O deputado João Paulo Cunha (PT-SP) criticou o ministro Joaquim Barbosa por suas decisões no STF, afirmando que Barbosa só chegou ao cargo porque era "compromisso" do PT reparar injustiças com negros. O autor argumenta que isso revela o racismo do PT, que só defende minorias se estas apoiarem o partido, e que o PT esperava de Barbosa submissão, não independência. Dirceu pregou confronto com o STF e não aceitação de suas decisões.
1. O PT rasga a fantasia: ―Negro filho da mãe! Negro
traidor! Negro que não carrega bandeira! Negro vira-
casaca! Negro ingrato! Negro negro!‖
A questão sempre rondou as más consciências, era enunciada de modo oblíquo, falada
nos cantos, nos becos, nas bocas, nas tocas — como diria o sambista… Era sugerida,
mas jamais pronunciada. Ontem, finalmente, o ainda deputado João Paulo Cunha (PT-
SP), condenado por peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, rasgou a fantasia
e o verbo, revelou o que realmente pensa o PT, deixou aflorar seu [do partido] racismo
asqueroso e primitivo. Inconformado com a atuação do ministro Joaquim Barbosa, que
assumiu nesta quinta a presidência do STF, Cunha mandou ver: ―[Barbosa] Chegou [ao
Supremo] porque era compromisso nosso, do PT e do Lula, de reparar um pedaço da
injustiça histórica com os negros‖.
Que nojo de João Paulo Cunha!
Já explico onde estava este senhor quando vomitou o racismo de seu partido. Quero me
ater um pouquinho ao conteúdo de suas palavras porque elas provam, por A mais B,
algumas considerações que andei fazendo neste blog, ao longo dos anos, sobre a questão
racial.
No dia 11 de outubro de 2011, escrevi um texto sobre a relação que o PT mantém com as
chamadas minorias. Lá se pode ler este trecho (em azul):
Será mesmo o PT um partido especialmente afeito à defesa das mulheres, dos negros,
dos gays, dos direitos humanos – de grupos e temas, enfim, que seriam discriminados
pela sociedade ―reacionária‖? Uma ova! Essa gente tem é um desprezo solene por todas
essas causas e só as utiliza como instrumento de sua luta pelo poder. O PT defende, sim,
o negro, desde que esse negro carregue a bandeira do partido – se não for assim, o
sujeito é acusado de “preto de alma branca”. O PT defende, sim, a mulher, desde
que ela carregue a bandeira do partido – se não for assim, ela é acusada de agente
de machismo. O PT defende, sim, os gays, desde que o gay carregue a bandeira do
partido; se não for assim, ele será acusado de bicha reacionária.
Bingo!
Pensemos na enormidade da fala de João Paulo, que representa o pensamento da ampla
maioria do PT e de Lula — que também já andou cochichando essa ignomínia por aí em
versos, trovas e palavrões, como é de seu hábito.
Na formulação petista, Joaquim Barbosa não chegou ao Supremo por seus méritos, mas
porque é preto. Assim, quem o nomeou ministro foi a vontade de Lula, que lhe teria
prestado, então, um favor, fazendo uma concessão a uma ―raça‖ — afinal, sabem como é,
o PT é contra as injustiças… Mais: por ser negro, Barbosa estaria impedido de julgar
segundo os autos, as leis e a sua consciência. A cor da pele lhe imporia, logo à partida,
um determinado conteúdo. É por isso, ministro Joaquim Barbosa, que critiquei tão
duramente a resposta que Vossa Excelência deu a um repórter. Ainda que ele pudesse
estar fazendo uma provocação, condicionar a visão de mundo das pessoas à cor de sua
pele é manifestação do mundo das trevas intelectuais, que é de onde parte a fala de João
Paulo.
Lula, o PT e os petistas esperavam um negro grato, de joelhos, beijando a mãos dos
nhonhôs. Queriam um Joaquim Barbosa doce como uma negro forro, que se desfizesse
em amabilidades com o seu ex-senhor e se sentisse feliz por ter sido um dos escolhidos
da senzala para receber o galardão da liberdade. Em vez disso, o que se tem, na visão
dos petistas, é um negro ingrato, que decidiu olhar a lei, não quem o nomeou; que decidiu
se ater aos crimes cometidos pelos réus, não à cor de sua própria pele; que decidiu seguir
as regras do estado democrático e de direito, não o projeto de poder de um partido.
2. Negro filho da mãe!
Negro traidor!
Negro que não carrega bandeira!
Negro vira-casaca!
Negro ingrato!
Negro negro!
Não é de hoje, certamente, que Barbosa recebe pressões. Agora entendo com mais
precisão uma resposta que deu numa entrevista concedida à Folha em 2008:
―Engano pensar que sou uma pessoa que tem dificuldade de relacionamento, uma pessoa
difícil. Eu sou uma pessoa altiva, independente e que diz tudo que quer. Se enganaram os
que pensavam que, com a minha chegada ao Supremo Tribunal Federal, a Corte iria ter
um negro submisso. Isso eu não sou e nunca fui desde a mais tenra idade. E tenho
certeza de que é isso que desagrada a tanta gente. No Brasil, o que as pessoas esperam
de um negro é exatamente esse comportamento subserviente, submisso. Isso eu combato
com todas as armas.‖
Voltemos a João Paulo e aos petistas. Assim como um escravo dependia da boa vontade
de seu dono para obter a alforria, esses meliantes morais estão a dizer que Barbosa
dependeu da boa vontade de Lula para ascender ao Supremo. Como ele ousa jogar a lei
na cara daquele que tem a certeza de que lhe fez um favor e uma concessão?
Raramente um negro foi tão ofendido por um partido! Raramente os negros como um todo
foram tratados com tanto desdém. Que desastre moral para boa parte dos movimentos
negros, que certamente se calarão porque funcionam como esbirros do petismo! Este, se
querem saber, é o pior de todos os racismos. A besta ao quadrado que sai por aí a vomitar
injúrias raciais de modo explícito não é, ao menos, cínica. Os que cobram de um negro a
fatura por tê-lo nomeado para a corte suprema do país — onde a única coisa decente a
fazer é ser independente — deixam claro que usam as causas apenas como instrumento
de poder.
O PT é craque nisso! Lembrem-se que campanhas eleitorais de Lula e de Dilma reuniram
cotistas e bolsistas do ProUni — um programa federal, que não pertence ao governo, mas
ao Estado — para que expressassem a sua gratidão a seus ―benfeitores‖, a seus ―donos‖,
a seus nhonhôs… O país do PT não é aquele dos homens livres. O partido só entende a
linguagem da ordem e do pau-mandado, como sabe o relator da CPI do Cachoeira, Odair
Cunha (PT-MG), que entrega a redação do relatório ao comando de seu partido para que
tente as suas vendetas.
Barbosa que se cuide! O ódio dessa gente não é pequeno. A qualquer momento a sua
reputação pode ser alvo de um franco-atirador do mundo das denúncias.
Achincalhe da Justiça
João Paulo disse aquela enormidade numa ―plenária‖ feita em Osasco para satanizar o
STF e declarar a inocência dos mensaleiros, a que compareceram José Dirceu e José
Genoino. Rui Falcão, presidente do PT, e os deputados Jilmar Tatto (SP), líder do PT na
Câmara, e Arlindo Chinaglia (SP), líder do governo na Casa, faltaram.
Dirceu pregou abertamente o confronto com o Supremo. Mais do que isso: segundo
entendi, quer o tribunal submetido a júri popular, à moda maoísta: segundo ele, o PT deve
ir às ruas para ―fazer o julgamento do julgamento‖. Huuummm… Quanto mais trela lhe dá
o jornalismo que lhe serve de porta-voz, mais valente ele fica. Daqui a pouco, o Marcola e
o Fernandinho Beira-Mar também proporão formas de luta contra o Judiciário.
Dirceu deixou claro que não aceita as decisões da Justiça de seu país. Conclamou: ―É
preciso ir as ruas, discutir, debater o que esta acontecendo. Não aceitamos. Estamos
revoltados e indignados e somos vítimas de um julgamento injusto‖. É evidente que o
homem ultrapassou a linha da crítica e do direito a manifestações. Está pregando
abertamente a resistência a uma decisão da Justiça. E isso, como sabem, é crime!