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ra uma velha muito velha, muito velha, tão velha que
não havia velha mais velha do que ela.
Um dia, estava a velha a ver televisão, num aparelho
também muito velho, quando anunciaram que iam fazer
um concurso para proclamar a velha mais velha do mundo.
Todas as velhas do mundo podiam concorrer.
A velha desta história encolheu os ombros e disse:
– Para quê tanta complicação? Já se sabe que a velha
mais velha de todas sou eu.
Mas não se deu ao trabalho de concorrer.
Dias depois, começaram a desfilar, na televisão, velhas e
mais velhas, algumas apoiadas a bengalas, outras ajudadas
pelos bisnetos.
A nossa velha muito velha ria-se:
– Olha para aquela, que podia ser minha filha… E
aquela, quando nasceu, já eu usava dentadura… E aquela,
que ridícula, tão nova, a fingir que é velha…
1
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A VELHA
MAIS VELHA
António Torrado
escreveu e
Cristina Malaquias ilustrou
E
Até que o aparelho de televisão se avariou. A velha
deu-lhe uns safanões, mas o televisor não se convenceu.
Continuou sem dar nem som nem imagem. Só ruídos.
Estava velho.
A velha foi bater à porta de um vizinho, para continuar a
ver o concurso de velhas, mas o vizinho estava a ver um
concurso de misses, e não quis mudar de canal.
Então a velha, muito enervada, resolveu ir à
estação de televisão, onde se realizava o concurso
para apuramento da velha mais velha do mundo.
Estava com curiosidade em saber quem é que
escolhiam como vencedora. O azar foi que o táxi em
que se meteu se enfiou por uma rua com muito trân-
sito e, quando a velha chegou, já o concurso tinha
acabado.
Ia precisamente a sair, empurrada numa cadeira de
rodas, a velhota que tinha sido proclamada a mais
velha do mundo. Vinha com ramos e coroas de flores e
muita gente à volta, a sorrir para as máquinas dos
fotógrafos.
A velha da nossa história reconheceu-a.
– Mirita – gritou-lhe ela.
A velhota virou-se, na cadeira de rodas.
– Mirita, tu sabes que não és a mais velha. Tu mentiste
ou deixaste que mentissem por ti – disse a velha.
A velhota da cadeira de rodas baixou os olhos,
comprometida. À volta dela, tudo se calou.
– Eu, que fui tua professora, nunca te ensinei a mentir,
pois não? – ralhou-lhe a velha.
– Não, senhora – disse a velhota, a medo, como que a
pedir desculpa.
2
© APENA – APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
Mas de nada lhe valeu o ar de menina que cometeu uma
maldade, porque a velha muito velha, ali, sem mais nem
menos, diante de toda aquela gente, passou-lhe um
raspanete e deu-lhe um valente puxão de orelhas.
FIM
3
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  • 1. ra uma velha muito velha, muito velha, tão velha que não havia velha mais velha do que ela. Um dia, estava a velha a ver televisão, num aparelho também muito velho, quando anunciaram que iam fazer um concurso para proclamar a velha mais velha do mundo. Todas as velhas do mundo podiam concorrer. A velha desta história encolheu os ombros e disse: – Para quê tanta complicação? Já se sabe que a velha mais velha de todas sou eu. Mas não se deu ao trabalho de concorrer. Dias depois, começaram a desfilar, na televisão, velhas e mais velhas, algumas apoiadas a bengalas, outras ajudadas pelos bisnetos. A nossa velha muito velha ria-se: – Olha para aquela, que podia ser minha filha… E aquela, quando nasceu, já eu usava dentadura… E aquela, que ridícula, tão nova, a fingir que é velha… 1 © APENA - APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros A VELHA MAIS VELHA António Torrado escreveu e Cristina Malaquias ilustrou E
  • 2. Até que o aparelho de televisão se avariou. A velha deu-lhe uns safanões, mas o televisor não se convenceu. Continuou sem dar nem som nem imagem. Só ruídos. Estava velho. A velha foi bater à porta de um vizinho, para continuar a ver o concurso de velhas, mas o vizinho estava a ver um concurso de misses, e não quis mudar de canal. Então a velha, muito enervada, resolveu ir à estação de televisão, onde se realizava o concurso para apuramento da velha mais velha do mundo. Estava com curiosidade em saber quem é que escolhiam como vencedora. O azar foi que o táxi em que se meteu se enfiou por uma rua com muito trân- sito e, quando a velha chegou, já o concurso tinha acabado. Ia precisamente a sair, empurrada numa cadeira de rodas, a velhota que tinha sido proclamada a mais velha do mundo. Vinha com ramos e coroas de flores e muita gente à volta, a sorrir para as máquinas dos fotógrafos. A velha da nossa história reconheceu-a. – Mirita – gritou-lhe ela. A velhota virou-se, na cadeira de rodas. – Mirita, tu sabes que não és a mais velha. Tu mentiste ou deixaste que mentissem por ti – disse a velha. A velhota da cadeira de rodas baixou os olhos, comprometida. À volta dela, tudo se calou. – Eu, que fui tua professora, nunca te ensinei a mentir, pois não? – ralhou-lhe a velha. – Não, senhora – disse a velhota, a medo, como que a pedir desculpa. 2 © APENA – APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros
  • 3. Mas de nada lhe valeu o ar de menina que cometeu uma maldade, porque a velha muito velha, ali, sem mais nem menos, diante de toda aquela gente, passou-lhe um raspanete e deu-lhe um valente puxão de orelhas. FIM 3 © APENA – APDD – Cofinanciado pelo POSI e pela Presidência do Conselho de Ministros