O documento resume (1) um alerta de 1992 de cientistas sobre problemas ambientais crescentes, (2) um novo alerta em 2017 por ainda mais cientistas sobre o agravamento da situação, e (3) a necessidade de mudanças radicais para evitar consequências desastrosas para a humanidade e o planeta.
A Ciência (que) quer salvar a Humanidade – porque em breve será tarde demais
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Em 1992, cerca de 1.700 cientistas, já preocu-
pados com a dimensão dos problemas am-
bientais, assinaram um artigo, intitulado “Alerta
dos Cientistas do Mundo à Humanidade”,
publicado na revista da Union of Concerned
Scientists. O artigo que foi o primeiro aviso
da comunidade científica, refere o seguinte:
Os seres humanos e o mundo natural estão
em colisão. As actividades humanas causam
danos severos e, por vezes, irreversíveis no
ambiente e nos recursos. Nesse mesmo arti-
go, os cientistas alertaram para o crescimento
rápido da população humana mundial e os
problemas associados, que estavam a fazer-
-se sentir na altura, nomeadamente a destrui-
ção da camada de ozono, do solo arável, dos
recursos hídricos, das zonas costeiras e a ex-
tinção de espécies. As soluções apresentadas
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AMBIENTE E ENERGIAS RENOVÁVEIS
A Ciência (que) quer salvar
a Humanidade – porque em
breve será tarde demais
Texto_Jorge Moreira [Ambientalista e Investigador]
Fotos_Internet
Estamos a destruir a natureza e os ecossistemas e é a natureza que nos suporta e fornece
recursos. Quando destruímos, estamos também a destruir-nos. Essa é a mensagem: não está
em causa a Terra como um recurso natural, está em causa a espécie homo sapiens sapiens.
Por isso trata-se de um aviso à humanidade
Cristina Branquinho,
subscritora do “Aviso dos cientistas do mundo à Humanidade: um segundo alerta”
Foto_Plastic Oceans Foundation
[editada pelo The Telegraph]
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recaiam sobre a estabilização da população,
a diminuição do consumo e o controlo das
actividades danosas para o ambiente.
Passados 25 anos, e perante um cenário
ainda mais devastador, os cientistas voltam
a avisar a humanidade, agora em maior nú-
mero e intensidade discursiva. Foram 15.364
elementos da comunidade científica, alguns
deles laureados com o Nobel, de 184 países,
incluindo mais de 200 portugueses.
A nova carta aberta dirigida à Humanidade é
um alerta para a ameaça que paira sobre a
continuidadedanossaespécie.Curiosamente,
não estamos perante um evento catastrófico à
escala global, como de um corpo celeste que
se dirige ameaçador contra o nosso planeta
ou na iminência de uma série de cataclismos
naturais à superfície. Trata-se simplesmente
da ação humana, em franco crescimento
sobre os recursos naturais, que tem levado
à perda desastrosa da biodiversidade e dos
serviços que suportam a vida na Terra. Desde
o primeiro aviso, todos os cenários ambientais
se agravaram, exceto no que concerne à
camada de ozono estratosférico, que nos
protege dos raios ultravioletas nocivos.
Os autores da carta, liderados pelo ecologista
William Ripple e publicada como artigo na
revista BioScience, basearam os seus argu-
mentos em dados recolhidos pelas agências
governamentais, pelas organizações sem
fins lucrativos e investigadores particulares.
Chegaram à conclusão que a quantidade de
água doce teve uma redução per capita para
metade dos níveis que existiam no início dos
anos 60 do século passado; a partir dessa
altura também houve um aumento dramático
das zonas mortas nos oceanos; a captura de
peixe teve um forte declínio desde 1996, de-
vido à falta deste recurso; as florestas tiveram
um decréscimo de 129 milhões de hectares
entre 1990 e 2015, aproximadamente uma
área equivalente à Africa do Sul; a biodiver-
sidade diminuiu perigosamente, com perdas
de 58% dos vertebrados entre 1970 e 2012;
as emissões globais de CO2, provenientes da
queima de combustível fóssil, aumentaram
rapidamente desde 1960, bem como os
níveis médios da temperatura global; desde
1992 a população humana mundial aumentou
35%, contribuindo também para elevar a
produção de animais para consumo, agra-
vando duplamente os impactos ambientais e
climáticos. Resumidamente, desencadeamos
um evento de extinção em massa, o sexto
em cerca de 540 milhões de anos, no âmbito
do qual muitas formas de vida atuais podem
ser aniquiladas ou, ao menos, condenadas à
extinção até o final deste século. Os impactos
ambientais antropogénicos no mundo natural
levarão provavelmente à grande miséria
humana e a danos substanciais e irreversíveis
para a Terra. O Professor Ripple acrescenta:
Aqueles que assinaram este segundo aviso
não estão apenas a levantar um falso alarme.
Eles estão a reconhecer os sinais óbvios de
que estamos a dirigir-nos para um caminho
insustentável. Em breve, será muito tarde para
mudar o curso da nossa trajetória falhada e o
tempo está a acabar.
As causas para este limiar trágico são bem
conhecidas. O painel de cientistas salienta o
crescimento da população mundial e a visão
distorcida da economia vigente, com o seu
modelo de crescimento infinito, num planeta
de recursos finitos. Alerta que precisamos
de rever urgentemente estes itens e reduzir a
emissão de gases com efeito de estufa e a po-
luição; restaurar os ecossistemas e as flores-
tas autóctones; estabelecer reservas naturais,
corredores ecológicos e proteger habitats;
interromper a desertificação e a alteração dos
espaços naturais para superfícies agrícolas
e áreas urbanas; conter as exóticas, as inva-
soras, a caça furtiva e o tráfico de espécies
ameaçadas; reduzir o desperdício de alimen-
tos e reorientar o regime alimentar na direção
de dietas ricas em vegetais, em detrimento
do consumo de produtos de origem animal;
melhorar a educação ambiental e natural e in-
centivar a fruição da Natureza; desinvestir nos
setores insustentáveis e apostar nas energias
limpas. Tanto os alertas, com as recomenda-
ções apontadas pelo painel têm tido eco nos
diversos artigos que tenho partilhado neste
espaço d’O Instalador. No seguimento desta
segunda carta à Humanidade, o Professor
Ripple e os seus colegas formaram uma nova
organização independente, chamada Alliance
of World Scientists, destinada a divulgar as
questões da sustentabilidade e o destino da
Humanidade.
Com os alertas dos cientistas, começou
uma nova dimensão no movimento ambien-
talista. Rachel Carson foi pioneira a utilizar
dados científicos para retratar a origem dos
problemas ambientais. Mais tarde, o Painel
Intergovernamental para as Alterações Cli-
máticas, criado em 1988, deu talvez o maior
passo para explicar os fenómenos e os
impactos através da ciência. Depois de uma
tentativa de descrédito das instituições cien-
tíficas por parte da administração atual dos
Estados Unidos da América, esta nova carta
vem reforçar o trabalho dos ambientalistas,
que há muito lutam pelo Planeta. Para Helena
Freitas, Professora da Faculdade de Ciências
e Tecnologia da Universidade de Coimbra
e uma das subscritoras portuguesas, estes
avisos com fundamentação científica ajudam
a mobilizar as pessoas. [Antes] penso que o
conhecimento científico não estava tão pre-
sente nos movimentos [ambientais], que eram
movimentos da sociedade civil e impulsiona-
dos por organizações não-governamentais.
Agora é um movimento que tem um apoio
científico grande. Hoje a comunidade científica
é que ergue a bandeira do planeta.
Percebemos a urgência e o conteúdo da
mensagem, mas na verdade, desde o
primeiro aviso, em 1992, caminhamos cada
vez mais para o abismo. A culpa não é só da
Humanidade como um todo, mas de uma
elite macabra que o que tem feito é destruir e
prosperar com a destruição. As florestas, por
exemplo, como diz a segunda carta à Huma-
nidade - são cruciais para a biodiversidade,
a água potável e o sequestro do carbono.
encontram-se ameaçadas por uma conjunto
de personagens e instituições poderosas,
que inclui bancos, celuloses, advogados,
contabilistas e políticos - os senhores do eco-
cídio. Num texto de Scilla Alecci, publicado no
Expresso, em 16 de novembro de 2017, sob
o título “A história de um contributo menos
óbvio das offshore: a destruição de florestas”,
o Consórcio Internacional de Jornalistas de
Investigação (ICIJ) analisou e revelou uma fuga
de informação de registos offshore entregues
ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung, onde
retrata como uma empresa de recursos
naturais conseguiu prosperar e explorar
grandes áreas de florestas, graças a uma rede
global de banqueiros de elite, advogados e
contabilistas que as ajudam a navegar os de-
safios empresariais e fiscais. Os documentos
mostram como estas entidades ajudaram a
estruturar as suas operações, mau grado o
cadastro ambiental da empresa de papel e
pasta. O texto publicado prova assim como o
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sistema financeiro offshore ajuda a financiar e
expandir empresas envolvidas na destruição
de florestas e noutras práticas que contribuem
para a mudança climática global. Com tudo
isto, também se financiou a corrupção de
políticos e governadores para a emissão de
licenças de concessão da floresta natural.
Este caso ilustra bem o cerne do problema:
a falta de uma ética abrangente que incorpore
as dimensões humana e natural. Melhor
dizendo, uma ética ambiental, que olhe tanto
pelos seres humanos que são explorados
ou expulsos dos seus territórios, bem como
animais, plantas, rios e paisagens naturais,
que são o suporte físico e a essência da vida
humana.
As cartas que os cientistas dirigiram à
humanidade retratam, em primeira mão, as
preocupações para com a continuidade e
o bem-estar da espécie humana. Têm em
conta a preservação dos ecossistemas e a
biodiversidade, mas na perspetiva, de que
sem esses elementos, não há serviços que
suportam a vida humana. Estamos perante
o interesse humano acima de tudo, mesmo
quando queremos preservar o ambiente na-
tural do Planeta. É um elemento válido, mas
parco na verdadeira resolução do problema.
Enquanto tivermos essa visão antropocentra-
da, vamos continuar a ver a Natureza como
algo separado de nós, sem expressão, sem
qualquer outra finalidade do que aquela que
o ser humano deseja e impõe. Nestes docu-
mentos faltam uma perspetiva mais real da
dinâmica dos ecossistemas e do verdadeiro
valor que cada elemento abiótico e biótico
tem na malha da vida. Esta também é uma
visão científica – o ser humano como um
elo na cadeia que tudo une e que de quase
tudo depende. Nesse sentido, circula entre a
comunidade académica uma Declaração de
Compromisso com o Ecocentrismo, desen-
volvido por Haydn Washington, Bron Taylor,
Helen Kopnina, Paul Cryer e John J Piccolo,
com a contribuição editorial de Patrick Curry,
Ian Whyte, Joe Gray, Michelle Maloney e
Mumta Ito. Trata-se de um documento ao
qual subscrevi desde que tive conhecimento
e que já conta com cerca de 600 assinaturas.
Entre os subscritores encontram-se vários
cientistas, filósofos, ambientalistas e artistas.
Alguns são bem conhecidos, como Jane
Goodall (primatologista e ambientalista), J.
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Baird Callicott (filósofo ambiental), Joanna
Macy (ecologista profunda) ou Sarah Darwin
(botánica). O documento defende uma visão
do mundo ecocêntrica que vai ao encontro
do valor intrínseco ou inerente subjacente em
toda a Natureza e na ecosfera. Isto é, que os
elementos da Natureza ou a Natureza como
um todo tem valor independente da utilidade
para o ser humano. O texto esclarece: pode-
mos entender que os elementos da ecosfera
evoluíram para formar uma complexidade
maravilhosa - e afirmam que a natureza tem
valor por si só. O ecocentrismo reconhece
que os seres humanos têm responsabilidade
em relação à ecosfera, sentimentos morais
que se expressam cada vez mais na lingua-
gem dos direitos. Tais ‘direitos da natureza’
são agora consagrados em algumas cons-
tituições nacionais, e são designados como
jurisprudência da Terra (...) O ecocentrismo
encoraja-nos a ver o resto da vida como
um parente, (...) incentiva a empatia com
a vida, (...) e, acima de tudo, agindo para
proteger e curar o planeta, (... dá-nos) uma
sensação de maravilha sobre o mundo que
nos rodeia. Isso pode ajudar-nos a encontrar
a ética que exigimos se quisermos tomar as
ações difíceis necessárias para sustentar
a ecosfera que apoia a nossa sociedade.
Quer se trate de resolver crises globais como
as alterações climáticas ou a extinção em
massa. A Declaração de Compromisso com
o Ecocentrismo é uma ferramenta voluntária
que impulsiona a atenção do subscritor para
comunicar, empreender, promover e inspirar
ações de reconhecimento do valor intrínseco
da Natureza.
Cristina Branquinho, Professora da Fa-
culdade de Ciências da Universidade de
Lisboa e outra das subscritoras da segunda
carta aberta, disse: O mundo não está a
aguentar connosco porque nós não estamos
a aguentar com a responsabilidade de
tratar devidamente do mundo. O paper que
assinou diz ainda: Devemos reconhecer, no
quotidiano das nossas vidas e nas institui-
ções de governo, que a Terra com toda a
vida é a nossa única casa. Se acrescentamos
o reconhecimento do valor intrínseco da
Natureza e o cuidado para com toda a vida,
patente na Declaração de Compromisso
com o Ecocentrismo, teríamos um aviso e
simultaneamente uma nova fórmula de ver
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o mundo, mais perto da realidade ecológica,
que a visão antropocêntrica não dá. Esta é a
equação que falta para começarmos a per-
cecionar o mundo vivo do qual somos parte.
Qualquer dano ao mundo é um dano a nós
próprios. A solução passa por aí e pela nova
Educação centrada na orgánica do mundo
real. Precisamos de percorrer este caminho
de cura, de autoconsciência e retomar o
florescimento da vida na Terra.