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O país, na metade da década de 50, era ainda uma imensa fazenda,
vivendo da exportação de café, de algodão, de açúcar, de tabaco, de couros e
de cacau, e da importação de manufaturados. Desde a revolução de 1930,
Getúlio Vargas, sempre amparado num estado forte, vinha, aos poucos,
mudando o perfil econômico do país, investindo em siderurgia e, depois, no
seu segundo mandato (1951-54), na Petrobrás, visando alcançar a maior
autonomia econômica possível. Em 24 de agosto de 1954 deu-se, porém, a
grande tragédia. Acossado violentamente por seus inimigos políticos, Getúlio
Vargas suicidou-se no Palácio do Catete. O Brasil, em choque, foi tomado de
fúria e, em meio às lágrimas, a multidão impediu que um golpe fizesse
desaparecer, naquela ocasião, o regime democrático. A muito custo, a ordem
constitucional foi mantida e, nas eleições de outubro de 1955, Juscelino
Kubitschek de Oliveira, ex-governador de Minas Gerais, chefe da coligação
PSD-PTB, foi eleito por uma apertada margem de votos (3.077.411, ou
33,8% dos sufrágios), fato que deu margem para que a oposição udenista (da
UDN, partido conservador anti-getulista) iniciasse manobras para tentar
impedir a posse do novo presidente. Esta situação somente foi resolvida por
um golpe militar preventivo – a Novembrada - desencadeado em 11 de
novembro de 1955; liderado pelo General Henrique Teixeira Lott, Ministro da
Guerra, homem-forte que, desde aquela ocasião, garantiu a normalidade
constitucional dos cinco anos de governo Kubitschek.

O Plano de Metas
Empossado no dia 31 de janeiro de 1956, Juscelino, quase que de
imediato, em fevereiro mesmo, resolveu apresentar à nação o seu Plano de
Metas. Tratava-se de um ambicioso projeto de transformar o Brasil numa
nação industrializada no mais breve tempo possível, justificando, assim, a sua
promessa de campanha de fazer “50 anos em 5”. Esta decisão vinha de
tempos, desde que Juscelino, deputado federal, visitara os Estados Unidos em
1948. Sentiu lá, com seus próprios olhos, que o Brasil não poderia mais
continuar sendo somente um país agrícola, fazendo de tudo para mudar a sua
face. A nação que ele herdou era extremamente pobre. Em 1950, 10 milhões
de brasileiros dedicavam-se à agropecuária, atividade da qual outros mais 20
milhões dependiam. Na cidade, ativos no comércio, nos serviços e na
indústria, concentravam-se ainda 21 milhões, recebendo salários baixíssimos.
Tudo isso fazia com que 60% da população vivesse no campo e somente 40%
nas áreas urbanas. O Produto Bruto Nacional não ultrapassava 7 bilhões de
dólares e a renda per capita era de apenas U$ 137 dólares. Logo, o projeto
desenvolvimentista que ele abraçou visava alterar aquele estado de coisas,
afinando-se, assim, com a elite intelectual de sociólogos e economistas que se
concentravam no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e que, num
cenário marcado pela descolonização dos povos do Terceiro Mundo,
defendiam um desenvolvimento autônomo para o país.

As 31 metas
Energia
(metas de 1 a 5)
Transportes
(metas de 2 a 12)
Alimentação
(metas de 13 a 18)

Energia elétrica, nuclear, carvão, produção e refino de petróleo.

Reativar estradas de ferro, estradas de rodagem, portos, barragens,
marinha mercante e aviação.
Trigo, armazenagem e silos, frigoríficos, matadouros, tecnologia no
campo e fertilizantes.
Alumínio, metais não ferrosos, álcalis, papel e celulose, borracha,
Indústrias de base
exportação de ferro, industria de automóveis e construção naval,
(metas 19 a 29)
maquinas pesadas e material elétrico.
Expansão do ensino primário, com ênfase na ciência e na tecnologia
Educação
(meta 30)
no que toca ao ensino superior.
Brasília (meta 31) Construção de uma nova capital no Planalto Central, a meta-síntese.

Partidos, militares e interesses
O Plano de Metas, concentrando recursos internos e externos, fez por
merecer a aprovação dos partidos de sustentação do governo, tanto o PTB
como o PSD. A do PTB devido a que a expansão da indústria ajudaria os
trabalhadores, dando-lhes emprego e melhores salários, reforçando-lhes a
posição na sociedade por intermédio dos sindicatos. O PSD, especialmente a
facção composta pela burguesia industrial, via na politica juscelinista a
ampliação do mercado e da abertura de novas oportunidades, enquanto os
militares entendiam que o crescimento geral do parque fabril reforçaria o
poder econômico nacional e, por conseguinte, o das Forças Armadas. A
oposição udenista, naquelas circunstâncias, reservou-se a função de denunciar
“a corrupção” e os gastos excessivos, inflacionários, que tal programa
implicava.
A geografia de Juscelino
Os impressionantes recursos mobilizados pelo presidente Juscelino,
empréstimos, incentivos, etc., tiveram três destinos geográficos bem precisos.
Aqueles que estimulavam a implantação de fábricas, particularmente as
montadoras de automóveis (todas elas comprometidas em nacionalizar o mais
breve possível as autopeças e outras matérias primas), foram canalizados para
o ABC, no Estado de São Paulo, devido a sua tradição industrial e volume do
seu mercado, o maior do Brasil. Para Brasília, construída no Planalto Central,
no Estado de Goiás, foram as inversões para a construção das grandes obras
do governo e, por fim, com a criação da SUDENE (Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste), em 1959, deslocaram-se os recursos para
fomentar e diversificar a produção da região. No total , mais de 400 empresas
e corporações multinacionais instalaram-se no Brasil naquela época. Ficaram
de fora da geografia juscelinista, os estados situados mais ao extremo, o Rio
Grande do Sul e os da Amazônia

II - Juscelino, domando o Sertão
O ano de 1956 foi extremamente importante na história política e
cultural brasileira. Naquela ocasião, o mineiro Juscelino Kubitschek,
presidente do Brasil, deu início a sua espetacular empreitada de construir, no
Planalto Central, uma nova capital – Brasília. Enquanto isto, seu conterrâneo,
médico como Juscelino, o escritor e diplomata João Guimarães Rosa, trazia a
público a sua monumental narrativa Grande Sertão, veredas, celebrando
literariamente o mundo arcaico que Juscelino começaria em breve a pôr
abaixo.

Juscelino e Guimarães Rosa
“...não deixavam o Miguilim parar quieto. Tinha de ou debulhar
milho no paiol, capinar canteiro de horta, buscar cavalo no pasto, tirar cisco
nas grades de madeira do rego. Mas Miguilim queria trabalhar, mesmo. O
que ele tinha pensado, agora, era que devia copiar de ser igual como o Dito.
Guimarães Rosa- Manuelzão e Miguilim. 1956.
Os dois eram rapazes do interior de Minas Gerais. Um deles nascera em
Diamantina, em 12 de setembro de 1902; o outro, em Cordisburgo, em 27 de
junho de 1908, e vieram cursar a mesma Faculdade de Medicina em Belo
Horizonte. Tornaram-se colegas. Juscelino Kubitschek de Oliveira ganhou o
canudo e o anel em 1927; João Guimarães Rosa, graduou-se mais tarde, em
1930. Engajaram-se em revoluções. Não para matar, mas para salvar vidas.
Juscelino embarcou numa coluna na Revolução de 1930, Guimarães Rosa, por
sua vez, alistou-se como voluntário para participar contra a Constitucionalista
de 1932, a revolta paulista. Eram vocacionados para o serviço público.
Juscelino abrigou-se nas asas de Benedito Valadares, o Grande Chefe Joca
Ramiro dele, tornando-se deputado e depois prefeito de Belo Horizonte (entre
1940-45).
Guimarães Rosa, ao seu tempo, um caipirão muito culto, grande
cabeça, ingressava no Itamaraty para ser diplomata. Foi ver o mundo.
Mandaram-no para Hamburgo, Bogotá e Paris. E, de volta, a Paris. Mas o
sertão - a imagem do pequizeiro e do jatobá, a beleza do ipê-amarelo, o rio
vadio e vistoso - nunca saía de dentro dele. Voltando por uns tempos ao
Brasil, o doutor, partindo de sua terra, foi desbravar o interior de Minas
Gerais e o do Mato Grosso. Acreditou que podia preservar aquele mundo com
sua pena. Faltava àquela gente, o mundo dos matutos, dos trabucos e das
traições, o seu Homero. Guimarães Rosa assinava-se, então, como Vaqueiro
Mariano.
Juscelino, ao contrário, ao conhecer os Estados Unidos em viagem em
1948, regressou com outra cabeça. Evidentemente que, político hábil, nunca
acusou publicamente a mudança de sua mentalidade. No Brasil dele, veio
convicto, não haveria mais lugar para o sertão. O negócio era pôr eletricidade,
era fábrica de carro e montar em trator. Logo que eleito presidente, no dia 18
de abril de 1956, numa curta passagem por Anápolis, em Goiás, no aeroporto
da cidade mesmo, assinou às pressas a transferência da capital para o Planalto
Central. Brasília iria começar a ser erguida bem no meio do sertão, no coração
amado de Riobaldo, o personagem de Grande Sertão; veredas, livro que
Guimarães Rosa lançava naquele mesmo ano.
Riobaldo e Bernardo Sayão
Era naquela vastíssima região situada no coração do Brasil, um mundo
em si mesmo, impenetrável império de matos e brenhas que cobriam as terras
sem-fim do norte de Minas, indo até o sul da Bahia, passando pelos cerrados
de Goiás, que os do bando do Urutu-Branco, dos jagunços Riobaldo e
Diadorim, atuavam em busca do famigerado bandidão Hermógenes, homem
mau, agente do Tinhoso, para se vingar daquele judas.
Exatamente era ali o espaço bárbaro e arcaico que Juscelino estava
disposto a fazer sumir. Não com disparos, que não era seu jeito, mas com
estradas, de cimento e de asfalto, com escavadeiras, caminhões e postes de
luz.
Para tal tarefa de Hércules, de abrir a muque e a golpe de facão as
portas do sertão brasileiro, ele convocou, entre tantos, um gigante, o
engenheiro Bernardo Sayão, um homenzarrão. Colocou-o na Novacap - o
estado-maior que ergueria Brasília - poderoso como o Zé Bebelo de
Guimarães Rosa, um coronelão que fazia e acontecia. Tão imenso era o
Bernardo que foi preciso uma enorme árvore cair sobre ele para matá-lo
quando ele assombrava o Brasil, abrindo, a golpe de facão, serra e machado a
estrada para Belém, em 1959, estrada essa que foi as Veredas-Mortas dele,
local onde o diabo de Rosa o levou.
Brasília corroeu o sertão

Bernardo Sayão abrindo a Belém-Brasília

Entrementes, Juscelino, carregando meio mundo em direção ao Planalto
Central (André Malraux, soberbo escritor, ministro da cultura francês,
encantado com a obra, batizou-a de “a capital da esperança”), conseguiu
espantar para sempre os impedimentos que o mítico rio Liso do Sussuarão, de
Guimarães Rosa, fazia. As veredas dele, impenetráveis, que, durante tanto
tempo protegeram o sertão dos assédios inimigos, sucumbiram frente ao
ímpeto de Juscelino. Para seduzir os roceiros e os jagunços, desconfiados de
tudo e de todos, ele , como já fizera antes em Belo Horizonte, nos seus tempos
de prefeito, resolveu embasbacá-los.
Trouxe para o meio de Goiás, o arquiteto Oscar Niemeyer, a fim de
erguer maravilhas com concreto nos descampados de Brasília, e mais uma
leva de artistas e vitralistas para fazer tudo bonito, tudo moderno, para encher
o brasileiro de orgulho e arrumar um lugar e tanto para a Copa do Mundo,
recém-conquistada em 1958. A planta da cidade era, como se sabe, a forma de
um pássaro colossal cujo vôo sacudiu o Brasil de então. Juscelino não parava
num só lugar, não ficava quieto nunca, num país de gente acomodada, dada à
lassidão, ele se sobressaía decolando e aterrissando nos lugares mais
inesperados, os mais improváveis; tão rápido tudo andava que até o seu nome
encurtou, virou JK.
Vendendo otimismo, entusiasmando a cultura, fez a música,
dispensando a viola, a sanfona e o tambor, tocar numa outra batida, fez o
cinema olhar diferente, tudo era novo, a bossa era nova, o cinema era novo,
até ele, o presidente, era o “presidente bossa nova”; Guimarães Rosa morreu
em 1967, de emoção. Não foi pelo fardão da Academia de Letras que o seu
coração falhou, foi sim pelo fim do sertão, que desaparecia. Juscelino, o
Miguilim tornado homem, o Dito domador do sertão, acompanhou-o anos
depois, em 1976, morto, como não podia deixar de ser, em viagem, num
automóvel por uma estrada.

Brasília, a capital da esperança

Israel Pinheiro, Jucelino e Oscar Niemeyer
(maquete do Palácio da Alvorada)
A decisão de construir uma nova capital, no Planalto Central, surgira
durante a campanha. Era a oportunidade de mudar o destino geográfico do
Brasil, esparramado há 450 anos pelo litoral atlântico. Os imensos espaços da
hinterlândia brasileira, o sertão bravio, estavam praticamente abandonados, e
assim permaneceram por séculos, por todas as administrações. Brasília, fixada
sua construção em 3 anos e 10 meses, iria modificar tal situação, atuando
simultaneamente como a catalisadora das energias nacionais. A máquina
administrativa estatal, ao sair do Rio de Janeiro, onde se encontrava fazia dois
séculos, deslocando-se para o Planalto Central, produziu um enorme choque
na região. Foi como se por lá caísse, bem no meio do Estado de Goiás, um
meteorito de grande proporções. Numa sentada, para lá foram atraídos
milhares de trabalhadores (os candangos) e deslocados mais de 5 mil
funcionários públicos. O que era um deserto adquiriu vida. O projeto de Lúcio
Costa, um dos maiores urbanistas do país, um enorme pássaro com asas
abertas (divididas em Norte e Sul) pronto para alçar vôo, infundiu no povo
brasileiro uma sensação de esperança como há muito não se conhecia (daí o
escritor André Malraux, ao visitá-la, chamá-la de “a capital da esperança”).
Este espaço, amplíssimo, foi ocupado pelas espetaculares construções saídas
da prancheta genial de Oscar Niemeyer, um discípulo de Le Corbusier, tido
como um dos pais da arquitetura moderna. De imediato, a bela cidade tornouse um centro irradiador de progresso para todo interior do Brasil, partindo,
dela, grandes radiais rodoviárias em direção às principais cidades brasileiras.
A mais espetacular delas foi a Belém-Brasília (1.450 quilômetros), que rasgou
a floresta amazônica. Com isso, rompia-se o arquipélago interno que separava
os estados do Brasil, concretizando-se a integração do território nacional,
proporcionando a que as diversas regiões do país pudessem, dali em diante,
ligarem-se por estradas e não mais pelo mar.
PLANO PILOTO DE BRASÍLIA
A revolução cultural da Era JK
Não sem razão, os anos JK foram entendidos como “os anos dourados”
da cultura brasileira. O clima de otimismo, de bom humor e de esperança que
Juscelino transmitia - o homem era quase um mágico - contaminou toda uma
geração de músicos e artistas brasileiros. O próprio presidente, sempre que
possível cercado de escritores como Josué Montello, Augusto Frederico
Schmidt, Autran Dourado, Carlos Heitor Cony, Pedro Nava, e tantos outros,
dava exemplo do seu apreço as letras. O bairro boêmio de Ipanema, no Rio de
Janeiro, como bem demonstrou Ruy Castro, tornou-se uma usina de novidades
e de experiências culturais, musicais, teatrais, televisivas e cinematográficas.
Para a nova geração de compositores brasileiros, a Bossa Nova por eles criada,
cujo marco foi a gravação de “Chega de Saudade” de João Gilberto, em 1958,
vinha libertar a música brasileira do derrotismo, de ser “macambúzia e
sorumbática”. Afirmação disso era que o verso lamentoso de Herivelto
Martins, “Não, eu não posso lembrar que te amei”, foi substituído pelo
afirmativo viril de Vinícius de Morais “Eu sei que vou te amar! Por todo a
minha vida eu vou te amar”.

Bossa Nova e Cinema Novo
Época em que foram revelados Tom Jobim, Carlos Lyra, Ronaldo
Bôscoli, o violonista Baden Powel, e a turma do 1º Festival de Samba
Session, realizado em 22 de setembro de 1959. No cinema, o longo império da
Cinematográfica Vera Cruz, puro lazer e entretenimento comercial, entrou em
declínio devido à Televisão, e também pelo enfoque dado às questões sociais e
políticas, já anunciadas no filme “Rio 40 graus” de Nelson Pereira dos Santos,
em 1955, dando o ponto de partida para a emergência do Cinema Novo. Tal
movimento, fundado nos estertores do governo JK, em 1960, e liderado por
Nelson Pereira do Santos (e mais Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade,
Carlos Diegues, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, David Neves, Ruy
Guerra e Luiz Carlos Barreto), viera “para descolonizar a produção brasileira”,
condicionada até então a imitar os filmes de Hollywood. Tratava-se da
"libertação completa da linguagem cinematográfica de seus entraves coloniais
[...], no entender de Carlos Roberto de Souza (“A fascinante aventura do
cinema brasileiro”), ato que se afirmava na máxima do Cinema Novo: “ uma
câmera na mão e uma idéia na cabeça".
Vários escritores deixaram suas impressões sobre Juscelino. Uma das
mais notáveis foi a de Nelson Rodrigues, após publicarem uma foto na qual,
numa noite de gala, o presidente aparece ao lado da atriz americana Kim
Novak, ambos sentados com os pés descalços.
"Ninguém mais antipresidencial. Ele trouxe a gargalhada para a presidência.
Nenhum outro chefe de Estado, no Brasil, teve essa capacidade de rir – e nos
momentos mais inoportunos, menos indicados. Dir-se-ia que ele tinha sempre
um riso no bolso, riso que ele puxava, escandalosamente, nas cerimônias mais
enfáticas. Os outros presidentes têm sempre a rigidez de quem ouve o Hino
Nacional. Cada qual se comporta como se fosse a estátua de si mesmo. Não
Juscelino. Quando ele tirou os sapatos para Kim Novak (que achado genial!
que piada miguelangesca!), ele foi o antipresidente, uma espécie de cafajeste
dionisíaco. Eu diria que jamais alguém foi tão brasileiro. O novo Brasil é
justamente isso: – um presidente que tira os sapatos para uma beleza
mundial." (Nelson Rodrigues no jornal Brasil em Marcha, 10/2/1961)

Política externa de JK; Juscelino e o pan-americanismo
“...ao não compartilharmos, senão simbolicamente, da direção de uma
política, o não sermos muitas vezes ouvidos nem consultados – mas ao mesmo
tempo estarmos sujeitos aos riscos dela decorrentes - tudo isso já não é
conveniente ao Brasil”
Juscelino Kubitschek, Operação Pan-Americana, 1958

Em maio de 1958, nem bem o Cadillac presidencial trazendo o vicepresidente americano Richard Nixon, em viajem de boa vontade pela América
Latina, apontou na avenida Sucre, em Caracas, a turba armou-se de pedras.
Uma horda furiosa, rompendo com tudo o que tinha pela frente, cordões e
policiais, cercou o veículo e, por muito pouco, o visitante e sua esposa Patty,
não foram linchados. O enorme veículo, a toda a velocidade, teve que se
refugiar na residência do embaixador americano, transformada num bunker.
De uma pedrada, entretanto, ele não escapou. Logo que soube dos tormentos
de Nixon, incidente que chocara boa parte do mundo por sua violência,
Juscelino Kubitschek, no segundo ano do seu mandato, ligou para ao seu
amigo, o poeta Augusto Frederico Schmidt. Como entender aquele desvario
todo, a loucura daquela multidão? Disto resultou, do desastrado périplo latino-
americano de Nixon e da consulta que o presidente do Brasil fez a um homem
de letras (para os críticos, bem pequenas), o projeto da Operação PanAmericana.
O texto completo da posição de Juscelino não demorou a ficar pronto.
Homem dotado de censo teatral, apresentou-o, na frente de todo o ministério,
em cadeia de rádio e televisão. Era uma tentativa de dar uma sacudida nas
relações da América Latina com os Estados Unidos, que, segundo ele, estavam
em ponto morto. Menos de um mês antes, em 28 de maio, ele enviara uma
carta ao General Eisenhower, presidente norte-americano, para dar sua visão
dos ocorridos de Caracas. Na missiva, alertou que as relações diplomáticas
dos norte-americanos com seus vizinhos latino-americanos e vice-versa (que
já datavam de mais de 130 anos), só tinham produzido dois escassos
documentos: a Doutrina Monroe, de 1823, e a Carta da Jamaica de Simon
Bolívar, de 1815, ambas recheadas de idéias generosas, de retórica fraternal;
todavia, “viviam no limbo, sem possibilidade de qualquer execução prática.”
Chegara o momento – enfatizou Juscelino - de se fazer alguma coisa
com o pan-americanismo, algo de prático, que fosse exeqüível. Eisenhower
gostou do tom e lhe remeteu um assessor, de nome Roy Rubottom, para
confabulações. Foi uma decepção. Republicano da gema, o enviado norteamericano disse que tudo aquilo – afinal o segundo homem na hierarquia
americana quase foi morto - não teria acontecido se os governos locais não
fossem tão lenientes com os comunistas. Se a polícia tivesse baixado o cassete
preventivo na turba, os episódios desagradáveis que o vice-presidente passou
teriam sido evitados. Juscelino ponderou que os comunistas eram
numericamente insignificantes e se o povo deu-lhes ouvidos, deveu-se à
existência de um profundo mal-estar e rancor que sentiam com a presença de
um figurão norte-americano.
Deste modo, em franca divergência com o representante de Eisenhower,
ele entendeu, quase que psicanaliticamente, a ameaça de linchamento de
Nixon como um clamor dos latino-americanos contra a estagnação e atraso
que se encontravam frente à pujança da América do Norte. A solução para
isso, evidentemente, não era policial. O Brasil, segundo Juscelino, conciliador
por excelência, “sem pleitear nada para si próprio”, assumiria dali para diante
a tarefa de liderar um entendimento geral. Negando-se ao alheamento e saindo
da desconfortável situação de ser um participante passivo do drama geral, o
Brasil chamava a si a responsabilidade de encaminhar negociações, junto aos
Estados Unidos, para fazerem um grande plano de superação, com o apoio do
irmão norte-americano, “da chaga do subdesenvolvimento”: a Operação PanAmericana. O que devia vir para América Latina não eram recursos destinados
à repressão, mas sim investimentos. O fim disso era arrancar esta parte do
hemisfério da posição de “retaguarda” em que se encontrava, situação que
enfraquecia a causa ocidental. Era a miséria e a desigualdade que alimentavam
a retórica da subversão. Se todos começassem a prosperar, saindo do buraco
da indigência, a consciência geral ascenderia e o pan-americanismo sairia
ainda mais fortalecido. Em verdade, os americanos somente aderiram à
proposta assustados pela Revolução Cubana de 1959, quando então John
Kennedy lançou, açodado, a Aliança para o Progresso, em 1961. Mas aí
Juscelino não estava mais no poder.

O fim de Juscelino
“Como poderei viver, sem a tua, sem a tua companhia”
“Peixe-Vivo”, canção folclórica
Cassado e preso pelo regime militar em 1965, submetido a um IPM
(inquérito policial-militar), Juscelino Kubitschek foi obrigado a viver no
exílio. Passou a alimentar a esperança de ser algum dia anistiado para voltar a
concorrer à presidência da república. Brasileiríssimo, homem de queijo com
goiabada, não se sentia à vontade no exterior. Morreu vítima de um acidente
de estrada quando, no dia 22 de agosto de 1976, vindo de São Paulo pela
Rodovia Dutra, em direção ao Rio de Janeiro, o seu carro, abalroado por um
ônibus , entre as marcas 164-165, saltou para outra pista, sendo esmagado por
um grande caminhão. O seu caixão, ao chegar no Rio de Janeiro, foi levado
por uma enorme multidão até o aeroporto Santos Dumont, e dali, transportado
para Brasília. No caminho, o povo cantava o “Peixe-Vivo”, uma das suas
músicas favoritas. Na capital que ele construíra, seu corpo foi velado - sem
que alguém do regime militar se fizesse presente - por umas 30 mil pessoas.
Foi o maior enterro que Brasília havia visto até então. Desde 1981, seus restos
mortais repousam no Memorial JK, situado num local privilegiado da capital
federal. Seu nome ficou associado a uma espécie de “idade de ouro” do Brasil
republicano, período que aqueles que o viveram nunca mais esqueceram.
Brasília, as super-quadras, nova forma de vida urbana
Bibliografia
BAER, Werner – A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico no Brasil (Editora
Fundação Getúlio Vargas, RJ, 1977)
BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita – O governo Kubitschek (Editora Paz e Terra,
RJ., 1976)
BOJUNGA, Cláudio – JK, o artista do impossível (Editora Objetiva, SP., 2001)
CARONE, Edgar - A Republica Liberal: instituições e classes sociais (Difel, SP., 1985)
CASTRO, Ruy – Chega de saudade: a história e as histórias da bossa nova (Cia das
Letras, SP., 1991)
KUBITSCHEK, Juscelino – Por que construí Brasília (Senado Federal, Brasília, 2000)
SKIDMORE, Thomas – Brasil: de Getúlio a Castelo (Editora Saga, RJ, 1969)

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  • 1. Caderno de História, nº 12 Memorial do Rio Grande do Sul Voltaire Schilling Os anos JK, otimismo e esperança Governo do Estado do RS – Germano Rigotto Secretaria de Estado da Cultura – Roque Jacoby Memorial do RS – Luis Alberto Gusmão
  • 2. O Brasil às vésperas de JK O país, na metade da década de 50, era ainda uma imensa fazenda, vivendo da exportação de café, de algodão, de açúcar, de tabaco, de couros e de cacau, e da importação de manufaturados. Desde a revolução de 1930, Getúlio Vargas, sempre amparado num estado forte, vinha, aos poucos, mudando o perfil econômico do país, investindo em siderurgia e, depois, no seu segundo mandato (1951-54), na Petrobrás, visando alcançar a maior autonomia econômica possível. Em 24 de agosto de 1954 deu-se, porém, a grande tragédia. Acossado violentamente por seus inimigos políticos, Getúlio Vargas suicidou-se no Palácio do Catete. O Brasil, em choque, foi tomado de fúria e, em meio às lágrimas, a multidão impediu que um golpe fizesse desaparecer, naquela ocasião, o regime democrático. A muito custo, a ordem constitucional foi mantida e, nas eleições de outubro de 1955, Juscelino Kubitschek de Oliveira, ex-governador de Minas Gerais, chefe da coligação PSD-PTB, foi eleito por uma apertada margem de votos (3.077.411, ou 33,8% dos sufrágios), fato que deu margem para que a oposição udenista (da UDN, partido conservador anti-getulista) iniciasse manobras para tentar impedir a posse do novo presidente. Esta situação somente foi resolvida por um golpe militar preventivo – a Novembrada - desencadeado em 11 de novembro de 1955; liderado pelo General Henrique Teixeira Lott, Ministro da Guerra, homem-forte que, desde aquela ocasião, garantiu a normalidade constitucional dos cinco anos de governo Kubitschek. O Plano de Metas Empossado no dia 31 de janeiro de 1956, Juscelino, quase que de imediato, em fevereiro mesmo, resolveu apresentar à nação o seu Plano de Metas. Tratava-se de um ambicioso projeto de transformar o Brasil numa nação industrializada no mais breve tempo possível, justificando, assim, a sua promessa de campanha de fazer “50 anos em 5”. Esta decisão vinha de tempos, desde que Juscelino, deputado federal, visitara os Estados Unidos em 1948. Sentiu lá, com seus próprios olhos, que o Brasil não poderia mais continuar sendo somente um país agrícola, fazendo de tudo para mudar a sua face. A nação que ele herdou era extremamente pobre. Em 1950, 10 milhões de brasileiros dedicavam-se à agropecuária, atividade da qual outros mais 20 milhões dependiam. Na cidade, ativos no comércio, nos serviços e na indústria, concentravam-se ainda 21 milhões, recebendo salários baixíssimos. Tudo isso fazia com que 60% da população vivesse no campo e somente 40%
  • 3. nas áreas urbanas. O Produto Bruto Nacional não ultrapassava 7 bilhões de dólares e a renda per capita era de apenas U$ 137 dólares. Logo, o projeto desenvolvimentista que ele abraçou visava alterar aquele estado de coisas, afinando-se, assim, com a elite intelectual de sociólogos e economistas que se concentravam no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) e que, num cenário marcado pela descolonização dos povos do Terceiro Mundo, defendiam um desenvolvimento autônomo para o país. As 31 metas Energia (metas de 1 a 5) Transportes (metas de 2 a 12) Alimentação (metas de 13 a 18) Energia elétrica, nuclear, carvão, produção e refino de petróleo. Reativar estradas de ferro, estradas de rodagem, portos, barragens, marinha mercante e aviação. Trigo, armazenagem e silos, frigoríficos, matadouros, tecnologia no campo e fertilizantes. Alumínio, metais não ferrosos, álcalis, papel e celulose, borracha, Indústrias de base exportação de ferro, industria de automóveis e construção naval, (metas 19 a 29) maquinas pesadas e material elétrico. Expansão do ensino primário, com ênfase na ciência e na tecnologia Educação (meta 30) no que toca ao ensino superior. Brasília (meta 31) Construção de uma nova capital no Planalto Central, a meta-síntese. Partidos, militares e interesses O Plano de Metas, concentrando recursos internos e externos, fez por merecer a aprovação dos partidos de sustentação do governo, tanto o PTB como o PSD. A do PTB devido a que a expansão da indústria ajudaria os trabalhadores, dando-lhes emprego e melhores salários, reforçando-lhes a posição na sociedade por intermédio dos sindicatos. O PSD, especialmente a facção composta pela burguesia industrial, via na politica juscelinista a ampliação do mercado e da abertura de novas oportunidades, enquanto os militares entendiam que o crescimento geral do parque fabril reforçaria o poder econômico nacional e, por conseguinte, o das Forças Armadas. A oposição udenista, naquelas circunstâncias, reservou-se a função de denunciar “a corrupção” e os gastos excessivos, inflacionários, que tal programa implicava.
  • 4. A geografia de Juscelino Os impressionantes recursos mobilizados pelo presidente Juscelino, empréstimos, incentivos, etc., tiveram três destinos geográficos bem precisos. Aqueles que estimulavam a implantação de fábricas, particularmente as montadoras de automóveis (todas elas comprometidas em nacionalizar o mais breve possível as autopeças e outras matérias primas), foram canalizados para o ABC, no Estado de São Paulo, devido a sua tradição industrial e volume do seu mercado, o maior do Brasil. Para Brasília, construída no Planalto Central, no Estado de Goiás, foram as inversões para a construção das grandes obras do governo e, por fim, com a criação da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), em 1959, deslocaram-se os recursos para fomentar e diversificar a produção da região. No total , mais de 400 empresas e corporações multinacionais instalaram-se no Brasil naquela época. Ficaram de fora da geografia juscelinista, os estados situados mais ao extremo, o Rio Grande do Sul e os da Amazônia II - Juscelino, domando o Sertão O ano de 1956 foi extremamente importante na história política e cultural brasileira. Naquela ocasião, o mineiro Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil, deu início a sua espetacular empreitada de construir, no Planalto Central, uma nova capital – Brasília. Enquanto isto, seu conterrâneo, médico como Juscelino, o escritor e diplomata João Guimarães Rosa, trazia a público a sua monumental narrativa Grande Sertão, veredas, celebrando literariamente o mundo arcaico que Juscelino começaria em breve a pôr abaixo. Juscelino e Guimarães Rosa “...não deixavam o Miguilim parar quieto. Tinha de ou debulhar milho no paiol, capinar canteiro de horta, buscar cavalo no pasto, tirar cisco nas grades de madeira do rego. Mas Miguilim queria trabalhar, mesmo. O que ele tinha pensado, agora, era que devia copiar de ser igual como o Dito. Guimarães Rosa- Manuelzão e Miguilim. 1956.
  • 5. Os dois eram rapazes do interior de Minas Gerais. Um deles nascera em Diamantina, em 12 de setembro de 1902; o outro, em Cordisburgo, em 27 de junho de 1908, e vieram cursar a mesma Faculdade de Medicina em Belo Horizonte. Tornaram-se colegas. Juscelino Kubitschek de Oliveira ganhou o canudo e o anel em 1927; João Guimarães Rosa, graduou-se mais tarde, em 1930. Engajaram-se em revoluções. Não para matar, mas para salvar vidas. Juscelino embarcou numa coluna na Revolução de 1930, Guimarães Rosa, por sua vez, alistou-se como voluntário para participar contra a Constitucionalista de 1932, a revolta paulista. Eram vocacionados para o serviço público. Juscelino abrigou-se nas asas de Benedito Valadares, o Grande Chefe Joca Ramiro dele, tornando-se deputado e depois prefeito de Belo Horizonte (entre 1940-45). Guimarães Rosa, ao seu tempo, um caipirão muito culto, grande cabeça, ingressava no Itamaraty para ser diplomata. Foi ver o mundo. Mandaram-no para Hamburgo, Bogotá e Paris. E, de volta, a Paris. Mas o sertão - a imagem do pequizeiro e do jatobá, a beleza do ipê-amarelo, o rio vadio e vistoso - nunca saía de dentro dele. Voltando por uns tempos ao Brasil, o doutor, partindo de sua terra, foi desbravar o interior de Minas Gerais e o do Mato Grosso. Acreditou que podia preservar aquele mundo com sua pena. Faltava àquela gente, o mundo dos matutos, dos trabucos e das traições, o seu Homero. Guimarães Rosa assinava-se, então, como Vaqueiro Mariano. Juscelino, ao contrário, ao conhecer os Estados Unidos em viagem em 1948, regressou com outra cabeça. Evidentemente que, político hábil, nunca acusou publicamente a mudança de sua mentalidade. No Brasil dele, veio convicto, não haveria mais lugar para o sertão. O negócio era pôr eletricidade, era fábrica de carro e montar em trator. Logo que eleito presidente, no dia 18 de abril de 1956, numa curta passagem por Anápolis, em Goiás, no aeroporto da cidade mesmo, assinou às pressas a transferência da capital para o Planalto Central. Brasília iria começar a ser erguida bem no meio do sertão, no coração amado de Riobaldo, o personagem de Grande Sertão; veredas, livro que Guimarães Rosa lançava naquele mesmo ano.
  • 6. Riobaldo e Bernardo Sayão Era naquela vastíssima região situada no coração do Brasil, um mundo em si mesmo, impenetrável império de matos e brenhas que cobriam as terras sem-fim do norte de Minas, indo até o sul da Bahia, passando pelos cerrados de Goiás, que os do bando do Urutu-Branco, dos jagunços Riobaldo e Diadorim, atuavam em busca do famigerado bandidão Hermógenes, homem mau, agente do Tinhoso, para se vingar daquele judas. Exatamente era ali o espaço bárbaro e arcaico que Juscelino estava disposto a fazer sumir. Não com disparos, que não era seu jeito, mas com estradas, de cimento e de asfalto, com escavadeiras, caminhões e postes de luz. Para tal tarefa de Hércules, de abrir a muque e a golpe de facão as portas do sertão brasileiro, ele convocou, entre tantos, um gigante, o engenheiro Bernardo Sayão, um homenzarrão. Colocou-o na Novacap - o estado-maior que ergueria Brasília - poderoso como o Zé Bebelo de Guimarães Rosa, um coronelão que fazia e acontecia. Tão imenso era o Bernardo que foi preciso uma enorme árvore cair sobre ele para matá-lo quando ele assombrava o Brasil, abrindo, a golpe de facão, serra e machado a estrada para Belém, em 1959, estrada essa que foi as Veredas-Mortas dele, local onde o diabo de Rosa o levou.
  • 7. Brasília corroeu o sertão Bernardo Sayão abrindo a Belém-Brasília Entrementes, Juscelino, carregando meio mundo em direção ao Planalto Central (André Malraux, soberbo escritor, ministro da cultura francês, encantado com a obra, batizou-a de “a capital da esperança”), conseguiu espantar para sempre os impedimentos que o mítico rio Liso do Sussuarão, de Guimarães Rosa, fazia. As veredas dele, impenetráveis, que, durante tanto tempo protegeram o sertão dos assédios inimigos, sucumbiram frente ao ímpeto de Juscelino. Para seduzir os roceiros e os jagunços, desconfiados de tudo e de todos, ele , como já fizera antes em Belo Horizonte, nos seus tempos de prefeito, resolveu embasbacá-los. Trouxe para o meio de Goiás, o arquiteto Oscar Niemeyer, a fim de erguer maravilhas com concreto nos descampados de Brasília, e mais uma leva de artistas e vitralistas para fazer tudo bonito, tudo moderno, para encher o brasileiro de orgulho e arrumar um lugar e tanto para a Copa do Mundo, recém-conquistada em 1958. A planta da cidade era, como se sabe, a forma de um pássaro colossal cujo vôo sacudiu o Brasil de então. Juscelino não parava
  • 8. num só lugar, não ficava quieto nunca, num país de gente acomodada, dada à lassidão, ele se sobressaía decolando e aterrissando nos lugares mais inesperados, os mais improváveis; tão rápido tudo andava que até o seu nome encurtou, virou JK. Vendendo otimismo, entusiasmando a cultura, fez a música, dispensando a viola, a sanfona e o tambor, tocar numa outra batida, fez o cinema olhar diferente, tudo era novo, a bossa era nova, o cinema era novo, até ele, o presidente, era o “presidente bossa nova”; Guimarães Rosa morreu em 1967, de emoção. Não foi pelo fardão da Academia de Letras que o seu coração falhou, foi sim pelo fim do sertão, que desaparecia. Juscelino, o Miguilim tornado homem, o Dito domador do sertão, acompanhou-o anos depois, em 1976, morto, como não podia deixar de ser, em viagem, num automóvel por uma estrada. Brasília, a capital da esperança Israel Pinheiro, Jucelino e Oscar Niemeyer (maquete do Palácio da Alvorada)
  • 9. A decisão de construir uma nova capital, no Planalto Central, surgira durante a campanha. Era a oportunidade de mudar o destino geográfico do Brasil, esparramado há 450 anos pelo litoral atlântico. Os imensos espaços da hinterlândia brasileira, o sertão bravio, estavam praticamente abandonados, e assim permaneceram por séculos, por todas as administrações. Brasília, fixada sua construção em 3 anos e 10 meses, iria modificar tal situação, atuando simultaneamente como a catalisadora das energias nacionais. A máquina administrativa estatal, ao sair do Rio de Janeiro, onde se encontrava fazia dois séculos, deslocando-se para o Planalto Central, produziu um enorme choque na região. Foi como se por lá caísse, bem no meio do Estado de Goiás, um meteorito de grande proporções. Numa sentada, para lá foram atraídos milhares de trabalhadores (os candangos) e deslocados mais de 5 mil funcionários públicos. O que era um deserto adquiriu vida. O projeto de Lúcio Costa, um dos maiores urbanistas do país, um enorme pássaro com asas abertas (divididas em Norte e Sul) pronto para alçar vôo, infundiu no povo brasileiro uma sensação de esperança como há muito não se conhecia (daí o escritor André Malraux, ao visitá-la, chamá-la de “a capital da esperança”). Este espaço, amplíssimo, foi ocupado pelas espetaculares construções saídas da prancheta genial de Oscar Niemeyer, um discípulo de Le Corbusier, tido como um dos pais da arquitetura moderna. De imediato, a bela cidade tornouse um centro irradiador de progresso para todo interior do Brasil, partindo, dela, grandes radiais rodoviárias em direção às principais cidades brasileiras. A mais espetacular delas foi a Belém-Brasília (1.450 quilômetros), que rasgou a floresta amazônica. Com isso, rompia-se o arquipélago interno que separava os estados do Brasil, concretizando-se a integração do território nacional, proporcionando a que as diversas regiões do país pudessem, dali em diante, ligarem-se por estradas e não mais pelo mar.
  • 10. PLANO PILOTO DE BRASÍLIA
  • 11. A revolução cultural da Era JK Não sem razão, os anos JK foram entendidos como “os anos dourados” da cultura brasileira. O clima de otimismo, de bom humor e de esperança que Juscelino transmitia - o homem era quase um mágico - contaminou toda uma geração de músicos e artistas brasileiros. O próprio presidente, sempre que possível cercado de escritores como Josué Montello, Augusto Frederico Schmidt, Autran Dourado, Carlos Heitor Cony, Pedro Nava, e tantos outros, dava exemplo do seu apreço as letras. O bairro boêmio de Ipanema, no Rio de Janeiro, como bem demonstrou Ruy Castro, tornou-se uma usina de novidades e de experiências culturais, musicais, teatrais, televisivas e cinematográficas. Para a nova geração de compositores brasileiros, a Bossa Nova por eles criada, cujo marco foi a gravação de “Chega de Saudade” de João Gilberto, em 1958, vinha libertar a música brasileira do derrotismo, de ser “macambúzia e sorumbática”. Afirmação disso era que o verso lamentoso de Herivelto Martins, “Não, eu não posso lembrar que te amei”, foi substituído pelo afirmativo viril de Vinícius de Morais “Eu sei que vou te amar! Por todo a minha vida eu vou te amar”. Bossa Nova e Cinema Novo Época em que foram revelados Tom Jobim, Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, o violonista Baden Powel, e a turma do 1º Festival de Samba Session, realizado em 22 de setembro de 1959. No cinema, o longo império da Cinematográfica Vera Cruz, puro lazer e entretenimento comercial, entrou em declínio devido à Televisão, e também pelo enfoque dado às questões sociais e políticas, já anunciadas no filme “Rio 40 graus” de Nelson Pereira dos Santos, em 1955, dando o ponto de partida para a emergência do Cinema Novo. Tal movimento, fundado nos estertores do governo JK, em 1960, e liderado por Nelson Pereira do Santos (e mais Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, David Neves, Ruy Guerra e Luiz Carlos Barreto), viera “para descolonizar a produção brasileira”, condicionada até então a imitar os filmes de Hollywood. Tratava-se da "libertação completa da linguagem cinematográfica de seus entraves coloniais [...], no entender de Carlos Roberto de Souza (“A fascinante aventura do cinema brasileiro”), ato que se afirmava na máxima do Cinema Novo: “ uma câmera na mão e uma idéia na cabeça". Vários escritores deixaram suas impressões sobre Juscelino. Uma das mais notáveis foi a de Nelson Rodrigues, após publicarem uma foto na qual,
  • 12. numa noite de gala, o presidente aparece ao lado da atriz americana Kim Novak, ambos sentados com os pés descalços. "Ninguém mais antipresidencial. Ele trouxe a gargalhada para a presidência. Nenhum outro chefe de Estado, no Brasil, teve essa capacidade de rir – e nos momentos mais inoportunos, menos indicados. Dir-se-ia que ele tinha sempre um riso no bolso, riso que ele puxava, escandalosamente, nas cerimônias mais enfáticas. Os outros presidentes têm sempre a rigidez de quem ouve o Hino Nacional. Cada qual se comporta como se fosse a estátua de si mesmo. Não Juscelino. Quando ele tirou os sapatos para Kim Novak (que achado genial! que piada miguelangesca!), ele foi o antipresidente, uma espécie de cafajeste dionisíaco. Eu diria que jamais alguém foi tão brasileiro. O novo Brasil é justamente isso: – um presidente que tira os sapatos para uma beleza mundial." (Nelson Rodrigues no jornal Brasil em Marcha, 10/2/1961) Política externa de JK; Juscelino e o pan-americanismo “...ao não compartilharmos, senão simbolicamente, da direção de uma política, o não sermos muitas vezes ouvidos nem consultados – mas ao mesmo tempo estarmos sujeitos aos riscos dela decorrentes - tudo isso já não é conveniente ao Brasil” Juscelino Kubitschek, Operação Pan-Americana, 1958 Em maio de 1958, nem bem o Cadillac presidencial trazendo o vicepresidente americano Richard Nixon, em viajem de boa vontade pela América Latina, apontou na avenida Sucre, em Caracas, a turba armou-se de pedras. Uma horda furiosa, rompendo com tudo o que tinha pela frente, cordões e policiais, cercou o veículo e, por muito pouco, o visitante e sua esposa Patty, não foram linchados. O enorme veículo, a toda a velocidade, teve que se refugiar na residência do embaixador americano, transformada num bunker. De uma pedrada, entretanto, ele não escapou. Logo que soube dos tormentos de Nixon, incidente que chocara boa parte do mundo por sua violência, Juscelino Kubitschek, no segundo ano do seu mandato, ligou para ao seu amigo, o poeta Augusto Frederico Schmidt. Como entender aquele desvario todo, a loucura daquela multidão? Disto resultou, do desastrado périplo latino-
  • 13. americano de Nixon e da consulta que o presidente do Brasil fez a um homem de letras (para os críticos, bem pequenas), o projeto da Operação PanAmericana. O texto completo da posição de Juscelino não demorou a ficar pronto. Homem dotado de censo teatral, apresentou-o, na frente de todo o ministério, em cadeia de rádio e televisão. Era uma tentativa de dar uma sacudida nas relações da América Latina com os Estados Unidos, que, segundo ele, estavam em ponto morto. Menos de um mês antes, em 28 de maio, ele enviara uma carta ao General Eisenhower, presidente norte-americano, para dar sua visão dos ocorridos de Caracas. Na missiva, alertou que as relações diplomáticas dos norte-americanos com seus vizinhos latino-americanos e vice-versa (que já datavam de mais de 130 anos), só tinham produzido dois escassos documentos: a Doutrina Monroe, de 1823, e a Carta da Jamaica de Simon Bolívar, de 1815, ambas recheadas de idéias generosas, de retórica fraternal; todavia, “viviam no limbo, sem possibilidade de qualquer execução prática.” Chegara o momento – enfatizou Juscelino - de se fazer alguma coisa com o pan-americanismo, algo de prático, que fosse exeqüível. Eisenhower gostou do tom e lhe remeteu um assessor, de nome Roy Rubottom, para confabulações. Foi uma decepção. Republicano da gema, o enviado norteamericano disse que tudo aquilo – afinal o segundo homem na hierarquia americana quase foi morto - não teria acontecido se os governos locais não fossem tão lenientes com os comunistas. Se a polícia tivesse baixado o cassete preventivo na turba, os episódios desagradáveis que o vice-presidente passou teriam sido evitados. Juscelino ponderou que os comunistas eram numericamente insignificantes e se o povo deu-lhes ouvidos, deveu-se à existência de um profundo mal-estar e rancor que sentiam com a presença de um figurão norte-americano. Deste modo, em franca divergência com o representante de Eisenhower, ele entendeu, quase que psicanaliticamente, a ameaça de linchamento de Nixon como um clamor dos latino-americanos contra a estagnação e atraso que se encontravam frente à pujança da América do Norte. A solução para isso, evidentemente, não era policial. O Brasil, segundo Juscelino, conciliador por excelência, “sem pleitear nada para si próprio”, assumiria dali para diante a tarefa de liderar um entendimento geral. Negando-se ao alheamento e saindo da desconfortável situação de ser um participante passivo do drama geral, o Brasil chamava a si a responsabilidade de encaminhar negociações, junto aos Estados Unidos, para fazerem um grande plano de superação, com o apoio do irmão norte-americano, “da chaga do subdesenvolvimento”: a Operação PanAmericana. O que devia vir para América Latina não eram recursos destinados à repressão, mas sim investimentos. O fim disso era arrancar esta parte do
  • 14. hemisfério da posição de “retaguarda” em que se encontrava, situação que enfraquecia a causa ocidental. Era a miséria e a desigualdade que alimentavam a retórica da subversão. Se todos começassem a prosperar, saindo do buraco da indigência, a consciência geral ascenderia e o pan-americanismo sairia ainda mais fortalecido. Em verdade, os americanos somente aderiram à proposta assustados pela Revolução Cubana de 1959, quando então John Kennedy lançou, açodado, a Aliança para o Progresso, em 1961. Mas aí Juscelino não estava mais no poder. O fim de Juscelino “Como poderei viver, sem a tua, sem a tua companhia” “Peixe-Vivo”, canção folclórica Cassado e preso pelo regime militar em 1965, submetido a um IPM (inquérito policial-militar), Juscelino Kubitschek foi obrigado a viver no exílio. Passou a alimentar a esperança de ser algum dia anistiado para voltar a concorrer à presidência da república. Brasileiríssimo, homem de queijo com goiabada, não se sentia à vontade no exterior. Morreu vítima de um acidente de estrada quando, no dia 22 de agosto de 1976, vindo de São Paulo pela Rodovia Dutra, em direção ao Rio de Janeiro, o seu carro, abalroado por um ônibus , entre as marcas 164-165, saltou para outra pista, sendo esmagado por um grande caminhão. O seu caixão, ao chegar no Rio de Janeiro, foi levado por uma enorme multidão até o aeroporto Santos Dumont, e dali, transportado para Brasília. No caminho, o povo cantava o “Peixe-Vivo”, uma das suas músicas favoritas. Na capital que ele construíra, seu corpo foi velado - sem que alguém do regime militar se fizesse presente - por umas 30 mil pessoas. Foi o maior enterro que Brasília havia visto até então. Desde 1981, seus restos mortais repousam no Memorial JK, situado num local privilegiado da capital federal. Seu nome ficou associado a uma espécie de “idade de ouro” do Brasil republicano, período que aqueles que o viveram nunca mais esqueceram.
  • 15. Brasília, as super-quadras, nova forma de vida urbana
  • 16. Bibliografia BAER, Werner – A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico no Brasil (Editora Fundação Getúlio Vargas, RJ, 1977) BENEVIDES, Maria Victória de Mesquita – O governo Kubitschek (Editora Paz e Terra, RJ., 1976) BOJUNGA, Cláudio – JK, o artista do impossível (Editora Objetiva, SP., 2001) CARONE, Edgar - A Republica Liberal: instituições e classes sociais (Difel, SP., 1985) CASTRO, Ruy – Chega de saudade: a história e as histórias da bossa nova (Cia das Letras, SP., 1991) KUBITSCHEK, Juscelino – Por que construí Brasília (Senado Federal, Brasília, 2000) SKIDMORE, Thomas – Brasil: de Getúlio a Castelo (Editora Saga, RJ, 1969)