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A ntunes Filho e suas obsessões recorrentes




               A ntunes                                              re       re
                               F i l h o e s u a s o b s e s s õ e s re c o r re n t e s


                                                      E ntrevistacom
                                                      Antunes Filho *




S
    ala Preta: Você definiu seu trabalho, na fi-      colocar em cena, quer dizer, o ato de você en-
    cha técnica de Pedra do Reino, como “tea-         saiar e colocar os atores fazendo já é uma ence-
    tralização”. Não me lembro de você ter uti-       nação. Aqui, no caso, já é uma teatralização por-
    lizado o termo em qualquer outra das              que é um romance que não é mais romance, que
    produções do CPT. Por que essa mudança?           passa a ser teatro. Se eu não colocasse teatra-
       Antunes Filho: Eu sempre fiz adaptações,       lização seria mais uma peça do Suassuna, mas
quer dizer, quando você pega uma peça de tea-         não é. Guimarães Rosa não precisaria disso, por-
tro e você adapta. Agora não, peguei um roman-        que aí colocaríamos adaptação e acabou.
ce. Na época, se fosse possível, eu poderia ter               Sala Preta: O público que acompanha seu
utilizado o termo para Macunaíma. Poderia             trabalho desde o início do CPT teve a surpresa
também ter servido ao Augusto Matraga. Eu             em Pedra do Reino de reconhecê-lo como um
achei legal esse termo porque dá a idéia perfeita     espetáculo muito próximo da linguagem e da
de que você pegou uma obra literária, respei-         estrutura de Macunaíma . Seria possível dizer
tou-a ao máximo e a teatralizou. Então aquilo         que esse espetáculo, que tinha chegado a ser fi-
que não saiu bem é do Antunes, o que saiu bom         nalizado e apresentado para o Suassuna há vin-
é do Suassuna. É uma maneira também de você           te anos, ficou no congelador esse tempo todo e
proteger o autor, não é? Isso porque ele é um         você o tirou de lá como estava? Como foi revi-
autor de teatro também, mas ele não escreveu          vificar o espetáculo depois de tanto tempo?
como teatro. E teatralização define que ele não               Antunes Filho: Em primeiro lugar eu que-
escreveu como peça, mas que é um romance              ro dizer que eu gosto de personagens picares-
dele. Então me pareceu que a palavra mais exa-        cos. Eu adoro, porque eles são visionários, têm
ta era mesmo essa. Poderia haver outras, eviden-      um pouco de Dom Quixote. Eu gosto das coi-
temente, mas foi essa que eu pensei e adotei, e       sas exacerbadas. Eu gosto do Herzog, do Ibsen.
eu gosto.                                             São viagens de quem acredita em utopias, em-
       Sala Preta: No fim, é uma variante do ter-     bora na maioria das vezes desemboquem na tra-
mo encenação...                                       gédia. Sempre se precisa tomar cuidado com a
       Antunes Filho: Mas encenação é diferen-        utopia porque a grande verdade é também trá-
te. É quando você pega um texto e encena. É só        gica, leva à grande tragédia. Então, eu tinha uma


    * Antunes Filho é encenador e Diretor do Centro de Pesquisa Teatral do Secs-SP. Entrevista concedida
    a Luiz Fernando Ramos em novembro de 2006.




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               fixação no Quaderna e precisava dar vazão a esse    diálogo direto. Para quem assistiu ao espetáculo
               ímpeto que eu tenho ainda, meio moleque,            naquela época ver agora é interessante porque
               meio acreditando em coisas, em fantasmas, em        reaparece um Antunes inaugural. Há, sem dú-
               oásis, achando que o oásis é o próprio paraíso,     vida, esses aspectos do conteúdo dos romances,
               o que me leva sempre a me estrepar, mas não         que você abrandou na aproximação entre os
               faz mal. Então, esperar foi legal, porque eu acho   dois romances, mas é um reencontro com aque-
               que não estava maduro para fazer naquela épo-       la forma.
               ca. Eu estava ainda muito empolgado com o                  Antunes Filho: Eu não abro mão da mole-
               Macunaíma e não teria sido legal. Agora assen-      cagem. Sou sapeca, espírito de porco. E isso me
               tou a poeira, passou o tempo e deu para perce-      aproxima de personagens como Quaderna,
               ber melhor o Suassuna, não o Quaderna. Na           Macunaíma, Policarpo Quaresma, o Bacamarte.
               primeira montagem eu tomei liberdades que           Então são personagens que me fascinam. Quan-
               hoje eu vejo eu não podia ter tomado. Eu avan-      do eu fui fazer os gregos e outras peças, era uma
               cei o sinal no cotidiano do Ariano, o que não       espécie de universidade que eu tinha que fazer.
               podia. Falei certas coisas que deveriam ser res-    Eu sempre achei muito ruim como se faziam os
               guardadas e eu não tive muito cuidado, eu acho.     gregos por aqui e pensei que nós tínhamos que
               Porque eu utilizei duas obras dele: A Pedra do      aprender a fazer os gregos. Porque a gente não
               Reino e o Rei degolado. Uma é a biografia do        consegue fazer? Porque quando eu vou ver acho
               Quaderna e a outra tem a ver com a vida do          uma porcaria e todo mundo fala que é bom?
               Ariano Suassuna. Embora ainda se mantenha           Então eu tentei me aproximar para fazer a mi-
               isso no espetáculo atual, dessa vez eu tomei mais   nha formação, para enfrentar o desafio e apren-
               cuidado e tive muito respeito com o Ariano.         der. Quando você pega um bom lutador pela
               Naquela época eu via o Ariano como um bom           frente você aprende, quando você pega um mau
               artista que tinha escrito um bom romance, mas       lutador você perde. Você vai jogar ping-pong
               não o colocava no pedestal que eu o coloco          com quem não sabe você perde, e se você joga
               hoje, como um dos maiores artistas de todos os      com quem sabe você joga melhor. Então você
               tempos no Brasil. Eu acho que essas pessoas         tem que pegar bons antagonistas para crescer e
               maravilhosas que nascem e vivem no Brasil a         aprender com eles.
               gente deve sempre ajoelhar e beijar a mão. En-             Sala Preta: Mas são vinte anos, quer di-
               tão eu tive tempo de perceber melhor o Ariano       zer, aconteceu um monte de coisas na sua cabe-
               e falar. Puxa vida ainda bem que tem gente          ça, você fez mil espetáculos e, de repente, você
               como você nesse país, como o Ferreira Gullar,       reencontra esse Antunes anterior. Há aí a sensa-
               Guimarães Rosa, Mário de Andrade. Gente de          ção de chegar de novo a um lugar em que você
               boa cepa. É, portanto, uma homenagem que eu         já esteve?
               faço à arte dos brasileiros, e não, simplesmente,          Antunes Filho: Sempre volta, a gente sem-
               um fazer coisas dos brasileiros. Eu tenho que       pre volta ao lar paterno, ou materno.
               respeitar aqueles que realmente são artistas.              Sala Preta: Mas há uma coisa com ginga,
               Hoje como está tudo muito caótico, como o           prazer, solar...
               caos é tão grande, a gente deve nesse momento,             Antunes Filho: Eu sou apolíneo, sou
               por oposição, elogiar muito, muito, pessoas         sagitariano.
               como o Ariano. Naquele tempo eu não precisa-               Sala Preta: Mas você andou sombrio...
               va elogiar tanto porque o mundo era melhor.                Antunes Filho: Exato, eu acho que eu pre-
                      Sala Preta: Mas de qualquer maneira o        cisava saber lidar com isso. Eu não descarto o
               fato da primeira montagem ter sido feita logo       lado moleque, o capeta dionisíaco que eu tenho.
               após Macunaíma torna ela muito próxima em           Que me alimenta. Conseguir esse equilíbrio
               termos das soluções cênicas. Na verdade é um        entre o apolíneo e o dionisíaco é que é legal.




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A ntunes Filho e suas obsessões recorrentes




       Sala Preta: Há um outro aspecto impor-              Antunes Filho: Primeiro vamos falar de
tante que é o trabalho de dramaturgia que você      voz. Pedra do Reino é um dos raros espetáculos
fez, que também é uma novidade em termos de         no Brasil que você vem assistir e não perde ne-
Antunes. Você nunca tinha feito um trabalho         nhuma palavra. Então aquele método que você
tão forte como dramaturgista.                       viu que eu atravessei através dos gregos foi um
       Antunes Filho: Realmente, um desafio         aprendizado que eu estava desenvolvendo, um
como esse foi a primeira vez. É um livro de se-     método que era na projeção e sem ressonância.
tecentas páginas e um outro de duzentas. Preci-     Porque há uma diferença extraordinária entre a
sa de muita paciência. Nós brasileiros não gos-     ressonância e a projeção. Então eu cheguei no
tamos de perder muito tempo com uma coisa           fundo do poço e hoje em dia eu conheço bem
só. Nós gostamos de variar. Então, talvez tenha     o problema e sei como resolver. Evidentemen-
sido bom demorar vinte anos porque aí você          te, você não consegue resolver em uma peça ou
pode retomar noutras. Assim eu não enjoei. Se       em duas peças. Isso é um trabalho árduo que
eu ficasse só adaptando sem parar, acho que eu      exige a tenacidade de cada ator através dos anos.
não agüentaria, ficaria insuportável. Ficaria       Hoje em dia tem uma questão que está desqua-
aquela mesmice. De vez em quando eu voltava         lificando o próprio teatro, o microfone: os ato-
e, gozado, lia a adaptação e achava que não dava.   res usando o microfone. E o grave é que eles
De repente, agora em dois mil e pouco li e achei    estão usando o microfone, mas eu não os enten-
que dava. Na década de noventa, em 95, eu           do mesmo com o microfone. O que está acon-
peguei e achei que não dava, pensei que isso aí     tecendo? O teatro está virando uma espécie de
não dava teatro não. De repente deu de novo,        terreno baldio, cada um faz o que quer. Não se
que legal!                                          pede mais para uma pessoa ter talento ou não.
       Sala Preta: Então você ia mexendo?           Ela vai lá e diz: posso fazer. Coloca o microfone
       Antunes Filho: Não, ficava aqui na cabeça    e faz. Quando, ao contrário, eu acho que o es-
flutuando.                                          tudo vocal que você faz é uma experiência que
       Sala Preta: Mas você disse que abrandou..    você tem que focar, que se tem que passar, que
       Antunes Filho: Sim, eu tinha avançado o      é da maior importância. É uma espécie de uni-
sinal em relação à mãe dele e agora tomei mais      versidade que você faz. Não é somente voz que
cuidado. O meu cuidado durante a encenação          você aprende, você vai aprender eufonia, estéti-
foi perguntar para as pessoas se eu não estava      ca, são uma porção de coisas. Você vai melho-
desrespeitando o Ariano.                            rar, em termos de civilidade, para fazer teatro.
       Sala Preta: Isso acabou sendo um parâ-       Na medida em que você começa a colocar mi-
metro [...].                                        crofone, tudo isso, vira um terreno baldio mes-
       Antunes Filho: Sim muito cuidado, mui-       mo. Quando precisava estudar a voz, mesmo
to cuidado. Eu não queria aborrecer o Ariano        que fosse ruim, havia uma preocupação, do ator,
de modo algum.                                      pelo menos, de avanço cultural. Agora não tem
       Sala Preta: Nos espetáculos gregos, você     mais isso, está uma coisa terrível e se não to-
trabalhava os atores investindo muito na respi-     marmos cuidado, vai virar terreno baldio mes-
ração e na voz. Era uma pesquisa sofisticada.       mo. Ou seja, vai cada vez mais o teatro ir para o
Agora na Pedra do Reino, talvez até pela caracte-   beleléu. É uma casa abismo abaixo. É uma for-
rística solar que lhe é intrínseca, há uma coisa    ma respeitosa que você tem que ter com o espí-
mais solta. Retoma-se uma leveza que os atores      rito humano, com o conhecimento humano.
do Macunaíma trabalhavam, e remete à fase ini-      Eu sei que há esse problema do pós-modernis-
cial do CPT. Essa é uma tendência para um tra-      mo. Mas é importante você ter, não digo uma
balho mais aberto com os atores?                    especialização, mas que quando você começa a




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               estudar voz você não fique se especializando em      res dependentes. E eu tenho atores interlocu-
               voz. É um leque amplo de estética, de filosofia      tores. É uma interação formidável que eu tenho
               e de cultura que você começa a adquirir. Eu não      que ter com o ator.
               admito, por exemplo, um ator não saber um                   Sala Preta: Nesses vinte anos você se tor-
               pouco de filosofia e de estética. O que acontece     nou uma referência nacional na formação de
               com a crítica hoje em dia. As pessoas são jovens,    atores, um verdadeiro jardineiro que os cultiva
               às vezes, não tiveram um curso, falta um pouco       e os faz desabrocharem. Ao mesmo tempo nes-
               da especialização na filosofia, falta um pouco da    se período mudou muito o parâmetro das esco-
               estética, que os antigos tinham. Então era           las de teatro, que foram todas influenciadas por
               balizado. Hoje não, é palpite. Mas o mundo está      Grotowski e Barba, e passaram a trabalhar mais
               assim, é o pós-moderno.                              verticalmente, e talvez o melhor exemplo disso
                      Sala Preta: Mas voltando à diferença en-      seja o Lume. Como você vê esse panorama e o
               tre a projeção e a ressonância?                      CPT dentro dele.
                      Antunes Filho: Pois é, Macunaíma foi fei-            Antunes Filho: Você usou a palavra ver-
               to só na projeção. Agora eu estou na ressonân-       tical, mas eu uso a mesma palavra para outras
               cia. Mesmo quando nós falamos agora na pro-          coisas.
               jeção, diferenciamos o falar baixo em que a                 Sala Preta: Eu a uso no sentido de apro-
               projeção não atrapalha, mas se você falar alto       fundamento, de pesquisa profunda.
               você se perde todo. Você perde o encaminhar                 Antunes Filho: Me parece que isso que
               da personagem.                                       você está falando é horizontalidade. Verticalida-
                      Sala Preta: Então há uma continuidade na      de para mim é quando você mexe com o ho-
               voz, mas ela está aparecendo mais relaxada?          mem, quando você vai ao cerne do próprio
                      Antunes Filho: A gente está aprendendo,       homem. Vai ao DNA. Quando você percorre o
               e a peça é brasileira, então é mais fácil. Quando    longo caminho do primeiro homem das caver-
               você pega um texto mais nobre para falar é mais      nas e vai para os mitos e os arquétipos. E para
               difícil. Então a coisa mais importante para o        mim, é fundamental isso. Ou você vai nessa li-
               ator é a respiração. Precisa aprender a respirar.    nha que aprofunda o homem numa vertical, ou
               Hoje em dia, todo o curso do CPT é baseado           você vai à horizontalidade, que é a medida cer-
               em relaxamento e respiração. E todos aqui den-       ta, ou o social. É a denúncia social, é todo ci-
               tro são capazes de discutir a voz de qualquer ator   nema que está sendo feito no Brasil e todo tea-
               brasileiro ou estrangeiro. A maioria sabe ler uma    tro que está sendo feito no Brasil. É a denúncia.
               voz tanto no teatro como no cinema. Você po-         Na verdade são focos, furos jornalísticos que se
               dia criticar a maneira de se ensinar a voz antiga-   procura dar. Por isso que o apoio hoje nos jor-
               mente. Tinha a Maria José de Carvalho que eu         nais é a um certo tipo de cinema, a um certo
               adorava, mas era ainda projeção. A projeção dei-     tipo de teatro.
               xa você hirto. Mas você pode buscar uma es-                 Sala Preta: Mas eu estou falando de pes-
               sência espiritual que é fundamental. Na proje-       quisas profundas sobre o ator. O Lume, por
               ção o teu físico vai e você perde. Na ressonância    exemplo, trabalha em laboratório, fazendo trei-
               você conserva a sua integridade espiritual. Na       namentos exaustivos...
               projeção você se esvazia. E isso o CPT tem tra-             Antunes Filho: E eu estou falando em fi-
               balhado muito e nem sempre dá resultado. Por-        losofia. Eu não posso ter uma visão prática e
               que os atores têm muita dificuldade hoje em          profunda se eu não tiver uma visão filosófica
               dia, não tem confiança em si. A era do diretor       vertical. Vertical é o que, ficar mais tempo en-
               tirou a confiança dos atores. Eu estou querendo      saiando um negócio? É um estilo? Eu não en-
               restabelecer isso. Os atores têm que ter confian-    saio o estilo, eu ensaio o homem. Eu me vejo
               ça em si para poder criar. Eu não posso ter ato-     sempre ensaiando o homem. E o homem com




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A ntunes Filho e suas obsessões recorrentes




todas as suas contradições. Nós estamos viven-       coisa arquetípica interna. Você fala em verticali-
do um momento muito difícil. Aqui no CPT             zação no sentido de aprofundar determinadas
nós estudamos Schopenhauer, Nietzsche, já            pesquisas, etc e tal. Eu falo verticalização no sen-
estamos em Deleuze. Vendo como a gente sai           tido da eternidade, quer dizer, no sentido do
desses impasses. Isso me parece um aprofunda-        não tempo. Porque o meu ideal de ator é que
mento de como é que está o mundo hoje em             quando ele entre em cena estabeleça-se o não
dia. Isto me parece que é uma vertical. Agora        tempo, ou seja, ele comece a criar um novo pa-
você dirá, nós nos especializamos no homem?          drão de tempo, que é uma coisa fantástica, uma
Sim, nos especializamos. Se você acha que aqui-      cosmogonia que ele tem que criar. E eu acho
lo é vertical aqui também é vertical, não é hori-    isso a coisa mais linda para um ator. Por exem-
zontal. A horizontalidade está ligada a um tipo      plo, o cara pinta, ele também tem isso, mas é
de teatro imediato que serve para esse momen-        parcialmente. Ele não tem essa situação em que
to, para esses meses, e não que serve para a his-    é o corpo todo que age para ele entrar e ficar
tória do homem, para sempre. Então tem que           parado em outro tempo. O pianista fica parcial-
tomar cuidado e não cair numa outra utopia.          mente. Mas o ator não, ele é íntegro. Ele entra
Eu faço a utopia e ironizo o próprio homem na        no palco e parece que os relógios do mundo
sua utopia. Eu não me acho diferente. Eu acho        param. Começa uma relatividade, é uma outra
que os outros são diferentes.                        relatividade. E ele faz o que ele quer, ele cria o
       Sala Preta: Você já foi mais solitário como   mundo que ele quer, o universo que ele quer.
alguém que trabalhava a formação do ator como        Ele pode fazer qualquer coisa. Ele vai intuir o
uma pesquisa séria. E acho que há pessoas que,       homem no ano 2030. Ou ele vai falar as mes-
fora daqui, também fazem pesquisa séria.             mas palavras e os mesmos sentimentos que teve
       Antunes Filho: Claro, é uma outra linha.      um cara em mil e seiscentos, com o Shakespea-
Mas quando eu falo pesquisa é o homem que            re. É possível porque ele tem uma coisa em co-
eu estou vendo em profundidade, não é uma            mum com todos os homens que é o inconscien-
técnica simplesmente. E essa análise do homem        te coletivo. Então esse ator ele pode fazer todas
leva a uma técnica, tem a sua técnica especial.      as personagens do mundo, ele pode fazer tudo
Mas eu não vou estudar uma técnica oriental,         porque ele é o criador absoluto. Porque ele sai
porque é uma técnica hindu. Não me interessa         fora e cria. É tão bonito, porque ele pode criar
isso. Eu sou levado por um conteúdo.                 um sistema ou um universo novo. Muitos ato-
       Sala Preta: É assim que você vê a influên-    res têm essa capacidade de fazer isso. Enquanto
cia do Barba?                                        eles estão ali você esquece do relógio e está no
       Antunes Filho: Eu não gosto do Barba,         poder deles. Eles transformam uma hora em
particularmente. Eu acho que é um catálogo,          cinco minutos e fazem de um minuto uma
mecânico, estereotipado. É uma soma antropo-         hora. É como na hora da morte quando você
lógica. Não sei onde me levam essas imitações        relembra sua vida inteira em trinta segundos.
da coisa. Eu quero chegar ao pré-mito, e não o       São hologramas. A história da madeleine do
pós-mito. Eu até fiz o espetáculo do Chapeuzi-       Proust, com um segundo de paladar ele estru-
nho Vermelho que era isso, o pré-mito, o im-         tura todos os volumes. O detalhe que dá o todo.
pulso primeiro. Eu não estou partindo daquilo               Sala Preta: Ainda insistindo nesse ponto,
que a civilização fez, nem quero reproduzir cer-     é inegável que houve uma inflexão na relação
tas coisas de determinado momento histórico          da maior parte dos grupos de teatro na questão
para ver. Não quero isso. Eu não tenho essa ado-     do ator, que poderia ser sintetizada na mudan-
ração. Tenho adoração por uma coisa só, o ho-        ça de perspectiva do ator funcionário para o ator
mem. O homem e seus troços, aquilo que tem           poeta, criativo. É nesse contexto que gostaria de
por dentro, a sua mitologia interna, e toda a        ver você comentar o CPT hoje.




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                      Antunes Filho: A maioria das pessoas que     tos e entra na coisa. Não é gostar do espetáculo
               se pega, falam que querem fazer teatro, mas         porque ele é muito aquecido. Isso não é legal
               acho que querem um emprego no teatro. É o           para o nosso desenvolvimento, para o nosso
               que eu chamo de ator funcionário e isso é ruim      progresso, para o nosso futuro. Porque bons au-
               para o teatro. Eu vejo atores maravilhosos aí       tores exigem grandes atores. Porque se você es-
               fora, mas que falta técnica. O que acontece. O      creve uma peça de teatro e dá para uns troglo-
               cara ganhou um prêmio de melhor ator do ano         ditas fazerem o conflito pelo conflito acaba
               e nunca mais vai sair daquilo. Está travado,        preferindo escrever para a televisão. Não ganhar
               porque teve a habilidade de fazer de um jeito,      nada e ainda não ter nenhuma satisfação... Mas
               ganhou prêmio, e agora vai repetir aquilo inde-     se o autor percebe que tem gente que sabe dizer
               finidamente. Diga-me se não é assim com a           ele se entusiasma a escrever para o teatro.
               maioria dos atores novos que você vê? É a mes-             Sala Preta: Na Universidade temos traba-
               ma coisa sempre. E se tivesse técnica podia fa-     lhado com a idéia do ator pesquisador.
               zer mil coisas diferentes. Então o corpo tem que           Antunes Filho: Nós aqui, também, discu-
               ficar maleável a qualquer coisa. A técnica não é    timos no CPT como fica o artista na moderni-
               um fim, a técnica é um meio para o ator e sua       dade pós-moderna e aí começa uma discussão
               expressão. Mas você não pode ter expressão se       que nunca acaba. Mas eu acredito que o artista
               você não tiver técnica.                             é um cara que tem privilégios para poder fazer
                      Sala Preta: Mas, além da sua técnica, que    coisas incríveis para a sociedade. E, no entanto,
               tem até um pouco de bruxaria, a “sua técnica”,      há quem só queira tirar coisas da sociedade. Esse
               há outras técnicas sendo buscadas. O Lume é         cara só quer tirar coisas para ficar numa boa.
               apenas um dos exemplos de muitos grupos que         Quando o artista pode ser só uma fantasia, ele
               estão buscando a técnica por um lado menos          tem uma missão com ele. Agora os outros que-
               formalista de somar apetrechos técnicos. Assim,     rem apenas um lugar ao sol. Por isso que você
               há técnicas e técnicas, mas há, sobretudo, uma      vê muitos desses caras por aí, que vão ficar pio-
               pesquisa generalizada de construir novos modos      rando, porque eles não tem a cabeça. O que o
               de linguagem.                                       CPT faz é encher a cabeça das pessoas, de mi-
                      Antunes Filho: Mas o problema é que você     nhocas e do que for possível, para ter uma di-
               não vê isso. Você só vê a expressão do ator, o      nâmica intelectual e espiritual, para ele poder
               seu sentimento. No tempo da EAD você via a          realmente caminhar e levar a algum lugar o nos-
               técnica da Maria José de Carvalho, da Nydia         so país e a nossa cultura. Porque nós não pode-
               Lícia, que era uma técnica de falar impostado.      mos ficar nessa sub cultura, e só ficar fazendo
               Mas a minha técnica, ela não existe. Existe a ex-   isso aí para funcionar. Eu não quero espetáculos
               pressão plena do ator, o sentimento pleno do        que só funcionem. Quero muito mais. Quero
               ator, a intenção objetiva e plena do ator. A téc-   espetáculos que vão gerar dividendos espiritu-
               nica é para você expressar exatamente aquilo        ais e culturais para o povo. Só isso tem senti-
               que você sente. Se você sente uma coisa e não       do.Se não tiver isso não tem mais porque fazer
               tem a técnica adequada essa coisa que você sen-     teatro. Daí eu vou pra praia, viver na praia. Mas
               te vai chegar deformada para quem está assis-       se eu fico é porque acredito. E estes caras de que
               tindo ou usufruindo. A falta de técnica altera o    eu estou falando acreditam na confraternização
               sentido. No Brasil eu vejo espetáculos que são      humana. Esses artistas acreditam. Quando es-
               feitos na marra. A gente até gosta, como quan-      tão no palco eles estão numa função social em
               do a gente vai, na sexta-feira, numa macumba,       relação à platéia e não simplesmente extraindo
               e acaba se entusiasmando com a percussão, mas       coisas da platéia.
               não é legal. Eu gosto muito mais quando você               Sala Preta: O ator que faz o Quaderna,
               pode acompanhar racionalmente os sentimen-          o Lee Thaylor, foi aclamado como uma reve-




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lação. Qual o antídoto para um ator com essa        quero. Eu tenho até uma idéia de fazer ao ar
potencialidade não ser atrapalhado por essa         livre, de fazer um espetáculo grego. Não nos
badalação?                                          moldes de Atenas. Mas fazer com helicópteros,
       Antunes Filho: O Lee precisou apanhar        fazer para valer, com a relação céu e terra. Mas
muito de mim, apanhou muito, mas hoje em            fazer ao ar livre por fazer ao ar livre, não. Aí é
dia acho que ele está preparado e sabe que tea-     jornalismo e eu não estou a fim de fazer jorna-
tro é doação. E sabendo isso ele não vai se per-    lismo. Não estou a fim de fazer acontecer um
der. Se ele achar que com o teatro ele só vai lu-   fato. Eu quero saber como um fato acontece,
crar ele estará perdido. O Lee vai se salvar. Ele   como ele aconteceu, as raízes daquele fato, e
já é considerado por todo mundo como um dos         como o homem se comportou na trajetória de
melhores atores do país. Ele nem chegou a fa-       um determinado problema. Isso me interessa.
zer Prêt-à-Porter, ele pulou o Prêt-à-Porter. Que   Se eu coloco a cena em céu aberto, e se eu estou
é onde eles aprendem alguns princípios do ator.     lidando sempre com os arquétipos, eu quero
No Prêt-à-Porter você começa a lidar com o hu-      que venham coisas do céu, que venha o raio que
mano. É legal isso, lidar com os sentimentos e      parta do céu, que Zeus faça alguma coisa. Então
as sensações. Porque geralmente as pessoas          quando eu falo do helicóptero é para fazer uso
quando vão fazer teatro não mostram o senti-        de uma maneira divina, de um disco voador.
mento, mostram o estereótipo do sentimento.                Sala Preta: Nos anos setenta o movimento
No Prêt-à-Porter as pessoas são obrigadas a per-    foi do Macunaíma para o Nelson Rodrigues e,
ceber como captar o seu sentimento e como           agora, você vai retomar o Nelson. É uma coin-
colocá-lo em cena. O Lee é um grande ator, do       cidência, ou é uma retomada daqueles Nelsons?
nível dos que eu já tive, que vai ser como o               Antunes Filho: De uma certa maneira sim.
Jardel um dia, enfim, tem que trabalhar e con-      Eu gosto muito do Nelson, eu me reprimi de
tinuar trabalhando. Ele tem sido muito estimu-      fazer Nelson. Eu não tenho uma nova leitura
lado aqui no CPT para se tornar um grande           de Nelson, eu entendo Nelson muito bem.Eu
ator. Quando se tem um grande ator, apesar dele     tenho uma visão clara sobre Shakespeare, eu te-
ser jovem, você pode colocá-lo no papel de ve-      nho uma visão clara sobre Eurípides, eu tenho
lho, de bisavô que funciona, porque ele é ator.     uma visão clara sobre Nelson. Não é verdade?
Agora você pega um cara com phisique du role,       Então eu vou continuar a minha visão. O que
mas que não é ator, não adianta, não vai. Então     aconteceu é que eu voltei para casa, para fazer
o que você tem que ter no palco é ator. É a coi-    textos brasileiros. Eu estou voltando, por coin-
sa fundamental. Eu não consigo mais trabalhar       cidência aos mesmos porque são os grandes au-
sem ator                                            tores brasileiros.
       Sala Preta: Entre os espetáculos mais im-           Sala Preta: Você estaria retomando o
portantes desse ano, o seu era um dos poucos        “Nelson Rodrigues”?
que ainda se dava na caixa cênica. Como você               Antunes Filho: Não sei. Por enquanto es-
vê o futuro da caixa.                               tou trabalhando Senhora dos Afogados. É uma
       Antunes Filho: O teatro é o espetáculo       peça que quase não dá pra fazer. Que ninguém
mas eu não vejo o teatro só como espetáculo.        faz porque você lê, e fala assim não dá pra fazer.
Eu vejo o espetáculo como retratando a aventu-      E eu quero fazer porque não dá para fazer. E
ra humana. Eu não estou procurando novida-          tem um lado arquetípico que me interessa, do
des, nem novas embalagens. Eu quero que você        homem. E eu gosto muito do Nelson Rodri-
resolva com as tuas garrafinhas o problema pic-     gues. Gosto muito do Nelson, gosto muito do
tórico e espiritual de uma obra. É lógico que eu    Jorge Andrade também que é um grande autor
não tenho medo de fazer um espetáculo ao ar         de teatro. Ariano Suassuna, Guimarães Rosa. Eu
livre, mas acho que vou fugir daquilo que eu        gosto de literatura. Porque eu acho que se você




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               faz boa literatura no teatro, esses grandes clás-      de anedotas, e vai falando e vai falando e você
               sicos, você está estendendo a mão para a coleti-       começa a perceber uma coisa profunda, uma
               vidade. Ou você faz o teatro como doação, a            dor profunda. Uma é mais da análise, laborato-
               arte como doação, ou você faz arte como egoís-         rial. A outra não, você vai num determinado
               mo para as pessoas te aplaudirem e você lucrar         lugar e conta um fato. Mas é um fato já aconte-
               com isso. Ou o público lucra ou você lucra. O          cido, e esse aqui não, está acontecendo. Muda
               meu teatro é o público lucrando. Penso naque-          o tempo. A questão do tempo é fundamental, é
               la expressão. Tudo o que eu faço é para o públi-       tudo. No caso do Zé é o ritual de Baco, é mais
               co lucrar.                                             uma missa e aqui não, é outra coisa, é mais
                      Sala Preta: Mas não pode haver um em-           profana.Eu respeito muito o Zé, a loucura sa-
               pate aí?                                               grada dele, essa coisa meio visionária que ele
                      Antunes Filho: Falo de um princípio. De-        tem, mas ainda acho que está muito mais perto
               pois que haja isto, certo? Porque isso é dialético     do candomblé, está muito mais próximo do ri-
               também, não é unilateral. Ou você lucra ou o           tual. Ele não me explica as coisas. Ele dá fatos
               público lucra. Então o meu teatro é feito com          ocorridos. Ele faz a missa de fatos ocorridos. A
               uma condição. No início não, quando eu co-             própria missa, quando você vai ver uma missa,
               mecei teatro, não. Depois, é o “público que tem        conta a história de Jesus. Ele não conta a histó-
               que lucrar”. Eu não sou nada. É essa coisa da          ria de Jesus, ele festeja. Então é uma missa que
               aldeia. Eu ainda estou no tempo dos antepassa-         não é missa. É ritual sem ser missa...Para mim,
               dos da aldeia. De Portugal, dos meus pais e dos        pegar o Nordeste, o Nordeste é um lugar incrí-
               meus avós, da aldeia, da festa da uva, sempre.         vel, a seca, me fala um negócio profundo. Tem
               Amassar a uva e fazer o vinho. Aí a gente entra        a ver com alguma coisa dos meus mitos e dos
               talvez no Baco.                                        meus arquétipos. Tem a ver com esse deserto,
                      Sala Preta: Pedra do Reino vem a público        essa gente que eu sou, esse homem cavalgando,
               exatamente no momento em que o Oficina está            fazendo patifarias para conseguir coisas ou não
               concluindo a adaptação de Os Sertões. Como             conseguir. Tem a ver com esse espírito huma-
               você vê a relação entre esses dois livros e essa       no, com esse lado nosso da vontade, com o nos-
               coincidência de montagens? Como você as                so lado animal, agressivo, sexual. Com essa coi-
               compara?                                               sa do conhecimento, da cultura. É uma fábula,
                      Antunes Filho: Acho que é uma somatória.        uma saga. As peças do Ariano, apesar de serem
               São obras diferentes para um mesmo problema,           personagens isolados, são falanges que saem. De
               de certa maneira. O Zé faz uma coisa mais              repente a falange chega numa determinada ci-
               ritualística e através do ritual mostra essas con-     dade. Dois ou três caras saem da falange num
               tradições e eu mostro essas contradições através       momento para fazer alguma coisa lá. Aí dá as
               da ação social, da práxis das personagens. Uma         peças do Ariano Suassuna. Daí a pouco eles vol-
               é ritual, você descreve os acontecimentos e os         tam para a falange. É uma coisa histórica ferra-
               fatos. É uma coisa que já está no passado. E na        da que tem na minha cabeça a respeito do Aria-
               Pedra do Reino você está vivendo, é como se es-        no Suassuna e dessas personagens nordestinas.
               tivesse surgindo a história naquele momento.           Não sei o que é. Talvez alguma coisa de ho-
               Então são duas posições filosóficas antagônicas        mérico, de dantesco, que é um traço, um mis-
               e complementares. Eu fui ver o espetáculo do           tério e uma neblina. Eu quero mostrar o pro-
               Zé. Eu adoro. Mas para mim é uma descrição             cesso e o Zé já não quer mostrar o processo. Foi
               de um dos aspectos das contradições da gente           assim ó, fodeu. E eu falo assim, se fode assim,
               brasileira. E a minha é a ação de brincando, e         se fode assado. Ele fala : “é injusto isso, é muito
               brincando, ir revelando as nossas misérias. En-        injusto”. Eu já mostro como o homem vai con-
               tão a ação está ali com o espírito brasileiro, cheio   tra o homem, como sacaneia o outro homem.




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A ntunes Filho e suas obsessões recorrentes




E vão se beijando e vão se apunhalando. Com-          não dá. Eu tenho ainda essa porra, objetivos, e
preende? Eu gosto muito dessa relação do ho-          objetivos a gente precisa cuidar. Então não é
mem com o homem. Mesmo o filho da puta eu             obrigar as pessoas a pensarem de um jeito, mas
adoro. Vem, faz, faz, mostra as suas garras. O        é sugerir. Se não daqui a pouco vamos virar a
passarinho que está querendo fugir, o outro vem       Casa de Orates, como na peça do Arthur Aze-
e ele se entrega, é hipnotizado, periga até ser       vedo. Casa de malucos, e vamos cair no anár-
engolido. Isso me interessa. Ele não: (elevando       quico puro. Para os grandes capitais para os
a voz) “Esta cobra tem que ser revidada”. E eu        grandes cartéis é ótimo que a gente fique imbe-
gosto da relação humana. Eu gosto da pequena          cil. Mas a gente tem uma obrigação como bra-
coisa, do fascínio que de repente é hipnotizado       sileiro de pouco a pouco trabalhar de maneira a
por alguma coisa. Como é que eu sou hipnoti-          ajudar, mas não de ser tirânico. O CPT procu-
zado? Como é que eu hipnotizo? E tem uma              rar ajudar as pessoas. Quantas pessoas estranhas
outra coisa também, que complementa isso. Eu          que vieram aqui, não ganharam nada depois,
quero que você veja com bons olhos isso, e não        mas estão vivas. É um trabalho anônimo, de for-
como uma crítica. O Zé, ele tinha como dire-          miga e acho que o estamos cumprindo.
tor de atores o Eugênio Kusnet, que morreu. Ele               Sala Preta: Há mais de 40 anos, no Vereda
não sabe lidar com os atores no dia a dia, no         da Salvação você buscava a interpretação brasi-
coisa a coisa. Então ele não tinha mais saída por     leira e o Raul Cortez esteve com você nessa pro-
aí e teve que ir por outro lugar.                     cura, que implicava inclusive em matar o pai, o
        Sala Preta: Uma das características de nos-   primeiro TBC. Como você revê aquela pesqui-
sa época é a perda de fronteiras entre as artes       sa e a contribuição do Raul para o seu trabalho?
com intersecções e imbricações entre artes plás-              Antunes Filho: O Raul foi um grande
ticas, música, cinema e teatro. Como essa ten-        companheiro e eu inclusive tirei ele do Teatro
dência afeta o teu trabalho atual. Como as refe-      Oficina. Ele estava lá, eu disse vem aqui e ele
rências desses outros territórios entram no seu       veio, louco. Eu me dava muito bem com o Raul.
próprio território?                                   Eu vi o primeiro espetáculo amador que ele fez
        Antunes Filho: Eu sempre, de certa ma-        ali no Arena. Ele fazia um aviador e eu adorei.
neira, entrei no território deles. A vida inteira     Depois, quando eu fiz Vereda da Salvação, eu o
eu entrei nas artes plásticas e entrei no cinema.     chamei para fazer lá no TBC. Ali eu queria che-
A vida inteira eu entrei em tudo que foi possí-       gar em um Brasil diferente, não sei o que eu
vel, misturava, trazia as coisas pro meu teatro.      queria. Eu era muito intuitivo. Eu fui muito
Eu acho isso notável, esse trans, essas inter ma-     puxado para fazer aquilo, a terra, o chão. Ao
térias. Isso para mim não é novo, não foi o pós-      mesmo tempo aquilo me dava uma felicidade
moderno que me trouxe. Eu já tava nessa. An-          enorme. Porque eu não sabia. Eu não tava que-
tes, eu já era louco. Lá embaixo, lá no início, eu    rendo destruir nada do que havia. Não era ico-
já era louco. Porque fui casado com uma artista       noclasta. Destruindo o TBC, matando nin-
gráfica, fui amigo de todos os grandes pintores       guém. Eu estava respirando, mas aquele respiro
brasileiros, de músicos, também, o grupo da bi-       matava todo mundo. Eu assoprava e o ninho
blioteca. Então eu sempre fui meio metido nis-        ia. Não estava com a preocupação de quebrar
so, e não precisei do pós-modernismo para en-         nada, a coisa se quebrava porque meu ímpeto
trar nessa. Eu como modernista, porque eu sou         quebrava. Esta coisa Yang da gente, essa coisa
meio modernista, aceito o pós-moderno como            criativa. Isso foi legal. Quando eu já fiz aqui no
uma espécie de modernismo. Não significa es-          CPT, aí já era uma homenagem, ao Jorge An-
tabelecer modelos hegemônicos, fascistas. Mas         drade, e tinha a história do Bispo (Arthur Bis-
são necessários modelos para orientar, porque         po do Rosário) que eu peguei para fazer as lou-
se ficar às cegas não dá. Se ficar só no Deleuze      curas dele. Então era uma coisa mais sofisticada




                                                                                                                            111
s ala p reta




               e lá não era. Como se diz, era arte bruta. Foi            Antunes Filho: É, seria uma teatralização
               legal. O Estado de S.Paulo fazia editorial contra   do Policarpo Quaresma, mas pegando também
               o espetáculo. E uma das pessoas que defen-          o Recordação do Escrivão Isaías Caminha, e mis-
               deram muito o espetáculo foi o Abujamra. De-        turando com outros textos e com as biografias,
               pois fiquei muito amigo do Abujamra quando          para ver se dá para fazer conexões desse louco
               estive em Paris com ele. Mas fez bem para o         genial, o Lima Barreto . O Policarpo eu já ve-
               teatro brasileiro. Foi lá que o teatro brasileiro   nho estudando há muito tempo, e estou indo
               começou a mudar, eu sei que foi lá. Mas não         devagar para ver se será possível fazer. É outro
               foi pensado.                                        personagem que embora não seja picaresco é,
                      Sala Preta: Então agora é Nelson, Senho-     de alguma maneira, também picaresco. É Ibsen,
               ra dos Afogados, e depois Lima Barreto? Nesse       Herzog, que é um filão do Ibsen. São as coisas
               caso seria uma teatralização?                       que me empolgam.




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Entrevista com Antunes Filho

  • 1. A ntunes Filho e suas obsessões recorrentes A ntunes re re F i l h o e s u a s o b s e s s õ e s re c o r re n t e s E ntrevistacom Antunes Filho * S ala Preta: Você definiu seu trabalho, na fi- colocar em cena, quer dizer, o ato de você en- cha técnica de Pedra do Reino, como “tea- saiar e colocar os atores fazendo já é uma ence- tralização”. Não me lembro de você ter uti- nação. Aqui, no caso, já é uma teatralização por- lizado o termo em qualquer outra das que é um romance que não é mais romance, que produções do CPT. Por que essa mudança? passa a ser teatro. Se eu não colocasse teatra- Antunes Filho: Eu sempre fiz adaptações, lização seria mais uma peça do Suassuna, mas quer dizer, quando você pega uma peça de tea- não é. Guimarães Rosa não precisaria disso, por- tro e você adapta. Agora não, peguei um roman- que aí colocaríamos adaptação e acabou. ce. Na época, se fosse possível, eu poderia ter Sala Preta: O público que acompanha seu utilizado o termo para Macunaíma. Poderia trabalho desde o início do CPT teve a surpresa também ter servido ao Augusto Matraga. Eu em Pedra do Reino de reconhecê-lo como um achei legal esse termo porque dá a idéia perfeita espetáculo muito próximo da linguagem e da de que você pegou uma obra literária, respei- estrutura de Macunaíma . Seria possível dizer tou-a ao máximo e a teatralizou. Então aquilo que esse espetáculo, que tinha chegado a ser fi- que não saiu bem é do Antunes, o que saiu bom nalizado e apresentado para o Suassuna há vin- é do Suassuna. É uma maneira também de você te anos, ficou no congelador esse tempo todo e proteger o autor, não é? Isso porque ele é um você o tirou de lá como estava? Como foi revi- autor de teatro também, mas ele não escreveu vificar o espetáculo depois de tanto tempo? como teatro. E teatralização define que ele não Antunes Filho: Em primeiro lugar eu que- escreveu como peça, mas que é um romance ro dizer que eu gosto de personagens picares- dele. Então me pareceu que a palavra mais exa- cos. Eu adoro, porque eles são visionários, têm ta era mesmo essa. Poderia haver outras, eviden- um pouco de Dom Quixote. Eu gosto das coi- temente, mas foi essa que eu pensei e adotei, e sas exacerbadas. Eu gosto do Herzog, do Ibsen. eu gosto. São viagens de quem acredita em utopias, em- Sala Preta: No fim, é uma variante do ter- bora na maioria das vezes desemboquem na tra- mo encenação... gédia. Sempre se precisa tomar cuidado com a Antunes Filho: Mas encenação é diferen- utopia porque a grande verdade é também trá- te. É quando você pega um texto e encena. É só gica, leva à grande tragédia. Então, eu tinha uma * Antunes Filho é encenador e Diretor do Centro de Pesquisa Teatral do Secs-SP. Entrevista concedida a Luiz Fernando Ramos em novembro de 2006. 103
  • 2. s ala p reta fixação no Quaderna e precisava dar vazão a esse diálogo direto. Para quem assistiu ao espetáculo ímpeto que eu tenho ainda, meio moleque, naquela época ver agora é interessante porque meio acreditando em coisas, em fantasmas, em reaparece um Antunes inaugural. Há, sem dú- oásis, achando que o oásis é o próprio paraíso, vida, esses aspectos do conteúdo dos romances, o que me leva sempre a me estrepar, mas não que você abrandou na aproximação entre os faz mal. Então, esperar foi legal, porque eu acho dois romances, mas é um reencontro com aque- que não estava maduro para fazer naquela épo- la forma. ca. Eu estava ainda muito empolgado com o Antunes Filho: Eu não abro mão da mole- Macunaíma e não teria sido legal. Agora assen- cagem. Sou sapeca, espírito de porco. E isso me tou a poeira, passou o tempo e deu para perce- aproxima de personagens como Quaderna, ber melhor o Suassuna, não o Quaderna. Na Macunaíma, Policarpo Quaresma, o Bacamarte. primeira montagem eu tomei liberdades que Então são personagens que me fascinam. Quan- hoje eu vejo eu não podia ter tomado. Eu avan- do eu fui fazer os gregos e outras peças, era uma cei o sinal no cotidiano do Ariano, o que não espécie de universidade que eu tinha que fazer. podia. Falei certas coisas que deveriam ser res- Eu sempre achei muito ruim como se faziam os guardadas e eu não tive muito cuidado, eu acho. gregos por aqui e pensei que nós tínhamos que Porque eu utilizei duas obras dele: A Pedra do aprender a fazer os gregos. Porque a gente não Reino e o Rei degolado. Uma é a biografia do consegue fazer? Porque quando eu vou ver acho Quaderna e a outra tem a ver com a vida do uma porcaria e todo mundo fala que é bom? Ariano Suassuna. Embora ainda se mantenha Então eu tentei me aproximar para fazer a mi- isso no espetáculo atual, dessa vez eu tomei mais nha formação, para enfrentar o desafio e apren- cuidado e tive muito respeito com o Ariano. der. Quando você pega um bom lutador pela Naquela época eu via o Ariano como um bom frente você aprende, quando você pega um mau artista que tinha escrito um bom romance, mas lutador você perde. Você vai jogar ping-pong não o colocava no pedestal que eu o coloco com quem não sabe você perde, e se você joga hoje, como um dos maiores artistas de todos os com quem sabe você joga melhor. Então você tempos no Brasil. Eu acho que essas pessoas tem que pegar bons antagonistas para crescer e maravilhosas que nascem e vivem no Brasil a aprender com eles. gente deve sempre ajoelhar e beijar a mão. En- Sala Preta: Mas são vinte anos, quer di- tão eu tive tempo de perceber melhor o Ariano zer, aconteceu um monte de coisas na sua cabe- e falar. Puxa vida ainda bem que tem gente ça, você fez mil espetáculos e, de repente, você como você nesse país, como o Ferreira Gullar, reencontra esse Antunes anterior. Há aí a sensa- Guimarães Rosa, Mário de Andrade. Gente de ção de chegar de novo a um lugar em que você boa cepa. É, portanto, uma homenagem que eu já esteve? faço à arte dos brasileiros, e não, simplesmente, Antunes Filho: Sempre volta, a gente sem- um fazer coisas dos brasileiros. Eu tenho que pre volta ao lar paterno, ou materno. respeitar aqueles que realmente são artistas. Sala Preta: Mas há uma coisa com ginga, Hoje como está tudo muito caótico, como o prazer, solar... caos é tão grande, a gente deve nesse momento, Antunes Filho: Eu sou apolíneo, sou por oposição, elogiar muito, muito, pessoas sagitariano. como o Ariano. Naquele tempo eu não precisa- Sala Preta: Mas você andou sombrio... va elogiar tanto porque o mundo era melhor. Antunes Filho: Exato, eu acho que eu pre- Sala Preta: Mas de qualquer maneira o cisava saber lidar com isso. Eu não descarto o fato da primeira montagem ter sido feita logo lado moleque, o capeta dionisíaco que eu tenho. após Macunaíma torna ela muito próxima em Que me alimenta. Conseguir esse equilíbrio termos das soluções cênicas. Na verdade é um entre o apolíneo e o dionisíaco é que é legal. 104
  • 3. A ntunes Filho e suas obsessões recorrentes Sala Preta: Há um outro aspecto impor- Antunes Filho: Primeiro vamos falar de tante que é o trabalho de dramaturgia que você voz. Pedra do Reino é um dos raros espetáculos fez, que também é uma novidade em termos de no Brasil que você vem assistir e não perde ne- Antunes. Você nunca tinha feito um trabalho nhuma palavra. Então aquele método que você tão forte como dramaturgista. viu que eu atravessei através dos gregos foi um Antunes Filho: Realmente, um desafio aprendizado que eu estava desenvolvendo, um como esse foi a primeira vez. É um livro de se- método que era na projeção e sem ressonância. tecentas páginas e um outro de duzentas. Preci- Porque há uma diferença extraordinária entre a sa de muita paciência. Nós brasileiros não gos- ressonância e a projeção. Então eu cheguei no tamos de perder muito tempo com uma coisa fundo do poço e hoje em dia eu conheço bem só. Nós gostamos de variar. Então, talvez tenha o problema e sei como resolver. Evidentemen- sido bom demorar vinte anos porque aí você te, você não consegue resolver em uma peça ou pode retomar noutras. Assim eu não enjoei. Se em duas peças. Isso é um trabalho árduo que eu ficasse só adaptando sem parar, acho que eu exige a tenacidade de cada ator através dos anos. não agüentaria, ficaria insuportável. Ficaria Hoje em dia tem uma questão que está desqua- aquela mesmice. De vez em quando eu voltava lificando o próprio teatro, o microfone: os ato- e, gozado, lia a adaptação e achava que não dava. res usando o microfone. E o grave é que eles De repente, agora em dois mil e pouco li e achei estão usando o microfone, mas eu não os enten- que dava. Na década de noventa, em 95, eu do mesmo com o microfone. O que está acon- peguei e achei que não dava, pensei que isso aí tecendo? O teatro está virando uma espécie de não dava teatro não. De repente deu de novo, terreno baldio, cada um faz o que quer. Não se que legal! pede mais para uma pessoa ter talento ou não. Sala Preta: Então você ia mexendo? Ela vai lá e diz: posso fazer. Coloca o microfone Antunes Filho: Não, ficava aqui na cabeça e faz. Quando, ao contrário, eu acho que o es- flutuando. tudo vocal que você faz é uma experiência que Sala Preta: Mas você disse que abrandou.. você tem que focar, que se tem que passar, que Antunes Filho: Sim, eu tinha avançado o é da maior importância. É uma espécie de uni- sinal em relação à mãe dele e agora tomei mais versidade que você faz. Não é somente voz que cuidado. O meu cuidado durante a encenação você aprende, você vai aprender eufonia, estéti- foi perguntar para as pessoas se eu não estava ca, são uma porção de coisas. Você vai melho- desrespeitando o Ariano. rar, em termos de civilidade, para fazer teatro. Sala Preta: Isso acabou sendo um parâ- Na medida em que você começa a colocar mi- metro [...]. crofone, tudo isso, vira um terreno baldio mes- Antunes Filho: Sim muito cuidado, mui- mo. Quando precisava estudar a voz, mesmo to cuidado. Eu não queria aborrecer o Ariano que fosse ruim, havia uma preocupação, do ator, de modo algum. pelo menos, de avanço cultural. Agora não tem Sala Preta: Nos espetáculos gregos, você mais isso, está uma coisa terrível e se não to- trabalhava os atores investindo muito na respi- marmos cuidado, vai virar terreno baldio mes- ração e na voz. Era uma pesquisa sofisticada. mo. Ou seja, vai cada vez mais o teatro ir para o Agora na Pedra do Reino, talvez até pela caracte- beleléu. É uma casa abismo abaixo. É uma for- rística solar que lhe é intrínseca, há uma coisa ma respeitosa que você tem que ter com o espí- mais solta. Retoma-se uma leveza que os atores rito humano, com o conhecimento humano. do Macunaíma trabalhavam, e remete à fase ini- Eu sei que há esse problema do pós-modernis- cial do CPT. Essa é uma tendência para um tra- mo. Mas é importante você ter, não digo uma balho mais aberto com os atores? especialização, mas que quando você começa a 105
  • 4. s ala p reta estudar voz você não fique se especializando em res dependentes. E eu tenho atores interlocu- voz. É um leque amplo de estética, de filosofia tores. É uma interação formidável que eu tenho e de cultura que você começa a adquirir. Eu não que ter com o ator. admito, por exemplo, um ator não saber um Sala Preta: Nesses vinte anos você se tor- pouco de filosofia e de estética. O que acontece nou uma referência nacional na formação de com a crítica hoje em dia. As pessoas são jovens, atores, um verdadeiro jardineiro que os cultiva às vezes, não tiveram um curso, falta um pouco e os faz desabrocharem. Ao mesmo tempo nes- da especialização na filosofia, falta um pouco da se período mudou muito o parâmetro das esco- estética, que os antigos tinham. Então era las de teatro, que foram todas influenciadas por balizado. Hoje não, é palpite. Mas o mundo está Grotowski e Barba, e passaram a trabalhar mais assim, é o pós-moderno. verticalmente, e talvez o melhor exemplo disso Sala Preta: Mas voltando à diferença en- seja o Lume. Como você vê esse panorama e o tre a projeção e a ressonância? CPT dentro dele. Antunes Filho: Pois é, Macunaíma foi fei- Antunes Filho: Você usou a palavra ver- to só na projeção. Agora eu estou na ressonân- tical, mas eu uso a mesma palavra para outras cia. Mesmo quando nós falamos agora na pro- coisas. jeção, diferenciamos o falar baixo em que a Sala Preta: Eu a uso no sentido de apro- projeção não atrapalha, mas se você falar alto fundamento, de pesquisa profunda. você se perde todo. Você perde o encaminhar Antunes Filho: Me parece que isso que da personagem. você está falando é horizontalidade. Verticalida- Sala Preta: Então há uma continuidade na de para mim é quando você mexe com o ho- voz, mas ela está aparecendo mais relaxada? mem, quando você vai ao cerne do próprio Antunes Filho: A gente está aprendendo, homem. Vai ao DNA. Quando você percorre o e a peça é brasileira, então é mais fácil. Quando longo caminho do primeiro homem das caver- você pega um texto mais nobre para falar é mais nas e vai para os mitos e os arquétipos. E para difícil. Então a coisa mais importante para o mim, é fundamental isso. Ou você vai nessa li- ator é a respiração. Precisa aprender a respirar. nha que aprofunda o homem numa vertical, ou Hoje em dia, todo o curso do CPT é baseado você vai à horizontalidade, que é a medida cer- em relaxamento e respiração. E todos aqui den- ta, ou o social. É a denúncia social, é todo ci- tro são capazes de discutir a voz de qualquer ator nema que está sendo feito no Brasil e todo tea- brasileiro ou estrangeiro. A maioria sabe ler uma tro que está sendo feito no Brasil. É a denúncia. voz tanto no teatro como no cinema. Você po- Na verdade são focos, furos jornalísticos que se dia criticar a maneira de se ensinar a voz antiga- procura dar. Por isso que o apoio hoje nos jor- mente. Tinha a Maria José de Carvalho que eu nais é a um certo tipo de cinema, a um certo adorava, mas era ainda projeção. A projeção dei- tipo de teatro. xa você hirto. Mas você pode buscar uma es- Sala Preta: Mas eu estou falando de pes- sência espiritual que é fundamental. Na proje- quisas profundas sobre o ator. O Lume, por ção o teu físico vai e você perde. Na ressonância exemplo, trabalha em laboratório, fazendo trei- você conserva a sua integridade espiritual. Na namentos exaustivos... projeção você se esvazia. E isso o CPT tem tra- Antunes Filho: E eu estou falando em fi- balhado muito e nem sempre dá resultado. Por- losofia. Eu não posso ter uma visão prática e que os atores têm muita dificuldade hoje em profunda se eu não tiver uma visão filosófica dia, não tem confiança em si. A era do diretor vertical. Vertical é o que, ficar mais tempo en- tirou a confiança dos atores. Eu estou querendo saiando um negócio? É um estilo? Eu não en- restabelecer isso. Os atores têm que ter confian- saio o estilo, eu ensaio o homem. Eu me vejo ça em si para poder criar. Eu não posso ter ato- sempre ensaiando o homem. E o homem com 106
  • 5. A ntunes Filho e suas obsessões recorrentes todas as suas contradições. Nós estamos viven- coisa arquetípica interna. Você fala em verticali- do um momento muito difícil. Aqui no CPT zação no sentido de aprofundar determinadas nós estudamos Schopenhauer, Nietzsche, já pesquisas, etc e tal. Eu falo verticalização no sen- estamos em Deleuze. Vendo como a gente sai tido da eternidade, quer dizer, no sentido do desses impasses. Isso me parece um aprofunda- não tempo. Porque o meu ideal de ator é que mento de como é que está o mundo hoje em quando ele entre em cena estabeleça-se o não dia. Isto me parece que é uma vertical. Agora tempo, ou seja, ele comece a criar um novo pa- você dirá, nós nos especializamos no homem? drão de tempo, que é uma coisa fantástica, uma Sim, nos especializamos. Se você acha que aqui- cosmogonia que ele tem que criar. E eu acho lo é vertical aqui também é vertical, não é hori- isso a coisa mais linda para um ator. Por exem- zontal. A horizontalidade está ligada a um tipo plo, o cara pinta, ele também tem isso, mas é de teatro imediato que serve para esse momen- parcialmente. Ele não tem essa situação em que to, para esses meses, e não que serve para a his- é o corpo todo que age para ele entrar e ficar tória do homem, para sempre. Então tem que parado em outro tempo. O pianista fica parcial- tomar cuidado e não cair numa outra utopia. mente. Mas o ator não, ele é íntegro. Ele entra Eu faço a utopia e ironizo o próprio homem na no palco e parece que os relógios do mundo sua utopia. Eu não me acho diferente. Eu acho param. Começa uma relatividade, é uma outra que os outros são diferentes. relatividade. E ele faz o que ele quer, ele cria o Sala Preta: Você já foi mais solitário como mundo que ele quer, o universo que ele quer. alguém que trabalhava a formação do ator como Ele pode fazer qualquer coisa. Ele vai intuir o uma pesquisa séria. E acho que há pessoas que, homem no ano 2030. Ou ele vai falar as mes- fora daqui, também fazem pesquisa séria. mas palavras e os mesmos sentimentos que teve Antunes Filho: Claro, é uma outra linha. um cara em mil e seiscentos, com o Shakespea- Mas quando eu falo pesquisa é o homem que re. É possível porque ele tem uma coisa em co- eu estou vendo em profundidade, não é uma mum com todos os homens que é o inconscien- técnica simplesmente. E essa análise do homem te coletivo. Então esse ator ele pode fazer todas leva a uma técnica, tem a sua técnica especial. as personagens do mundo, ele pode fazer tudo Mas eu não vou estudar uma técnica oriental, porque ele é o criador absoluto. Porque ele sai porque é uma técnica hindu. Não me interessa fora e cria. É tão bonito, porque ele pode criar isso. Eu sou levado por um conteúdo. um sistema ou um universo novo. Muitos ato- Sala Preta: É assim que você vê a influên- res têm essa capacidade de fazer isso. Enquanto cia do Barba? eles estão ali você esquece do relógio e está no Antunes Filho: Eu não gosto do Barba, poder deles. Eles transformam uma hora em particularmente. Eu acho que é um catálogo, cinco minutos e fazem de um minuto uma mecânico, estereotipado. É uma soma antropo- hora. É como na hora da morte quando você lógica. Não sei onde me levam essas imitações relembra sua vida inteira em trinta segundos. da coisa. Eu quero chegar ao pré-mito, e não o São hologramas. A história da madeleine do pós-mito. Eu até fiz o espetáculo do Chapeuzi- Proust, com um segundo de paladar ele estru- nho Vermelho que era isso, o pré-mito, o im- tura todos os volumes. O detalhe que dá o todo. pulso primeiro. Eu não estou partindo daquilo Sala Preta: Ainda insistindo nesse ponto, que a civilização fez, nem quero reproduzir cer- é inegável que houve uma inflexão na relação tas coisas de determinado momento histórico da maior parte dos grupos de teatro na questão para ver. Não quero isso. Eu não tenho essa ado- do ator, que poderia ser sintetizada na mudan- ração. Tenho adoração por uma coisa só, o ho- ça de perspectiva do ator funcionário para o ator mem. O homem e seus troços, aquilo que tem poeta, criativo. É nesse contexto que gostaria de por dentro, a sua mitologia interna, e toda a ver você comentar o CPT hoje. 107
  • 6. s ala p reta Antunes Filho: A maioria das pessoas que tos e entra na coisa. Não é gostar do espetáculo se pega, falam que querem fazer teatro, mas porque ele é muito aquecido. Isso não é legal acho que querem um emprego no teatro. É o para o nosso desenvolvimento, para o nosso que eu chamo de ator funcionário e isso é ruim progresso, para o nosso futuro. Porque bons au- para o teatro. Eu vejo atores maravilhosos aí tores exigem grandes atores. Porque se você es- fora, mas que falta técnica. O que acontece. O creve uma peça de teatro e dá para uns troglo- cara ganhou um prêmio de melhor ator do ano ditas fazerem o conflito pelo conflito acaba e nunca mais vai sair daquilo. Está travado, preferindo escrever para a televisão. Não ganhar porque teve a habilidade de fazer de um jeito, nada e ainda não ter nenhuma satisfação... Mas ganhou prêmio, e agora vai repetir aquilo inde- se o autor percebe que tem gente que sabe dizer finidamente. Diga-me se não é assim com a ele se entusiasma a escrever para o teatro. maioria dos atores novos que você vê? É a mes- Sala Preta: Na Universidade temos traba- ma coisa sempre. E se tivesse técnica podia fa- lhado com a idéia do ator pesquisador. zer mil coisas diferentes. Então o corpo tem que Antunes Filho: Nós aqui, também, discu- ficar maleável a qualquer coisa. A técnica não é timos no CPT como fica o artista na moderni- um fim, a técnica é um meio para o ator e sua dade pós-moderna e aí começa uma discussão expressão. Mas você não pode ter expressão se que nunca acaba. Mas eu acredito que o artista você não tiver técnica. é um cara que tem privilégios para poder fazer Sala Preta: Mas, além da sua técnica, que coisas incríveis para a sociedade. E, no entanto, tem até um pouco de bruxaria, a “sua técnica”, há quem só queira tirar coisas da sociedade. Esse há outras técnicas sendo buscadas. O Lume é cara só quer tirar coisas para ficar numa boa. apenas um dos exemplos de muitos grupos que Quando o artista pode ser só uma fantasia, ele estão buscando a técnica por um lado menos tem uma missão com ele. Agora os outros que- formalista de somar apetrechos técnicos. Assim, rem apenas um lugar ao sol. Por isso que você há técnicas e técnicas, mas há, sobretudo, uma vê muitos desses caras por aí, que vão ficar pio- pesquisa generalizada de construir novos modos rando, porque eles não tem a cabeça. O que o de linguagem. CPT faz é encher a cabeça das pessoas, de mi- Antunes Filho: Mas o problema é que você nhocas e do que for possível, para ter uma di- não vê isso. Você só vê a expressão do ator, o nâmica intelectual e espiritual, para ele poder seu sentimento. No tempo da EAD você via a realmente caminhar e levar a algum lugar o nos- técnica da Maria José de Carvalho, da Nydia so país e a nossa cultura. Porque nós não pode- Lícia, que era uma técnica de falar impostado. mos ficar nessa sub cultura, e só ficar fazendo Mas a minha técnica, ela não existe. Existe a ex- isso aí para funcionar. Eu não quero espetáculos pressão plena do ator, o sentimento pleno do que só funcionem. Quero muito mais. Quero ator, a intenção objetiva e plena do ator. A téc- espetáculos que vão gerar dividendos espiritu- nica é para você expressar exatamente aquilo ais e culturais para o povo. Só isso tem senti- que você sente. Se você sente uma coisa e não do.Se não tiver isso não tem mais porque fazer tem a técnica adequada essa coisa que você sen- teatro. Daí eu vou pra praia, viver na praia. Mas te vai chegar deformada para quem está assis- se eu fico é porque acredito. E estes caras de que tindo ou usufruindo. A falta de técnica altera o eu estou falando acreditam na confraternização sentido. No Brasil eu vejo espetáculos que são humana. Esses artistas acreditam. Quando es- feitos na marra. A gente até gosta, como quan- tão no palco eles estão numa função social em do a gente vai, na sexta-feira, numa macumba, relação à platéia e não simplesmente extraindo e acaba se entusiasmando com a percussão, mas coisas da platéia. não é legal. Eu gosto muito mais quando você Sala Preta: O ator que faz o Quaderna, pode acompanhar racionalmente os sentimen- o Lee Thaylor, foi aclamado como uma reve- 108
  • 7. A ntunes Filho e suas obsessões recorrentes lação. Qual o antídoto para um ator com essa quero. Eu tenho até uma idéia de fazer ao ar potencialidade não ser atrapalhado por essa livre, de fazer um espetáculo grego. Não nos badalação? moldes de Atenas. Mas fazer com helicópteros, Antunes Filho: O Lee precisou apanhar fazer para valer, com a relação céu e terra. Mas muito de mim, apanhou muito, mas hoje em fazer ao ar livre por fazer ao ar livre, não. Aí é dia acho que ele está preparado e sabe que tea- jornalismo e eu não estou a fim de fazer jorna- tro é doação. E sabendo isso ele não vai se per- lismo. Não estou a fim de fazer acontecer um der. Se ele achar que com o teatro ele só vai lu- fato. Eu quero saber como um fato acontece, crar ele estará perdido. O Lee vai se salvar. Ele como ele aconteceu, as raízes daquele fato, e já é considerado por todo mundo como um dos como o homem se comportou na trajetória de melhores atores do país. Ele nem chegou a fa- um determinado problema. Isso me interessa. zer Prêt-à-Porter, ele pulou o Prêt-à-Porter. Que Se eu coloco a cena em céu aberto, e se eu estou é onde eles aprendem alguns princípios do ator. lidando sempre com os arquétipos, eu quero No Prêt-à-Porter você começa a lidar com o hu- que venham coisas do céu, que venha o raio que mano. É legal isso, lidar com os sentimentos e parta do céu, que Zeus faça alguma coisa. Então as sensações. Porque geralmente as pessoas quando eu falo do helicóptero é para fazer uso quando vão fazer teatro não mostram o senti- de uma maneira divina, de um disco voador. mento, mostram o estereótipo do sentimento. Sala Preta: Nos anos setenta o movimento No Prêt-à-Porter as pessoas são obrigadas a per- foi do Macunaíma para o Nelson Rodrigues e, ceber como captar o seu sentimento e como agora, você vai retomar o Nelson. É uma coin- colocá-lo em cena. O Lee é um grande ator, do cidência, ou é uma retomada daqueles Nelsons? nível dos que eu já tive, que vai ser como o Antunes Filho: De uma certa maneira sim. Jardel um dia, enfim, tem que trabalhar e con- Eu gosto muito do Nelson, eu me reprimi de tinuar trabalhando. Ele tem sido muito estimu- fazer Nelson. Eu não tenho uma nova leitura lado aqui no CPT para se tornar um grande de Nelson, eu entendo Nelson muito bem.Eu ator. Quando se tem um grande ator, apesar dele tenho uma visão clara sobre Shakespeare, eu te- ser jovem, você pode colocá-lo no papel de ve- nho uma visão clara sobre Eurípides, eu tenho lho, de bisavô que funciona, porque ele é ator. uma visão clara sobre Nelson. Não é verdade? Agora você pega um cara com phisique du role, Então eu vou continuar a minha visão. O que mas que não é ator, não adianta, não vai. Então aconteceu é que eu voltei para casa, para fazer o que você tem que ter no palco é ator. É a coi- textos brasileiros. Eu estou voltando, por coin- sa fundamental. Eu não consigo mais trabalhar cidência aos mesmos porque são os grandes au- sem ator tores brasileiros. Sala Preta: Entre os espetáculos mais im- Sala Preta: Você estaria retomando o portantes desse ano, o seu era um dos poucos “Nelson Rodrigues”? que ainda se dava na caixa cênica. Como você Antunes Filho: Não sei. Por enquanto es- vê o futuro da caixa. tou trabalhando Senhora dos Afogados. É uma Antunes Filho: O teatro é o espetáculo peça que quase não dá pra fazer. Que ninguém mas eu não vejo o teatro só como espetáculo. faz porque você lê, e fala assim não dá pra fazer. Eu vejo o espetáculo como retratando a aventu- E eu quero fazer porque não dá para fazer. E ra humana. Eu não estou procurando novida- tem um lado arquetípico que me interessa, do des, nem novas embalagens. Eu quero que você homem. E eu gosto muito do Nelson Rodri- resolva com as tuas garrafinhas o problema pic- gues. Gosto muito do Nelson, gosto muito do tórico e espiritual de uma obra. É lógico que eu Jorge Andrade também que é um grande autor não tenho medo de fazer um espetáculo ao ar de teatro. Ariano Suassuna, Guimarães Rosa. Eu livre, mas acho que vou fugir daquilo que eu gosto de literatura. Porque eu acho que se você 109
  • 8. s ala p reta faz boa literatura no teatro, esses grandes clás- de anedotas, e vai falando e vai falando e você sicos, você está estendendo a mão para a coleti- começa a perceber uma coisa profunda, uma vidade. Ou você faz o teatro como doação, a dor profunda. Uma é mais da análise, laborato- arte como doação, ou você faz arte como egoís- rial. A outra não, você vai num determinado mo para as pessoas te aplaudirem e você lucrar lugar e conta um fato. Mas é um fato já aconte- com isso. Ou o público lucra ou você lucra. O cido, e esse aqui não, está acontecendo. Muda meu teatro é o público lucrando. Penso naque- o tempo. A questão do tempo é fundamental, é la expressão. Tudo o que eu faço é para o públi- tudo. No caso do Zé é o ritual de Baco, é mais co lucrar. uma missa e aqui não, é outra coisa, é mais Sala Preta: Mas não pode haver um em- profana.Eu respeito muito o Zé, a loucura sa- pate aí? grada dele, essa coisa meio visionária que ele Antunes Filho: Falo de um princípio. De- tem, mas ainda acho que está muito mais perto pois que haja isto, certo? Porque isso é dialético do candomblé, está muito mais próximo do ri- também, não é unilateral. Ou você lucra ou o tual. Ele não me explica as coisas. Ele dá fatos público lucra. Então o meu teatro é feito com ocorridos. Ele faz a missa de fatos ocorridos. A uma condição. No início não, quando eu co- própria missa, quando você vai ver uma missa, mecei teatro, não. Depois, é o “público que tem conta a história de Jesus. Ele não conta a histó- que lucrar”. Eu não sou nada. É essa coisa da ria de Jesus, ele festeja. Então é uma missa que aldeia. Eu ainda estou no tempo dos antepassa- não é missa. É ritual sem ser missa...Para mim, dos da aldeia. De Portugal, dos meus pais e dos pegar o Nordeste, o Nordeste é um lugar incrí- meus avós, da aldeia, da festa da uva, sempre. vel, a seca, me fala um negócio profundo. Tem Amassar a uva e fazer o vinho. Aí a gente entra a ver com alguma coisa dos meus mitos e dos talvez no Baco. meus arquétipos. Tem a ver com esse deserto, Sala Preta: Pedra do Reino vem a público essa gente que eu sou, esse homem cavalgando, exatamente no momento em que o Oficina está fazendo patifarias para conseguir coisas ou não concluindo a adaptação de Os Sertões. Como conseguir. Tem a ver com esse espírito huma- você vê a relação entre esses dois livros e essa no, com esse lado nosso da vontade, com o nos- coincidência de montagens? Como você as so lado animal, agressivo, sexual. Com essa coi- compara? sa do conhecimento, da cultura. É uma fábula, Antunes Filho: Acho que é uma somatória. uma saga. As peças do Ariano, apesar de serem São obras diferentes para um mesmo problema, personagens isolados, são falanges que saem. De de certa maneira. O Zé faz uma coisa mais repente a falange chega numa determinada ci- ritualística e através do ritual mostra essas con- dade. Dois ou três caras saem da falange num tradições e eu mostro essas contradições através momento para fazer alguma coisa lá. Aí dá as da ação social, da práxis das personagens. Uma peças do Ariano Suassuna. Daí a pouco eles vol- é ritual, você descreve os acontecimentos e os tam para a falange. É uma coisa histórica ferra- fatos. É uma coisa que já está no passado. E na da que tem na minha cabeça a respeito do Aria- Pedra do Reino você está vivendo, é como se es- no Suassuna e dessas personagens nordestinas. tivesse surgindo a história naquele momento. Não sei o que é. Talvez alguma coisa de ho- Então são duas posições filosóficas antagônicas mérico, de dantesco, que é um traço, um mis- e complementares. Eu fui ver o espetáculo do tério e uma neblina. Eu quero mostrar o pro- Zé. Eu adoro. Mas para mim é uma descrição cesso e o Zé já não quer mostrar o processo. Foi de um dos aspectos das contradições da gente assim ó, fodeu. E eu falo assim, se fode assim, brasileira. E a minha é a ação de brincando, e se fode assado. Ele fala : “é injusto isso, é muito brincando, ir revelando as nossas misérias. En- injusto”. Eu já mostro como o homem vai con- tão a ação está ali com o espírito brasileiro, cheio tra o homem, como sacaneia o outro homem. 110
  • 9. A ntunes Filho e suas obsessões recorrentes E vão se beijando e vão se apunhalando. Com- não dá. Eu tenho ainda essa porra, objetivos, e preende? Eu gosto muito dessa relação do ho- objetivos a gente precisa cuidar. Então não é mem com o homem. Mesmo o filho da puta eu obrigar as pessoas a pensarem de um jeito, mas adoro. Vem, faz, faz, mostra as suas garras. O é sugerir. Se não daqui a pouco vamos virar a passarinho que está querendo fugir, o outro vem Casa de Orates, como na peça do Arthur Aze- e ele se entrega, é hipnotizado, periga até ser vedo. Casa de malucos, e vamos cair no anár- engolido. Isso me interessa. Ele não: (elevando quico puro. Para os grandes capitais para os a voz) “Esta cobra tem que ser revidada”. E eu grandes cartéis é ótimo que a gente fique imbe- gosto da relação humana. Eu gosto da pequena cil. Mas a gente tem uma obrigação como bra- coisa, do fascínio que de repente é hipnotizado sileiro de pouco a pouco trabalhar de maneira a por alguma coisa. Como é que eu sou hipnoti- ajudar, mas não de ser tirânico. O CPT procu- zado? Como é que eu hipnotizo? E tem uma rar ajudar as pessoas. Quantas pessoas estranhas outra coisa também, que complementa isso. Eu que vieram aqui, não ganharam nada depois, quero que você veja com bons olhos isso, e não mas estão vivas. É um trabalho anônimo, de for- como uma crítica. O Zé, ele tinha como dire- miga e acho que o estamos cumprindo. tor de atores o Eugênio Kusnet, que morreu. Ele Sala Preta: Há mais de 40 anos, no Vereda não sabe lidar com os atores no dia a dia, no da Salvação você buscava a interpretação brasi- coisa a coisa. Então ele não tinha mais saída por leira e o Raul Cortez esteve com você nessa pro- aí e teve que ir por outro lugar. cura, que implicava inclusive em matar o pai, o Sala Preta: Uma das características de nos- primeiro TBC. Como você revê aquela pesqui- sa época é a perda de fronteiras entre as artes sa e a contribuição do Raul para o seu trabalho? com intersecções e imbricações entre artes plás- Antunes Filho: O Raul foi um grande ticas, música, cinema e teatro. Como essa ten- companheiro e eu inclusive tirei ele do Teatro dência afeta o teu trabalho atual. Como as refe- Oficina. Ele estava lá, eu disse vem aqui e ele rências desses outros territórios entram no seu veio, louco. Eu me dava muito bem com o Raul. próprio território? Eu vi o primeiro espetáculo amador que ele fez Antunes Filho: Eu sempre, de certa ma- ali no Arena. Ele fazia um aviador e eu adorei. neira, entrei no território deles. A vida inteira Depois, quando eu fiz Vereda da Salvação, eu o eu entrei nas artes plásticas e entrei no cinema. chamei para fazer lá no TBC. Ali eu queria che- A vida inteira eu entrei em tudo que foi possí- gar em um Brasil diferente, não sei o que eu vel, misturava, trazia as coisas pro meu teatro. queria. Eu era muito intuitivo. Eu fui muito Eu acho isso notável, esse trans, essas inter ma- puxado para fazer aquilo, a terra, o chão. Ao térias. Isso para mim não é novo, não foi o pós- mesmo tempo aquilo me dava uma felicidade moderno que me trouxe. Eu já tava nessa. An- enorme. Porque eu não sabia. Eu não tava que- tes, eu já era louco. Lá embaixo, lá no início, eu rendo destruir nada do que havia. Não era ico- já era louco. Porque fui casado com uma artista noclasta. Destruindo o TBC, matando nin- gráfica, fui amigo de todos os grandes pintores guém. Eu estava respirando, mas aquele respiro brasileiros, de músicos, também, o grupo da bi- matava todo mundo. Eu assoprava e o ninho blioteca. Então eu sempre fui meio metido nis- ia. Não estava com a preocupação de quebrar so, e não precisei do pós-modernismo para en- nada, a coisa se quebrava porque meu ímpeto trar nessa. Eu como modernista, porque eu sou quebrava. Esta coisa Yang da gente, essa coisa meio modernista, aceito o pós-moderno como criativa. Isso foi legal. Quando eu já fiz aqui no uma espécie de modernismo. Não significa es- CPT, aí já era uma homenagem, ao Jorge An- tabelecer modelos hegemônicos, fascistas. Mas drade, e tinha a história do Bispo (Arthur Bis- são necessários modelos para orientar, porque po do Rosário) que eu peguei para fazer as lou- se ficar às cegas não dá. Se ficar só no Deleuze curas dele. Então era uma coisa mais sofisticada 111
  • 10. s ala p reta e lá não era. Como se diz, era arte bruta. Foi Antunes Filho: É, seria uma teatralização legal. O Estado de S.Paulo fazia editorial contra do Policarpo Quaresma, mas pegando também o espetáculo. E uma das pessoas que defen- o Recordação do Escrivão Isaías Caminha, e mis- deram muito o espetáculo foi o Abujamra. De- turando com outros textos e com as biografias, pois fiquei muito amigo do Abujamra quando para ver se dá para fazer conexões desse louco estive em Paris com ele. Mas fez bem para o genial, o Lima Barreto . O Policarpo eu já ve- teatro brasileiro. Foi lá que o teatro brasileiro nho estudando há muito tempo, e estou indo começou a mudar, eu sei que foi lá. Mas não devagar para ver se será possível fazer. É outro foi pensado. personagem que embora não seja picaresco é, Sala Preta: Então agora é Nelson, Senho- de alguma maneira, também picaresco. É Ibsen, ra dos Afogados, e depois Lima Barreto? Nesse Herzog, que é um filão do Ibsen. São as coisas caso seria uma teatralização? que me empolgam. 112