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Entrevista de CARLOS VAZ MARQUES Fotografia de PEDRO LOUREIRO
MANUEL
ANTÓNIO PINA
A poesia é uma porta
para reconhecer que não
há porta nenhuma
Par délicatesse,o poeta vai buscar o jornalista à estação ferroviária e há de levá-
-lo de regresso ao comboio depois de terminada a entrevista. Fuma a sua cigar-
rilha e ri-se quando conta o que lhe aconteceu, instantes antes, no quiosque, ao comprar
o último exemplar da LER.«Aqui tem,doutor.» «Porque é que me chama doutor,conhe-
cemo-nos?» «Não,mas quem compra esta revista são só doutores.» O sorriso de Manuel
António Pina é irónico como as crónicas que escreve diariamente no Jornal de Notícias.
Nessas pequenas vinhetas do quotidiano há por vezes um eco de alguns dos seus poe-
mas, com um certo tom melancólico a espreitar pela frincha da ironia. O Prémio
Camões, o maior galardão para autores de língua portuguesa, não lhe mudou esse tom,
nem lhe alterou a perspetiva de que posteridade é sinónimo de esquecimento. A nova
recolha de poemas chama-se Como Se Desenha Uma Casa.
O tom elegíaco deste seu livro... te-se facilmente. Apareceu lá um novito com aquilo
Essa é boa. Não me tinha apercebido disso mas de e já estão todos contaminados.Mais tarde ou mais cedo
facto é verdade. – meses,anos – vão todos.Mas também nós.Eu tenho
... corresponde, de alguma maneira, ao seu estado 68 anos: meses,anos e também vou.Tudo morre,não é?
de espírito atual? Convive muito com a ideia da morte?
Sabe a que é que corresponde? Não é bem ao meu Não. Acho que nunca conseguimos conceber isso per-
estado de espírito atual. É à minha idade atual. feitamente. Mas a racionalidade impõe-se-nos.Toda
A «tardia idade» de que fala num dos poemas? a gente tem a ideia da morte. Durante muitos anos é
Sim.Uma pessoa com 68 anos está condenada à elegia, só uma palavra.Depois começam a morrer pessoas pró-
em qualquer coisa que faça.É certo que há pessoas com ximas de nós e ela de repente ganha um rosto concreto.
muita vitalidade aos 68 anos.Eu não tenho muita.E se Estou numa idade em que muitos amigos meus se es-
quer que lhe diga não tenho muita vontade de a ter. tão a ir.Os primeiros foram uma surpresa,agora é qua-
Porquê? se normal.Embora seja uma coisa sempre muito peno-
Sinto-me bem assim. Eu não devia dizer isto: convivo sa porque nós também somos os nossos amigos. Até
bem com a melancolia.Ainda há dias escrevi uma cró- já escrevi que a amizade é a forma mais alta e mais des-
nica na Notícias Magazine que se chamava «Lembrança prendida do amor. E a família é também uma forma
dos amigos mortos».Ocorre-me tantas vezes isso.Ago- particular de amizade. Nestes tempos em que tudo se
ra estão a morrer os meus gatos todos.Estão velhinhos desmorona, é o que sobrevive: a amizade, o amor, a fa-
e apareceu-lhes uma doença – a PIF,peritonite infecio- mília. Recentemente, vi o Gastão Cruz dizer do Ruy
sa felina – que é mortal. São todos portadores. Aquilo Belo que ele só pensava na poesia. A família e tudo
não se transmite para as pessoas mas entre eles transmi- o resto ficavam em segundo plano em relação à poesia.
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Isso assustou-o?
Não me assustou porque gosto muito do Ruy Belo.
É mesmo o poeta português do século XX de que me
sinto mais próximo.Mas fiquei um bocado inquieto por
ele dizer aquilo.Não percebo que se possa valorizar mais
a poesia do que a família,os amigos,o amor,a amizade.
Entre um bom verso e uma boa relação humana
escolhe uma boa relação humana.
Ah,sim.Há tempos também escrevi isso a propósito de
um episódio com o Joaquim Manuel Magalhães. Ele
fez uma coisa muito feia ao Eugénio de Andrade.Dis-
se – naquele tom de quem está sempre a afirmar que
não lê jornais – que leu por acaso um texto na imprensa
em que «o prosador» (referia-se ao Lobo Antunes e tra-
tava-o assim,depreciativamente,como se ser prosador
fosse coisa menor; acho que é das melhores prosas que
hoje se escreve em português) dizia ter estado em casa
do Eugénio de Andrade e que o Eugénio lhe tinha ser-
vido chá e bolos.Manifestava-se muito prostrado por-
que achava que aquilo era um mimo que o Eugénio lhe
fazia só a ele.Ficou tão dececionado que escreveu uma
crónica furiosa, numa página que tinha na altura no
Expresso e que dizia «Millennium BCP» em cima.De-
via ser uma coisa patrocinada. Era um texto escrito de
forma muito emotiva e precipitada,porque tinha mui- No ateliê de Joana Pois podia.Como deve ter reparado,dei o título ao livro
Rego, em Leça da
tos erros de concordância e estava muito mal amanha- Palmeira. O poema a partir de um poema que está de fora. Ultimamente
«Como se desenha
do e em que chamava ao Eugénio de Andrade «amigo uma casa» foi tenho feito isso.E esse poema diz a certa altura: «Uma
de fotocópia».O Eugénio na altura,embora ainda não escrito sobre casa é as ruínas de uma casa.» Na secção mais longa do
o quadro que faz
estivesse propriamente em agonia,já estava muito mal. a capa do livro livro reuni poemas cuja matéria tinha alguma proximi-
e que se encontra
Foi já no período do «leito de morte» a que faz refe- em casa do poeta, dade com a matéria simbólica da casa. Seja a casa das
rência no seu poema que inclui neste livro? no Porto (na pág. palavras,seja a simbologia maternal,o problema do re-
seguinte).
Ainda não. Estava naquela fase da doença que se pro- gresso. Como todos os símbolos maternais,é simulta-
longou por muitos anos.O poema já se refere a um mo- neamente ameaçador e protetor.Aliás,tenho lá um poe-
mento final. Aliás, à última vez que o vi. Achei o texto ma que diz «Quando tu eras música apenas», que
do Joaquim Manuel Magalhães chocante.Escrevi en- corresponde àquele mito da infância,ainda sem a inter-
tão uma crónica para a Visão (e olhe que não me estou mediação da linguagem. É a questão que se nos põe
a perder,isto tem a ver com o assunto de que estávamos ACHEICHOCAN- perante os animais, até onde eu me posso aperceber.
TEOTEXTODE
a falar) onde dizia assim: «Bons poetas há muitos, de É o que vejo naquela inocência do olhar dos gatos.
JOAQUIMMA-
cabeça sou capaz de citar umas centenas deles,e o Joa- NUELMAGA- Sem a impureza da linguagem – diria assim?
quim Manuel Magalhães é um bom poeta,mas do que LHÃESSOBRE Pelo menos sem a mediação da linguagem, que é per-
nós estamos precisados não é de bons poetas,é de boas OEUGÉNIO. turbadora. A linguagem impede-nos de contactar com
pessoas.» Acho que a bondade está acima da poesia. BONS POETAS o mundo. As palavras separaram-nos do mundo. Isso
HÁ MUITOS,
Quanto ao poeta Joaquim Manuel Magalhães, prefe- acontece com o mundo e acontece connosco mesmos.
DE CABEÇA
re o dos versos longos e claros ou o dos versos curtos SOU CAPAZ Contactamos com o mundo em termos linguísticos.
e obscuros? DE CITAR Não temos outro remédio, só temos palavras, não
Prefiro o dos longos e claros. O livro dele de que mais UMA CENTENA temos mais nada, o que é que podemos fazer? É uma
gosto é Uma Luz com Um Toldo Vermelho [Presença, DELES, MAS coisa que sempre me incomodou muito.Gostava de es-
DO QUE NÓS
1990].Esta última coisa que escreveu [Um Toldo Ver- tar mais próximo das coisas.Nos animais vejo isso,essa
ESTAMOS
melho, Relógio d’Água,2010] folheei-a na livraria e nem PRECISADOS inocência. Só vi uma inocência dessas no olhar da mi-
comprei.E desconfio que nenhum autor tem o direito NÃO É DE nha mãe pouco antes de ela morrer.Já não me reconhe-
de fazer aquilo.Pode fazer o que quiser mas a obra de- BONS POETAS, ceu e olhou-me com um olhar estranho.Tenho até um
pois de publicada não é dele. Isto é que é a obra? Não É DE BOAS poema antigo que diz assim: «O gato olha-me ou olha
PESSOAS.
é nada. Então e o resto? Quer dizer, tira o Trotsky da o meu olhar olhando-o?» E depois diz: «Há qualquer
A BONDADE
fotografia? Não é possível tirar o Trotsky da fotografia. ESTÁ ACIMA coisa que se interpõe entre mim e o gato, é a minha
A secção mais longa do seu livro chama-se «Ruínas». DA POESIA. consciência.» Parece-me que eles nos olham com estra-
Talvez pudesse ser até um título adequado ao tom nheza porque percebem que há ali a intermediação de
geral do livro. alguma coisa, nestes seres estranhos que nós somos.
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A casa também é em certo sentido uma separação do Mas cada um formula o real à sua maneira.
mundo.A casa protege-nos do mundo. Cada um vive a sua realidade, a fração ínfima da sua
A casa que já é uma ruína em potência. própria realidade.
«Uma casa é a ruína de uma casa.» De que modo é que a sua poesia reflete isso?
Mas aquilo que escolhe para título do seu livro não Convivo bem com a chamada realidade real. A minha
é esse aspeto de ruína futura mas o aspeto positivo formação é jurídica.
da construção, mesmo sendo um livro em que estão E profissionalmente, como jornalista, não lhe pôde
mais presentes as ruínas. escapar.
Se calhar a única maneira de construir é sobre ruínas. O jornalismo é o real no seu aspeto mais comezinho,
Uma espécie de Sísifo, sempre a recomeçar. Sempre mais imediato.
tive este sentimento elegíaco. Esse real comezinho também se infiltra na sua poesia?
A elegia será a forma lírica mais adequada ao tempo Sim,até por razões de composição.Das questões mais
que estamos a viver? comezinhas do real quotidiano emergem ou estão
É natural que pensemos isso mas todos os tempos são lá latentes todos os problemas filosóficos.
elegíacos. Estes são-no, são tempos do fim. Nós é que O cronista e o poeta, em si, têm boas relações?
estamos muito próximos destes e é natural que eles Têm.Até lhe vou dizer uma coisa: frequentemente sur-
se avolumem,por uma questão de perspetiva. preendo-me, em textos meus,com uma ou outra frase
Mas agora vivemos sob o espectro constante da de crónica que coincidem com poemas.Nalgum tipo de
palavra «crise»; há uma sensação difusa de que crónicas,não nas mais políticas.Isto também é uma con-
estamos no fim de qualquer coisa. denação: quem escreve todos os dias tem de arranjar as-
É verdade.É um tempo quase finissecular.Há tempos sunto. O meu problema não é só escrever,é arranjar so-
mais eufóricos mas pelo menos ao nível individual – que bre o que escrever.Até já escrevi uma vez uma tentativa
é o que me importa mais – os tempos são,todos,elegía- de autojustificação,numa crónica,por falar tantas vezes
cos. Diz o evangelista que para que a flor nasça é preci- de política.Sobretudo nas crónicas diárias.O meu pro-
so que a semente apodreça.A vida e a morte não são coi- cedimento é sentar-me ao computador,ler os jornais que
sas que se possam separar.Mesmo quando a vida é mais posso na Net e depois passar pelos blogues.Há um con-
pujante.Mesmo essa pujança alimenta-se da morte. junto de blogues de que sou afim: «Entre as Brumas da
A diferença é que agora temos isso em permanência, Memória»,duma senhora com quem até já me corres-
à hora do jantar, nos telejornais. pondi, o «Der Terrorist», o «Vias de Facto». E depois
Sim. Embora em termos psicológicos sempre tenha também frequento outro tipo de blogues: o «Blasfé-
tido esse sentimento elegíaco em relação a mim mes- mias», que é um blogue de direita,o «31 da Armada»,
mo. O Borges diz algures que se calhar os únicos temas monárquico, o «Arrastão», o «Aventar», o «5Dias»,
de toda a literatura e de toda a arte são o amor e a mor- o «Meditação na Pastelaria»,da Ana Cristina Leonar-
te. Eu acrescentar-lhe-ia o tempo, que é o que medeia do, de quem gosto muito,o «Portugal do Pequeninos»...
entre o amor e a morte.Mais conscientemente ou me- Blogue de um assessor do atual Governo.
nos, a morte está sempre presente em toda a arte. É.Chama-se João Gonçalves.Por acaso tenho tendên-
ESTE É A sua poesia faz-se muito dessas questões ontoló- cia a concordar com muitas das coisas que ele escreve.
UM MUNDO
gicas mas pelo meio aparecem muitas coisas quoti- São afinidades.E isto para quê? À procura de uma coi-
DE INTRIGAS.
VIVE MUITO dianas, a começar pelos gatos. sa que me dê uma espécie de clique.Eu não posso dar
DESSA COISA Muitas coisas quotidianas, sim. Até já fui intitulado notícias, as notícias já estão dadas.
DA POSTERI- poeta do real. Alguma vez lhe aconteceu partir do mesmo assunto
DADE E VALO- E até já respondeu a isso num poema em que falava para um poema e para uma crónica de jornal?
RIZA COISAS
dos bares e etc. Acho que não.Na poesia não tenho assuntos.Se calhar
RIDÍCULAS:
SE AQUELE Ah,sim.Numa alusão a uma jovem poesia que há para parece mal dizer isto mas o assunto sou eu. Nas cró-
TIPO TEVE aí cheia de bares.Dizia assim: «Também tenho ido a ba- nicas evito isso.São crónicas jornalísticas,sempre anco-
MAIS LINHAS res e outros lugares / igualmente reais. E tenho tido / radas na atualidade. Até costumo dizer que a crónica,
DE CRÍTICA / uma vida ou mais.» O problema é que estas questões de tal como eu a pratico, é jornalismo com saudade da
DO QUE EU. É
que estamos a falar são reais.Real não é só estar no café. literatura e literatura com remorsos de ser jornalismo.
MUITO TRISTE,
O MUNDO DOS Há o famoso regresso ao real de que falava o Joaquim Onde é que se sente mais recompensado?
ESCRITORES. Manuel Magalhães mas eu acho que nunca saímos do É na poesia,sem dúvida.O único apaziguamento que
É IGUAL AO real nem nunca podemos sair.Como é que se sai do real? sinto ao escrever uma crónica é o facto de já me ter livra-
DOS MÚSICOS, De resto, o próprio já renegou a leitura que foi feita do daquele cadáver.O Eliot diz: «Até que finalmente o
AO DOS PRO-
dessa ideia de regresso ao real. poema chega ao livro,que descanse em paz.» A publi-
FESSORES,
AO DOS JOR- Pois, pois. Disse que não era bem aquilo que queria cação é uma forma de morte,de separação.Mas justa-
NALISTAS. dizer. Mesmo quando a arte ou a literatura se envol- mente por ser uma forma de morte, é uma forma de
vem com o surreal,o surreal é o super-real.Quer ir mais nascimento.O poema nasce quando chega ao livro.Lá
fundo no próprio real.Estamos condenados ao real. está o nascimento e a morte.Há uma palavra francesa
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que exprime isso: «délivrance». É a palavra para parto.
É uma entrega.É uma libertação.Nós também dizemos
«livrar-se de».Gosto dessa palavra porque ela contém a
noção de apaziguamento,de libertação.Nas crónicas não
é bem isso: a libertação é apenas de um encargo.Eu es-
crevo as crónicas como profissional,para ganhar a vida.
E a poesia escreve-a porquê?
Às vezes digo que o jornalismo é profissão e a poesia é
devoção.Porque é que escrevo poesia? Isso é um proble-
ma que também me coloco muitas vezes.Tenho até uma
poema sobre isso: «Porquê a poesia,/ e não outra coisa
qualquer: / a filosofia,o futebol,alguma mulher?» Qual-
quer poema concreto é uma tentativa de resposta a essa
pulsão.Eu não escrevo permanentemente.Neste livro há
dois poemas que foram escritos uma hora antes de o fe-
char. Estava a ler as provas finais e faltava ali qualquer
coisa.Até tive vergonha de dizer ao Manuel Rosa [ex-
-editor da Assírio e Alvim] que tinha acabado de escrever
aquilo.Disse-lhe: «Escrevi-os ontem à noite.» Ele res-
pondeu: «Manda isso,então.» Fiquei tão inquieto que
lhe pedi um tempo para me distanciar daquilo.«Até se-
gunda-feira», disse ele.Era numa sexta.Eu não queria
dois dias,queria dois meses.Então,mandei os poemas
ao Luís Miguel Queirós (confio muito no gosto e no es-
pírito crítico dele) e foi ele que me deu o imprimatur.
Acontece muito, nesse tempo de pousio, que a sua
perceção sobre o poema se altere em relação à for-
ma como o via quando acabou de o escrever?
Acontece. Nunca deito fora. Os papéis ficam aí por
casa.É frequente recuperar poemas antigos.Em cader-
ninhos, por exemplo. Ando sempre com um caderni-
nho. Compro-os em lotes de três.Neste livro tenho um
poema chamado «As Coisas»,muito antigo.Há outro,
chamado «Passagem»,que também já tem uns 10 anos.
Qualquer deles nem sequer tinha título.Foi a Inês Fon-
seca Santos que me sugeriu o título para «As Coisas».
É frequente escrever poemas de jato, como no caso AMINHA Deus trata tão mal o seu mais fiel servo? Mas ele não
POESIAÉUMA
dos dois que entraram à última hora no seu livro? exige justiça,ele quer compreender.O mais importan-
COISACOMIGO
É muito raro. Aconteceu com um que mandei para MESMO.COMI- te no Livro de Job não é o sofrimento,é o desejo de per-
o Público, a pedido do Luís Miguel Queirós, e que foi GOMESMO, ceber porquê.Tem a ver com aquilo de que já falámos:
o primeiro daquela série de poemas ao sábado. Já lhe QUEDIABO, de onde vimos,para onde vamos.Porquê? Deus expli-
tinha mandado outro, que também está neste livro: ESTOUUM ca-lhe, vangloriando-se do que fez,com um tratado de
BOCADOMAIS
«Com Job, sob o céu de Calar Alto». Calar Alto é um astronomia,de arquitetura,de biologia.«Acaso foste tu
ÀVONTADE
observatório astronómico na Andaluzia.Achei piada ao DOQUECOM que puseste as estrelas no seu lugar?» Até pus uma pas-
nome.E gosto muito do Livro de Job.Ao longo da mi- OSOUTROS. sagenzinha nesse poema: «Alguma vez deste ordens
nha vida tenho tido relações particulares com certos li- ESTOUCOM- à manhã, ou indicaste à aurora o seu lugar?» É um
vros da Bíblia.Na adolescência era o Cântico dos Cânticos. PLETAMENTE texto muito bonito. Mas é um texto em que Deus
NU.OUPELO
Pelo aspeto sensual? se gaba. Depois dessa gabarolice, Job diz uma coisa
MENOSEM
É o mais erótico.Depois,houve uma altura em que me CUECAS.POR- fantástica: «Eu já tinha ouvido falar de Ti mas agora
fixei no Génesis.Quando era jovem gostava em especial QUENUNCA vi-Te.» Ele viu Deus no discurso,na Palavra.
do Evangelho de S.Mateus.Até vi o filme do Pasolini. CONSEGUIMOS Sente que estamos na posição de Job, a tentar com-
«Vim trazer a espada e não a paz.» Ultimamente, é o ESTARCOM- preender?
PLETAMENTE
Evangelho segundo S.João e o Livro de Job. Sinto-me nessa posição. A perguntar porquê. O pro-
NUS:ESTÁ
Por uma aproximação à ideia de sofrimento? LÁSEMPRE blema é que não tenho interlocutor. O meu único in-
Não,não é isso.O Steiner diz uma coisa engraçada so- ALINGUAGEM. terlocutor é a linguagem. É uma necessidade de coin-
bre o Livro de Job.Diz que o Job não é judeu,é adami- cidência. Nós incoincidimos connosco mesmos e com
ta. Se fosse judeu exigia justiça a Deus. Como é que o mundo,permanentemente.Esse desejo de coincidên-
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o real factual? Já está completamente transformado.
Nós é que construímos o nosso próprio passado.
É um homem dado a balanços de vida?
Não.Tenho memórias mas não faço balanços.
Pergunto-lhe isto por me ter dito há pouco que con-
vive bem com a melancolia, que é uma forma parti-
cular de balanço daquilo que se viveu.
Não era nesse sentido que eu falava da melancolia.
É mais isto: convivo bem com o sentimento de que não
posso fazer nada para alterar as coisas.Não posso fazer
nada contra a linguagem, não posso fazer nada contra
a morte.Sabe o que é melancolia,neste caso? É confor-
mação. Tanto o Osvaldo Silvestre como o Américo
António Lindeza Diogo escreveram coisas sobre a mi-
nha poesia dizendo que ela até certo momento contes-
tava a literatura, punha-me de fora da literatura. Mais
ou menos até um livro chamado Farewell Happy Fields.
É o que eles dizem.Tenho tendência a concordar.
Conformou-se deixando de querer criar uma rutura?
É evidente. Bati tantas vezes com a cabeça na parede!
Percebi que a rutura,em termos linguísticos,só pode ser
feita com a linguagem.Não nos podemos libertar dela.
Estamos aprisionados, como numa armadilha. Se ca-
lhar, por isso é que a palavra «labirinto» é tão presente
em tantas literaturas. A nossa existência é uma prisão
num labirinto cuja porta de saída, para alguns, é a fé.
Qual é a sua?
Não há outra saída a não ser essa. Acho que não há
porta de saída nenhuma.Invejo as pessoas que têm fé.
A poesia não é uma porta de saída?
É uma porta, se calhar, para reconhecer que não há
porta nenhuma.
Será uma porta desenhada numa parede?
Exato.Provavelmente é isso.Houve uma altura em que
pensei que poderia haver,pelo menos,uma maneira de
sair da própria literatura. O que era uma forma de di-
cia é o que está formulado na pergunta: «Porquê?» O TORGA É zer da própria linguagem.Sair,não.O que pensei é que
UMA MÁQUI-
Só podemos formular isso em termos de linguagem. NA DE FAZER era um bom exercício tentar forçar a porta.Essa melan-
E aí já estamos outra vez no mesmo problema. POEMAS. colia portanto é mais conformismo do que outra coisa.
Pois é. É uma espécie de petição de princípio perma- NUNCA ME Acontece-me isso em relação ao próprio mundo.
nente. Parecemos um rato perdido num labirinto. INTERESSOU Mas esse aspeto não está presente nas crónicas em
Outro aspeto muito presente na sua poesia é a ques- MUITO. É SÓ que verbera frequentemente comportamentos e ati-
CARREGAR
tão da memória; logo no primeiro poema do seu livro tudes públicas.
NUM BOTÃO.
tens estes versos: «Protege-te delas, das recorda- O HERDEIRO Raramente ponho nomes.Mas deixe-me dizer-lhe uma
ções, / dos seus ócios, das suas conspirações.» Des- É MANUEL coisa: eu acho que está.A ironia também é uma arte de
confia da sua memória? ALEGRE. NÃO conformismo. E eu utilizo sobretudo a ironia. O meu
Lá está,a memória é outro problema.Aquilo que esti- É POESIA MAL humor é desprendido.Talvez se aproxime mais da irri-
ACABADA.
vemos a dizer em relação à linguagem também o po- NÃO SE PODE são do que daquela máxima que diz que ridendo castigat
demos dizer em relação à memória. Ela acaba por ser DESPREZAR, mores.Está longe de querer mudar qualquer coisa.
uma forma de linguagem em relação à nossa própria MAS TEM Por desconfiar das mudanças?
vida. A memória é uma construção que fazemos per- SOLUÇÕES Desconfio não só da mudança como da própria eficá-
manentemente da nossa vida.Diz o William James que MUITO FÁCEIS. cia daquilo que escrevo. O Mário Mesquita chama ao
É UMA RETÓ-
nós não nos lembramos dos factos, lembramo-nos da RICA MUITO jornalismo «o quarto equívoco».E acho que o é,de fac-
última vez que nos lembrámos de um facto concreto. SIMPLES. to. As minhas crónicas têm alguma popularidade,é cer-
Ou seja, estamos sempre a construir. Quem se lembra SIMPLISTA. to. Na Net, por exemplo, têm uns milhares de visuali-
de um conto, aumenta um ponto. Ou diminui.Trans- zações. Mas porquê? A minha convicção é a de que só
forma. A memória transforma sempre. E onde está prego para convertidos. Felizmente. Porque se tivesse
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a ideia de que influenciava alguém nunca mais escrevia. mais bondoso possível sabendo que isso é inútil.O Luiz
Assim,estou à vontade. Pacheco dizia que daqui a cem anos ninguém se lem-
Isso é o contrário do espírito do homem político. bra: qual daqui a cem anos,amanhã já ninguém se lem-
Pois. Eu não quero influenciar ninguém. Se achasse bra. Nem isso importa.Tudo tem o mesmo destino.
que podia influenciar alguém só dizia coisas de que ti- É capaz de haver agora alguém a pensar que isso é
vesse a certeza absoluta. fácil de dizer quando já se chegou a um ponto, como
Há aí qualquer coisa de uma atitude zen. é o seu caso, em que obteve reconhecimento, tem lei-
É um bocado isso.O budismo na sua vertente zen sem- tores, ganhou o Prémio Camões. Será mais difícil
pre me marcou muito. Repare que é uma religião sem para quem não teve essas alegrias na vida.
deus. E eu sinto-me religioso, embora me considere Não necessariamente. Até eu começar a publicar na
ateu.Como diz o taoismo: «Chamo-lhe tao porque não Assírio ninguém ligava ao que eu escrevia.O Eduardo
sei que nome tem».Eu também uso muitas vezes a pa- Lourenço diz, no documentário da RTP2 [documen-
lavra «deus» porque não sei que nome terá.O problema tário sobre Manuel António Pina realizado por Ricardo Es-
são as igrejas.O proselitismo religioso,o missionarismo pírito Santo,a emitir em breve],uma frase engraçada: «Ele
e coisas assim são coisas tenebrosas que provocaram sabe muito bem quem é.» Eu nunca deixei de escrever
muito mal no mundo.A religião em si mesma,em sen- por causa disso.Sabe o que é que eu pensava? Isto não
tido mais estrito,torna as pessoas melhores.Até invejo tem importância nenhuma.Até por razões de orgulho.
as pessoas que têm fé.Isto era para dizer que no fundo Eu não sabia – e ainda não sei – o valor que aquilo tinha.
prego para convertidos. O que eu sou é um indivíduo Mas sabia que aquilo era feito com honestidade.A mim
excessivamente normal,excessivamente comum. bastava-me.Foi quando comecei a escrever na Assírio
Aqui há tempos, numa outra entrevista, disse-me esta que saiu um grande artigo do Eduardo Prado Coelho
frase: «Sempre tive a tendência, por temperamento – uma página no Público,sobre Nenhuma Palavra Ne-
próprio, de me afastar um pouco e de assistir ao meu nhuma Lembrança – em que ele começava por dizer:
próprio espetáculo.» Isso é uma forma de autodefesa? não dei conta da existência deste gajo. E então, para
Pode também ser. Na realidade, eu não me levo muito compensar, como fazem os árbitros, começou a exa-
a sério. Há um poema do Carl Sandburg sobre uma gerar. Disse coisas completamente desproporciona-
vaca que deu um coice num candeeiro,o candeeiro caiu das. O próprio Óscar Lopes me telefonou a pedir-me
e incendiou Chicago.E ele acaba assim: «Para quê tudo desculpa e a dizer-me que só então se tinha apercebido
isto,para quê tudo isto?» Eu até fiz uma espécie de pos- de que na História da Literatura só tinha duas linhas
fácio à minha primeira poesia reunida,Algo Parecido com a meu respeito.Ainda me lembro que foi na 17ª edição.
isto, da Mesma Substância, em que dizia precisamente: Quer dizer que a partir dessa edição teve direito
«Para quê tudo isto,para quê tudo isto?» Tenho perma- a mais espaço?
nentemente um sentimento da desnecessidade de tudo. Depois fez uma coisa maior. De tal maneira que o
Isso pode ser paralisante. Osvaldo Silvestre me mandou uma mensagem em que
Não,não.Lá vem a melancolia.É o problema da porta dizia: «Não há dúvida,quem tem capa sempre escapa.»
desenhada na parede.Isso implica melancolia.E ironia. Foi quando passei a ser editado pela Assírio e Alvim,
A ironia é uma coisa muito triste. pelo Manuel Hermínio Monteiro.Não posso dizer que EU SE FOSSE
JÚRI NÃO
Mas levada às últimas consequências essa atitude... antes isso me era completamente indiferente. Por um
ME ATRIBUÍA
Sim, podia paralisar-me. Mas não. Não chega a isso. lado ficava levemente incomodado. A editora [Afron- O CAMÕES.
Não corre o risco de cair na ataraxia? tamento] mandava os livros e nem sequer saía notícia da UMA PESSOA
Não. Sabe porquê? Tudo tende para o esquecimento, publicação. Mas também me sentia orgulhoso disso. OLHA PARA
é essa a nossa condição.Às vezes fico muito triste quan- Por me sentir de fora de um certo mundo. AQUELE LOTE
DE PREMIADOS
do vejo alguns artistas a trabalharem para a posteridade. Agora já se sente dentro?
E SÃO TUDO
A posteridade quer lá saber. Os velhos tipógrafos Não. Faço um esforço enorme para não me deixar ESTÁTUAS.
diziam-me sempre: «Não se preocupe com isso, ama- arrastar para lá. O TORGA,
nhã é para embrulhar peixe.» O problema é que tudo O que é que esse mundo tem de errado? OEUGÉNIO,
é, no dia seguinte,para embrulhar peixe. É um mundo de intrigas. Vive muito dessa coisa da AAGUSTINA,
OLOBOANTU-
O problema desse raciocínio é que se for levado às últi- posteridade.Valoriza coisas ridículas: se aquele tipo teve
NES.NÃOSÓ
mas consequências conduz ao desmazelo ou à paralisia. mais linhas de crítica do que eu.É muito triste,o mun- SÃOESTÁTUAS
Não.Essa é que é a grande dignidade.A grande digni- do dos escritores. É igual ao dos músicos, ao dos pro- COMOALGUNS
dade do jornalismo – e da própria natureza humana – fessores, ao dos jornalistas. SECOMPOR-
é tentar fazer o jornal o melhor possível sabendo que no Se calhar corresponde a uma constante da natureza TAMCOMO
ESTÁTUAS.
dia seguinte ele vai embrulhar peixe.O mínimo que nos humana.
EUNÃO
é exigível é o máximo que somos capazes de fazer.Nas É o mundo.É por isso que não me dou com escritores. MESINTO
coisas simples do dia a dia.Ser da maior bondade pos- Tenho amigos escritores mas dou-me com eles por ESTÁTUA.
sível no quotidiano. A bondade é a maior de todas as serem meus amigos. É raro ver-me na apresentação
qualidades. Inclui a beleza, a justiça e a verdade. Ser o de um livro.
32 janeiro 2012
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Para além dos parabéns que recebeu quando ganhou
o Prémio Camões sentiu que houve algum silêncio
eloquente?
Não. Até houve pessoas que me mandaram felicita-
ções surpreendentes.Tenho ali um maço de cartas.
Perguntei-lhe isto por ter falado do mundo dos escri-
tores como um mundo de invejas.
Estou a falar-lhe com toda a lealdade: não senti nada
disso. E ninguém tem obrigação de me felicitar. Fico
constrangido com essas felicitações.Para quê tudo isto?
Eu se fosse júri não me atribuía o Prémio Camões.
A quem é que o atribuiria?
Sei lá.Olhe,ao Vasco Graça Moura.Uma pessoa olha
para aquele lote de premiados e são tudo estátuas.
Há um ou outro que não o é.
A Maria Velho da Costa.Mas os restantes portugueses
são todos estátuas. O Torga, o Eugénio, a Agustina,
o Lobo Antunes. Não só são estátuas como alguns
se portam como estátuas.Eu não me sinto estátua.
Da lista de vencedores do Prémio Camões qual é
aquele com quem sente uma afinidade maior?
Olhe,aquele de quem me sinto mais próximo em ter-
mos literários e em termos intelectuais é o Eduardo
Lourenço.Não sei se é afinidade.Não tenho similitude
nenhuma com o Eduardo Lourenço mas leio-o e reco-
DESERTOS E DESASTRES nheço-me sempre no que ele escreve.Pensa muito bem,
de uma forma crítica,e escreve maravilhosamente.
Volume de poesia reflexiva, nostál- A escrita de Pina surge neste livro
Entre os premiados, há um a quem dedica um poe-
gica e depurada, Como Se Desenha mais rarefeita, «com algum grau de
ma neste livro.
Uma Casa (Assírio & Alvim) é o pri- abstração e sem um plano rigoro-
meiro livro de originais que Manuel so», embora circule pelos temas de É o Eugénio.Também lhe ia dizer que entre os poetas
António Pina (n. 1943) publica depois sempre: o «rumor» dos livros («É en- aquele de quem me sinto mais próximo é capaz de ser
de lhe ter sido atribuído o Prémio Ca- tão isto um livro, / este, como dizer?, o Eugénio de Andrade.Tive com ele uma relação mui-
mões em 2011. Chegado à «tardia murmúrio, / este rosto virado para to próxima.Era um homem muito difícil.Fazia coisas!
idade», ainda procura o que há de dentro de / alguma coisa escura que Não lia nenhum dos livros que lhe mandavam nem re-
material nos objetos, o sabor do «pão ainda não existe»); os labirintos da cebia ninguém.Às vezes era muito indelicado.Eu nis-
primeiro», mas os poemas refletem memória; os gatos (para quem nós, so, se me estendem a mão... O Borges diz que com-
sobretudo a «agonia interminável humanos, somos «intrusos, bárbaros preende o beijo ao leproso mas não compreende o
das coisas acaba- amigáveis»); as citações explícitas
aperto de mão ao canalha.Tenho apertado a mão a tan-
das». O tom é de (Paul Celan, Sá de Miranda) e as es-
tos canalhas na vida! Sou incapaz de dizer que não.Sou
desencanto. Os ver- condidas; a «possibilidade de senti-
sos enchem-se de do» das estruturas verbais de que se
incapaz de pôr a poesia à frente da vida.Par délicatesse...
fantasmas, passos faz o poema (mesmo quando no fim ... j’ai perdu ma vie – como no poema do Rimbaud.
ao longe, corpos e não sobra nada: «Uma casa é as ruí- No caso,não perdi a vida mas perco alguma tranquili-
nomes que se des- nas de uma casa, / uma coisa amea- dade por delicadeza.Sou incapaz de dizer que não.Um
vanecem. O que pulsava deixou de çadora à espera de uma palavra»). dia,estava com o Ruy Belo,com o João Miguel Fernan-
pulsar, extingue-se o canto numa Há também evocações de ami- des Jorges e um amigo meu,o Albino Esteves,no átrio
vida «excluída / da clarividência da in- gos, alguns desaparecidos, quase da Faculdade de Economia, onde havia umas sessões
fância», o poeta atravessa uma pai- todos poetas. Na «Carta a Mário organizadas pelo Joaquim Manuel Magalhães e pelo
sagem em que tudo se perde ou en- Cesariny no dia da sua morte», a João Miguel Fernandes Jorge sobre a nova poesia por-
velhece, acumulação de «desertos» despedida transformada em até já
tuguesa contemporânea.Até aconteceu uma coisa en-
e «desastres», consciência da «mu- – «A gente vê-se um dia destes por
graçada: ninguém queria falar do Nuno Júdice.Come-
dez do mundo». Um mundo «onde o Aí» – concentra toda a melancolia
Lexotan se tornou literatura» e em que atravessa o livro: «Há apenas
çaram todos: «Eu não falo do Júdice», «Eu também
que «a porta está fechada na palavra agora um buraco aqui, / não sei não».E eu disse: «Mas o Júdice existe,quer vocês quei-
porta / para sempre». Mesmo morrer onde, uma espécie de / falta de al- ram, quer não; é um facto,é irremediável.» E a resposta
«não é fácil», porque «ficam sombras guma coisa insolente e amável, / de foi: «Então se quiseres fala tu.» E eu falei.Até li uns poe-
nem sequer as nossas, / e a nossa voz qualquer modo, aliás, altamente im- mas, eu que leio muito mal.Só porque eles não reconhe-
fala-nos / numa língua estrangeira». provável.» José Mário Silva ciam a existência do Júdice.É o tal mundo da literatura.
Continua na página 88
Revista LER 33