exemplificação necessária ao esclarecimento da proposta. O foco está no trato do ensino da
Administração de Empresas como ciência social e, de partida, complexo, não se devendo
submeter a uma única abordagem, dando ao aluno a oportunidade de conhecer e promover a
necessária ruptura com o senso comum, não lhe facultando, ao término do curso, a possibilidade
de apenas ter a seu dispor o senso comum erudito, instruído, porém distante do rigor que requer a
Administração de Empresas em suas diversas áreas de conhecimento.
                                               3
Nesta busca pela descrição da interação teoria-prática em Administração, nada há de novo
na afirmação que muitos fazem sobre a relação da teoria com o mercado. Deixo de lado a
discussão do conceito de mercado por não ser objeto do presente estudo e o tomo como sendo o
do mercado de trabalho que, ainda vago, dá-nos a idéia do que se quer expressar: a interação
entre o que é ensinado em sala de aula e a aplicabilidade do conjunto final na prática do dia-a-dia
empresarial. Demo (1985) destaca que “A pesquisa prática é aquela que se faz através do teste
prático de possíveis idéias ou posições teóricas. (...) Todavia, a prática tem a função mais
essencial de representar o lado político das ciências sociais. Aí, a própria omissão é uma
prática, porquanto há de significar o favorecimento da situação vigente. (...) Freqüentemente
dizemos que na prática a teoria é outra. Isto não quer somente dizer que pode sempre haver
dissonância entre os dois níveis, mas principalmente que um não se faz sem outro. Nada melhor
para a teoria que uma boa prática e vice-versa. (...). Quem imagina conhecer adequadamente a
realidade, já não tem o que pesquisar, ou melhor, tornou-se dogmático e deixou o espaço da
ciência. (...) Cada ciência social dedica-se a uma faceta da realidade. É uma das formas de vê-
la. Ao mesmo tempo, não se dedicando a outras facetas, inevitavelmente deturpa a realidade, se
perder de vista que é uma faceta entre outras.”5

        A busca quase implacável de algo que venha a ser qualificado como a perfeita articulação
teoria-prática revela um absurdo em si mesmo. Não há teoria dissociada da prática ou prática sem
teoria associada. Há, não obstante, o desconhecimento inconsciente de que a prática se dá a partir
de determinado aporte teórico e de que a teoria só faz sentido se o objeto a que se refere estiver
presente. Nada havia de dissociação nas observações de Taylor acerca do controle e do
planejamento do trabalho quando afirmava que “os trabalhadores que são controlados apenas
pelas ordens e disciplinas gerais não são adequadamente controlados, porque eles estão atados
aos reais processos de trabalho(...) Para mudar essa situação, o controle sobre o processo de
trabalho deve passar às mãos da gerência, não apenas num sentido formal, mas pelo controle e
fixação de cada fase do processo, inclusive seu modo de execução.”6

        Ora, nada há de tão somente teórico na observação ou tão somente prático. Trata-se da
análise do trabalho e de seu controle ou, fazendo-se uma extensão da interpretação, da
constatação do trabalho morto e da necessidade de sua minimização. Sabe-se que as observações
de Taylor, assim como as de Fayol, apenas para citar dois clássicos, surgiram da análise teórica
da realidade em que viviam. De tal análise, emergem conclusões acerca do melhor receituário da
Administração Científica. Concorde-se ou não com tal receituário, fato é que emerge da teoria
subjacente à análise taylorista. Negar tal fato é negar todo a análise do sistema capitalista feita até
o início do século XX. Não é admissível, obviamente, supor que Taylor jamais tenha ouvido falar
da obra de Marx ou que Fayol, e este ainda mais, por sua formação mais erudita, ignorasse Adam
Smith e a divisão do trabalho. Assim, não há que se falar em teoria e prática dissociadas, pois
seria como dissociar corpo e cabeça.


3.2 – Análise das Diretrizes Curriculares – Aspectos do Binômio Teoria-Prática

       Destaco, a seguir, as principais questões julgadas dignas de nota nas Diretrizes
Curriculares do curso de Administração de Empresas. Para cada destaque, algumas considerações


                                                  4
e ponderações são feitas com base em autores devidamente citados, sempre buscando o foco no
dilema teoria-prática.
       3.2.1 – Projeto Pedagógico

        O parágrafo primeiro do art. 2º das Diretrizes Curriculares do curso de Administração de
Empresas estabelece que o projeto pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de
graduação em Administração, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua
operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, elementos estruturais. Tais elementos
seriam, entre outros, os objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções
institucional, política, geográfica e social, as condições objetivas de oferta e a vocação do curso,
as formas de realização da interdisciplinaridade, os modos de integração entre teoria e prática, os
cursos de pós-graduação lato sensu, nas modalidades especialização integrada e/ou subseqüente à
graduação, de acordo com o surgimento das diferentes manifestações teórico-práticas e
tecnológicas aplicadas às Ciências da Administração, e de aperfeiçoamento, de acordo com as
efetivas demandas do desempenho profissional, o incentivo à pesquisa, como necessário
prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica e a inclusão
opcional de trabalho de conclusão de curso sob as modalidades monografia, projeto de iniciação
científica ou projetos de atividades centrados em área teórico-prática ou de formação profissional,
na forma como estabelecer o regulamento próprio.

       Vários são os destaques possíveis no conjunto destacado. Entretanto, para nosso
propósito, vale ressaltar a ênfase no binômio teoria-prática.

        Primeiramente, fala-se em “modos de integração entre teoria e prática”. Uma vez mais,
ratifico a posição de que, apesar de útil didaticamente, tal distinção não faz sentido. Não há curso
de Administração de Empresas possível sem que teoria e prática estejam em constante interação.
Não há possibilidade de tal curso sem que teoria e prática, fazendo aqui um paralelo com a
formulação de Lefebvre apresentada anteriormente sobre sujeito e objeto em interação incessante,
estejam em permanente integração, em constante e dialético envolvimento. Obviamente, a letra
da lei necessita de tal distinção, de tal afirmação, porém, trazendo a questão para a análise
epistemológica, não há sentido lógico na distinção.

        A segunda menção diz respeito ao “surgimento das diferentes manifestações teórico-
práticas e tecnológicas aplicadas às Ciências da Administração”. Neste caso, há avanço e recuo
na proposição. Em primeiro lugar, avança-se ao falar em manifestações teórico-práticas, estando
os dois últimos termos, no texto das Diretrizes, ligados por hífen. Ora, as manifestações são,
poranto, teórico-práticas e, não, teóricas e/ou práticas. Confirma-se, neste caso, nossa afirmação
de que não há sentido na separação. Entretanto, o texto da norma separa do binômio teórico-
práticas as manifestações tecnológicas. Entende-se, então, que manifestações tecnológicas não
seriam nem teóricas nem práticas ou que seriam uma coisa ou outra. Neste caso, há retrocesso na
exposição. As manifestações tecnológicas são, obviamente, partes da interação teoria-prática e
não podem, fora desta, ser consideradas.

        Por fim, ao tratar do trabalho de conclusão de curso como elemento estrutural do projeto
pedagógico, diz o texto da norma que os projetos poderão ser de “atividades centradas em área
teórico-prática”. A pergunta que subsiste é: se não for de uma atividade centrada em área
teórico-prática, será de que tipo de atividade? É evidente que se trata de reduzir a questão a uma
                                                 5
separação inconcebível entre a teoria, que seria, por exemplo, a prescrição de Peter Drucker ao
tratar da Administração por Objetivos:
“O desempenho esperado de um gerente deve ser o reflexo do que se espera quanto à realização
dos objetivos da empresa; seus resultados devem ser medidos pela contribuição que dêem para o
êxito do negócio. O administrador tem de saber e entender o que as metas da empresa esperam
dele em termos de desempenho e o seu superior deve saber que contribuição pode exigir e
esperar dele e deve julgá-lo de conformidade com a mesma.”7

        A prática, então, seria a aplicação da prescrição, o ato de estabelecer as metas, de
descrevê-las, de medir os resultados. Ora, em tal prática, está presente a teoria proposta por
Drucker. Na elaboração teórica de Drucker, esteve presente a observação da prática
administrativa de acordo com sua ótica. Não há, portanto, atividade que não seja centrada em
área teórico-prática. Tal concepção remete à idéia, muito presente nos debates dos cursos de
Graduação em Administração de Empresas, sobre o que deve ser objeto das monografias de
conclusão de curso, se algo aplicado a uma empresa específica ou uma discussão teórica no
campo da Administração. Parece-me que, embora entenda o espírito da questão, a mesma está
deslocada. Seja qual for o modelo adotado, não há possibilidade de sobrevivência da teoria per
se, isolada no mundo, nem da prática que não tenha atrás de si ou como seu duplo, a teoria.

       Podemos fazer o exercício contrário: o que dizer do dia-a-dia das organizações, seria
prático somente ou teórico-prático? É teórico-prático e não tem como ser diferente. As
organizações, embora não enunciem princípios de Administração de Empresas a todo momento,
estão em constante utilização quer de princípios, quer de aportes teóricos outros. Um exemplo
bastante ilustrativo é o resultado da pesquisa realizada pela Spencer Stuart, consultoria em
recursos humanos, com oito mil executivos de várias partes do mundo e que apontou cinco
padrões de comportamento em todos os executivos “que construíram uma carreira extraordinária,
definida como aquela que conjuga sucesso e felicidade. Além deles, o levantamento analisou
outros dois grupos de executivos com bom nível de êxito: os “médios” e os “bem-sucedidos”8.
De acordo com a pesquisa, é a seguinte a síntese dos padrões de comportamento:

                                                  Quadro 1
                          Os Cinco Padrões dos Executivos com Carreira Extraordinária9

1. Eles entendem como o valor é criado na organização e gerenciam suas carreiras de acordo com a cadeia de valor.
Há três fases de valor: a potencial (em que os empregadores os contratam pelo que farão), a da experiência (quando
os empregadores os contratam para pôr à prova seus sucessos passados) e a da colheita (na qual esses executivos
aproveitam o conhecimento desenvolvido em anos anteriores). Isso os leva a construir o valor pessoal em cada fase
da carreira.

2. Eles praticam a liderança benevolente ao não forçarem seu caminho para o topo, e sim ao serem naturalmente
conduzidos para lá, por mentores, subordinados, chefes, colegas etc. Isso acontece porque eles se dedicam aos
outros.

3. Eles superam o paradoxo da permissão, ou seja, fazem além daquilo que lhes foi autorizado. Assim, resolvem o
dilema de não conseguir um cargo sem ter experiência e, ao mesmo tempo, de não obter experiência sem ter um
cargo.

4. Eles se diferenciam utilizando o princípio de desempenho 20/80, em que dedicam 80% de seus recursos para
cumprir suas metas e 20% para criar idéias de ruptura e vanguarda e gerar um impacto previsto.


                                                        6
5. Eles não administram sua carreira de maneira “micro” e sim de forma macro, pois gravitam em torno das coisas
em que são os melhores e que os apaixonam, e trabalham com pessoas de quem gostam e por quem têm respeito.
        Embora não seja o foco deste artigo, vale ressaltar que, de acordo com a pesquisa e nas
palavras de James Citrin, diretor da consultoria responsável pelos resultados, “a habilidade para
aplicar os cinco padrões de maneira uniforme e constante conduz inevitavelmente ao sucesso”.10

       A análise que nos importa é, precisamente, a da constatação da construção teórico-prática,
presente na determinação de fases da cadeia de valor, na construção do conceito de liderança
benevolente, na do paradoxo da permissão e na do princípio de desempenho 20/80. Tais
conceitos não estão, como descritos, em manuais de Administração de Empresas e também não
serão encontrados nas leituras dos denominados teóricos de Administração. Entretanto, trata-se
de construções prático-teóricas e não será surpresa vê-las, no futuro e com a devida elaboração,
nos manuais de Administração de Empresas.


        3.2.2 – O Perfil do Administrador, suas Competências e Habilidades

       Diz o art. 4º das Diretrizes Curriculares que o Curso de Graduação em Administração
deve possibilitar a formação profissional que revele, entre outras, as seguintes competências e
habilidades:

a) desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações
matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos,
administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos
diferentes contextos organizacionais e sociais;

b) ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de
aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu
exercício profissional;

c) desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o
ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos
organizacionais, revelando-se profissional adaptável.

       O ato de expressar-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos
organizacionais e sociais, preconizado pelas Diretrizes como competências/habilidades do
administrador nada mais é do que o da interação teoria-prática a que me refiro todo o tempo.
Nada mais reflete do que a dinâmica subjacente à prática administrativa, derivada do próprio
ambiente mutável, e a necessidade de interação entre sujeito e objeto nos termos de Lefebvre.
Assim, segundo o autor, um esboço inicial de uma teoria do conhecimento, muito útil neste ponto
da análise, seria sumarizado da seguinte forma:

i. A suposição de um objeto real exterior, “a natureza ou matéria penetrada progressivamente –
no curso da história da prática, da ciência e da filosofia – pelo “sujeito” humano ativo, cujas
representações, imagens e idéias correspondem ao objetivo de modo mais ou menos exato;”11



                                                       7
ii. A idéia de que o ser humano é um “sujeito-objeto”, pois “ele pensa, é “sujeito”, mas sua
consciência não se separa de uma existência objetiva”12;

iii. O sujeito e o objeto são intrinsecamente ligados, embora sejam distintos. Trata-se da “luta
incessante no seio de sua própria unidade”.13

       O sujeito, administrador, e o objeto, a organização em qualquer de suas dimensões, estão
em constante interação, em incessante luta. Desta interação, nasce ou se nutre a prática
administrativa. São dimensões teórico-práticas que emergem ao mesmo tempo para a obtenção da
expressão criativa preconizada como habilidade/competência do administrador.

        Adicionalmente, a habilidade/competência para transferir conhecimentos da vida e da
experiência cotidianas para o ambiente de trabalho não revela apenas, como destaca o texto das
Diretrizes, um profissional adaptável. Revela um sujeito que não se dissocia de si mesmo, que
carrega consigo todas as dimensões de sua própria vida. Revela, ainda, o caráter
indiscutivelmente social da Administração de Empresas e a necessidade de vigilância
epistemológica por parte dos administradores. É ao mesmo tempo vantagem e desvantagem para
os administradores. É também, porém não somente, na transferência de conhecimentos e da
experiência cotidiana que corremos o risco das prenoções, que podemos conduzir a análise sem o
necessário rigor. A título de ilustração, vale lembrar a exposição de Durkheim (1984), quando
trata das prenoções como obstáculo epistemológico: “Quantas vezes não se mostram tão
perigosas quanto inadequadas! Não é, portanto, elaborando-as, seja lá de que maneira for, que
chegaremos a descobrir as leis da realidade. Pelo contrário, constituem como um véu que se
interpõe entre as coisas e nós, acabando por dissimulá-las a nós tanto mais quanto mais
transparente julgamos ser tal véu. (...) As noções que acabamos de citar são as notiones vulgares
ou praenotiones, consideradas [por Bacon] como a base de todas as ciências nas quais tomam o
lugar dos fatos. São os idola, espécie de fantasmas que desfiguram o verdadeiro aspecto das
coisas e que, no entanto, consideramos como sendo as próprias coisas.”14

       É exatamente por ser a Administração de Empresas não somente uma ciência social, mas
uma recente ciência social, que a preocupação com as prenoções advindas da análise sociológica
torna-se fundamental. Quando se defende a utilização da experiência cotidiana, obviamente não
se está defendendo a utilização de experiência que não se preste a contribuir para o
desenvolvimento do binômio teoria-prática, que não alimente e se alimente desta interação.


4. Conclusões

         É ponto quase pacífico, ao utilizarmos o senso comum, que cursos de Administração de
Empresas devem estar voltados para o mercado. Tal fato sequer seria passível de discussão caso
considerássemos que, mesmo fora do senso comum, dado o aporte teórico-metodológico
destacado neste artigo e supondo ser o mercado, como o conjunto das organizações, o objeto da
própria Administração. Neste sentido, o debate sobre um possível descolamento teoria-prática é
infértil. Entretanto, existe a demonstração, através de pesquisas realizadas junto aos formandos,
da relativa insatisfação com o curso. Em 2001, por exemplo, 54,1% dos alunos que fizeram a
avaliação do MEC afirmaram que a principal contribuição do curso foi a formação profissional.
Entretanto, 37,9% afirmaram que quase raramente foram oferecidas aulas práticas e 44,6% se
                                               8
referiram a aulas teóricas que continham, em média, 40 alunos em sala de aula. Por outro lado,
39,2% afirmaram que a capacidade lógica e de análise crítica foi a habilidade melhor
desenvolvida, enquanto 41,6% disseram que em poucas disciplinas foram solicitados a realizar
atividades de pesquisa como estratégia de aprendizagem. Pode estar nesta última informação uma
pista do que se necessita. Atividades de pesquisa certamente promovem, de forma mais explícita,
a percepção do aluno quanto a indissociabilidade teoria-prática.

        Outras pesquisas apontam para uma certa crise de identidade derivada, possivelmente, de
uma formação excessivamente genérica, o que levaria à necessidade de uma formação mais
pragmática. Não há, neste caso, incompatibilidade com o que se disse neste artigo. A exigência
de uma estrutura curricular em sintonia com as exigências do mercado, certamente, não é
contraditória com a idéia de que são indissociáveis a prática e a teoria. Foi com a intenção de
demonstrar tal fato que o exemplo mais contemporâneo da consultoria em recursos humanos foi
apresentado e foi elaborada uma suposição de que, em dado momento, as observações surgidas
na prática do mercado que, conforme destacado, não está dissociada da teoria, estejam refletidas
nos manuais de Administração de Empresas.

        Desta forma, a contribuição deste artigo está na sugestão de reposicionamento do debate
sobre teoria e prática em Administração de Empresas, debate este que pode dar lugar a
aprimoramentos curriculares constantes não porque os cursos são teóricos, mas porque são
dinâmicos em relação ao seu objeto, mantêm com este uma relação de interação constante,
incessante, absolutamente essencial do ponto de vista da atualização da Administração de
Empresas como ciência social aplicada. È neste contexto que se deve inserir o debate e, não, em
um falso conteúdo que leva a crer que exista a possibilidade de disciplinas serem teóricas e
disciplinas serem práticas. Reafirma-se, portanto, a impossibilidade de tal construção, visto que
não há prática administrativa sem teoria administrativa que a suporte e não há teoria
administrativa sobre um vazio, um vácuo, um social que não se defina, que exista apenas nos
laboratórios de empreendedorismo ou algo do gênero. Somente com tal consciência, os números
relativos à percepção de alunos sobre a existência de excesso de disciplinas teóricas ou
insuficiência de disciplinas práticas poderá ser alterada. A difusão desta abordagem, certamente,
permitirá aos administradores que se formam, perceber sua formação para além de uma simples
aplicação prática, de algo imediato. Permitirá que a formação seja, de fato, uma formação voltada
à administração da mudança, da mudança constante, e que a percepção de mundo seja condizente
com um mundo da novidade. Nas palavras de Robert Fossaert, em sua análise sobre o mundo no
século XXI, citado por Santos (1998), “...qu’est-ce qu’un monde? En quoi peut-il être nouveau,
c’est-à-dire différent du monde précédent? Autrement dit: comment reconnaît-on un système
mondial original parmi lês mondes dont l’histoire a gardé trace?” “o que é um mundo? Em que
el epode ser novo, quer dizer, diferente do mundo precedente? Em outras palavras: como
podemos reconhecer um sistema mundial original entre os mundos dos quais a história guardou
rastro?”15 Transpondo as considerações para o mundo administrativo, é em um mundo novo a
cada período de tempo que o administrador se encontra, em um mundo que guarda, por certo, p
paradigma anterior, porém surge com fatos novos, com novas estruturas e com novas demandas.
Este administrador é um ser eminentemente teórico-prático ou está destinado a desaparecer nas
mudanças constantes, já que a incapacidade de adaptação e de busca de soluções para o novo, o
inusitado, não faz parte de sua formação se esta for pragmática, voltada, exclusivamente (ou
principalmente) para aspectos aplicativos da Administração de Empresas. Afinal, as aplicações,
dadas as mudanças, nascem fadadas à renovação ou à superação. A formação, portanto, não pode
                                               9
ser hermética a ponto de pretender-se válida para um longo período de tempo. Deve ser, então,
teórico-prática no sentido aqui apresentado.

5. Bibliografia

ARMSTRONG, D. A gerência através de historias. Rio de Janeiro: Campus, 1996.
Estados Unidos, do Japão e da Europa. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
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Metodologia da Pesquisa na Sociologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
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1995.
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determinadas             hoje.          São            Paulo:            Pioneira,          1988.
DRUCKER, P. F. A prática da administração de empresas. São Paulo: Pioneira, 1981.
DRUCKER,         P.    F.    Sociedade    pós-capitalista.    São     Paulo:      Pioneira, 1993.
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controle.                  São                Paulo:                   Atlas,               1997.
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empresa. Rio de Janeiro: Saraiva, 1994.
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Brasileira, 1991.
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economia             globalizada.          São             Paulo:             Atlas,        1998.
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Atlas,                                                                                      1998.
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supera-la.                 São               Paulo:                   Harbra,               1986.
PETERS,         T.     Prosperando      no      caos.      São      Paulo:        Harbra,   1989.
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WOOD JÚNIOR, T. Mudança organizacional: aprofundando temas atuais em administração. São
Paulo:                                        Atlas,                                        1995.
 ZIEMER, R. Mitos organizacionais: o poder invisível na vida das empresas. São Paulo: Atlas,
1997.
THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1988.
WEBER, M. Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1998.
                                               10
1
  Para uma discussão do conceito de vigilância epistemológica e de seus graus, ver BOURDIEU,
P., CHAMBOREDON, J-C. & PASSERON, J-C. Ofício de Sociólogo: Metodologia da Pesquisa
na Sociologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
2
  Para uma descrição completa do histórico, ver o site do Conselho Federal de Administração:
www.cfa.org.br
3
  BOURDIEU, P., CHAMBOREDON, J-C. & PASSERON, J-C.op.cit.p.24.
4
  Lefebvre, H. Lógica Formal/Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991,
5.ed., p.55-56
5
  Demo, P. Introdução à Metodologia da Ciência. São Paulo: Atlas, 1985, p.27
6
  Braverman, H. Trabalho e Capital Monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1977, p. 98.
7
  Apud Chiavenato, I. CHIAVENATO, I. Teoria geral da administração. São Paulo: McGraw-
Hill, 1987.
8
  HSM MANAGEMENT. Número 43, Vol.2, Março-Abril de 2004, p. 130.
9
  Transcrito e adaptado de HSM Management. Op. cit., p. 134.
10
   HSM Management. Op.cit., p. 130.
11
   Lefebvre, H. op.cit, p. 70
12
   Id.,ibid., p.71
13
   Id.,ibid., p.71
14
   Durkheim, E. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1984.
15
   Santos, R.C.L.F. A Formação da Realidade Econômica: Para Além do Pensamento Linear.
Brasília: UnB, 1998, p.9




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  • 1. Aspectos Epistemológicos do Dilema Teoria-Prática no Ensino de Administração de Empresas Autoria: Samuel Cruz dos Santos Resumo Este artigo busca, à luz da análise de trechos das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Administração de Empresas e da leitura de autores de Metodologia de Pesquisa e Teoria Geral de Administração, descaracterizar a importância atribuída à possível dicotomia teoria-prática no ensino de Administração de Empresas. Discute-se, com exemplos de autores clássicos em Administração e Metodologia e com considerações contemporâneas, se procede a inquietação presente na maioria dos centros de ensino de Administração de Empresas em relação a uma abordagem mais prática para os cursos. As considerações levam em conta, basicamente, a literatura de ciências sociais no que diz respeito à Metodologia e a análise do problema parte, precisamente, da definição de Administração de Empresas como ciência social. A conclusão é que o debate encontra-se fora do foco, deslocado de seu eixo se forem adotados determinados princípios metodológicos. 1. Introdução O ano de 2004 testemunha um importante acontecimento para o ensino de Administração de Empresas no Brasil, pois foi publicada no Diário Oficial da União de 04/03/2004 a Resolução 01, de 01/02, que institui as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Administração de Empresas no País. Pela própria natureza da área de conhecimento e por sua juventude como ciência, a Administração de Empresas é, nos termos de Bourdieu (1994), objeto em construção, ciência em vias de se fazer. Como as demais ciências sociais, carece o pesquisador em Administração de Empresas de vigilância epistemológica em vários graus1 e de um posicionamento diante de seu objeto de estudo que imprime ao trabalho de pesquisar dificuldades extremas. O Conselho Federal de Administração destaca, em trabalho que sintetiza a história dos cursos de Administração de Empresas no Brasil, que “os cursos de administração no Brasil têm uma história muito curta, principalmente se comparamos com os EUA, onde os primeiros cursos na área se iniciaram no final do século passado, com a criação da Wharton School, em 1881. Em 1952, ano em que se iniciava o ensino de administração no Brasil, os Estados Unidos já formavam em torno de 50 mil bacharéis, 4 mil mestres e 100 doutores, por ano, em administração”.2 Verifica-se, portanto, que não somente os cursos têm história recente no Brasil, como também, ainda que tenham sido iniciados em 1881 nos Estados Unidos, a área é bastante jovem.Entretanto, embora de história relativamente curta, a Administração de Empresas no Brasil assiste à expansão acentuada do número de cursos e, conseqüentemente, do número de profissionais formados ano a ano. Em função deste crescimento acentuado, o estabelecimento das diretrizes curriculares é fundamental para dotar o estudante de instrumentos eficazes para viabilizar a objetivação, a necessária ruptura e o necessário rigor diante do objeto de estudo. Em Administração, como nas demais ciências sociais, “a influência das noções comuns é tão forte que as técnicas de 1
  • 2. objetivação devem ser utilizadas para realizar efetivamente uma ruptura que, na maior parte das vezes, é mais professada que concretizada.”3. A ruptura, portanto, faz-se necessária para a construção do objeto de estudo para além das aparências imediatas. A aparente dissociação entre Administração de Empresas e uma perspectiva teórica mais apurada paira como uma nuvem persistente entre os estudantes de graduação e, certamente, atua no sentido contrário desta necessária ruptura. A expectativa a priori parece ser a de um curso eminentemente prático, voltado para o mercado ou qualquer dos termos usual e largamente empregados entre os estudantes de Administração. Parece necessário reafirmar, permanentemente, para os alunos de Administração de Empresas o caráter de ciência social de sua área. Como tal, trata-se de ciência por fazer, de objeto a construir no decorrer da prática. Em termos mais precisos ainda, trata-se da impossibilidade da separação entre teoria e prática. Não há, por certo, um mundo da prática que não tenha como seu pano de fundo a teoria do social, a teoria administrativa. Não há, pois, como ignorar a interação profunda, indissociável entre teoria e prática. Não há, nesta afirmação, qualquer adesão metodológica que, a priori, eleja esta ou aquela corrente de pensamento. Há, provavelmente, uma opção materialista em detrimento do idealismo subjetivo nos termos de Lefebvre (1991), destacando-se, nas palavras do autor, que “ A separação metafísica entre sujeito e objeto – que, ao mesmo tempo, coloca o problema e o torna insolúvel – reproduz e agrava, nas condições da consciência moderna, a separação imaginária, o desdobramento fictício entre a parte lúcida de nosso ser (a alma, o espírito) e a parte “natural” (o corpo, o mundo). Para eliminar esse problema insolúvel, basta considerar a relação em questão como um fato, tomando-a tal como se apresenta: o sujeito e o objeto, o pensamento e a natureza, são diferentes mas ligados, através de um liame que é uma interação incessante.”4 Desta forma, o objetivo deste trabalho é, à luz das Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Administração de Empresas, negar a existência do que se estabeleceu como um grande mote dos cursos: a necessidade de ter um curso voltado para o mercado ou, de forma mais amena, a necessidade de interação entre teoria e prática. 2. Alguns Aspectos Metodológicos Este artigo estruturou-se a partir da leitura de vários autores nos campos da Metodologia da Pesquisa e da Teoria Geral de Administração e da constatação, a partir da leitura das Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação em Administração de Empresas, de certa dissonância interna no texto da Resolução se confrontado com algumas questões básicas de metodologia científica. Obviamente, não há a expectativa de que um texto legal, que segue determinadas normas jurídicas em sua confecção, seja um tratado metodológico. Entretanto, parte-se da premissa de que a norma reflete a posição dominante em determinado momento sobre o assunto em questão e, desta forma, busca-se, no espírito da lei, a interpretação desta posição. A partir da leitura das Diretrizes, alguns artigos, os que mais esclareciam a questão da interação teoria-prática em Administração de Empresas, foram destacados e, a partir do aporte teórico de autores citados no decorrer deste artigo, algumas considerações de ordem ora epistemológica, ora de método foram feitas. 2
  • 3. A escolha dos autores não seguiu um padrão pré-determinado de filiação a uma ou outra corrente metodológica. O único fio condutor foi considerar a Administração de Empresas como ciência social. Alguma inclinação foi feita no sentido de privilegiar a metodologia sociológica pela crença em sua generalidade, porém, no que guarda de especificidade, foi preservada a leitura específica da Administração de Empresas de seu objeto de estudo. Assim, autores como Pierre Bourdieu, Jean-Claude Chamboredon, Jean-Claude Passeron, Henri Lefebvre, Émile Durkheim foram utilizados como fontes de algumas considerações. Outros autores, como Pedro Demo, Michel Thiollent, entre outros, foram utilizados, embora não necessariamente citados no corpo do texto, como fontes de método e metodologia. No campo da Teoria Geral de Administração, os exemplos foram colhidos de Frederick Winslow Taylor, Henri Fayol, Peter Drucker e outros. Adicionalmente, buscou-se a utilização de pesquisa recente como exemplo da impossibilidade de dissociação teoria-prática nos termos explicados nas seções que se seguem. A escolha dos autores de metodologia, embora não esgote as abordagens existentes sobre o tema, não se constitui em grande defeito, visto que o foco do trabalho está na questão teoria- prática e, em que pesem algumas diferenças conceituais, vários pensadores em metodologia poderiam ser escolhidos para exemplificar o que se pretende. Por fim, vale, uma vez mais, ressaltar que a escolha dos artigos do texto das Diretrizes Curriculares foi feita de acordo com a necessidade da análise da fraqueza de utilização do termo “curso mais voltado para a prática” no ensino de Administração. Tal fato, entretanto, não significou uma leitura descontextualizada, mas, sim, direcionada ao fim pretendido. Tal escolha não introduz viés pelo simples fato de não se pretender uma análise das Diretrizes Curriculares, mas apenas tê-las como pano de fundo para a questão que se propõe. 3. Diretrizes Curriculares - Epistemologia e Análise 3.1 – Considerações Epistemológicas Não há, aqui, a intenção de conciliar pensamentos antagônicos em uma espécie de síntese sem sentido que una teorias ou metodologias de coerências e lógicas internas mutuamente excludentes, mas apenas ressaltar aspectos de diferentes visões de mundo, de diferentes noções sobre como lidar com o objeto de estudo, que podem auxiliar a reflexão sobre o ensino de Administração de Empresas e, certamente, podem ajudar no esforço epistemológico da área de Administração. É uma pretensa síntese, descompromissada com a história da ciência, mas ousada, por certo, exatamente por isso. Assim, reafirmo com outras palavras, não é preocupação deste artigo discutir a metodologia, o empirismo, o positivismo, o estruturalismo, o funcionalismo, o sistemismo, a dialética, o racionalismo aplicado, o existencialismo ou qualquer outra corrente metodológica. Ainda que citações de pensadores e autores filiados a uma ou outra correntes sejam feitas, não se trata da defesa pessoal da metodologia em si, mas da exemplificação necessária ao esclarecimento da proposta. O foco está no trato do ensino da Administração de Empresas como ciência social e, de partida, complexo, não se devendo submeter a uma única abordagem, dando ao aluno a oportunidade de conhecer e promover a necessária ruptura com o senso comum, não lhe facultando, ao término do curso, a possibilidade de apenas ter a seu dispor o senso comum erudito, instruído, porém distante do rigor que requer a Administração de Empresas em suas diversas áreas de conhecimento. 3
  • 4. Nesta busca pela descrição da interação teoria-prática em Administração, nada há de novo na afirmação que muitos fazem sobre a relação da teoria com o mercado. Deixo de lado a discussão do conceito de mercado por não ser objeto do presente estudo e o tomo como sendo o do mercado de trabalho que, ainda vago, dá-nos a idéia do que se quer expressar: a interação entre o que é ensinado em sala de aula e a aplicabilidade do conjunto final na prática do dia-a-dia empresarial. Demo (1985) destaca que “A pesquisa prática é aquela que se faz através do teste prático de possíveis idéias ou posições teóricas. (...) Todavia, a prática tem a função mais essencial de representar o lado político das ciências sociais. Aí, a própria omissão é uma prática, porquanto há de significar o favorecimento da situação vigente. (...) Freqüentemente dizemos que na prática a teoria é outra. Isto não quer somente dizer que pode sempre haver dissonância entre os dois níveis, mas principalmente que um não se faz sem outro. Nada melhor para a teoria que uma boa prática e vice-versa. (...). Quem imagina conhecer adequadamente a realidade, já não tem o que pesquisar, ou melhor, tornou-se dogmático e deixou o espaço da ciência. (...) Cada ciência social dedica-se a uma faceta da realidade. É uma das formas de vê- la. Ao mesmo tempo, não se dedicando a outras facetas, inevitavelmente deturpa a realidade, se perder de vista que é uma faceta entre outras.”5 A busca quase implacável de algo que venha a ser qualificado como a perfeita articulação teoria-prática revela um absurdo em si mesmo. Não há teoria dissociada da prática ou prática sem teoria associada. Há, não obstante, o desconhecimento inconsciente de que a prática se dá a partir de determinado aporte teórico e de que a teoria só faz sentido se o objeto a que se refere estiver presente. Nada havia de dissociação nas observações de Taylor acerca do controle e do planejamento do trabalho quando afirmava que “os trabalhadores que são controlados apenas pelas ordens e disciplinas gerais não são adequadamente controlados, porque eles estão atados aos reais processos de trabalho(...) Para mudar essa situação, o controle sobre o processo de trabalho deve passar às mãos da gerência, não apenas num sentido formal, mas pelo controle e fixação de cada fase do processo, inclusive seu modo de execução.”6 Ora, nada há de tão somente teórico na observação ou tão somente prático. Trata-se da análise do trabalho e de seu controle ou, fazendo-se uma extensão da interpretação, da constatação do trabalho morto e da necessidade de sua minimização. Sabe-se que as observações de Taylor, assim como as de Fayol, apenas para citar dois clássicos, surgiram da análise teórica da realidade em que viviam. De tal análise, emergem conclusões acerca do melhor receituário da Administração Científica. Concorde-se ou não com tal receituário, fato é que emerge da teoria subjacente à análise taylorista. Negar tal fato é negar todo a análise do sistema capitalista feita até o início do século XX. Não é admissível, obviamente, supor que Taylor jamais tenha ouvido falar da obra de Marx ou que Fayol, e este ainda mais, por sua formação mais erudita, ignorasse Adam Smith e a divisão do trabalho. Assim, não há que se falar em teoria e prática dissociadas, pois seria como dissociar corpo e cabeça. 3.2 – Análise das Diretrizes Curriculares – Aspectos do Binômio Teoria-Prática Destaco, a seguir, as principais questões julgadas dignas de nota nas Diretrizes Curriculares do curso de Administração de Empresas. Para cada destaque, algumas considerações 4
  • 5. e ponderações são feitas com base em autores devidamente citados, sempre buscando o foco no dilema teoria-prática. 3.2.1 – Projeto Pedagógico O parágrafo primeiro do art. 2º das Diretrizes Curriculares do curso de Administração de Empresas estabelece que o projeto pedagógico do curso, além da clara concepção do curso de graduação em Administração, com suas peculiaridades, seu currículo pleno e sua operacionalização, abrangerá, sem prejuízo de outros, elementos estruturais. Tais elementos seriam, entre outros, os objetivos gerais do curso, contextualizados em relação às suas inserções institucional, política, geográfica e social, as condições objetivas de oferta e a vocação do curso, as formas de realização da interdisciplinaridade, os modos de integração entre teoria e prática, os cursos de pós-graduação lato sensu, nas modalidades especialização integrada e/ou subseqüente à graduação, de acordo com o surgimento das diferentes manifestações teórico-práticas e tecnológicas aplicadas às Ciências da Administração, e de aperfeiçoamento, de acordo com as efetivas demandas do desempenho profissional, o incentivo à pesquisa, como necessário prolongamento da atividade de ensino e como instrumento para a iniciação científica e a inclusão opcional de trabalho de conclusão de curso sob as modalidades monografia, projeto de iniciação científica ou projetos de atividades centrados em área teórico-prática ou de formação profissional, na forma como estabelecer o regulamento próprio. Vários são os destaques possíveis no conjunto destacado. Entretanto, para nosso propósito, vale ressaltar a ênfase no binômio teoria-prática. Primeiramente, fala-se em “modos de integração entre teoria e prática”. Uma vez mais, ratifico a posição de que, apesar de útil didaticamente, tal distinção não faz sentido. Não há curso de Administração de Empresas possível sem que teoria e prática estejam em constante interação. Não há possibilidade de tal curso sem que teoria e prática, fazendo aqui um paralelo com a formulação de Lefebvre apresentada anteriormente sobre sujeito e objeto em interação incessante, estejam em permanente integração, em constante e dialético envolvimento. Obviamente, a letra da lei necessita de tal distinção, de tal afirmação, porém, trazendo a questão para a análise epistemológica, não há sentido lógico na distinção. A segunda menção diz respeito ao “surgimento das diferentes manifestações teórico- práticas e tecnológicas aplicadas às Ciências da Administração”. Neste caso, há avanço e recuo na proposição. Em primeiro lugar, avança-se ao falar em manifestações teórico-práticas, estando os dois últimos termos, no texto das Diretrizes, ligados por hífen. Ora, as manifestações são, poranto, teórico-práticas e, não, teóricas e/ou práticas. Confirma-se, neste caso, nossa afirmação de que não há sentido na separação. Entretanto, o texto da norma separa do binômio teórico- práticas as manifestações tecnológicas. Entende-se, então, que manifestações tecnológicas não seriam nem teóricas nem práticas ou que seriam uma coisa ou outra. Neste caso, há retrocesso na exposição. As manifestações tecnológicas são, obviamente, partes da interação teoria-prática e não podem, fora desta, ser consideradas. Por fim, ao tratar do trabalho de conclusão de curso como elemento estrutural do projeto pedagógico, diz o texto da norma que os projetos poderão ser de “atividades centradas em área teórico-prática”. A pergunta que subsiste é: se não for de uma atividade centrada em área teórico-prática, será de que tipo de atividade? É evidente que se trata de reduzir a questão a uma 5
  • 6. separação inconcebível entre a teoria, que seria, por exemplo, a prescrição de Peter Drucker ao tratar da Administração por Objetivos: “O desempenho esperado de um gerente deve ser o reflexo do que se espera quanto à realização dos objetivos da empresa; seus resultados devem ser medidos pela contribuição que dêem para o êxito do negócio. O administrador tem de saber e entender o que as metas da empresa esperam dele em termos de desempenho e o seu superior deve saber que contribuição pode exigir e esperar dele e deve julgá-lo de conformidade com a mesma.”7 A prática, então, seria a aplicação da prescrição, o ato de estabelecer as metas, de descrevê-las, de medir os resultados. Ora, em tal prática, está presente a teoria proposta por Drucker. Na elaboração teórica de Drucker, esteve presente a observação da prática administrativa de acordo com sua ótica. Não há, portanto, atividade que não seja centrada em área teórico-prática. Tal concepção remete à idéia, muito presente nos debates dos cursos de Graduação em Administração de Empresas, sobre o que deve ser objeto das monografias de conclusão de curso, se algo aplicado a uma empresa específica ou uma discussão teórica no campo da Administração. Parece-me que, embora entenda o espírito da questão, a mesma está deslocada. Seja qual for o modelo adotado, não há possibilidade de sobrevivência da teoria per se, isolada no mundo, nem da prática que não tenha atrás de si ou como seu duplo, a teoria. Podemos fazer o exercício contrário: o que dizer do dia-a-dia das organizações, seria prático somente ou teórico-prático? É teórico-prático e não tem como ser diferente. As organizações, embora não enunciem princípios de Administração de Empresas a todo momento, estão em constante utilização quer de princípios, quer de aportes teóricos outros. Um exemplo bastante ilustrativo é o resultado da pesquisa realizada pela Spencer Stuart, consultoria em recursos humanos, com oito mil executivos de várias partes do mundo e que apontou cinco padrões de comportamento em todos os executivos “que construíram uma carreira extraordinária, definida como aquela que conjuga sucesso e felicidade. Além deles, o levantamento analisou outros dois grupos de executivos com bom nível de êxito: os “médios” e os “bem-sucedidos”8. De acordo com a pesquisa, é a seguinte a síntese dos padrões de comportamento: Quadro 1 Os Cinco Padrões dos Executivos com Carreira Extraordinária9 1. Eles entendem como o valor é criado na organização e gerenciam suas carreiras de acordo com a cadeia de valor. Há três fases de valor: a potencial (em que os empregadores os contratam pelo que farão), a da experiência (quando os empregadores os contratam para pôr à prova seus sucessos passados) e a da colheita (na qual esses executivos aproveitam o conhecimento desenvolvido em anos anteriores). Isso os leva a construir o valor pessoal em cada fase da carreira. 2. Eles praticam a liderança benevolente ao não forçarem seu caminho para o topo, e sim ao serem naturalmente conduzidos para lá, por mentores, subordinados, chefes, colegas etc. Isso acontece porque eles se dedicam aos outros. 3. Eles superam o paradoxo da permissão, ou seja, fazem além daquilo que lhes foi autorizado. Assim, resolvem o dilema de não conseguir um cargo sem ter experiência e, ao mesmo tempo, de não obter experiência sem ter um cargo. 4. Eles se diferenciam utilizando o princípio de desempenho 20/80, em que dedicam 80% de seus recursos para cumprir suas metas e 20% para criar idéias de ruptura e vanguarda e gerar um impacto previsto. 6
  • 7. 5. Eles não administram sua carreira de maneira “micro” e sim de forma macro, pois gravitam em torno das coisas em que são os melhores e que os apaixonam, e trabalham com pessoas de quem gostam e por quem têm respeito. Embora não seja o foco deste artigo, vale ressaltar que, de acordo com a pesquisa e nas palavras de James Citrin, diretor da consultoria responsável pelos resultados, “a habilidade para aplicar os cinco padrões de maneira uniforme e constante conduz inevitavelmente ao sucesso”.10 A análise que nos importa é, precisamente, a da constatação da construção teórico-prática, presente na determinação de fases da cadeia de valor, na construção do conceito de liderança benevolente, na do paradoxo da permissão e na do princípio de desempenho 20/80. Tais conceitos não estão, como descritos, em manuais de Administração de Empresas e também não serão encontrados nas leituras dos denominados teóricos de Administração. Entretanto, trata-se de construções prático-teóricas e não será surpresa vê-las, no futuro e com a devida elaboração, nos manuais de Administração de Empresas. 3.2.2 – O Perfil do Administrador, suas Competências e Habilidades Diz o art. 4º das Diretrizes Curriculares que o Curso de Graduação em Administração deve possibilitar a formação profissional que revele, entre outras, as seguintes competências e habilidades: a) desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais; b) ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profissional; c) desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profissional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profissional adaptável. O ato de expressar-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais, preconizado pelas Diretrizes como competências/habilidades do administrador nada mais é do que o da interação teoria-prática a que me refiro todo o tempo. Nada mais reflete do que a dinâmica subjacente à prática administrativa, derivada do próprio ambiente mutável, e a necessidade de interação entre sujeito e objeto nos termos de Lefebvre. Assim, segundo o autor, um esboço inicial de uma teoria do conhecimento, muito útil neste ponto da análise, seria sumarizado da seguinte forma: i. A suposição de um objeto real exterior, “a natureza ou matéria penetrada progressivamente – no curso da história da prática, da ciência e da filosofia – pelo “sujeito” humano ativo, cujas representações, imagens e idéias correspondem ao objetivo de modo mais ou menos exato;”11 7
  • 8. ii. A idéia de que o ser humano é um “sujeito-objeto”, pois “ele pensa, é “sujeito”, mas sua consciência não se separa de uma existência objetiva”12; iii. O sujeito e o objeto são intrinsecamente ligados, embora sejam distintos. Trata-se da “luta incessante no seio de sua própria unidade”.13 O sujeito, administrador, e o objeto, a organização em qualquer de suas dimensões, estão em constante interação, em incessante luta. Desta interação, nasce ou se nutre a prática administrativa. São dimensões teórico-práticas que emergem ao mesmo tempo para a obtenção da expressão criativa preconizada como habilidade/competência do administrador. Adicionalmente, a habilidade/competência para transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho não revela apenas, como destaca o texto das Diretrizes, um profissional adaptável. Revela um sujeito que não se dissocia de si mesmo, que carrega consigo todas as dimensões de sua própria vida. Revela, ainda, o caráter indiscutivelmente social da Administração de Empresas e a necessidade de vigilância epistemológica por parte dos administradores. É ao mesmo tempo vantagem e desvantagem para os administradores. É também, porém não somente, na transferência de conhecimentos e da experiência cotidiana que corremos o risco das prenoções, que podemos conduzir a análise sem o necessário rigor. A título de ilustração, vale lembrar a exposição de Durkheim (1984), quando trata das prenoções como obstáculo epistemológico: “Quantas vezes não se mostram tão perigosas quanto inadequadas! Não é, portanto, elaborando-as, seja lá de que maneira for, que chegaremos a descobrir as leis da realidade. Pelo contrário, constituem como um véu que se interpõe entre as coisas e nós, acabando por dissimulá-las a nós tanto mais quanto mais transparente julgamos ser tal véu. (...) As noções que acabamos de citar são as notiones vulgares ou praenotiones, consideradas [por Bacon] como a base de todas as ciências nas quais tomam o lugar dos fatos. São os idola, espécie de fantasmas que desfiguram o verdadeiro aspecto das coisas e que, no entanto, consideramos como sendo as próprias coisas.”14 É exatamente por ser a Administração de Empresas não somente uma ciência social, mas uma recente ciência social, que a preocupação com as prenoções advindas da análise sociológica torna-se fundamental. Quando se defende a utilização da experiência cotidiana, obviamente não se está defendendo a utilização de experiência que não se preste a contribuir para o desenvolvimento do binômio teoria-prática, que não alimente e se alimente desta interação. 4. Conclusões É ponto quase pacífico, ao utilizarmos o senso comum, que cursos de Administração de Empresas devem estar voltados para o mercado. Tal fato sequer seria passível de discussão caso considerássemos que, mesmo fora do senso comum, dado o aporte teórico-metodológico destacado neste artigo e supondo ser o mercado, como o conjunto das organizações, o objeto da própria Administração. Neste sentido, o debate sobre um possível descolamento teoria-prática é infértil. Entretanto, existe a demonstração, através de pesquisas realizadas junto aos formandos, da relativa insatisfação com o curso. Em 2001, por exemplo, 54,1% dos alunos que fizeram a avaliação do MEC afirmaram que a principal contribuição do curso foi a formação profissional. Entretanto, 37,9% afirmaram que quase raramente foram oferecidas aulas práticas e 44,6% se 8
  • 9. referiram a aulas teóricas que continham, em média, 40 alunos em sala de aula. Por outro lado, 39,2% afirmaram que a capacidade lógica e de análise crítica foi a habilidade melhor desenvolvida, enquanto 41,6% disseram que em poucas disciplinas foram solicitados a realizar atividades de pesquisa como estratégia de aprendizagem. Pode estar nesta última informação uma pista do que se necessita. Atividades de pesquisa certamente promovem, de forma mais explícita, a percepção do aluno quanto a indissociabilidade teoria-prática. Outras pesquisas apontam para uma certa crise de identidade derivada, possivelmente, de uma formação excessivamente genérica, o que levaria à necessidade de uma formação mais pragmática. Não há, neste caso, incompatibilidade com o que se disse neste artigo. A exigência de uma estrutura curricular em sintonia com as exigências do mercado, certamente, não é contraditória com a idéia de que são indissociáveis a prática e a teoria. Foi com a intenção de demonstrar tal fato que o exemplo mais contemporâneo da consultoria em recursos humanos foi apresentado e foi elaborada uma suposição de que, em dado momento, as observações surgidas na prática do mercado que, conforme destacado, não está dissociada da teoria, estejam refletidas nos manuais de Administração de Empresas. Desta forma, a contribuição deste artigo está na sugestão de reposicionamento do debate sobre teoria e prática em Administração de Empresas, debate este que pode dar lugar a aprimoramentos curriculares constantes não porque os cursos são teóricos, mas porque são dinâmicos em relação ao seu objeto, mantêm com este uma relação de interação constante, incessante, absolutamente essencial do ponto de vista da atualização da Administração de Empresas como ciência social aplicada. È neste contexto que se deve inserir o debate e, não, em um falso conteúdo que leva a crer que exista a possibilidade de disciplinas serem teóricas e disciplinas serem práticas. Reafirma-se, portanto, a impossibilidade de tal construção, visto que não há prática administrativa sem teoria administrativa que a suporte e não há teoria administrativa sobre um vazio, um vácuo, um social que não se defina, que exista apenas nos laboratórios de empreendedorismo ou algo do gênero. Somente com tal consciência, os números relativos à percepção de alunos sobre a existência de excesso de disciplinas teóricas ou insuficiência de disciplinas práticas poderá ser alterada. A difusão desta abordagem, certamente, permitirá aos administradores que se formam, perceber sua formação para além de uma simples aplicação prática, de algo imediato. Permitirá que a formação seja, de fato, uma formação voltada à administração da mudança, da mudança constante, e que a percepção de mundo seja condizente com um mundo da novidade. Nas palavras de Robert Fossaert, em sua análise sobre o mundo no século XXI, citado por Santos (1998), “...qu’est-ce qu’un monde? En quoi peut-il être nouveau, c’est-à-dire différent du monde précédent? Autrement dit: comment reconnaît-on un système mondial original parmi lês mondes dont l’histoire a gardé trace?” “o que é um mundo? Em que el epode ser novo, quer dizer, diferente do mundo precedente? Em outras palavras: como podemos reconhecer um sistema mundial original entre os mundos dos quais a história guardou rastro?”15 Transpondo as considerações para o mundo administrativo, é em um mundo novo a cada período de tempo que o administrador se encontra, em um mundo que guarda, por certo, p paradigma anterior, porém surge com fatos novos, com novas estruturas e com novas demandas. Este administrador é um ser eminentemente teórico-prático ou está destinado a desaparecer nas mudanças constantes, já que a incapacidade de adaptação e de busca de soluções para o novo, o inusitado, não faz parte de sua formação se esta for pragmática, voltada, exclusivamente (ou principalmente) para aspectos aplicativos da Administração de Empresas. Afinal, as aplicações, dadas as mudanças, nascem fadadas à renovação ou à superação. A formação, portanto, não pode 9
  • 10. ser hermética a ponto de pretender-se válida para um longo período de tempo. Deve ser, então, teórico-prática no sentido aqui apresentado. 5. Bibliografia ARMSTRONG, D. A gerência através de historias. Rio de Janeiro: Campus, 1996. Estados Unidos, do Japão e da Europa. Rio de Janeiro: Campus, 1997. BOURDIEU, P., CHAMBOREDON, J-C. & PASSERON, J-C. Ofício de Sociólogo: Metodologia da Pesquisa na Sociologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1977. CHIAVENATO, I. Teoria geral da administração. São Paulo: McGraw-Hill, 1987. CHIAVENATO, I. Administração: teoria, processo e prática. São Paulo: Atlas, 1985. CONSELHO FEDERAL DE ADMINISTRAÇÃO. Site: www.cfa.org.br. CORADI, C. D. Teorias da administração de empresas. São Paulo: Perspectiva, 1998. CUPANI, A A crítica ao positivismo e o futuro da filosofia. Florianópolis: UFSC, 1995. DECARTES, R. O discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 1998. DEMO, P. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1985. DRUCKER, P. F. As fronteiras da administração: onde as decisões do amanhã estão sendo determinadas hoje. São Paulo: Pioneira, 1988. DRUCKER, P. F. A prática da administração de empresas. São Paulo: Pioneira, 1981. DRUCKER, P. F. Sociedade pós-capitalista. São Paulo: Pioneira, 1993. DURKHEIM, E. . As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1984. FAYOL, H. Administração industrial e geral: previsão, organização, comando, coordenação e controle. São Paulo: Atlas, 1997. HAIRE, M. Teoria da organização moderna. São Paulo: Atlas, 1966. HANDY, C.. A era do paradoxo. São Paulo: Makron, 1995. HANDY, C. B. Deuses da administração: como enfrentar as constantes mudanças da cultura empresa. Rio de Janeiro: Saraiva, 1994. HSM MANAGEMENT. Número 43, Vol.2, Março-Abril de 2004 LEFEBVRE, Henri. Lógica Formal/Lógica Dialética. 5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. MAXIMIANO, A C. A . Teoria geral da administração: da escola científica à competitividade em economia globalizada. São Paulo: Atlas, 1998. MINTZBERG, H. Criando organizações eficazes: estrutura em cinco configurações. São Paulo: Atlas, 1998. PETERS, T. J., WATERMAN JR, R. H.. Vencendo a crise: como o bom senso empresarial pode supera-la. São Paulo: Harbra, 1986. PETERS, T. Prosperando no caos. São Paulo: Harbra, 1989. SANTOS, Rita de Cássia L.F. TAYLOR, F. W. Princípios de administração científica. São Paulo: Atlas, 1998. WOOD JÚNIOR, T. Mudança organizacional: aprofundando temas atuais em administração. São Paulo: Atlas, 1995. ZIEMER, R. Mitos organizacionais: o poder invisível na vida das empresas. São Paulo: Atlas, 1997. THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1988. WEBER, M. Metodologia das ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1998. 10
  • 11. 1 Para uma discussão do conceito de vigilância epistemológica e de seus graus, ver BOURDIEU, P., CHAMBOREDON, J-C. & PASSERON, J-C. Ofício de Sociólogo: Metodologia da Pesquisa na Sociologia. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. 2 Para uma descrição completa do histórico, ver o site do Conselho Federal de Administração: www.cfa.org.br 3 BOURDIEU, P., CHAMBOREDON, J-C. & PASSERON, J-C.op.cit.p.24. 4 Lefebvre, H. Lógica Formal/Lógica Dialética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991, 5.ed., p.55-56 5 Demo, P. Introdução à Metodologia da Ciência. São Paulo: Atlas, 1985, p.27 6 Braverman, H. Trabalho e Capital Monopolista. Rio de Janeiro: Zahar, 1977, p. 98. 7 Apud Chiavenato, I. CHIAVENATO, I. Teoria geral da administração. São Paulo: McGraw- Hill, 1987. 8 HSM MANAGEMENT. Número 43, Vol.2, Março-Abril de 2004, p. 130. 9 Transcrito e adaptado de HSM Management. Op. cit., p. 134. 10 HSM Management. Op.cit., p. 130. 11 Lefebvre, H. op.cit, p. 70 12 Id.,ibid., p.71 13 Id.,ibid., p.71 14 Durkheim, E. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1984. 15 Santos, R.C.L.F. A Formação da Realidade Econômica: Para Além do Pensamento Linear. Brasília: UnB, 1998, p.9 11