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“A Invasão dos Estorninhos” - PALOMAR - Italo Calvino


       Há uma coisa extraordinária para se ver em Roma neste fim de outono:
o céu apinhado de pássaros. O terraço do senhor Palomar é um belo posto de
observação, de onde o olhar paira sobre os telhados num amplo círculo do
horizonte. Sobre esses pássaros, sabe apenas o que ouviu dizer por aí: são
estorninhos que se reúnem em centenas de milhares, provenientes do Norte
da Europa, esperando o momento de partirem todos juntos para as costas da
África. À noite dormem nas árvores da cidade, e quem estaciona o carro às
margens do Tibre pela manhã estará obrigado a lavá-lo de cima a baixo.
       Aonde vão durante o dia, que função esta parada prolongada na cidade
desempenha na estratégia das migrações, o que significam para eles essas
imensas congregações vespertinas, esses carrosséis aéreos como numa grande
manobra ou num desfile, o senhor Palomar não chegou ainda a compreender.
As explicações que dão para isso são um tanto duvidosas, condicionadas à
hipóteses, oscilantes entre várias alternativas; e é natural que seja assim,
tratando-se de vozes que passam de boca em boca, mas tem-se a impressão
de que mesmo a ciência, que poderia confirmá-las ou desmenti-las, permanece
incerta, aproximativa. Estando as coisas neste pé, o senhor Palomar decidiu
limitar-se a observar, a fixar nos mínimos detalhes o pouco que consegue ver,
agarrando-se às idéias imediatas que lhe são sugeridas pelo que vê.
       No ar violáceo do crepúsculo vê aflorar numa parte do céu uma poeira
microscópica, uma nuvem de asas que voam. Percebe que são milhares e
milhares: a cúpula do céu é por elas invadida. Aquilo que até então lhe
parecera uma imensidão serena e oca agora se revela inteiramente percorrida
por presenças levíssimas e ligeiras.
       Visão tranqüilizadora, a passagem das aves migratórias é associada em
nossa memória ancestral ao harmônico suceder das estações; mas o senhor
Palomar, ao contrário, sente nisso um sinal de apreensão. Será porque esse
apinhar-se do céu nos recorda que o equilíbrio da natureza se perdeu? Ou
porque o nosso senso de insegurança projeta em tudo ameaças de catástrofes?
       Quando pensamos nos pássaros migratórios imaginamos logo uma
formação de vôo ordenada e compacta, que sulca o céu numa grande fileira ou
falange em ângulo agudo, quase uma forma de passaro composta de
inumeráveis pássaros. Essa imagem não vale para os estorninhos, pelo menos
para esses estorninhos outonais dos céus de Roma: trata-se de uma multidão
aérea que parece sempre pronta a rarefazer-se ou dispersar-se, como grãos de
pouvilho em suspensão num líquido, e em vez disso se condensa
continuamente como se de um conduto invisível o jorro de partículas
turbilhonantes continuasse, sem nunca chegar, no entanto, a saturar a
solução.
       A nuvem se dilata, negrejante de asas que se desenham mais nítidas no
céu, sinal de que estão se aproximando. No interior do bando o senhor
Palomar já distingue uma perspectiva, devido ao fato de já haver alguns
voláteis muito próximos em cima de sua cabeça, outros ao longe, outros mais
distantes ainda, e continua a descobrir outros cada vez mais minúsculos e
puntiformes, por quilômetros e quilômetros, poderíamos dizer, atribuindo às
distâncias entre um e outro uma medida quase igual. Mas essa ilusão de
regularidade é traiçoeira, porque nada é mais difícil de avaliar que a densidade
de distribuição dos voláteis em vôo: onde a compacidade do bando parece
estar escurecendo o céu eis que entre um penígero e outro se escancaram
voragens de vazio.
       Se se detém alguns minutos observando a disposição dos pássaros
relativamente uns aos outros, o senhor Palomar se sente preso numa trama
cuja continuidade se estende uniforme e sem lacunas, como se ele próprio
também fizesse parte desse corpo em movimento composto de centenas de
corpos separados mas cujo conjunto constitui um objeto unitário, como uma
nuvem ou uma coluna de fumo ou um repuxo, algo que embora seja fluido em
substância adquire solidez na forma. Mas basta que se ponha a seguir com o
olhar um único pássaro para que a dissociação dos elementos se imponha e eis
que a corrente em que se sentia transportado, a rede em que se sentia
suspenso se dissolvem e o efeito é o de uma vertigem que o toma pela boca
do estômago.
       Isto acontece, por exemplo, quando o senhor Palomar, depois de haver
persuadido de que os estorninhos em conjunto estão voando em sua direção,
volta o olhar para um pássaro que na verdade está se distanciando, e desse
para outro pássaro que se afasta mas em direção diversa, e em breve percebe
que todos os voláteis que lhe pareciam estar se aproximando na verdade estão
fugindo em todas as direções, como se ele se encontra-se no centro de uma
explosão. Mas basta-lhe voltar os olhos para uma outra zona no céu e ei-los
que se concentram além, num vórtice cada vez mais denso e compacto, assim
como um ímã oculto sob um papel atrai a limalha de ferro compondo desenhos
que s tornam ora mais escuros ora mais claros e por fim se desfazem e deixam
sobre a folha branca um salpicado de fragmentos dispersos.
       Finalmente uma forma emerge do confuso bater de asas, avança,
adensa-se: é uma forma circular, como uma esfera, uma bola, o balão das
histórias em quadrinhos de alguém que esteja pensando num céu repleto de
pássaros, uma avalanche de asas que rodopia no ar e envolve todos os
pássaros que voam em torno. Essa esfera constitui um território especial no
espaço uniforme, um volume em movimento em cujos limites – que, no
entanto, se dilatam e se contraem como uma superfície elástica – os
estorninhos podem continuar voando cada qual em sua própria direção desde
que não alterem a forma circular do conjunto.
       A certa altura o senhor Palomar se dá conta de que o número de seres
que turbilhonam no interior daquele globo está rapidamente aumentando como
se uma corrente velocíssima despeja-se nele uma nova população com a
rapidez da areia escorrendo na clepsidra. É uma outra multidão de estorninhos
que por sua vez adquire também a forma esférica no interior da forma
precedente. Mas dir-se-ia que a coesão do bando não resiste para além de
certas dimensões: de fato o senhor Palomar já começa a observar uma
dispersão de voláteis pelas bordas, e mesmo verdadeiras fendas que se abrem
desinflando a esfera. Mal teve tempo de aperceber-se disto e já a figura se
dissolveu.
       As observações sobre os pássaros se sucedem e se multiplicam em tal
ritmo que para reordená-las na mente o senhor Palomar sente a necessidade
de comunicá-las aos amigos. Também os amigos têm algo a dizer a propósito,
porque já ocorreu a cada um deles interessar-se pelo fenômeno ou
experimentar esse interesse depois que lhes falaram sobre do assunto. É um
argumento que não se pode jamais considerar exaurido e quando um dos
amigos acha que viu alguma coisa de novo ou sente a necessidade de retificar
uma impressão precedente, vê-se na obrigação de telefonar sem perda de
tempo aos demais. Assim, um vai-e-vem de mensagens percorre a rede
telefônica enquanto o céu está sulcado de fileiras de voláteis.
       - Você observou como conseguem não se chocar uns cons os outros
meso quando voam muito juntos, mesmo quando seus percursos se
entrecruzam? Parece até que possuem um radar.
       Não é verdade. Já encontrei passarinhos estropiados, agonizantes ou
mortos nas calçadas. São as vítimas desses choques no ar, inevitáveis quando
a densidade é muito grande.
       Já percebi porque à noite continuam a sobrevoar todos juntos esta parte
da cidade. São como os aviões que giram em cima do aeroporto até receber o
sinal de “pista livre” para aterrar. Por isso os vemos voar tanto tempo em
torno do mesmo local; esperam sua vez de pousar nas árvores onde passaram
a noite.
       - Vi como fazem quando descem em direção às árvores. Giram e giram
no céu em espiral, depois um a um se precipitam velocíssimos em direção à
árvore que escolheram, para então frear bruscamente e pousar num ramo.
       - Não, os congestionamentos do tráfego aéreo não podem ser um
problema para eles. Cada pássaro tem uma árvore que é a sua, o seu ramo
próprio e o lugar definido em cada ramo. Ele o distingue do alto e mergulha
em sua direção.
       - Terão a vista assim tão aguda?
       - Ora ...
       Esses telefonemas são em geral curtos, mesmo porquê o senhor
Palomar está impaciente para voltar ao terraço, como se tivesse receio de
perder alguma fase decisiva.
       Dir-se-ia agora que os pássaros ocupam apenas aquela porção do céu
que ainda está investida pelos raios do Sol no poente. Mas observando melhor
percebe-se que a condensação e a refração dos voláteis se desenrola como
uma longa fita esvoaçante em zigue-zague. No local em que ela se curva o
bando parece mais denso, como um enxame de abelhas; onde ao contrário se
alonga sem torcer-se é apenas um pontilhado de vôos dispersos.
       Quando o último clarão do céu desaparece, uma maré de escuridão sobe
do fundo das ruas e submerge o arquipélago de telhas e cúpulas, terraços e
áticos, mirantes e campanários; e a suspensão de asas negras dos invasores
celestes se precipita até confundir-se com o vôo pesado dos aparvalhados e
escagaçantes pombos citadinos.
•   O projeto não pode ser encarado como fim, onde você mistifica uma idéia e
    estabelece uma linha clara e coerente para atingir um resultado, um objetivo.
    Mas mesmo não estabelecendo uma linha, se você já souber o que será, já pré-
    determinou um caminho.

•   Estou buscando, ou pelo menos vou investigar isso, o espaço sem memória.
    Existiria uma memória do espaço? Ou a memória seria das pessoas, enquanto o
    espaço não carrega nada? Mas será que a memória seria algo transportado ou
    seria a repercussão gerada independentemente do tempo? Será que existiria essa
    memória das pessoas?

•   Estou pensando em algo que capta, relaciona e transmite o movimento, a ação.
    Essa transmissão também sofreria transformação.

•   Estava andando na chuva e vi as gotas caindo na água que corria. Fiquei
    encantado com aquilo. Elas caíam, transformavam onde caiam, se
    transformavam, se misturavam, transformavam-se todas e umas nas outras, iam,
    se separavam pelo caminho sem saber mais qual parte era antes.
    A nossa relação com a arquitetura e com todas as outras coisas também deveria
    ser assim...

    E talvez já seja, nós é que insistimos em ver de outro jeito.

•   ... plantar árvores mas não porque é política ou culturalmente correto, mas
    simplesmente porque acordou com vontade de plantar árvores. Plantar árvores
    porque viu uma árvore e achou aquilo parecido com um brócolis, e como gosta de
    brócolis imaginou um mundo cheio deles e resolveu plantar um monte...

•   Entender a obra como processo, não como fim. O processo é constante e gera
    produtos durante, sempre. Sendo a obra esse processo, seus produtos são o que?
    E se esses produtos também geram processos, que também geram mais
    produtos...
    No que acredito ser a arte, processo e produto se misturam, ou melhor, nem existe
    mais essa distinção entre um e outro. É sempre ela se retorcendo, esticando,
    dobrando,... não se consegue classificar porque não se isolam partes.

•   A maneira como pensamos e nos expressamos tenta ser na grande maioria das
    vezes um decalque da língua verbal, aquela que conseguimos de maneira direta
    falar e escrever. Tentamos universalizar todas a possibilidades de comunicação
    em um único meio, capaz de ser “traduzido” sempre. Essa tradução seria o fim de
    toda possibilidade de criação em detrimento do desenvolvimento de modos mais
    eficientes e seguros de se “transmitir” algo.
    A sociedade Ocidental está acostumada a ver as coisas dessa maneira, e encara
    a informação como algo único e palpável, portanto “transportável”. Nesse
    transporte não haveria mutações nem trocas. A informação sempre chega como
    parte. Esse é o nosso ideal de eficiência em comunicação, fazer com que algo vá
    de um lugar a outro no menor tempo e com o mínimo de alterações ou
    interferências.
    Vale a pena pensar um pouco sobre isso. Se a intenção é fazer com que a
    informação “vá de um lugar a outro no menor tempo e com o mínimo de alterações
ou interferências possíveis”, qual seria a importância do meio por onde essa
    informação é transportada?
    Esse meio deve ter uma facilidade muito grande para receber a informação e fazê-
    la escorregar da melhor maneira até a outra ponta. Qualquer interferência nesse
    percurso não é nem um pouco desejada.
    Qualquer semelhança dessas idéias com aquelas dos nossos planejadores
    urbanos não é mera coincidência, esse modo de pensar está implícito nos ideais
    de modernidade e progresso da nossa sociedade.

    Mas qual seria o meio mais comum que essas informações percorrem? Não seria
    a própria sociedade? E como ela se comporta conduzindo/gerando informação?

•   Uma Arquitetura que seja viva, que reaja a estímulos e que também gere outros.
    Uma arquitetura que seja sensível, e não somente programada para responder de
    tal maneira em determinada situação.
    Uma arquitetura assim deixaria de ser abrigo para se transformar em espaço
    semelhante ao homem, espaço co-existente, espaço híbrido.
    Nesse espaço Híbrido as ações deixariam de ser somente humanas e a
    arquitetura deixaria de ser receptáculo para se transformar em extensão.

•   A Arquitetura precisa deixar de ser o aquário para se transformar na água, e o
    homem precisa deixar de observar o aquário para se transformar no peixe.
    Depois do mergulho ambos se percorrem mutuamente. O peixe gera um fluxo
    constante de água dentro de seu corpo, assim como ele mesmo flui
    constantemente na água.
    Não se tem o idéia de onde ambos se separam, transformam-se em um só pela
    ação do movimento.
    É a partir dessas idéias que podemos falar no aparecimento de seres híbridos.

•   “Impossível explicar. Afasta-se aos poucos daquela zona onde as coisas têm
    forma fixa e arestas, onde tudo tem um nome sólido e imutável. Cada vez mais
    afundava na região líquida, quieta e insondável, onde pairavam névoas vagas e
    frescas como as da madrugada”.
                                                                     Clarice Lispector

•   Não quero contar nada a ninguém, não quero descrever algo nem processos,
    quero proporcionar experiências aos outros.
    Mais do que isso quero proporcionar sonhos onde eu também possa participar, um
    sonho partilhado.
    Como compartilhar os sonhos com os outros? Como se comunicar nos sonhos?
    Porque será que não conseguimos gritar quando sonhamos?

•   A propaganda de massa faz crer numa grande sociabilidade, onde a sociedade
    teria um relacionamento amigável com a produção e sua lógica de sua
    distribuição.
    Mas o problema não está no que se apresenta às pessoas, se é bom ou ruim. O
    problema está na relação que essas pessoas estabelecem com o que lhes é
    apresentado. As pessoas passam pelas vitrines, vêem os objetos, se submetem
    aos apelos, mas não estabelecem contato. Independente de os produtos serem
    bons ou ruins continua sendo uma exposição de produtos.
A arquitetura não tem que expor, não precisa reforçar ou esconder, precisa antes
    de tudo se relacionar e se transformar com as pessoas. Fora isso, qualquer
    julgamento de qualidades fica dependente de posicionamentos externos à coisa.
    Porém, para quem está mergulhado não existe a possibilidade de sair, já que não
    se entende mais essa separação entre partes. Não há julgamento, só ações
    constantes, que também geram reação imediata, e assim por diante. Não há
    julgamentos porque não se analisam as ações. As ações são sempre participadas
    e coletivas, não se resumem a movimentos independentes, individuais.
    Isso não quer dizer que o indivíduo não participe. A diferença é que agora todos
    participam e tem consciência dessa participação, não somente ele.


•   O Princípio da Incerteza, enunciado por Werner Heisenberg (1901-1976), afirma
    que é impossível determinar, com precisão exata e ao mesmo tempo, a velocidade
    e a posição de uma partícula subatômica, como um elétron ou um fóton. De
    maneira mais genérica, pode-se dizer que é impossível determinar todas as
    características de uma partícula simultaneamente: ao se definir uma certa
    característica “X”, a característica complementar “Y” torna-se indeterminada. Se,
    depois de medir “X”, alguém tentar medir “Y”, esse novo esforço alterará o valor
    inicial de “X”, e assim por diante, ad infinutum.


•   Um bit é a menor unidade de dado em um computador. Nos computadores
    eletrônicos atuais, o bit está sempre em um de dois estados possíveis. É por isto
    que se convencionou dizer que o bit pode ser 0 ou 1.

    Estado entrelaçado é um efeito de mecânica quântica que torna difusa a distinção
    entre partículas individuais, de tal forma que é impossível descrever as duas
    partículas separadamente, não importando a distância pela qual as duas estejam
    fisicamente separadas. Esta propriedade é chave para o imenso poder da
    computação quântica porque ela permite ao computador verificar cada resposta
    possível para um problema de uma única vez, fazendo-se valer de todas as
    possibilidades dos estados daqueles átomos.
    Com o entrelaçamento de partículas, um bit quântico, ou qubit, poderá ter não
    apenas seu valor individual (0 ou 1), mas também poderá ter infinitos valores de
    seus estados entrelaçados com cada um dos outros qubits. Dois bits podem
    representar ou armazenar apenas duas informações, mas dois qubits podem
    armazenar quatro dados ao mesmo tempo, os seus próprios e os resultantes de
    seu entrelaçamento. Esta vantagem quântica aumenta exponencialmente à
    medida que o número de qubits aumenta.

•   Situações de equilíbrio levam à cegueira. As moléculas em equilíbrio só vêem as
    mais próximas que as rodeiam. Uma situação de não equilíbrio, pelo contrário,
    leva a molécula a ver.

•   Alguns estudos mostram que o homem é sensível aos sons produzidos por outro
    ser humano mais do que os produzidos por outras coisas. Isso demonstra que o
    corpo está mais voltado para as atitudes que ele próprio realiza, pois existe uma
    pré-disposição biológica para se comunicar e interagir.
Daí a importância de o projeto se relacionar com as pessoas, se transformar como
    extensão sua, utilizar seus sentidos e se metamorfosear neles.

•   A “lógica” foi criada para suprir as limitações de memória operacional (curto prazo)
    do ser humano. Porém, utilizando-se dessa “lógica" deixamos de nos esforçar em
    compreender. Sabemos que seguindo tal raciocínio “lógico”, dentro de
    determinadas regras, chegaremos a um resultado confiável.
    Deixamos de criar outras possibilidades nesse intervalo, o processo foi esquecido.

•   “Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que
    o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está
    precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos
    tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou
    agradecendo nada...”
                                                                    Clarice Lispector

•    Está ficando cada vez mais difícil perceber o mundo no qual vivemos porque ele
    se apresenta como o melhor. Adquirimos produtos e mais produtos que não se
    adaptam a nós. Nós é que temos de nos adaptar a eles. Nos adaptando sempre,
    acabamos acreditando que o mundo perfeito é aquele dos produtos, e como não
    somos perfeitos temos de nos adaptar da melhor maneira possível.
    Produtos de infelicidade ocupam nosso tempo, nos “divertem”.
    Sofremos de uma ilusão de liberdade. Consumidores desses produtos,
    acreditamos ser livres para fazer escolhas e assim, acumulando cada vez mais o
    que nos é “oferecido”, atingir um estágio de felicidade.
    A coisa começa no nosso velho sistema educacional. Ele não busca a formação
    do indivíduo, mas sim sua adaptação a uma situação que se coloca como
    verdadeira. O sujeito formado por essa situação estaria muito bem adaptado e
    poderia se inserir tranqüilamente dentro dos padrões vigentes, e pronto para
    buscar sua “felicidade”.

    Mas e um pensamento crítico das coisas não nos tornaria infelizes?
    Desesperados?
    Talvez sim, mas infelizes todos já somos. Só que vivemos em um estágio de
    euforia, uma ilusão das coisas.

•   As aves em revoada fazem parte de um sistema complexo, onde cada indivíduo
    mantém sua independência preservada. Essa relação é contrária a de sistemas
    sociais como comunidades de abelhas ou formigas, onde o sistema é
    extremamente complexo, mas uma formiga isolada é completamente idiota.

•   Penso um espaço formado não por dimensões métricas, mas sim por dimensões
    temporais. Um espaço que não esteja subordinado a pontos, de onde sempre se
    parte e onde sempre se chega, mas sim um espaço subordinado ao trajeto, onde
    os pontos aparecem, esbarramos neles. Seria um espaço apreendido, e não
    observado. Um espaço onde os materiais agiriam muito mais por suas forças,
    suas características estruturais, do que por aquilo que representam. Ao invés de
    formas moldarem a matéria, a matéria é que moldaria formas ao se relacionar.

    O que diferencia esses percursos não é mais aquela conhecida qualidade objetiva
    dos lugares, nem uma determinada quantidade mensurável de movimento que se
executa. A diferenciação se faz pelo modo como se está no espaço, no modo
    como se relaciona com ele, a maneira de ser no espaço.

•   Quando se fala em restabelecer o nômade, não imaginamos que o homem vá
    pegar o que conseguir carregar e sair andando por aí. A idéia do nômade agora é
    outra. As novas tecnologias permitem que estejamos permanentemente em
    movimento, em fluxo, sem que necessariamente tenhamos que nos locomover
    fisicamente.
    Mas nosso corpo não é dissociável em partes com suas respectivas funções e
    especializações. Não dá pra se pensar numa situação parecida com aquela
    explorada em “Matrix” onde o corpo não funciona como extensão, mas somente
    como ferramenta.
    Diversos estudos têm demonstrado que nosso corpo reage, mesmo que
    involuntariamente, a estímulos os mais variados. E essa reação não é
    simplesmente ato reflexo, muitas vezes determinados processos neurológicos só
    se realizam em conjunto com determinadas reações do corpo.
    Entendendo o nosso corpo dessa maneira, podemos supor algumas coisas a
    respeito do começo desse texto. Quando dissemos que não temos mais a
    necessidade de nos locomover fisicamente, o que queríamos dizer é que o
    movimento, o locomover-se, não se faz objetivamente, ele é extensão, é um ato
    involuntário...

    Sendo assim, criar um espaço nômade não deve ser simplesmente a criação de
    coisas que se movimentam. Esse espaço nômade não está dentro da ordem
    estabelecida, está sempre transitando. Aparece e desaparece aqui e ali, sempre o
    vemos, poucas vezes nos damos conta, e quando tentamos colocá-lo dentro
    dessa nossa ordem acabamos com algumas fotografias nas mãos, nunca com a
    coisa.

•   Dentro da cultura Ocidental a invenção do alfabeto teve um papel fundamental não
    só na maneira como as pessoas passaram a se comunicar, mas também, e
    principalmente, no modo como elas passaram a ver, interpretar e agir no mundo.
    O alfabeto introduziu uma lógica de tempo e seqüência que conduziu o ocidente a
    uma racionalização de toda experiência humana, inclusive a percepção do espaço.
    Somos treinados desde crianças a ler dentro dessa lógica e com isso acabamos
    sendo pra “ler” o mundo, não para experimentá-lo.
    Comprovadamente, a forma como aprendemos a ler e escrever vai condicionar
    nossas rotinas básicas de processamento cerebral, exercendo influência direta nos
    outros processos psicológicos e sensoriais.

•   A invenção da perspectiva coincide com a popularização e o aperfeiçoamento da
    escrita ocidental. A perspectiva permitiu organizar o espaço e a maneira de vê-lo
    dentro de uma lógica de codificação e sequenciamento muito semelhantes aos
    utilizados pela escrita.

•   Um neurônio, seja ele natural ou artificial, é um objeto vetorizado. Nele, o fator
    primordial é a transmissão. Ela se faz devido a diferenças de potencial que geram
    um impulso com fator velocidade em determinada direção. Necessariamente, os
    neurônios têm essa transmissão em forma de seta, ou seja, tem sentidos de
    entrada e saída.
As diferenças de potencial geradas por um neurônio ativam outros neurônios, que
    ativam outros e assim por diante.
    Informação alguma se transmite através de um meio percorrido. Toda informação
    se constrói por essa cadeia de reações, onde cada molécula pode reagir
    diferentemente alterando o conjunto todo.
    Podemos afirmar que a informação não percorre, ela se constrói e se propaga nos
    sistemas.

•   As redes neurais artificiais representam um novo paradigma metodológico no
    campo da Inteligência Artificial, ou seja, no desenvolvimento de sistemas
    computacionais capazes de imitar tarefas intelectuais complexas.
    Diferentemente das tentativas de se obter sistemas inteligentes baseados em
    lógica e em processamento simbólico, as redes neurais se inspiram em um modelo
    biológico para a inteligência, isto é, na maneira como o cérebro é organizado em
    sua arquitetura elementar, e em como a mesma é capaz de executar tarefas
    computacionais.
    Da mesma maneira que no cérebro, as redes neurais artificiais são organizadas na
    forma de um número de elementos individuais simples (os neurônios), que se
    interconectam uns aos outros, formando redes capazes de processar e transmitir
    informação. Outra capacidade importante das redes neurais artificiais é a auto-
    organização, ou plasticidade. Através de um processo de aprendizado, é possível
    alterar-se os padrões de interconexão entre seus elementos. Por este motivo, as
    redes neurais artificiais são um tipo de sistema chamado conexionista, no qual as
    propriedades computacionais são resultado dos padrões de interconexão da rede,
    como acontece também no sistema nervoso biológico.


•   Os computadores convencionais atualmente utilizados tem no mínimo 2 fases: a
    primeira, chamada de design & teste, precisa para ser construída de 3 coisas:

    1. um algoritmo correto, confiável e conhecido em todas as suas nuanças;
    2. um conjunto de dados de entrada;
    3. correspondente conjunto de dados de saída, equivalente àqueles de entrada,
       devidamente processados pelo algoritmo.

    Durante o funcionamento da segunda fase, apenas duas das três coisas acima
    continuam sendo conhecidas: o algoritmo (que não muda) e as entradas que são
    geradas. Este tipo de sistema está pronto para ser utilizado quando passa a
    sinalizar a sua capacidade de gerar saídas corretas.
    Nas Redes Neurais Artificiais, a coisa é um pouco diferente. Estes sistemas
    também têm duas fases, que recebem nomes diferentes do caso convencional. A
    fase 1 é conhecida como treinamento. Nesta, apenas duas coisas são conhecidas:
    a entrada e a saída esperada. O algoritmo é desconhecido e assim permanecerá.
    Isto é, resolvem-se problemas para os quais não se conhece a lógica da solução.
    Na fase dois, aqui também chamada produção, apenas a entrada é conhecida. A
    saída gerada pela rede devidamente treinada está correta e pode ser usada.
    Porém, se a entrada for diferente daquelas do “treinamento”, não só o processo
    como as respostas são totalmente inesperados.
    Toda vez que um programa de computador exibe um comportamento para o qual
    não foi explícita e declaradamente programado, estamos diante de um fenômeno
conhecido na informática e na cibernética como "comportamento emergente", que
    seria a característica primordial de sistemas inteligentes.

•   "A aprendizagem pode levar a alterações estruturais no cérebro" (Kandel). A cada
    nova experiência do indivíduo, redes de neurônios são rearranjadas, outras tantas
    sinapses são reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente
    tornam-se possíveis. Portanto, "o mapa cortical de um adulto está sujeito a
    constantes modificações com base no uso ou atividade de seus caminhos
    sensoriais periféricos" (Kandel).

•   “Depois de montada uma rede neural artificial, segue uma fase chamada de
    treinamento, ou seja, uma fase cuja tarefa é "treinar" a rede neural com uma
    coleção de estímulos (sinais complexos, voz, imagens, etc.) que se deseja que a
    rede reconheça quando em operação.
    Na fase de treinamento, os neurônios competem para serem os vencedores a
    cada nova iteração do conjunto de treinamento. Ou seja, sempre que é
    apresentada à rede neural uma entrada qualquer, existe uma competição entre os
    neurônios para representar a entrada apresentada naquele momento. Esse
    aprendizado, nada mais é do que sucessivas modificações nos pesos dos
    neurônios de forma que estes classifiquem as entradas apresentadas. Dizemos
    que a rede neural "aprendeu" quando ela passa a reconhecer todas as entradas
    apresentadas durante a fase de treinamento.
    Assim é que se traduz o aprendizado da rede neural, pois, havendo pelo menos
    um neurônio que represente uma determinada informação (um estímulo
    apresentado na entrada), sempre que este estímulo for apresentado a esta rede
    neural, aquele neurônio que foi treinado para representá-lo, automaticamente irá
    ser disparado, informando assim, qual o estímulo que foi apresentado à rede
    neural.
    Mas é interessante ressaltar que uma forte característica das redes neurais é a
    capacidade de reconhecer variações dos estímulos treinados. Isto significa, por
    exemplo, que apresentando um estímulo X qualquer, semelhante a um estímulo Y
    que fez parte do conjunto de treinamento, existe uma grande probabilidade de que
    o estímulo X seja reconhecido como o estímulo Y treinado, revelando assim a
    capacidade de transformação da rede neural artificial”.

    Pesquisas recentes feitas em macacos têm demonstrado que o que se acreditava
    sobre as especializações de todo o sistema nervoso pode estar equivocado.
    Uma cobaia teve seus nervos óptico e auditivo cortados após o nascimento e
    conectados na saída do outro órgão, ou seja, o nervo óptico foi conectado ao
    ouvido e o nervo auditivo ao olho.
    Para espanto dos cientistas, o animal desenvolveu visão e audição normais.

•   Não se pode dissecar um cérebro animal para extrair conhecimento, nem mesmo
    dizer onde está “a informação”. Para tentar entender o funcionamento do cérebro,
    os cientistas trabalham com a captação das atividades cerebrais e o conjunto de
    reações, e através disso tentam entender algo.

•   O neurônio recebe inúmeros impulsos das sinapses às quais se liga, mas para que
    esses impulsos se propaguem é necessário uma variação mínima de potencial, ou
    então o neurônio permanece carregado sem transmitir nada. Permanece enquanto
    potencial, mas não gera nem armazena coisa alguma.
A partir dessas observações podemos especular algumas coisas.
    Se o que permanece armazenado é somente impulso elétrico, que logo se
    transmite e dá lugar a mais impulso, numa constante variação de potencial e, o
    mais importante, numa constante transmissão, não haveria então “informação”
    armazenada em lugar algum. A informação seria construída pelas constantes
    transmissões, e se modificaria a cada nova transmissão.
    A informação deixa de ser algo estático, armazenável, manipulável, para ser
    entendida como toda uma rede de relações em constante mutação.

•   O homem sempre acreditou que o ar fosse vazio e que sobre a proteção de suas
    peles privadas, estaria sempre imune às conseqüências de suas próprias ações.
    Ao produzir arquitetura, pensando sob essa mesma lógica, o espaço sempre foi
    criado como um palco vazio onde desfilavam homens e objetos.
    Mas hoje o ar não é mais visto como vazio. Nossas descobertas têm mostrado que
    o ar é uma massa de partículas e elementos, e se adensa cada vez mais com a
    invasão de redes de comunicação eletrônicas.
    A própria preocupação com a poluição só começou a crescer depois que nos
    demos conta de que o ar também está vivo e pode morrer.

•   Se esse movimento parar e as idéias tiverem de ser esclarecidas e colocadas em
    ordem acho que não vou conseguir fazer mais nada. Prefiro me sentir fazendo
    parte dessa coisa que se transforma e se controla, onde não tenho nada
    pontuado, mas tudo embaralhado. Colocar ou retirar um pedaço não vai impedir
    que a coisa funcione, mas com certeza vai influenciar no seu funcionamento.
    Sentindo-se parte desse todo você se torna responsável por ele, sabendo que sua
    presença é ao mesmo tempo importantíssima quanto desprezível.

•   O Universo não é um sistema mecânico composto por uma multiplicidade de
    partículas independentes, mas um conjunto dinâmico de eventos emaranhados,
    onde unicamente as suas interações determinam a estrutura da realidade.

•   “ O contexto serve para determinar o sentido de uma palavra, assim como cada
    palavra contribui para produzir o contexto.
    Não somente cada palavra transforma, pela ativação que propaga ao longo de
    certas vias, o estado de excitação da rede semântica, mas também contribui para
    construir ou remodelar a própria topologia da rede ou a composição de seus nós.
    Cada vez que um caminho de ativação é percorrido, algumas conexões são
    reforçadas, ao passo que outras caem aos poucos em desuso. A imensa rede
    associativa que constitui nosso universo mental encontra-se em metamorfose
    permanente.”
                                                                          Pierre Levy

•   A informática traz a idéia do tempo real, todas as informações estão disponíveis, e
    não somente disponíveis como também manipuláveis, mutáveis instantaneamente.
    O que entra em questão é essa possibilidade de ter tudo em seu estado mais
    recente, sem a necessidade de um acumular no tempo. É a possibilidade de um
    tempo pontual e não mais linear.
•   A informática não se contenta com a transmissão de informação, ela também é
    processo. Depois de digitalizado, qualquer tipo de texto, imagem, música, é
    passível de edição. Dessa maneira, a verdade deixa de ser a questão
    fundamental, em proveito da operacionalidade e da velocidade, já que os modelos
    digitais raramente são definitivos, sendo sempre modificados. A simulação toma o
    lugar das teorias e a eficiência ganha o lugar da verdade.

•   Na programação orientada para objetos, cada um dos objetos é programado com
    características próprias, e a maneira como eles vão se relacionar após essa fase é
    imprevisível. Trabalha-se em cima das características de cada objeto e não em
    cima do resultado das interações entre eles.
    Em uma revoada de pássaros ocorre algo semelhante, cada ave é dotada de
    características individuais, mas a dança que elas criam em vôo nunca é previsível
    ou programada.

•   “A simulação não remete a qualquer pretensa irrealidade do saber ou da relação
    com o mundo, mas antes a um aumento dos poderes de imaginação e da intuição.
    O conhecimento por simulação e a interconexão em tempo real valorizam o
    momento oportuno, a situação, as circunstâncias relativas, por oposição ao
    sentido molar da história ou à verdade fora do tempo e espaço, que talvez fossem
    apenas efeitos da escrita.”
                                                                           Pierre Levy

•   Se afirmarmos que o pensamento se constrói através da articulação de infinitos
    emaranhados, poderíamos supor que esse mesmo pensamento não se constrói
    somente dentro dos cérebros, mas também e com todos os objetos biológicos ou
    não e, até mesmo, com sistemas e instituições sociais.
    Sendo assim, seria possível imaginar a idéia de um pensamento coletivo, mas
    coletivo não somente entre as pessoas, um coletivo formado por toda e qualquer
    matéria existente.
    Partindo dessas idéias, podemos afirmar que o pensamento é sempre a realização
    de um coletivo, nunca individual.

•   “Estou livre? Tem qualquer coisa que ainda me prende. Ou prendo-me a ela?
    Também é assim: não estou toda solta por estar em união com tudo. Aliás, uma
    pessoa é tudo. Não é pesado de se carregar porque simplesmente não se carrega:
    é-se o tudo”.
                                                                   Clarice Lispector

•   Texto produzido em cima da simulação das plataformas:

    A informação não está contida em algum compartimento, não está armazenada
    em algum lugar. A informação existe e se constrói em função de um fator
    velocidade, daquilo que podemos chamar de transmissão, já que ela também não
    é algo, uma unidade transportada, se assim fosse poderia ser armazenada.
    A informação está nas constantes trocas que ocorrem em todo sistema. Se essa
    dinâmica cessa, toda a “memória” existente desaparece. O objeto contém em a
    potencialidade de atualizar qualquer ação, porém essa potencialidade independe
    da continuidade com as dinâmicas antes estabelecidas com o mesmo.
Se alguma ação se constitui em torno de determinado objeto aparentando certa
    continuidade com algo que já existiu, é porque de alguma maneira o que o faz está
    muito próximo na rede de relações em torno daquele objeto.
    Como essas redes são alteradas em todas as transmissões, existem infinitas
    hipóteses para esse tipo de acontecimento, desde alterações muito simples, onde
    a informação pouco se modifica, até coincidências em torno da relação com o
    objeto.

    O espaço não guarda nada. A memória, se assim podemos chamar, é aquele fluxo
    contínuo formado por transmissões que geram estímulos e que vão se
    transmitindo e se alterando constantemente.
    Quando algumas transmissões cessam o estado físico permanece, porém sem a
    ação, só a possibilidade dela. Essas possibilidades, por sua vez, geram novas
    utilizações que vão gerar novas transmissões. Portanto, o ebjeto não contém
    memória alguma, mas como é fruto de ação contém em si a possibilidade das
    infinitas ações, sempre transmitindo isso adiante.
    Se existe alguma “continuidade” é porque o que ali se processava se transmitiu já
    em transformação para além dali, através de uma rede de relações onde ecos
    voltam transformados. Sempre essa constante transmissão.

•   Os sistemas caóticos apresentam determinados padrões que permitem entender
    todo o sistema. Esses padrões são ressonâncias que vem de várias partes do
    sistema, se sobrepondo em sincronia.
    Ao contrário de sistemas lineares que isolam e idealizam situações perfeitas, os
    sistemas em questão jogam com todas as interferências externas, sendo por isso
    de apreensão muito mais intuitiva do que intelectual.
    É o mesmo que tentar observar a chuva caindo na água. Quando as primeiras
    gotas caem o movimento delas e das reações ainda é bem previsível, mas quando
    a chuva aumenta de volume o sistema assume um estado caótico, atingindo uma
    dinâmica que não é mais compreendida linearmente. Ou você entra em sincronia
    com esse sistema ou se afasta.
    Outro aspecto desses sistemas dinâmicos é a forte interdependência entre todas
    as partes. Qualquer alteração, por menor que seja, altera todo o conjunto de
    relações existentes.

•   “A roda, depois de certa velocidade, mostra os desenhos iguais a ela parada”.
    Os sistemas dinâmicos têm a característica de fazer reaparecer qualidades
    passadas com impressionante clareza ao entrar em estado de turbulência.

•   O desenvolvimento da espécie humana não pode ser dissociado da evolução
    tecnológica. Não somos seres independentes desenvolvendo tecnologias,
    evoluímos juntamente com elas. Se não fosse assim, seríamos uma raça
    estagnada tentando produzir tecnologia para depois se adaptar a ela.
    Evoluímos caoticamente com a tecnologia, não conseguimos descrever nossa
    evolução sem ela, assim como não conseguimos descrever a evolução dela sem a
    nossa.

•   Organismos coloniais, como os recifes de coral, são comunidades de criaturas
    individuais que formam um todo interligado para tornar viável a própria
    sobrevivência coletiva.
Um recife de coral é formado por milhões de organismos muito pequenos que
    funcionam individualmente como criaturas separadas e coletivamente como uma
    comunidade, e que se beneficiam tanto de sua capacidade de se comportar como
    indivíduos em certas circunstâncias, quanto como um todo único em outras.
    Seres vivos convivendo em organismos coloniais acabam gerando uma sincronia
    em todo o sistema. Todo indivíduo do grupo fica mais sensível ao estado de corpo
    e espírito de cada membro.

    Sincronismos não são criados nem forçados, eles surgem naturalmente das
    necessidades e tendências de todo um grupo.

•   A idéia de fractal não é a da repetição idêntica, mas sim a recapitulação de
    grandes movimentos em movimentos menores, ou seja, padrões de auto-
    semelhança impressionantes, mas ao mesmo tempo inexatos.
    As formas ampliadas de detalhes mínimos do fractal são semelhantes mas nunca
    idênticas às maiores. Parecem-se o suficiente para que as reconheçamos, mas
    não para que a igualemos.

•   “Uma cultura caótica trabalha como uma equação interativa. É um sistema
    dinâmico turbulento, um fractal. Qualquer coisa gerada por ele é reintroduzida
    várias vezes, até que, ou todo o sistema é alterado ou ela se dissipa em nada.
    Num sistema cultural caótico, as idéias que geram tolerância, melhores condições
    de sobrevivência ou níveis mais altos de organização continuarão a iterar. As que
    não encontrarem ressonância suficiente somem no esquecimento, como as
    mutações aleatórias, mas ineficazes de uma espécie de bactéria... Na pior das
    hipóteses, como no caso dos OVNIs ou mesmo do nazismo, o que não nos mata
    antes de se iterar completamente, vai no mínimo nos ensinar alguma coisa”.

                                                                    Douglas Rushkoff

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  • 1. “A Invasão dos Estorninhos” - PALOMAR - Italo Calvino Há uma coisa extraordinária para se ver em Roma neste fim de outono: o céu apinhado de pássaros. O terraço do senhor Palomar é um belo posto de observação, de onde o olhar paira sobre os telhados num amplo círculo do horizonte. Sobre esses pássaros, sabe apenas o que ouviu dizer por aí: são estorninhos que se reúnem em centenas de milhares, provenientes do Norte da Europa, esperando o momento de partirem todos juntos para as costas da África. À noite dormem nas árvores da cidade, e quem estaciona o carro às margens do Tibre pela manhã estará obrigado a lavá-lo de cima a baixo. Aonde vão durante o dia, que função esta parada prolongada na cidade desempenha na estratégia das migrações, o que significam para eles essas imensas congregações vespertinas, esses carrosséis aéreos como numa grande manobra ou num desfile, o senhor Palomar não chegou ainda a compreender. As explicações que dão para isso são um tanto duvidosas, condicionadas à hipóteses, oscilantes entre várias alternativas; e é natural que seja assim, tratando-se de vozes que passam de boca em boca, mas tem-se a impressão de que mesmo a ciência, que poderia confirmá-las ou desmenti-las, permanece incerta, aproximativa. Estando as coisas neste pé, o senhor Palomar decidiu limitar-se a observar, a fixar nos mínimos detalhes o pouco que consegue ver, agarrando-se às idéias imediatas que lhe são sugeridas pelo que vê. No ar violáceo do crepúsculo vê aflorar numa parte do céu uma poeira microscópica, uma nuvem de asas que voam. Percebe que são milhares e milhares: a cúpula do céu é por elas invadida. Aquilo que até então lhe parecera uma imensidão serena e oca agora se revela inteiramente percorrida por presenças levíssimas e ligeiras. Visão tranqüilizadora, a passagem das aves migratórias é associada em nossa memória ancestral ao harmônico suceder das estações; mas o senhor Palomar, ao contrário, sente nisso um sinal de apreensão. Será porque esse apinhar-se do céu nos recorda que o equilíbrio da natureza se perdeu? Ou porque o nosso senso de insegurança projeta em tudo ameaças de catástrofes? Quando pensamos nos pássaros migratórios imaginamos logo uma formação de vôo ordenada e compacta, que sulca o céu numa grande fileira ou falange em ângulo agudo, quase uma forma de passaro composta de inumeráveis pássaros. Essa imagem não vale para os estorninhos, pelo menos para esses estorninhos outonais dos céus de Roma: trata-se de uma multidão aérea que parece sempre pronta a rarefazer-se ou dispersar-se, como grãos de pouvilho em suspensão num líquido, e em vez disso se condensa continuamente como se de um conduto invisível o jorro de partículas turbilhonantes continuasse, sem nunca chegar, no entanto, a saturar a solução. A nuvem se dilata, negrejante de asas que se desenham mais nítidas no céu, sinal de que estão se aproximando. No interior do bando o senhor Palomar já distingue uma perspectiva, devido ao fato de já haver alguns voláteis muito próximos em cima de sua cabeça, outros ao longe, outros mais distantes ainda, e continua a descobrir outros cada vez mais minúsculos e puntiformes, por quilômetros e quilômetros, poderíamos dizer, atribuindo às
  • 2. distâncias entre um e outro uma medida quase igual. Mas essa ilusão de regularidade é traiçoeira, porque nada é mais difícil de avaliar que a densidade de distribuição dos voláteis em vôo: onde a compacidade do bando parece estar escurecendo o céu eis que entre um penígero e outro se escancaram voragens de vazio. Se se detém alguns minutos observando a disposição dos pássaros relativamente uns aos outros, o senhor Palomar se sente preso numa trama cuja continuidade se estende uniforme e sem lacunas, como se ele próprio também fizesse parte desse corpo em movimento composto de centenas de corpos separados mas cujo conjunto constitui um objeto unitário, como uma nuvem ou uma coluna de fumo ou um repuxo, algo que embora seja fluido em substância adquire solidez na forma. Mas basta que se ponha a seguir com o olhar um único pássaro para que a dissociação dos elementos se imponha e eis que a corrente em que se sentia transportado, a rede em que se sentia suspenso se dissolvem e o efeito é o de uma vertigem que o toma pela boca do estômago. Isto acontece, por exemplo, quando o senhor Palomar, depois de haver persuadido de que os estorninhos em conjunto estão voando em sua direção, volta o olhar para um pássaro que na verdade está se distanciando, e desse para outro pássaro que se afasta mas em direção diversa, e em breve percebe que todos os voláteis que lhe pareciam estar se aproximando na verdade estão fugindo em todas as direções, como se ele se encontra-se no centro de uma explosão. Mas basta-lhe voltar os olhos para uma outra zona no céu e ei-los que se concentram além, num vórtice cada vez mais denso e compacto, assim como um ímã oculto sob um papel atrai a limalha de ferro compondo desenhos que s tornam ora mais escuros ora mais claros e por fim se desfazem e deixam sobre a folha branca um salpicado de fragmentos dispersos. Finalmente uma forma emerge do confuso bater de asas, avança, adensa-se: é uma forma circular, como uma esfera, uma bola, o balão das histórias em quadrinhos de alguém que esteja pensando num céu repleto de pássaros, uma avalanche de asas que rodopia no ar e envolve todos os pássaros que voam em torno. Essa esfera constitui um território especial no espaço uniforme, um volume em movimento em cujos limites – que, no entanto, se dilatam e se contraem como uma superfície elástica – os estorninhos podem continuar voando cada qual em sua própria direção desde que não alterem a forma circular do conjunto. A certa altura o senhor Palomar se dá conta de que o número de seres que turbilhonam no interior daquele globo está rapidamente aumentando como se uma corrente velocíssima despeja-se nele uma nova população com a rapidez da areia escorrendo na clepsidra. É uma outra multidão de estorninhos que por sua vez adquire também a forma esférica no interior da forma precedente. Mas dir-se-ia que a coesão do bando não resiste para além de certas dimensões: de fato o senhor Palomar já começa a observar uma dispersão de voláteis pelas bordas, e mesmo verdadeiras fendas que se abrem desinflando a esfera. Mal teve tempo de aperceber-se disto e já a figura se dissolveu. As observações sobre os pássaros se sucedem e se multiplicam em tal ritmo que para reordená-las na mente o senhor Palomar sente a necessidade
  • 3. de comunicá-las aos amigos. Também os amigos têm algo a dizer a propósito, porque já ocorreu a cada um deles interessar-se pelo fenômeno ou experimentar esse interesse depois que lhes falaram sobre do assunto. É um argumento que não se pode jamais considerar exaurido e quando um dos amigos acha que viu alguma coisa de novo ou sente a necessidade de retificar uma impressão precedente, vê-se na obrigação de telefonar sem perda de tempo aos demais. Assim, um vai-e-vem de mensagens percorre a rede telefônica enquanto o céu está sulcado de fileiras de voláteis. - Você observou como conseguem não se chocar uns cons os outros meso quando voam muito juntos, mesmo quando seus percursos se entrecruzam? Parece até que possuem um radar. Não é verdade. Já encontrei passarinhos estropiados, agonizantes ou mortos nas calçadas. São as vítimas desses choques no ar, inevitáveis quando a densidade é muito grande. Já percebi porque à noite continuam a sobrevoar todos juntos esta parte da cidade. São como os aviões que giram em cima do aeroporto até receber o sinal de “pista livre” para aterrar. Por isso os vemos voar tanto tempo em torno do mesmo local; esperam sua vez de pousar nas árvores onde passaram a noite. - Vi como fazem quando descem em direção às árvores. Giram e giram no céu em espiral, depois um a um se precipitam velocíssimos em direção à árvore que escolheram, para então frear bruscamente e pousar num ramo. - Não, os congestionamentos do tráfego aéreo não podem ser um problema para eles. Cada pássaro tem uma árvore que é a sua, o seu ramo próprio e o lugar definido em cada ramo. Ele o distingue do alto e mergulha em sua direção. - Terão a vista assim tão aguda? - Ora ... Esses telefonemas são em geral curtos, mesmo porquê o senhor Palomar está impaciente para voltar ao terraço, como se tivesse receio de perder alguma fase decisiva. Dir-se-ia agora que os pássaros ocupam apenas aquela porção do céu que ainda está investida pelos raios do Sol no poente. Mas observando melhor percebe-se que a condensação e a refração dos voláteis se desenrola como uma longa fita esvoaçante em zigue-zague. No local em que ela se curva o bando parece mais denso, como um enxame de abelhas; onde ao contrário se alonga sem torcer-se é apenas um pontilhado de vôos dispersos. Quando o último clarão do céu desaparece, uma maré de escuridão sobe do fundo das ruas e submerge o arquipélago de telhas e cúpulas, terraços e áticos, mirantes e campanários; e a suspensão de asas negras dos invasores celestes se precipita até confundir-se com o vôo pesado dos aparvalhados e escagaçantes pombos citadinos.
  • 4. O projeto não pode ser encarado como fim, onde você mistifica uma idéia e estabelece uma linha clara e coerente para atingir um resultado, um objetivo. Mas mesmo não estabelecendo uma linha, se você já souber o que será, já pré- determinou um caminho. • Estou buscando, ou pelo menos vou investigar isso, o espaço sem memória. Existiria uma memória do espaço? Ou a memória seria das pessoas, enquanto o espaço não carrega nada? Mas será que a memória seria algo transportado ou seria a repercussão gerada independentemente do tempo? Será que existiria essa memória das pessoas? • Estou pensando em algo que capta, relaciona e transmite o movimento, a ação. Essa transmissão também sofreria transformação. • Estava andando na chuva e vi as gotas caindo na água que corria. Fiquei encantado com aquilo. Elas caíam, transformavam onde caiam, se transformavam, se misturavam, transformavam-se todas e umas nas outras, iam, se separavam pelo caminho sem saber mais qual parte era antes. A nossa relação com a arquitetura e com todas as outras coisas também deveria ser assim... E talvez já seja, nós é que insistimos em ver de outro jeito. • ... plantar árvores mas não porque é política ou culturalmente correto, mas simplesmente porque acordou com vontade de plantar árvores. Plantar árvores porque viu uma árvore e achou aquilo parecido com um brócolis, e como gosta de brócolis imaginou um mundo cheio deles e resolveu plantar um monte... • Entender a obra como processo, não como fim. O processo é constante e gera produtos durante, sempre. Sendo a obra esse processo, seus produtos são o que? E se esses produtos também geram processos, que também geram mais produtos... No que acredito ser a arte, processo e produto se misturam, ou melhor, nem existe mais essa distinção entre um e outro. É sempre ela se retorcendo, esticando, dobrando,... não se consegue classificar porque não se isolam partes. • A maneira como pensamos e nos expressamos tenta ser na grande maioria das vezes um decalque da língua verbal, aquela que conseguimos de maneira direta falar e escrever. Tentamos universalizar todas a possibilidades de comunicação em um único meio, capaz de ser “traduzido” sempre. Essa tradução seria o fim de toda possibilidade de criação em detrimento do desenvolvimento de modos mais eficientes e seguros de se “transmitir” algo. A sociedade Ocidental está acostumada a ver as coisas dessa maneira, e encara a informação como algo único e palpável, portanto “transportável”. Nesse transporte não haveria mutações nem trocas. A informação sempre chega como parte. Esse é o nosso ideal de eficiência em comunicação, fazer com que algo vá de um lugar a outro no menor tempo e com o mínimo de alterações ou interferências. Vale a pena pensar um pouco sobre isso. Se a intenção é fazer com que a informação “vá de um lugar a outro no menor tempo e com o mínimo de alterações
  • 5. ou interferências possíveis”, qual seria a importância do meio por onde essa informação é transportada? Esse meio deve ter uma facilidade muito grande para receber a informação e fazê- la escorregar da melhor maneira até a outra ponta. Qualquer interferência nesse percurso não é nem um pouco desejada. Qualquer semelhança dessas idéias com aquelas dos nossos planejadores urbanos não é mera coincidência, esse modo de pensar está implícito nos ideais de modernidade e progresso da nossa sociedade. Mas qual seria o meio mais comum que essas informações percorrem? Não seria a própria sociedade? E como ela se comporta conduzindo/gerando informação? • Uma Arquitetura que seja viva, que reaja a estímulos e que também gere outros. Uma arquitetura que seja sensível, e não somente programada para responder de tal maneira em determinada situação. Uma arquitetura assim deixaria de ser abrigo para se transformar em espaço semelhante ao homem, espaço co-existente, espaço híbrido. Nesse espaço Híbrido as ações deixariam de ser somente humanas e a arquitetura deixaria de ser receptáculo para se transformar em extensão. • A Arquitetura precisa deixar de ser o aquário para se transformar na água, e o homem precisa deixar de observar o aquário para se transformar no peixe. Depois do mergulho ambos se percorrem mutuamente. O peixe gera um fluxo constante de água dentro de seu corpo, assim como ele mesmo flui constantemente na água. Não se tem o idéia de onde ambos se separam, transformam-se em um só pela ação do movimento. É a partir dessas idéias que podemos falar no aparecimento de seres híbridos. • “Impossível explicar. Afasta-se aos poucos daquela zona onde as coisas têm forma fixa e arestas, onde tudo tem um nome sólido e imutável. Cada vez mais afundava na região líquida, quieta e insondável, onde pairavam névoas vagas e frescas como as da madrugada”. Clarice Lispector • Não quero contar nada a ninguém, não quero descrever algo nem processos, quero proporcionar experiências aos outros. Mais do que isso quero proporcionar sonhos onde eu também possa participar, um sonho partilhado. Como compartilhar os sonhos com os outros? Como se comunicar nos sonhos? Porque será que não conseguimos gritar quando sonhamos? • A propaganda de massa faz crer numa grande sociabilidade, onde a sociedade teria um relacionamento amigável com a produção e sua lógica de sua distribuição. Mas o problema não está no que se apresenta às pessoas, se é bom ou ruim. O problema está na relação que essas pessoas estabelecem com o que lhes é apresentado. As pessoas passam pelas vitrines, vêem os objetos, se submetem aos apelos, mas não estabelecem contato. Independente de os produtos serem bons ou ruins continua sendo uma exposição de produtos.
  • 6. A arquitetura não tem que expor, não precisa reforçar ou esconder, precisa antes de tudo se relacionar e se transformar com as pessoas. Fora isso, qualquer julgamento de qualidades fica dependente de posicionamentos externos à coisa. Porém, para quem está mergulhado não existe a possibilidade de sair, já que não se entende mais essa separação entre partes. Não há julgamento, só ações constantes, que também geram reação imediata, e assim por diante. Não há julgamentos porque não se analisam as ações. As ações são sempre participadas e coletivas, não se resumem a movimentos independentes, individuais. Isso não quer dizer que o indivíduo não participe. A diferença é que agora todos participam e tem consciência dessa participação, não somente ele. • O Princípio da Incerteza, enunciado por Werner Heisenberg (1901-1976), afirma que é impossível determinar, com precisão exata e ao mesmo tempo, a velocidade e a posição de uma partícula subatômica, como um elétron ou um fóton. De maneira mais genérica, pode-se dizer que é impossível determinar todas as características de uma partícula simultaneamente: ao se definir uma certa característica “X”, a característica complementar “Y” torna-se indeterminada. Se, depois de medir “X”, alguém tentar medir “Y”, esse novo esforço alterará o valor inicial de “X”, e assim por diante, ad infinutum. • Um bit é a menor unidade de dado em um computador. Nos computadores eletrônicos atuais, o bit está sempre em um de dois estados possíveis. É por isto que se convencionou dizer que o bit pode ser 0 ou 1. Estado entrelaçado é um efeito de mecânica quântica que torna difusa a distinção entre partículas individuais, de tal forma que é impossível descrever as duas partículas separadamente, não importando a distância pela qual as duas estejam fisicamente separadas. Esta propriedade é chave para o imenso poder da computação quântica porque ela permite ao computador verificar cada resposta possível para um problema de uma única vez, fazendo-se valer de todas as possibilidades dos estados daqueles átomos. Com o entrelaçamento de partículas, um bit quântico, ou qubit, poderá ter não apenas seu valor individual (0 ou 1), mas também poderá ter infinitos valores de seus estados entrelaçados com cada um dos outros qubits. Dois bits podem representar ou armazenar apenas duas informações, mas dois qubits podem armazenar quatro dados ao mesmo tempo, os seus próprios e os resultantes de seu entrelaçamento. Esta vantagem quântica aumenta exponencialmente à medida que o número de qubits aumenta. • Situações de equilíbrio levam à cegueira. As moléculas em equilíbrio só vêem as mais próximas que as rodeiam. Uma situação de não equilíbrio, pelo contrário, leva a molécula a ver. • Alguns estudos mostram que o homem é sensível aos sons produzidos por outro ser humano mais do que os produzidos por outras coisas. Isso demonstra que o corpo está mais voltado para as atitudes que ele próprio realiza, pois existe uma pré-disposição biológica para se comunicar e interagir.
  • 7. Daí a importância de o projeto se relacionar com as pessoas, se transformar como extensão sua, utilizar seus sentidos e se metamorfosear neles. • A “lógica” foi criada para suprir as limitações de memória operacional (curto prazo) do ser humano. Porém, utilizando-se dessa “lógica" deixamos de nos esforçar em compreender. Sabemos que seguindo tal raciocínio “lógico”, dentro de determinadas regras, chegaremos a um resultado confiável. Deixamos de criar outras possibilidades nesse intervalo, o processo foi esquecido. • “Apenas isso: chove e estou vendo a chuva. Que simplicidade. Nunca pensei que o mundo e eu chegássemos a esse ponto de trigo. A chuva cai não porque está precisando de mim, e eu olho a chuva não porque preciso dela. Mas nós estamos tão juntas como a água da chuva está ligada à chuva. E eu não estou agradecendo nada...” Clarice Lispector • Está ficando cada vez mais difícil perceber o mundo no qual vivemos porque ele se apresenta como o melhor. Adquirimos produtos e mais produtos que não se adaptam a nós. Nós é que temos de nos adaptar a eles. Nos adaptando sempre, acabamos acreditando que o mundo perfeito é aquele dos produtos, e como não somos perfeitos temos de nos adaptar da melhor maneira possível. Produtos de infelicidade ocupam nosso tempo, nos “divertem”. Sofremos de uma ilusão de liberdade. Consumidores desses produtos, acreditamos ser livres para fazer escolhas e assim, acumulando cada vez mais o que nos é “oferecido”, atingir um estágio de felicidade. A coisa começa no nosso velho sistema educacional. Ele não busca a formação do indivíduo, mas sim sua adaptação a uma situação que se coloca como verdadeira. O sujeito formado por essa situação estaria muito bem adaptado e poderia se inserir tranqüilamente dentro dos padrões vigentes, e pronto para buscar sua “felicidade”. Mas e um pensamento crítico das coisas não nos tornaria infelizes? Desesperados? Talvez sim, mas infelizes todos já somos. Só que vivemos em um estágio de euforia, uma ilusão das coisas. • As aves em revoada fazem parte de um sistema complexo, onde cada indivíduo mantém sua independência preservada. Essa relação é contrária a de sistemas sociais como comunidades de abelhas ou formigas, onde o sistema é extremamente complexo, mas uma formiga isolada é completamente idiota. • Penso um espaço formado não por dimensões métricas, mas sim por dimensões temporais. Um espaço que não esteja subordinado a pontos, de onde sempre se parte e onde sempre se chega, mas sim um espaço subordinado ao trajeto, onde os pontos aparecem, esbarramos neles. Seria um espaço apreendido, e não observado. Um espaço onde os materiais agiriam muito mais por suas forças, suas características estruturais, do que por aquilo que representam. Ao invés de formas moldarem a matéria, a matéria é que moldaria formas ao se relacionar. O que diferencia esses percursos não é mais aquela conhecida qualidade objetiva dos lugares, nem uma determinada quantidade mensurável de movimento que se
  • 8. executa. A diferenciação se faz pelo modo como se está no espaço, no modo como se relaciona com ele, a maneira de ser no espaço. • Quando se fala em restabelecer o nômade, não imaginamos que o homem vá pegar o que conseguir carregar e sair andando por aí. A idéia do nômade agora é outra. As novas tecnologias permitem que estejamos permanentemente em movimento, em fluxo, sem que necessariamente tenhamos que nos locomover fisicamente. Mas nosso corpo não é dissociável em partes com suas respectivas funções e especializações. Não dá pra se pensar numa situação parecida com aquela explorada em “Matrix” onde o corpo não funciona como extensão, mas somente como ferramenta. Diversos estudos têm demonstrado que nosso corpo reage, mesmo que involuntariamente, a estímulos os mais variados. E essa reação não é simplesmente ato reflexo, muitas vezes determinados processos neurológicos só se realizam em conjunto com determinadas reações do corpo. Entendendo o nosso corpo dessa maneira, podemos supor algumas coisas a respeito do começo desse texto. Quando dissemos que não temos mais a necessidade de nos locomover fisicamente, o que queríamos dizer é que o movimento, o locomover-se, não se faz objetivamente, ele é extensão, é um ato involuntário... Sendo assim, criar um espaço nômade não deve ser simplesmente a criação de coisas que se movimentam. Esse espaço nômade não está dentro da ordem estabelecida, está sempre transitando. Aparece e desaparece aqui e ali, sempre o vemos, poucas vezes nos damos conta, e quando tentamos colocá-lo dentro dessa nossa ordem acabamos com algumas fotografias nas mãos, nunca com a coisa. • Dentro da cultura Ocidental a invenção do alfabeto teve um papel fundamental não só na maneira como as pessoas passaram a se comunicar, mas também, e principalmente, no modo como elas passaram a ver, interpretar e agir no mundo. O alfabeto introduziu uma lógica de tempo e seqüência que conduziu o ocidente a uma racionalização de toda experiência humana, inclusive a percepção do espaço. Somos treinados desde crianças a ler dentro dessa lógica e com isso acabamos sendo pra “ler” o mundo, não para experimentá-lo. Comprovadamente, a forma como aprendemos a ler e escrever vai condicionar nossas rotinas básicas de processamento cerebral, exercendo influência direta nos outros processos psicológicos e sensoriais. • A invenção da perspectiva coincide com a popularização e o aperfeiçoamento da escrita ocidental. A perspectiva permitiu organizar o espaço e a maneira de vê-lo dentro de uma lógica de codificação e sequenciamento muito semelhantes aos utilizados pela escrita. • Um neurônio, seja ele natural ou artificial, é um objeto vetorizado. Nele, o fator primordial é a transmissão. Ela se faz devido a diferenças de potencial que geram um impulso com fator velocidade em determinada direção. Necessariamente, os neurônios têm essa transmissão em forma de seta, ou seja, tem sentidos de entrada e saída.
  • 9. As diferenças de potencial geradas por um neurônio ativam outros neurônios, que ativam outros e assim por diante. Informação alguma se transmite através de um meio percorrido. Toda informação se constrói por essa cadeia de reações, onde cada molécula pode reagir diferentemente alterando o conjunto todo. Podemos afirmar que a informação não percorre, ela se constrói e se propaga nos sistemas. • As redes neurais artificiais representam um novo paradigma metodológico no campo da Inteligência Artificial, ou seja, no desenvolvimento de sistemas computacionais capazes de imitar tarefas intelectuais complexas. Diferentemente das tentativas de se obter sistemas inteligentes baseados em lógica e em processamento simbólico, as redes neurais se inspiram em um modelo biológico para a inteligência, isto é, na maneira como o cérebro é organizado em sua arquitetura elementar, e em como a mesma é capaz de executar tarefas computacionais. Da mesma maneira que no cérebro, as redes neurais artificiais são organizadas na forma de um número de elementos individuais simples (os neurônios), que se interconectam uns aos outros, formando redes capazes de processar e transmitir informação. Outra capacidade importante das redes neurais artificiais é a auto- organização, ou plasticidade. Através de um processo de aprendizado, é possível alterar-se os padrões de interconexão entre seus elementos. Por este motivo, as redes neurais artificiais são um tipo de sistema chamado conexionista, no qual as propriedades computacionais são resultado dos padrões de interconexão da rede, como acontece também no sistema nervoso biológico. • Os computadores convencionais atualmente utilizados tem no mínimo 2 fases: a primeira, chamada de design & teste, precisa para ser construída de 3 coisas: 1. um algoritmo correto, confiável e conhecido em todas as suas nuanças; 2. um conjunto de dados de entrada; 3. correspondente conjunto de dados de saída, equivalente àqueles de entrada, devidamente processados pelo algoritmo. Durante o funcionamento da segunda fase, apenas duas das três coisas acima continuam sendo conhecidas: o algoritmo (que não muda) e as entradas que são geradas. Este tipo de sistema está pronto para ser utilizado quando passa a sinalizar a sua capacidade de gerar saídas corretas. Nas Redes Neurais Artificiais, a coisa é um pouco diferente. Estes sistemas também têm duas fases, que recebem nomes diferentes do caso convencional. A fase 1 é conhecida como treinamento. Nesta, apenas duas coisas são conhecidas: a entrada e a saída esperada. O algoritmo é desconhecido e assim permanecerá. Isto é, resolvem-se problemas para os quais não se conhece a lógica da solução. Na fase dois, aqui também chamada produção, apenas a entrada é conhecida. A saída gerada pela rede devidamente treinada está correta e pode ser usada. Porém, se a entrada for diferente daquelas do “treinamento”, não só o processo como as respostas são totalmente inesperados. Toda vez que um programa de computador exibe um comportamento para o qual não foi explícita e declaradamente programado, estamos diante de um fenômeno
  • 10. conhecido na informática e na cibernética como "comportamento emergente", que seria a característica primordial de sistemas inteligentes. • "A aprendizagem pode levar a alterações estruturais no cérebro" (Kandel). A cada nova experiência do indivíduo, redes de neurônios são rearranjadas, outras tantas sinapses são reforçadas e múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis. Portanto, "o mapa cortical de um adulto está sujeito a constantes modificações com base no uso ou atividade de seus caminhos sensoriais periféricos" (Kandel). • “Depois de montada uma rede neural artificial, segue uma fase chamada de treinamento, ou seja, uma fase cuja tarefa é "treinar" a rede neural com uma coleção de estímulos (sinais complexos, voz, imagens, etc.) que se deseja que a rede reconheça quando em operação. Na fase de treinamento, os neurônios competem para serem os vencedores a cada nova iteração do conjunto de treinamento. Ou seja, sempre que é apresentada à rede neural uma entrada qualquer, existe uma competição entre os neurônios para representar a entrada apresentada naquele momento. Esse aprendizado, nada mais é do que sucessivas modificações nos pesos dos neurônios de forma que estes classifiquem as entradas apresentadas. Dizemos que a rede neural "aprendeu" quando ela passa a reconhecer todas as entradas apresentadas durante a fase de treinamento. Assim é que se traduz o aprendizado da rede neural, pois, havendo pelo menos um neurônio que represente uma determinada informação (um estímulo apresentado na entrada), sempre que este estímulo for apresentado a esta rede neural, aquele neurônio que foi treinado para representá-lo, automaticamente irá ser disparado, informando assim, qual o estímulo que foi apresentado à rede neural. Mas é interessante ressaltar que uma forte característica das redes neurais é a capacidade de reconhecer variações dos estímulos treinados. Isto significa, por exemplo, que apresentando um estímulo X qualquer, semelhante a um estímulo Y que fez parte do conjunto de treinamento, existe uma grande probabilidade de que o estímulo X seja reconhecido como o estímulo Y treinado, revelando assim a capacidade de transformação da rede neural artificial”. Pesquisas recentes feitas em macacos têm demonstrado que o que se acreditava sobre as especializações de todo o sistema nervoso pode estar equivocado. Uma cobaia teve seus nervos óptico e auditivo cortados após o nascimento e conectados na saída do outro órgão, ou seja, o nervo óptico foi conectado ao ouvido e o nervo auditivo ao olho. Para espanto dos cientistas, o animal desenvolveu visão e audição normais. • Não se pode dissecar um cérebro animal para extrair conhecimento, nem mesmo dizer onde está “a informação”. Para tentar entender o funcionamento do cérebro, os cientistas trabalham com a captação das atividades cerebrais e o conjunto de reações, e através disso tentam entender algo. • O neurônio recebe inúmeros impulsos das sinapses às quais se liga, mas para que esses impulsos se propaguem é necessário uma variação mínima de potencial, ou então o neurônio permanece carregado sem transmitir nada. Permanece enquanto potencial, mas não gera nem armazena coisa alguma.
  • 11. A partir dessas observações podemos especular algumas coisas. Se o que permanece armazenado é somente impulso elétrico, que logo se transmite e dá lugar a mais impulso, numa constante variação de potencial e, o mais importante, numa constante transmissão, não haveria então “informação” armazenada em lugar algum. A informação seria construída pelas constantes transmissões, e se modificaria a cada nova transmissão. A informação deixa de ser algo estático, armazenável, manipulável, para ser entendida como toda uma rede de relações em constante mutação. • O homem sempre acreditou que o ar fosse vazio e que sobre a proteção de suas peles privadas, estaria sempre imune às conseqüências de suas próprias ações. Ao produzir arquitetura, pensando sob essa mesma lógica, o espaço sempre foi criado como um palco vazio onde desfilavam homens e objetos. Mas hoje o ar não é mais visto como vazio. Nossas descobertas têm mostrado que o ar é uma massa de partículas e elementos, e se adensa cada vez mais com a invasão de redes de comunicação eletrônicas. A própria preocupação com a poluição só começou a crescer depois que nos demos conta de que o ar também está vivo e pode morrer. • Se esse movimento parar e as idéias tiverem de ser esclarecidas e colocadas em ordem acho que não vou conseguir fazer mais nada. Prefiro me sentir fazendo parte dessa coisa que se transforma e se controla, onde não tenho nada pontuado, mas tudo embaralhado. Colocar ou retirar um pedaço não vai impedir que a coisa funcione, mas com certeza vai influenciar no seu funcionamento. Sentindo-se parte desse todo você se torna responsável por ele, sabendo que sua presença é ao mesmo tempo importantíssima quanto desprezível. • O Universo não é um sistema mecânico composto por uma multiplicidade de partículas independentes, mas um conjunto dinâmico de eventos emaranhados, onde unicamente as suas interações determinam a estrutura da realidade. • “ O contexto serve para determinar o sentido de uma palavra, assim como cada palavra contribui para produzir o contexto. Não somente cada palavra transforma, pela ativação que propaga ao longo de certas vias, o estado de excitação da rede semântica, mas também contribui para construir ou remodelar a própria topologia da rede ou a composição de seus nós. Cada vez que um caminho de ativação é percorrido, algumas conexões são reforçadas, ao passo que outras caem aos poucos em desuso. A imensa rede associativa que constitui nosso universo mental encontra-se em metamorfose permanente.” Pierre Levy • A informática traz a idéia do tempo real, todas as informações estão disponíveis, e não somente disponíveis como também manipuláveis, mutáveis instantaneamente. O que entra em questão é essa possibilidade de ter tudo em seu estado mais recente, sem a necessidade de um acumular no tempo. É a possibilidade de um tempo pontual e não mais linear.
  • 12. A informática não se contenta com a transmissão de informação, ela também é processo. Depois de digitalizado, qualquer tipo de texto, imagem, música, é passível de edição. Dessa maneira, a verdade deixa de ser a questão fundamental, em proveito da operacionalidade e da velocidade, já que os modelos digitais raramente são definitivos, sendo sempre modificados. A simulação toma o lugar das teorias e a eficiência ganha o lugar da verdade. • Na programação orientada para objetos, cada um dos objetos é programado com características próprias, e a maneira como eles vão se relacionar após essa fase é imprevisível. Trabalha-se em cima das características de cada objeto e não em cima do resultado das interações entre eles. Em uma revoada de pássaros ocorre algo semelhante, cada ave é dotada de características individuais, mas a dança que elas criam em vôo nunca é previsível ou programada. • “A simulação não remete a qualquer pretensa irrealidade do saber ou da relação com o mundo, mas antes a um aumento dos poderes de imaginação e da intuição. O conhecimento por simulação e a interconexão em tempo real valorizam o momento oportuno, a situação, as circunstâncias relativas, por oposição ao sentido molar da história ou à verdade fora do tempo e espaço, que talvez fossem apenas efeitos da escrita.” Pierre Levy • Se afirmarmos que o pensamento se constrói através da articulação de infinitos emaranhados, poderíamos supor que esse mesmo pensamento não se constrói somente dentro dos cérebros, mas também e com todos os objetos biológicos ou não e, até mesmo, com sistemas e instituições sociais. Sendo assim, seria possível imaginar a idéia de um pensamento coletivo, mas coletivo não somente entre as pessoas, um coletivo formado por toda e qualquer matéria existente. Partindo dessas idéias, podemos afirmar que o pensamento é sempre a realização de um coletivo, nunca individual. • “Estou livre? Tem qualquer coisa que ainda me prende. Ou prendo-me a ela? Também é assim: não estou toda solta por estar em união com tudo. Aliás, uma pessoa é tudo. Não é pesado de se carregar porque simplesmente não se carrega: é-se o tudo”. Clarice Lispector • Texto produzido em cima da simulação das plataformas: A informação não está contida em algum compartimento, não está armazenada em algum lugar. A informação existe e se constrói em função de um fator velocidade, daquilo que podemos chamar de transmissão, já que ela também não é algo, uma unidade transportada, se assim fosse poderia ser armazenada. A informação está nas constantes trocas que ocorrem em todo sistema. Se essa dinâmica cessa, toda a “memória” existente desaparece. O objeto contém em a potencialidade de atualizar qualquer ação, porém essa potencialidade independe da continuidade com as dinâmicas antes estabelecidas com o mesmo.
  • 13. Se alguma ação se constitui em torno de determinado objeto aparentando certa continuidade com algo que já existiu, é porque de alguma maneira o que o faz está muito próximo na rede de relações em torno daquele objeto. Como essas redes são alteradas em todas as transmissões, existem infinitas hipóteses para esse tipo de acontecimento, desde alterações muito simples, onde a informação pouco se modifica, até coincidências em torno da relação com o objeto. O espaço não guarda nada. A memória, se assim podemos chamar, é aquele fluxo contínuo formado por transmissões que geram estímulos e que vão se transmitindo e se alterando constantemente. Quando algumas transmissões cessam o estado físico permanece, porém sem a ação, só a possibilidade dela. Essas possibilidades, por sua vez, geram novas utilizações que vão gerar novas transmissões. Portanto, o ebjeto não contém memória alguma, mas como é fruto de ação contém em si a possibilidade das infinitas ações, sempre transmitindo isso adiante. Se existe alguma “continuidade” é porque o que ali se processava se transmitiu já em transformação para além dali, através de uma rede de relações onde ecos voltam transformados. Sempre essa constante transmissão. • Os sistemas caóticos apresentam determinados padrões que permitem entender todo o sistema. Esses padrões são ressonâncias que vem de várias partes do sistema, se sobrepondo em sincronia. Ao contrário de sistemas lineares que isolam e idealizam situações perfeitas, os sistemas em questão jogam com todas as interferências externas, sendo por isso de apreensão muito mais intuitiva do que intelectual. É o mesmo que tentar observar a chuva caindo na água. Quando as primeiras gotas caem o movimento delas e das reações ainda é bem previsível, mas quando a chuva aumenta de volume o sistema assume um estado caótico, atingindo uma dinâmica que não é mais compreendida linearmente. Ou você entra em sincronia com esse sistema ou se afasta. Outro aspecto desses sistemas dinâmicos é a forte interdependência entre todas as partes. Qualquer alteração, por menor que seja, altera todo o conjunto de relações existentes. • “A roda, depois de certa velocidade, mostra os desenhos iguais a ela parada”. Os sistemas dinâmicos têm a característica de fazer reaparecer qualidades passadas com impressionante clareza ao entrar em estado de turbulência. • O desenvolvimento da espécie humana não pode ser dissociado da evolução tecnológica. Não somos seres independentes desenvolvendo tecnologias, evoluímos juntamente com elas. Se não fosse assim, seríamos uma raça estagnada tentando produzir tecnologia para depois se adaptar a ela. Evoluímos caoticamente com a tecnologia, não conseguimos descrever nossa evolução sem ela, assim como não conseguimos descrever a evolução dela sem a nossa. • Organismos coloniais, como os recifes de coral, são comunidades de criaturas individuais que formam um todo interligado para tornar viável a própria sobrevivência coletiva.
  • 14. Um recife de coral é formado por milhões de organismos muito pequenos que funcionam individualmente como criaturas separadas e coletivamente como uma comunidade, e que se beneficiam tanto de sua capacidade de se comportar como indivíduos em certas circunstâncias, quanto como um todo único em outras. Seres vivos convivendo em organismos coloniais acabam gerando uma sincronia em todo o sistema. Todo indivíduo do grupo fica mais sensível ao estado de corpo e espírito de cada membro. Sincronismos não são criados nem forçados, eles surgem naturalmente das necessidades e tendências de todo um grupo. • A idéia de fractal não é a da repetição idêntica, mas sim a recapitulação de grandes movimentos em movimentos menores, ou seja, padrões de auto- semelhança impressionantes, mas ao mesmo tempo inexatos. As formas ampliadas de detalhes mínimos do fractal são semelhantes mas nunca idênticas às maiores. Parecem-se o suficiente para que as reconheçamos, mas não para que a igualemos. • “Uma cultura caótica trabalha como uma equação interativa. É um sistema dinâmico turbulento, um fractal. Qualquer coisa gerada por ele é reintroduzida várias vezes, até que, ou todo o sistema é alterado ou ela se dissipa em nada. Num sistema cultural caótico, as idéias que geram tolerância, melhores condições de sobrevivência ou níveis mais altos de organização continuarão a iterar. As que não encontrarem ressonância suficiente somem no esquecimento, como as mutações aleatórias, mas ineficazes de uma espécie de bactéria... Na pior das hipóteses, como no caso dos OVNIs ou mesmo do nazismo, o que não nos mata antes de se iterar completamente, vai no mínimo nos ensinar alguma coisa”. Douglas Rushkoff