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Comédia Romântica
Texto de:
JULIO CARRARA
Escrita em 2000
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 1111
PERSONAGENS:
ALAN
MARÍLIA
FRED
GABRIEL
LILIANE
ANA TELMA
PAI DE LILIANE
CENÁRIO: A primeira e a última cena se passam na Serra do Mar. Da
segunda cena em diante, o ambiente sugere as areias da praia do Gonzaguinha
na cidade de São Vicente. Duas barracas de “camping”, esteiras e cadeiras de
praia. Outros elementos que poderão compor o cenário ficarão a critério do
cenógrafo e do encenador.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 2222
CENA 1
(Luz sobe em resistência revelando uma estrada deserta em plena madrugada. Uma
forte neblina encobre, em parte, o lugar. Ouve-se no áudio ruídos de motor de um carro
que custa a funcionar, mesclando com as vozes dos passageiros. Buzinas, faróis que
acendem e apagam e muita fumaça. Logo em seguida entram três jovens: Marília, Fred
e Gabriel. Estão um pouco tensos e cansados.)
MARÍLIA
Eu sabia que isso não ia dar certo. Não sei onde tava com a cabeça
quando aceitei o convite de descer pra praia com vocês.
GABRIEL
Fica fria, Marília... Dá-se um jeito pra tudo.
FRED
Eu tinha certeza que o carro ia quebrar no caminho.
MARÍLIA
E vocês esperavam que essa lataria velha que é o carro do Alan,
aguentasse a viagem toda? Eu falei pra ele de vir de ônibus ou alugar uma
van, mas é teimoso como uma mula. E ainda mais com a quantidade de coisas
que a gente trouxe.
(Nesse momento entra Alan, todo sujo de graxa.)
ALAN
É... não tem jeito, galera. Ferveu!!!!
MARÍLIA
Era de se esperar. E agora, o que a gente vai fazer?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 3333
ALAN
Esperar o carro esfriar para a gente seguir viagem.
MARÍLIA
Você tá zoando com a nossa cara...
ALAN
É a única maneira, Marília. Você vê outra solução?
MARÍLIA
Eu não fico aqui nem mais um minuto. Vou pegar um ônibus e a gente
se encontra lá em São Vicente. (Vai saindo.) Tchau!
GABRIEL
São três e meia da manhã, Marília. Não tem ônibus pra lá esse horário...
E se tivesse com que grana a gente ia pagar?
ALAN
Pô, sem estresse, relaxa...
MARÍLIA
(Com os nervos à flor da pele.) Como eu vou relaxar Alan? Estamos há
quase meia hora nessa estrada; tô com fome, com sede, com medo, a bosta
desse Fiat 147 quebrou, não passa um miserável pra ajudar a gente e você me
pede pra ficar relaxada? Tenha dó.
FRED
Fome não é problema. Minha mãe me fez trazer uns frangos assados
com farofa pra gente comer. Tá aqui na minha mochila. Quer que eu pegue um
pra você, Marília?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 4444
MARÍLIA
Vá se danar, Frederico. Não tô pra brincadeira.
FRED
(Para Alan.) Ô, Alan, dá um jeito na sua mina, mano. O que ela tem? Não
aceita brincadeira...
MARÍLIA
Brincadeira tem hora, sabia?
FRED
É? Não sabia que pra brincar tinha que ter hora marcada...
MARÍLIA
(Irônica.) Engraçadinho!
GABRIEL
Sabe o que é isso, Fred? TPM, saca?
FRED
Que porra é essa?
GABRIEL
Tensão Pré-Menstrual. Algumas mulheres viram verdadeiras megeras
quando estão com isso, e a Marília é uma delas. Tome cuidado, viu Alan?
MARÍLIA
Não é nada disso, Gabriel. Não tô com TPM porcaria nenhuma. O que
eu quero é sair daqui o mais rápido possível... (Começa a chorar.) Inferno! (Alan
aproxima-se dela.) Ah, Alan, mal começamos a viagem e já tá tudo dando
errado!
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 5555
ALAN
Não pensa assim. Vai dar certo, sim. Garanto que vai ser o feriado mais
divertido que a gente vai passar junto. Você não confia em mim?
MARÍLIA
Em você eu confio, só não confio no seu Fiat 147. (Chuta o carro.)
(Alan senta-se no chão ao lado da namorada. Fred também se senta e solta o ar dos
pulmões violentamente pela boca.)
GABRIEL
Tô apertado, vou dar um mijão e já volto. (Brinca com Fred.) Quer vir
comigo pra chacoalhar, Fred?
FRED
Vá tomar no cu...
GABRIEL
(Ainda no tom de brincadeira.) Nossa, que mocinha malcriada! É falta de
homem, meu bem?!
(Fred atira uma pedra em Gabriel, mas não acerta. Gabriel vai até o fundo do palco,
rindo. Nesse momento ouve-se no áudio ruídos de um motor de caminhão. Fred,
Marília e Alan, escutam, olham um para o outro e concordam entre olhares. Sorriem
com esperança.)
FRED
É a chance... Ô, Gabriel! (Assobia para Gabriel, que vem fechando a braguilha
da calça.)
GABRIEL
Pô, não posso nem mijar sossegado!...O que foi?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 6666
FRED
(Feliz.) Carona à vista...
GABRIEL
(Esfregando as mãos.) Beleza!!!
ALAN
E o que eu vou fazer com o meu carro?
FRED
Deixa ele aí e vamos dar área.
ALAN
Deixar ele aqui na estrada? Tá maluco?!
GABRIEL
Quem vai querer roubar um Fiat 147, Alan? Ainda mais do jeito que ele
tá. Vamos pegar carona, curtir o feriado e na volta a gente pega ele. Fica frio,
cara. Além do mais, essa lataria não presta nem pra desmanche. Acho que nem
ferro velho aceita ele. Pode dar tétano.
ALAN
Obrigado pela parte que me toca...
FRED
Galera, precisamos agir rápido...
(Todos olham para Marília.)
MARÍLIA
(Compreendendo a intenção.) Êêêêê...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 7777
GABRIEL
Quebra essa, vai Marília. O que custa?
MARÍLIA
Tudo eu, tudo eu... Por que vocês não fazem isso?
FRED
Você acha que algum caminhoneiro vai querer dar carona prum bando
de marmanjo como a gente?
ALAN
Não vou permitir que minha namorada peça carona pra caminhoneiro
nenhum... (Muda o tom.) Mas hoje, só hoje, vou abrir uma exceção... Faz isso
pela gente. Salva a nossa pele.
MARÍLIA
(Depois de uma pausa.) Tá bom, tá bom, tudo eu, tudo eu, tudo eu... vou
me sacrificar por vocês, mas vai ser a última vez...
(Os três pulam de alegria. O caminhão vai se aproximando lentamente. Os garotos
desaparecem e ficam espiando num canto. Apenas Marília em cena. Começa a fazer
caras e bocas, mostra as pernas, etc. O caminhão vai se aproximando. Ouve-se no
áudio ruídos de galinhas cacarejando. Foco nos garotos, atrás da moita.)
GABRIEL
(Fala para os outros, que como ele estão escondidos.) Ihhh, fodeu...
ALAN
Por quê?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 8888
GABRIEL
Não tão sentindo o cheiro e ouvindo o barulho? É um caminhão de
galinha...
FRED
Menos mal. Seria pior se fosse um caminhão cheio de porco com aquele
cheiro horrível de lavagem.
(Muda o foco para Marília, que acena para o caminhão imaginário pedindo carona.
Ouve-se uma freada brusca.)
MARÍLIA
(Fala para o motorista invisível.) E aí, tudo bem, como vai gostosão?... Não
querendo abusar da sua bondade, mas poderia me dar uma carona até a
Baixada? Ó, tô sem grana nenhuma, mas posso te pagar de outra maneira...
(Ouve a resposta.) Tudo bem? (Sorri feliz. Chama os rapazes.) Vamos embora,
galera!!!!
(Os três rapazes saem da moita carregando malas, barracas, tudo o que se pode
imaginar. Alan empurra o carro para fora de cena. Fred, Gabriel e Marília, sobem na
carroceria do caminhão e Alan vai dentro do carro. Saem de cena na maior algazarra.)
CENA 2
(Luz sobe em resistência sobre as areias da praia. No ciclorama, um céu azul cheio de
nuvens. O sol da manhã começa a aparecer no horizonte. Movimentação habitual de
uma praia. Entram Alan, Marília, Gabriel e Fred, totalmente imundos, carregando,
cada um, a sua bagagem. Em seguida começam a montar as barracas e organizar suas
coisas. Quando terminam o serviço, Alan estende os braços para o céu.)
ALAN
São Vicente... aqui estamos nós!
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 9999
(Alan agarra Marília.)
MARÍLIA
Ai, Alan, eu tô fedendo à galinha...
ALAN
E daí? Olha a minha cara de preocupado...
(Alan joga Marília na areia e ambos começam a rolar nela.)
GABRIEL
(Cortando o barato, batendo palmas.) Ô, vocês dois, agora não é hora de
ficar se agarrando aí na areia feito dois cachorros no cio.
ALAN
Vá se danar, Gabriel. Tá com ciúme, babacão?
MARÍLIA
Tá parecendo meu pai.
(Alan e Marília se soltam. Fred começa a rir sem controle.)
GABRIEL
O que foi bobo-alegre?
FRED
Tô me lembrando da cara do tiozinho do caminhão quando viu o bando
entrando na carroceria e ficando junto com as suas galinhas.
MARÍLIA
(Rindo.) Ele nem teve tempo de dizer um “não”.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 10101010
ALAN
E se dissesse levava porrada...
(Riem. Pouco a pouco vão parando de rir, até um silêncio absoluto.)
GABRIEL
Tá tudo muito bom, mas o que tá faltando aqui nesta praia é mulher...
Muita mulher bonita.
MARÍLIA
(Ofendida, com ironia.) Obrigada, Gabriel.
GABRIEL
Pô, foi mal. Não era isso que eu queria dizer.
MARÍLIA
Mas disse.
FRED
(Olha para fora.) Uau! Olha o Boeing que vem vindo ali...
(Os três olham para fora. Neste instante entra Liliane, uma linda garota, loura
oxigenada e de olhos verdes, trazendo uma esteira e um radinho de pilha. Está com um
rayban, chapeu e uma sacolinha. Fred e Gabriel ficam boquiabertos. Liliane coloca a
esteira no chão e senta-se nela. Tira o rayban e a canga ficando apenas de biquíni.
Liga o rádio. Ouve-se uma música qualquer. Tira um bronzeador da sacolinha.
começa a passá-lo no corpo com uma grande dose de sensualidade, sem notar a
presença dos meninos. Nota-se uma certa dificuldade quando esta vai passar o óleo nas
costas. Quando percebe a presença dos garotos, se dirige para eles.)
LILIANE
Ei, vocês aí poderiam me dar uma ajudinha?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 11111111
(Fred, Gabriel e Alan fazem menção de ir até ela. Marília, ao perceber o movimento de
Alan, o impede. Fred e Gabriel param no meio do caminho.)
LILIANE
Podem vir, eu não mordo, não. (Os rapazes ficam bem perto da garota.)
Poderiam passar esse bronzeador nas minhas costas?... Não tô conseguindo...
Acho que Deus deveria ter feito a gente com o braço mais comprido. Toda vez
que venho pra a praia sozinha é sempre o mesmo transtorno, preciso sempre
pedir ajuda pra alguém. Poderiam me fazer esse pequeno favor?
FRED
(Assanhado.) Mas é claro.
(Liliane entrega o bronzeador para Fred que disputa a posse do mesmo com Gabriel.
Liliane, ao perceber o que está acontecendo, tenta apaziguá-los.)
LILIANE
Calma. Não precisam brigar, rapazes... Passa um de cada vez...
(Liliane deita-se de bruços. Os rapazes olham para o corpo da garota, depois um para o
outro. Gabriel começa a passar o bronzeador no corpo dela com certa timidez.)
LILIANE
Passa direito, garoto. Tem medo de mulher, é?
(Gabriel, agora bem mais desinibido, pega o óleo e vai massageando as costas da garota.
Fred, todo assanhado, pega o frasco das mãos de Gabriel e lambuza a garota,
massageando depois.)
LILIANE
Vocês vem sempre pra cá?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 12121212
FRED
De vez em quando.
LILIANE
Vocês moram aqui na Baixada?
GABRIEL
Não. Somos de Sampa.
LILIANE
Não sei como conseguem viver naquela cidade. É muito barulho,
poluição, gente estressada, um horror!
FRED
Por isso nós viemos pra cá, pra fugir um pouco do estresse provocado
por Sampa e também para caçar algumas “caiçaras”. Captou ou quer que eu
desenhe?
(Gabriel bate em Fred.)
LILIANE
(Curiosa, olhando para Alan e Marília.) E quem são aqueles dois?
GABRIEL
Nossos amigos...
(Gabriel assobia. Alan e Marília aproximam-se.)
MARÍLIA
(Simpática.) Olá. Sou Marília.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 13131313
LILIANE
E eu Liliane. E o bonitão aí, como se chama?
ALAN
(Sem entender.) Você fala comigo?
LILIANE
E que outro bonitão, além de você, tá por aqui?
GABRIEL
(Magoado.) Nós sabemos que não somos grandes coisas, mas não precisa
jogar na cara, né?
MARÍLIA
(Cínica, para Liliane.) O bonitão se chama Alan...
LILIANE
Alan! Bonito nome...
MARÍLIA
(Cortando.) ...e ele tem namorada!
LILIANE
Que pena!... Por acaso, é você? Menina de sorte, hein?
MARÍLIA
(Perdendo a calma.) Quer parar de ficar se insinuando pra ele, sua
sirigaitazinha, sua, sua... Surfistinha.
LILIANE
Eu não entendi direito o que você quis dizer...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 14141414
MARÍLIA
É que toda oxigenada processa as informações lentamente. Mas existe
uma razão pra isso: a tinta cozinhou o cérebro. (Para Alan, jogando a intenção
para Liliane.) Você sabe Alan, porque essa garota trouxe esse rádio?
ALAN
Não, por quê?
MARÍLIA
Porque não pode ouvir disk-men... E sabe por quê? (Destacando as
sílabas.) Porque o som não se propaga no vácuo.
(Olha fixamente para Liliane, enquanto Alan ri.)
LILIANE
(Joga os cabelos de um lado para o outro.) Também não entendi.
MARÍLIA
(Remedando-a.) “Também não entendi”. Não entendeu? Pois fique sem
entender, minha filha... Vamos sair daqui, Alan, que eu não quero arrumar
confusão com essa... com essa... (Pausa.) Entenda como quiser!
(Saem de perto e vão para o outro lado.)
LILIANE
(Para Gabriel e Fred.) Bichinho temperamental!
FRED
Também você dá em cima do namorado dela, assim, na cara dura! Você
esperava o quê?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 15151515
GABRIEL
E ainda chama a gente de feio... mas que falta de consideração...
LILIANE
(Sem se importar.) Meninos, vocês tomam conta das minhas coisas? Eu
vou dar um mergulho... Aliás vocês também precisavam de um bom banho de
mar. Tão com um cheirinho... Bye, bye, boys. (Sai fazendo poses.)
(Fred e Gabriel se entreolham.)
GABRIEL
Que mal-agradecida!
(Ambos se aproximam de Alan e Marília.)
MARÍLIA
Mas que biscatinha!
ALAN
Não precisava baixar o nível, né, Marília?
MARÍLIA
Como não? Ela só faltou se jogar nos seus braços... O que adianta ter um
corpo escultural e o cérebro do tamanho de um caroço de azeitona? E você
bem que gostou né, seu filho da mãe?!
ALAN
Claro. (Marília dá um tapinha em Alan.) Ai. O que é isso, Marília?
(Ouve-se em “off”, pedidos de socorro de Liliane.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 16161616
FRED
O que é isso?
GABRIEL
(Olhando para o mar.) Olha lá, parece que tem alguém se afogando... É a
Liliane.
MARÍLIA
Bem feito...
FRED
Vai lá. Salva ela, Gabriel.
GABRIEL
Eu não posso.
FRED
Por que não pode?
GABRIEL
Por que... eu não sei nadar...
FRED
(Com vergonha.) Nem eu! Eu não devia ter abandonado minhas aulas de
natação...
(Novamente ouvem-se os gritos de Liliane.)
FRED
(Desesperado.) Alguém precisa fazer alguma coisa.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 17171717
ALAN
Eu vou lá.
MARÍLIA
(Repreendendo-o.) Alan!
ALAN
A menina tá se afogando, Marília...
MARÍLIA
E me alegro muito.
ALAN
Para de ser criança... Eu já volto!
(Corre até o mar, que está fora de cena.)
MARÍLIA
(Revoltada, para Fred e Gabriel.) Seus inúteis. O que custava entrar no mar
pra salvar aquela bisca?
FRED
Não foi maldade, Marília.
GABRIEL
Você acha que faríamos isso de propósito?
MARÍLIA
Acho.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 18181818
(Alan entra com Liliane desmaiada nos braços. Coloca-a na areia e começa a massagear
seu coração. Tapa-lhe o nariz e vai fazer respiração boca a boca. Marília ao ver a cena,
se revolta.)
MARÍLIA
Ah, isso já é demais, Alan. Salvar ela, tudo bem, agora fazer respiração
boca a boca nessa oxigenada é o fim da picada. Deixa essa tarefa pro Fred ou
pro Gabriel que nunca beijaram ninguém na boca...
FRED
Bem que eu gostaria, mas não tenho a mínima ideia de como se faz.
GABRIEL
Nem eu. E o Alan foi escoteiro, Marília, ele manja esse lance de
primeiros socorros.
MARÍLIA
Vocês são dois viadinhos, isso sim. Alan pense bem no que você vai
fazer.
ALAN
Pô, Marília, não fode. Você acha que eu vou abusar da menina na sua
frente?
(Faz a respiração boca a boca em Liliane. Esta, solta uma grande quantidade de água
pela boca. Alan repete o movimento. Liliane acorda meio grogue. Ao ver Alan, o
abraça.)
LILIANE
Meu heroi...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 19191919
MARÍLIA
(No auge da fúria.) Sua filha da puta, descarada... Agora você vai ver.
(Pega-a pelos cabelos.) O Alan te salvou e agora é a minha vez de te mandar
fazer companhia pra Iemanjá.
(Leva a garota para fora de cena. Alan corre atrás. Fred e Gabriel ficam na areia,
olhando na direção do mar, desesperados. Gritos em off. Liliane volta correndo,
soltando água pela boca. Pega suas coisas e sai correndo.)
LILIANE
Assassina! Assassina!
(Marília volta furiosa. Alan segura a garota.)
MARÍLIA
Você não perde por esperar, sua vagabunda...
(Alan chacoalha Marília. A garota vai se acalmando abraça-o e chora com raiva. Fred e
Gabriel olham tudo muito assustados.)
ALAN
(Seriamente.) Agora vamos ter uma conversa bem séria. Só nós dois. E
você vai me escutar, ouviu bem?
(Fred e Gabriel, ao verem que a coisa está ficando brava, se afastam. Alan olha para
Marília.)
ALAN
Agora vamos conversar como dois adultos...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 20202020
MARÍLIA
Agora não, eu tô exausta, quero descansar um pouco. Depois a gente
conversa.
ALAN
Vamos conversar agora. E não adianta fugir... (Marília desvia o olhar.)
Olha pra mim, Marília... Agora me responda, por que você tá agindo dessa
maneira infantil e ridícula? Por que criou essa confusão toda com a Liliane?
MARÍLIA
Por quê? Você ainda pergunta? Ela ficou dando em cima de você como
se eu não existisse.
ALAN
E eu por acaso fiquei xavecando ela?
MARÍLIA
Não. Mas salvou a desgraçada do afogamento. E ainda fez respiração
boca a boca na infeliz. É o que basta!
ALAN
Eu faria isso com qualquer pessoa. Aqui nesse ponto da praia não tem
um salva-vidas sequer. Não ia ficar aqui parado, assistindo de camarote o
afogamento dela. (Noutro tom.) Pô, Marília, a gente veio aqui pra se divertir,
não pra ficar brigando. Esse teu ciúme é tão besta. Por que isso?
MARÍLIA
(Insegura.) Porque eu não quero te perder, Alan. Você é tudo que eu
tenho. Tremo só de pensar que isso possa acontecer um dia.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 21212121
ALAN
Se você continuar agindo dessa forma, vai me perder mesmo. Você não
era assim. Quando te conheci, você era diferente. Esse teu ciúme já tá passando
dos limites, tá virando uma obsessão... Eu quero uma namorada, não uma
dona, Marília, entenda isso. Você tá muito insegura comigo e isso não é legal.
MARÍLIA
(Triste.) Eu tô mesmo. Você é tudo o que eu tenho. E tem muita mulher
mais bonita do que eu dando bola pra você e isso me deixa muito mal.
ALAN
Você acha que se eu não te quisesse, eu estaria aqui? Hein?! (Pausa.) Fica
tranquila...
MARÍLIA
Eu vou tentar.
ALAN
E se a Liliane aparecer por aqui, você vai pedir desculpas pra ela pelo
ocorrido.
MARÍLIA
(Altera-se.) Isso, não. Pode me pedir qualquer outra coisa, mas pedir
desculpas pra aquela piranha, nunca!
ALAN
Vai pedir desculpas, sim. É o mínimo que você pode fazer depois do
escândalo todo que armou.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 22222222
MARÍLIA
(Rende-se.) Tá bom, tá bom. Eu vou pedir desculpas pra ela, mas se ela
ficar se oferecendo pra você, eu não respondo por mim e armo outro barraco,
tá me ouvindo?
ALAN
Isso não vai acontecer mais. Garanto.
MARÍLIA
Espero.
(Entram Fred e Gabriel, cada um segurando dois cocos. Fred entrega um coco para
Marília e Gabriel entrega outro para Alan.)
GABRIEL
(Para Alan.) E aí, acalmaram os ânimos?
ALAN
Espero que sim.
(Nesse momento começam a chegar alguns turistas, com algumas crianças, que
carregando baldinhos e outras coisas, começam a brincar na areia. O casal, pai das
crianças, começa a passar protetor solar. Alan olha para esse casal.)
ALAN
Essa água de coco tá ótima. (Pondo a mão na barriga.) Mas bateu uma
fome...
GABRIEL
E aquele franguinho com farofa, Fred?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 23232323
FRED
Tá na mão!!! (Entra na barraca e volta com duas topperwares com farofa e mais
dois frangos assados cobertos com papel alumínio. Abre o recipiente e desembrulha os
frangos.) Alguém trouxe pratos e talheres?
ALAN
Pra quê pratos e talheres, Fred? Quer bancar o fino aqui nessa praia que
só tem farofeiro?... Frango se come com a mão. (Pega uma coxa e come.) Assim.
FRED
Mas e a farofa?
ALAN
Também...
(Pega um punhado de farofa e põe na boca. Os outros acham graça no fato e repetem o
gesto de Alan, com o frango e a farofa. Depois, cada um pega uma latinha de cerveja e
começam a beber. Já estão um pouco embriagados pelo efeito do álcool.)
FRED
É uma pena que esse frango tá gelado.
GABRIEL
Tá valendo.
(Trincham o frango. Fazem uma brincadeira de falar com a boca cheia de farofa. O
casal, que está ao lado, olha com certo estranhamento.)
ALAN
(Para de comer e oferece o frango para eles.) Vocês querem um pedaço? (O
casal faz cara de nojo e acenam negativamente com a cabeça.) Então, por favor,
cuidem desses ranhentos e não deixem que eles se afoguem...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 24242424
FRED
(Fala com a boca cheia de carne de frango e farofa.) O que é que tão olhando?
Nunca viram, não?
(O casal vira para o lado e cochicha.)
ALAN
Ô, Fred, não vamos arrumar briga...
GABRIEL
(Desencanado.) Não vai haver briga nenhuma.
MARÍLIA
Nunca se sabe Gabriel.
GABRIEL
Não vai haver briga nenhuma por uma razão bem simples: eles são
gringos e não estão entendendo nada do que a gente tá falando. Vocês não
sacaram isso, seus babacas? Olha a cor deles. Chegam a ser transparentes!
(Riem. O casal arruma suas coisas e vão embora levando as crianças.)
ALAN
(Falando para os turistas.) Good bye friends, so long!
FRED
Ô, meu Deus, cadê as mulheres dessa praia? Não aguento mais olhar
pra pernas peludas e sungas salientes...
GABRIEL
A única que tinha, a Marília espantou...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 25252525
MARÍLIA
Vai começar?
GABRIEL
(Erguendo as mãos, se rendendo.) Foi mal. Desculpe.
ALAN
Esse pedaço aqui da praia é deserto mesmo. Não foi esse o combinado
da gente? De vir pra um lugar calmo onde a gente pudesse descansar e
acampar tranquilo, sem ter que aguentar aqueles bichos do mato que nunca
viram mar, rolando na areia e se transformando em bife à milanesa?
FRED
Que merda viu...
(Silêncio. Alan convida o grupo.)
ALAN
Em vez de ficar aqui jogando conversa fora, por que a gente não vai dar
um mergulho? Olha que mar lindo, que sol maravilhoso convidando a gente!
Vamos?
(Silêncio de Gabriel e Fred.)
GABRIEL
Esqueceu que não sabemos nadar?!
ALAN
Ah, fica no rasinho, caramba. Não tem perigo. As ondas dessa praia não
passam de trinta centímetros de altura. Acho que vocês não são tão idiotas de
se afogarem, né?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 26262626
MARÍLIA
(Irônica.) Eles eu não sei, mas teve uma piranhinha muito idiota que
conseguiu realizar essa proeza.
ALAN
Vai começar? (Para os garotos.) Vamos?
FRED
Tá bom. Mas me esperem um pouco...
(Entra na barraca. Demora um pouco.)
ALAN
(Impaciente.) Anda logo, Fred.
FRED
(Off.) Já vou. (Tempo. Logo aparece com óculos de mergulho, uma boia de
bichinho na cintura e dois enormes pés-de-pato.) E aí? Como estou?
MARÍLIA
(Zoando.) Uma gracinha! (Riem do ridículo do rapaz.)
ALAN
O último que chegar é mulher do padre!
(Saem de cena correndo. Fred demora um pouco mais para alcançá-los devido a grande
parafernália que está usando.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 27272727
CENA 3
(Luz sobe em resistência revelando o pôr do sol. Alan e Marília estão sozinhos,
sentados numa enorme pedra com os cabelos úmidos e despenteados. De vez em
quando, as ondas rebentam nas pedras molhando o casal. Estão abraçados e o clima
está bastante agradável.)
ALAN
(Apreciando o pôr do sol.) O pôr do sol é tão lindo, né, Marília? (Inspira o
ar.) Como é bom respirar um pouco de ar puro, sentir esse cheiro de maresia,
ouvir as ondas rebentando nas pedras... Sabe que eu era capaz de ficar assim, a
minha vida inteira? Parece que... não sei... que a gente se desliga, se dissolve,
se desintegra... (Pausa.) Bobagem minha, né?
MARÍLIA
Eu não acho. Sabe, infelizmente a gente vive num mundo consumista
onde o que mais conta é o dinheiro... Dinheiro, dinheiro, dinheiro, sempre
dinheiro. As pessoas se matam de trabalhar, muitas vezes trabalhando de dia e
de noite, se estressam, envelhecem rápido pra no fim do mês receber uma
merreca de salário, que mal dá pra pagar o aluguel e outras contas, e quando
vão ver... tão com 50, 60 anos e infelizmente, não curtiram os prazeres da
vida... Os meus pais são exemplos vivos disso. Por que as pessoas ficaram tão
obcecadas em só ganhar dinheiro? Tem outras coisas na vida mais importantes
do que isso... Quer mais do que a gente? Estamos sem um puto no bolso e
estamos aqui, curtindo esse lugar maravilhoso, numa boa sem se preocupar
com o relógio.
ALAN
Você fez um belíssimo discurso, mas são as regras impostas pela
sociedade.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 28282828
MARÍLIA
Sociedade!!! Bah, eu quero que essa sociedade se dane...
ALAN
Vamos mudar de assunto? Não tô com saco pra ficar aqui filosofando
sobre a vida, sobre o que é certo ou errado, justo ou injusto... (Lento.) O
importante é que estamos nós dois aqui, sozinhos, sem aqueles pentelhos do
Fred e do Gabriel torrando a paciência... O importante é que eu amo você...
MARÍLIA
(Incrédula.) O que você disse?
ALAN
Isso mesmo que você ouviu.
MARÍLIA
É a primeira vez que você me diz...
ALAN
(Continua.)... amo você?
MARÍLIA
É. (Abraça o rapaz.)
(Alan beija-lhe a boca, o pescoço e a orelha de Marília e em seguida passa a mão pelo
seu corpo.)
MARÍLIA
(Tensa.) Não, Alan...
ALAN
Por que, não?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 29292929
MARÍLIA
Alan, a gente precisa conversar.
ALAN
(Compreendendo.) Eu tenho camisinha...
(Pega o preservativo da bermuda e beija a garota. Em seguida, deita-a na pedra.)
MARÍLIA
(Levantando-se.) Alan, eu sou virgem... (Suspira.) Pronto, falei!
ALAN
Eu vou devagar...
MARÍLIA
Na verdade, eu ainda não tô preparada pra transar com você.
ALAN
Tudo bem... Vai ser quando você quiser e se sentir preparada...
MARÍLIA
Olha pra mim, Alan... (Alan olha para a garota.) Você promete que não vai
me deixar?
ALAN
Você é a mulher da minha vida, Marília.
MARÍLIA
(Vai cedendo.) Esse é o discurso que todos os garotos fazem quando
querem transar com uma menina... (Pausa. Alan beija-lhe a orelha e diz algo no
ouvido da garota.) Ai, Alan, assim eu não aguento. Você me mata com essa voz
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 30303030
de travesseiro... Até hoje você, foi o único homem que fez minha vida virar no
avesso.
ALAN
Você também. Eu fico maluco quando sinto o teu perfume, quando beijo
a tua boca, quando olho pra esses olhos...
(Alan beija a garota, acaricia-lhe o corpo, passa a mão em suas ancas. A garota faz o
mesmo, acariciando-lhe os cabelos, o peito, o abdômen e demonstra um pouco de
insegurança ao tocá-lo.)
ALAN
Fica calma... Relaxa.
MARÍLIA
(Preocupada.) E se aparecer alguém?
ALAN
Não vai aparecer ninguém. Pode escrever na sua agenda: essa vai ser
uma noite inesquecível.
(Alan e Marília transam. Em momento algum a cena deve ser apelativa. Luz vai
descendo em resistência ficando apenas o pôr do sol. A noite cai.)
CENA 4
(Fred e Gabriel estão sentados nas cadeiras, perto das barracas.)
GABRIEL
Onde será que foram aqueles dois?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 31313131
FRED
Devem estar em qualquer escurinho, fodendo...
GABRIEL
Pô, você só pensa em sexo, Fred!
FRED
E tem outra coisa melhor pra se pensar?... No fundo, no fundo, eu tenho
um pouquinho de inveja do Alan e da Marília, sabe? É tão legal ver um casal
como eles, né? Apesar de serem bem diferentes um do outro, de brigarem o
tempo todo, eles se combinam...
GABRIEL
Bem que poderia pintar uma mulher pra gente, não?... Vai ser muito
azar se a gente não conseguir catar nada por aqui.
FRED
A única que pintou com certeza nunca mais vamos ver.
GABRIEL
(Começa a sonhar.) Liliane... Como eu queria deitar com ela aqui na areia,
encher aquela boquinha de beijos.
FRED
Vamos parar de ficar sonhando! Não tem mais volta. O único jeito de
estar com a Liliane é quando... (Gesto de masturbação.) estivermos soltando
pipa...
GABRIEL
Eu não sou punheteiro.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 32323232
FRED
Aham, Cláudia, senta lá...
(Liliane entra em cena com uma mochila. Senta-se em um canto e chora. Fred e Gabriel
ficam olhando para ela, sem reconhecê-la.)
GABRIEL
O que será que aconteceu com ela?
FRED
E eu sei lá.
GABRIEL
Parece que o caso é sério. Eu vou lá.
FRED
Eu vou com você.
GABRIEL
De jeito nenhum. O que a gente combinou lá em Sampa? Não vem
empatar, não. Eu vi primeiro.
FRED
Eu sempre fico na mão...
GABRIEL
Problema seu. E não venha atrás de mim, porque se isso acontecer eu
arregaço sua cara. (Caminha até Liliane, deixando Fred de lado. Põe a mão na cabeça
da garota.) Posso te ajudar? (Liliane levanta a cabeça. Gabriel, quando depara com a
garota, se ilumina.) Você?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 33333333
LILIANE
(Triste.) Por favor, me abrace forte.
(Gabriel abraça a garota. Fred, ao observar a cena, de longe comenta.)
FRED
(Para si.) Mas que cara rabudo!... (Entra na barraca, chateado.)
GABRIEL
O que aconteceu?
LILIANE
Minha vida acabou...
GABRIEL
Como acabou?
LILIANE
Eu fugi de casa. Não aguentava mais tanta pressão do meu pai. Era
briga o tempo inteiro. Ele não pode ver ninguém feliz, porque a felicidade das
pessoas incomoda aquele filho da puta. Por isso deixei tudo pra trás. O que eu
quero é nunca mais olhar pra cara daquele imbecil.
GABRIEL
Não fale assim...
LILIANE
Se você soubesse quanta raiva eu tenho guardada dentro de mim. Mas
você não compreende. Só quem sente na pele entende o que eu tô passando...
(Levanta-se cambaleando.) Agora eu vou embora, Gabriel. Foi muito bom te
conhecer...
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GABRIEL
Vai pra onde?
LILIANE
Pra qualquer lugar onde eu possa me sentir livre de tudo isso. Nem que
pra isso, eu precise rodar bolsinha no calçadão da praia...
GABRIEL
Não vai embora coisa nenhuma. Muito menos rodar bolsinha. Você vai
ficar aqui comigo, com a galera... Não vou admitir, em hipótese alguma que
você fique sozinha...
LILIANE
(Depois de uma longa pausa.) Você é mais legal do que eu pensava, sabia?
Não é fácil encontrar um cara assim, feito você.
GABRIEL
Imagina. Tá cheio de neguinho feio como eu por aí...
LILIANE
Quem disse que você é feio? O problema é que eu sou burra mesmo...
Tão burra que sou que não percebi que... (Liliane, impulsiva, beija Gabriel na
boca.) Desculpa. Você deve tá me achando uma vagabunda.
GABRIEL
Não, juro que não... Conta comigo, Liliane, pro que der e vier. Nós
vamos juntos pra São Paulo e você vai começar uma vida nova, longe do seu
pai... Isso se você quiser, claro!
LILIANE
Claro que eu quero... Você tem alguma dúvida?
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GABRIEL
Amanhã de manhã eu vou com você até a sua casa. Você vai enfrentar o
seu pai e se libertar desses fantasmas...
(Nesse momento aparecem Alan e Marília, de mãos dadas. Liliane olha para ela e se
refugia em Gabriel.)
MARÍLIA
(Irônica.) Apareceu a Loira Burra?
ALAN
(Repreendendo-a.) Marília...
GABRIEL
Marília, ela não te fez nada...
MARÍLIA
Claro. Ainda não teve tempo.
ALAN
Marília, o que a gente conversou?...
MARÍLIA
Tá bom, Alan. (Para Liliane.) Quero que saiba que é contra a minha
vontade, mas o Alan me obrigou a te pedir desculpas.
ALAN
Isso é jeito, Marília?
GABRIEL
Você é uma insensível mesmo, não. Devia pelo menos respeitar o
momento que ela tá passando...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 36363636
LILIANE
(Chorando.) Desculpa, eu não vim aqui pra criar caso com vocês. Só não
tinha pra onde ir e o Gabriel pediu pra que eu ficasse aqui...
GABRIEL
Ela saiu de casa.
ALAN
(Para Marília, repreendendo-a.) E se fosse com você, Marília?
MARÍLIA
(Depois de uma longa pausa, muda radicalmente.) Olha, imagino como você
deve estar se sentindo... Não sei o que faria se estivesse no seu lugar... Acho
que nem teria coragem pra tanto... (Pausa.) Desculpa o mal jeito, viu?... Posso
te dar um abraço?
(Ambas se abraçam. Marília beija a face da garota.)
LILIANE
Prometo nunca mais dar em cima do seu namorado.
GABRIEL
Acho bom!
ALAN
(Brincando.) Ah, que pena...
(Marília dá um tapa no ombro de Alan.)
LILIANE
Até porque eu encontrei uma pessoa maravilhosa.
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ALAN
E o Fred?
GABRIEL
Deve tá dormindo na barraca
ALAN
Por falar em dormir, tô quebradaço. Vamos dormir, Marília?... Boa noite,
galera. (Ambos entram na barraca.)
GABRIEL
Eu também tô acabadão. É uma pena que só tenha duas barracas. (Para
Liliane.) Você se importa de dividir a mesma barraca comigo? Prometo que
vou me comportar como um bom menino.
LILIANE
Se for assim, eu aceito. Mas e o Fred?
GABRIEL
Deixa comigo... (Bate na barraca.) Ô Fred!
FRED
(Saindo, com mau-humor.) O que foi?
GABRIEL
Libera a barraca...
FRED
Pra quê?
GABRIEL
Pra Liliane dormir aí dentro.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 38383838
FRED
Mas e eu?
GABRIEL
(Joga para ele um saco de dormir.) Dorme aí...
FRED
Mas essa barraca é minha!
GABRIEL
Eu sei. Mas a Liliane não pode dormir aqui fora.
LILIANE
Eu não ligo Gabriel... (Gabriel faz com que ela se cale.)
FRED
Mas cabe nós três aí dentro...
GABRIEL
Nem pensar. Do jeito que você é tarado?! Quer uma dica? Dorme aí
fora, meu irmão. Quem sabe aparece uma desdentada com cabelo de palha pra
te agasalhar durante a madrugada. Bons sonhos...
(Durante as últimas falas, Gabriel já entrou na barraca. Liliane, que está fora é puxada
delicadamente para dentro. Fred fica fora, com cara de tacho resmungando o tempo
todo. Entra no saco de dormir e deita-se na areia, furioso. Passagem de tempo. Fred
bate na cara tentando matar os borrachudos. Ouve-se o rebentar das ondas. Nesse
momento aparece uma menina cuja descrição é a mesma que Gabriel fez. Seu cabelo é
semelhante com os cabelos de espiga de milho, tem na testa uma serpente tatuada e não
têm os dois dentes da frente. Ao ver Fred, senta-se perto do rapaz, fazendo poses
sensuais. Fred continua matando os insetos.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 39393939
ANA TELMA
Ei, garotão... (Toca em Fred.)
FRED
(Acordando, assustado, berra.) AAAAiiiiii. (Tenta sair do saco.) Vade retro,
Satanás, Xô, capeta de Caruaru... Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro,
me acuda... Sai assombração, espectro do mal... Retro, retro, retro!
ANA TELMA
(Ofendida.) Aiii... É assim que você me recebe?
FRED
(Treme.) Vá embora, criatura! Vá embora!
ANA TELMA
Pois agora é que eu não vou... Precisava me destratar? Eu sou um ser
humano, viu?
FRED
Não parece... Parece mais aquelas criaturas tenebrosas dos filmes do Zé
do Caixão.
ANA TELMA
Vem cá, gostosão. Que eu tô louquinha pra te possuir... (Agarra Fred.)
FRED
Por favor! Socorro!
ANA TELMA
Me dá um beijinho, delícia! (Faz um bico e sorri, ficando bem visível sua
banguela.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 40404040
FRED
(Virando o rosto.) Ai... Abriram a rede de esgoto bem na minha cara...
Eita porra... A danada é banguela.
ANA TELMA
É para ajudar na minha especialidade... Eu sou ótima na... (Cochicha no
ouvido de Fred.)
FRED
(Berrando.) Socorro!
(Ana Telma entra no saco e agarra Fred, que dá um berro tenebroso.)
CENA 5
(Amanhece. Fred está dentro do saco de dormir, tremendo e com os olhos esbugalhados.
Alan sai da barraca, espreguiçando-se. Faz alguns alongamentos e ao ver Fred,
caminha até ele.)
ALAN
Fred! (O rapaz não se move.) Fred!
(Alan chama Marília, Gabriel e Liliane. Os três saem das barracas e olham o rapaz, em
estado de choque.)
GABRIEL
O infeliz não se mexe. O que será que aconteceu?
ALAN
Sei lá. Parece que viu assombração.
(Alan chacoalha Fred. De repente, Fred, ainda em estado de choque, se move.)
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 41414141
FRED
Fui estuprado!!!
TODOS
O quê?
GABRIEL
Você deu o cu, Fred?
FRED
Antes fosse... Acho que teria sido melhor. Ela apareceu, Gabriel!
GABRIEL
Ela quem?
FRED
A desdentada com cabelo de palha, que você disse. Entrou no saco de
dormir comigo, me agarrou e... Sinto enjoo só de lembrar... Vocês não ouviram
os meus berros?
TODOS
Não.
GABRIEL
Você sonhou.
FRED
Que sonho, o quê? Foi de verdade. Eu tô todo arranhado, chupado e
com o pinto doendo...
LILIANE
Você ficou impressionado com que o Gabriel disse.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 42424242
FRED
Se ela aparecer de novo eu me suicido...
ALAN
Vai, cara, relaxa. E trate de se levantar porque o feriado acabou e a gente
tem que arrumar as coisas pra voltar pra Sampa.
GABRIEL
Mas antes eu vou com a Liliane até a casa dela pra...
LILIANE
(Corta, tensa.) Não precisa, Gabriel...
GABRIEL
Por quê?
LILIANE
Porque a “criatura” tá vindo aí...
(Entra o pai de Liliane. Alan, Marília e Fred ficam num canto enquanto Liliane e
Gabriel encaram o pai.)
PAI
Eu sabia que iria te encontrar... Anda, vamos pra casa.
LILIANE
Não vou.
PAI
O que você disse?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 43434343
LILIANE
Isso mesmo que você ouviu. Eu não vou voltar pra casa...
PAI
Não me desafie, menina. Você não sabe do que eu sou capaz! Vem
comigo, porque senão...
LILIANE
Senão o quê? Vai me bater? Vai me matar? Eu não tenho mais medo de
você.
PAI
O seu lugar é lá em casa e não aqui, junto com esses delinquentes...
LILIANE
Você não sabe o que fala... Vá embora, vá. Esqueça que eu existo. Eu
sempre fui uma sombra na sua vida mesmo. Vai... o que tá esperando? Que eu
estenda na areia um tapete vermelho pra Sua Excelência passar?
PAI
Malcriada. Eu devia era te...
(Caminha até ela e vai lhe dar uma bofetada. Gabriel se precipita.)
GABRIEL
Se você encostar a mão nela, eu te arrebento.
PAI
Vai me desafiar, seu moleque?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 44444444
GABRIEL
Por que não bate em mim, hein? Tá com medo de encarar alguém do seu
tamanho?
PAI
(Pausa.) Você não tem pena da sua mãe?
LILIANE
Eu tenho pena de você, porque esse é o pior sentimento que uma pessoa
pode nutrir pela outra. Não tenho porque ter pena da minha mãe, porque o
que eu sinto por ela é muito maior do que você pensa: amor, carinho, respeito,
que são sentimentos desconhecidos por você, palavras que não existem no seu
dicionário de merda... Eu só preciso de um tempo pra acertar minha vida e
quando isso acontecer, eu venho buscar minha mãe pra morar comigo e viver
longe da vidinha medíocre que ela, infelizmente, leva com você.
PAI
Você não sabe o que diz...
LILIANE
Sei, sim. Não sou mais nenhuma criança... Posso fazer o que me quiser e
você não tem nenhuma responsabilidade para comigo. (Estende os braços com
um gesto preciso, que diz: “some daqui”.) Faça o favor...
PAI
Você vai se arrepender...
LILIANE
Vou te pedir pela última vez: não me procure mais. Não se preocupe, eu
vou embora desta cidade com esses “delinquentes” e você nunca mais vai me
ver.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 45454545
PAI
Eu tenho vergonha de ser seu pai...
LILIANE
...e eu de ser sua filha.
(O pai fica sem argumentos e sai. O clima é tenso.)
LILIANE
(Quebrando o gelo.) Eu preciso crescer. E é por isso que eu tô chutando
tudo pro alto e indo embora com vocês, sem nenhuma sombra me
perseguindo e me fazendo sentir culpada...
GABRIEL
É isso aí... E nada de baixo astral...
ALAN
S’imbora, galera!
(Começam a desmontar as barracas e arrumar as coisas. De repente, Marília para e
pensa.)
MARÍLIA
Ihh...
FRED
O que foi?
MARÍLIA
A bosta do carro do Alan... Espero que funcione.
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 46464646
ALAN
(Pega a chave do carro.) Vai funcionar.
(Sai de cena. Ouve-se no áudio o ruído de partida de carro; Alan berra, feliz.)
ALAN
Pegou... Pegou. (Volta.) O feriado acabou... Mas em breve estaremos de
volta, São Vicente... Iuhhuuu...
GABRIEL
(Brandindo.) Isso aí... E que o Fred, da próxima vez, consiga voltar pra
São Paulo com uma peituda gostosa.
FRED
(Desiludido.) Todo mundo é feliz... Menos eu. Até o Gabriel, que é o
Gabriel conseguiu uma namorada... E eu o que consegui? Perder o cabaço
com um ser de outro planeta.
MARÍLIA
Deixa de drama, idiota...
(Nesse instante aparece Ana Telma.)
ANA TELMA
(Sem ver Fred; chamando.) Bonitinho, tesão da minha vida. Iuhuuuu. Cadê
você? Vamos repetir a noite maravilhosa que tivemos ontem?
FRED
(Desesperado ao ver Ana Telma.) Vamos embora! Rápido!
ALAN
Por que a pressa?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 47474747
FRED
No carro eu explico, mas vamos sair daqui o mais depressa possível...
(Fred pega a barraca e sua mochila. Todos fazem o mesmo. Sobem no carro e
atravessam a cena. Ana Telma olha para Fred, que se esconde no interior do carro.)
ANA TELMA
Não me deixa, amor... Diz que eu sou a mulher mais gostosa do mundo,
diz... Eu tô tão carente... (Chorando.) Não faz isso com sua Telminha... Eu vou
te encontrar nem que seja no inferno...
(Ana Telma corre atrás do carro. Alan, assustado acelera e o veículo e sai em
disparada, deixando a garota a ver navios. Ana Telma pega a cueca de Fred e sai
limpando as lágrimas.)
CENA 6
(Muda luz. Estamos na Serra do Mar. O carro de Alan começa a falhar até dar uma
nova pane. Muita fumaça sai do motor. Todos saem do carro, preocupados, enquanto
Alan e Fred ficam às voltas com o carro.)
MARÍLIA
Mas que merda! Vai começar tudo outra vez.
(Dá um suspiro profundo. A cena que se segue é toda em mímica. Marília e Liliane
pedindo carona. Ruídos de carros que passam a toda velocidade. Alan, Fred e Gabriel
unem-se às meninas. Ouve-se no áudio ruídos de um caminhão mesclados com os
ruídos de porcos. O caminhão freia e Ana Telma está junto com os porcos.)
ANA TELMA
(Para Fred.) Oi, tesão... Eu jurei pra mim mesma que iria te encontrar,
nem que fosse no inferno...
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 48484848
(Fred engole em seco e fica paralisado. Enquanto isso, o motorista do caminhão oferece
carona aos jovens.)
VOZ
Tão indo pra São Paulo? Essa menina também vai pra lá. Querem uma
carona?
(Alan, Marília, Fred, Gabriel e Liliane passam mal, tapam o nariz e desmaiam em
conjunto, caindo estatelados no acostamento. Até o Fiat, para protestar, solta uma
baforada de fumaça, fazendo todos desaparecer. Black-out final.)
ESTA HISTÓRIA NÃO TERMINA AQUI
Abril, Maio, Junho/2000
OBSERVAÇÃO: Perdidos na Serra é a continuação desta história.

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11. conto de verão

  • 1. CCCCOOOONNNNTTTTOOOO DDDDEEEE VVVVEEEERRRRÃÃÃÃOOOO Comédia Romântica Texto de: JULIO CARRARA Escrita em 2000
  • 2. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 1111 PERSONAGENS: ALAN MARÍLIA FRED GABRIEL LILIANE ANA TELMA PAI DE LILIANE CENÁRIO: A primeira e a última cena se passam na Serra do Mar. Da segunda cena em diante, o ambiente sugere as areias da praia do Gonzaguinha na cidade de São Vicente. Duas barracas de “camping”, esteiras e cadeiras de praia. Outros elementos que poderão compor o cenário ficarão a critério do cenógrafo e do encenador.
  • 3. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 2222 CENA 1 (Luz sobe em resistência revelando uma estrada deserta em plena madrugada. Uma forte neblina encobre, em parte, o lugar. Ouve-se no áudio ruídos de motor de um carro que custa a funcionar, mesclando com as vozes dos passageiros. Buzinas, faróis que acendem e apagam e muita fumaça. Logo em seguida entram três jovens: Marília, Fred e Gabriel. Estão um pouco tensos e cansados.) MARÍLIA Eu sabia que isso não ia dar certo. Não sei onde tava com a cabeça quando aceitei o convite de descer pra praia com vocês. GABRIEL Fica fria, Marília... Dá-se um jeito pra tudo. FRED Eu tinha certeza que o carro ia quebrar no caminho. MARÍLIA E vocês esperavam que essa lataria velha que é o carro do Alan, aguentasse a viagem toda? Eu falei pra ele de vir de ônibus ou alugar uma van, mas é teimoso como uma mula. E ainda mais com a quantidade de coisas que a gente trouxe. (Nesse momento entra Alan, todo sujo de graxa.) ALAN É... não tem jeito, galera. Ferveu!!!! MARÍLIA Era de se esperar. E agora, o que a gente vai fazer?
  • 4. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 3333 ALAN Esperar o carro esfriar para a gente seguir viagem. MARÍLIA Você tá zoando com a nossa cara... ALAN É a única maneira, Marília. Você vê outra solução? MARÍLIA Eu não fico aqui nem mais um minuto. Vou pegar um ônibus e a gente se encontra lá em São Vicente. (Vai saindo.) Tchau! GABRIEL São três e meia da manhã, Marília. Não tem ônibus pra lá esse horário... E se tivesse com que grana a gente ia pagar? ALAN Pô, sem estresse, relaxa... MARÍLIA (Com os nervos à flor da pele.) Como eu vou relaxar Alan? Estamos há quase meia hora nessa estrada; tô com fome, com sede, com medo, a bosta desse Fiat 147 quebrou, não passa um miserável pra ajudar a gente e você me pede pra ficar relaxada? Tenha dó. FRED Fome não é problema. Minha mãe me fez trazer uns frangos assados com farofa pra gente comer. Tá aqui na minha mochila. Quer que eu pegue um pra você, Marília?
  • 5. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 4444 MARÍLIA Vá se danar, Frederico. Não tô pra brincadeira. FRED (Para Alan.) Ô, Alan, dá um jeito na sua mina, mano. O que ela tem? Não aceita brincadeira... MARÍLIA Brincadeira tem hora, sabia? FRED É? Não sabia que pra brincar tinha que ter hora marcada... MARÍLIA (Irônica.) Engraçadinho! GABRIEL Sabe o que é isso, Fred? TPM, saca? FRED Que porra é essa? GABRIEL Tensão Pré-Menstrual. Algumas mulheres viram verdadeiras megeras quando estão com isso, e a Marília é uma delas. Tome cuidado, viu Alan? MARÍLIA Não é nada disso, Gabriel. Não tô com TPM porcaria nenhuma. O que eu quero é sair daqui o mais rápido possível... (Começa a chorar.) Inferno! (Alan aproxima-se dela.) Ah, Alan, mal começamos a viagem e já tá tudo dando errado!
  • 6. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 5555 ALAN Não pensa assim. Vai dar certo, sim. Garanto que vai ser o feriado mais divertido que a gente vai passar junto. Você não confia em mim? MARÍLIA Em você eu confio, só não confio no seu Fiat 147. (Chuta o carro.) (Alan senta-se no chão ao lado da namorada. Fred também se senta e solta o ar dos pulmões violentamente pela boca.) GABRIEL Tô apertado, vou dar um mijão e já volto. (Brinca com Fred.) Quer vir comigo pra chacoalhar, Fred? FRED Vá tomar no cu... GABRIEL (Ainda no tom de brincadeira.) Nossa, que mocinha malcriada! É falta de homem, meu bem?! (Fred atira uma pedra em Gabriel, mas não acerta. Gabriel vai até o fundo do palco, rindo. Nesse momento ouve-se no áudio ruídos de um motor de caminhão. Fred, Marília e Alan, escutam, olham um para o outro e concordam entre olhares. Sorriem com esperança.) FRED É a chance... Ô, Gabriel! (Assobia para Gabriel, que vem fechando a braguilha da calça.) GABRIEL Pô, não posso nem mijar sossegado!...O que foi?
  • 7. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 6666 FRED (Feliz.) Carona à vista... GABRIEL (Esfregando as mãos.) Beleza!!! ALAN E o que eu vou fazer com o meu carro? FRED Deixa ele aí e vamos dar área. ALAN Deixar ele aqui na estrada? Tá maluco?! GABRIEL Quem vai querer roubar um Fiat 147, Alan? Ainda mais do jeito que ele tá. Vamos pegar carona, curtir o feriado e na volta a gente pega ele. Fica frio, cara. Além do mais, essa lataria não presta nem pra desmanche. Acho que nem ferro velho aceita ele. Pode dar tétano. ALAN Obrigado pela parte que me toca... FRED Galera, precisamos agir rápido... (Todos olham para Marília.) MARÍLIA (Compreendendo a intenção.) Êêêêê...
  • 8. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 7777 GABRIEL Quebra essa, vai Marília. O que custa? MARÍLIA Tudo eu, tudo eu... Por que vocês não fazem isso? FRED Você acha que algum caminhoneiro vai querer dar carona prum bando de marmanjo como a gente? ALAN Não vou permitir que minha namorada peça carona pra caminhoneiro nenhum... (Muda o tom.) Mas hoje, só hoje, vou abrir uma exceção... Faz isso pela gente. Salva a nossa pele. MARÍLIA (Depois de uma pausa.) Tá bom, tá bom, tudo eu, tudo eu, tudo eu... vou me sacrificar por vocês, mas vai ser a última vez... (Os três pulam de alegria. O caminhão vai se aproximando lentamente. Os garotos desaparecem e ficam espiando num canto. Apenas Marília em cena. Começa a fazer caras e bocas, mostra as pernas, etc. O caminhão vai se aproximando. Ouve-se no áudio ruídos de galinhas cacarejando. Foco nos garotos, atrás da moita.) GABRIEL (Fala para os outros, que como ele estão escondidos.) Ihhh, fodeu... ALAN Por quê?
  • 9. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 8888 GABRIEL Não tão sentindo o cheiro e ouvindo o barulho? É um caminhão de galinha... FRED Menos mal. Seria pior se fosse um caminhão cheio de porco com aquele cheiro horrível de lavagem. (Muda o foco para Marília, que acena para o caminhão imaginário pedindo carona. Ouve-se uma freada brusca.) MARÍLIA (Fala para o motorista invisível.) E aí, tudo bem, como vai gostosão?... Não querendo abusar da sua bondade, mas poderia me dar uma carona até a Baixada? Ó, tô sem grana nenhuma, mas posso te pagar de outra maneira... (Ouve a resposta.) Tudo bem? (Sorri feliz. Chama os rapazes.) Vamos embora, galera!!!! (Os três rapazes saem da moita carregando malas, barracas, tudo o que se pode imaginar. Alan empurra o carro para fora de cena. Fred, Gabriel e Marília, sobem na carroceria do caminhão e Alan vai dentro do carro. Saem de cena na maior algazarra.) CENA 2 (Luz sobe em resistência sobre as areias da praia. No ciclorama, um céu azul cheio de nuvens. O sol da manhã começa a aparecer no horizonte. Movimentação habitual de uma praia. Entram Alan, Marília, Gabriel e Fred, totalmente imundos, carregando, cada um, a sua bagagem. Em seguida começam a montar as barracas e organizar suas coisas. Quando terminam o serviço, Alan estende os braços para o céu.) ALAN São Vicente... aqui estamos nós!
  • 10. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 9999 (Alan agarra Marília.) MARÍLIA Ai, Alan, eu tô fedendo à galinha... ALAN E daí? Olha a minha cara de preocupado... (Alan joga Marília na areia e ambos começam a rolar nela.) GABRIEL (Cortando o barato, batendo palmas.) Ô, vocês dois, agora não é hora de ficar se agarrando aí na areia feito dois cachorros no cio. ALAN Vá se danar, Gabriel. Tá com ciúme, babacão? MARÍLIA Tá parecendo meu pai. (Alan e Marília se soltam. Fred começa a rir sem controle.) GABRIEL O que foi bobo-alegre? FRED Tô me lembrando da cara do tiozinho do caminhão quando viu o bando entrando na carroceria e ficando junto com as suas galinhas. MARÍLIA (Rindo.) Ele nem teve tempo de dizer um “não”.
  • 11. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 10101010 ALAN E se dissesse levava porrada... (Riem. Pouco a pouco vão parando de rir, até um silêncio absoluto.) GABRIEL Tá tudo muito bom, mas o que tá faltando aqui nesta praia é mulher... Muita mulher bonita. MARÍLIA (Ofendida, com ironia.) Obrigada, Gabriel. GABRIEL Pô, foi mal. Não era isso que eu queria dizer. MARÍLIA Mas disse. FRED (Olha para fora.) Uau! Olha o Boeing que vem vindo ali... (Os três olham para fora. Neste instante entra Liliane, uma linda garota, loura oxigenada e de olhos verdes, trazendo uma esteira e um radinho de pilha. Está com um rayban, chapeu e uma sacolinha. Fred e Gabriel ficam boquiabertos. Liliane coloca a esteira no chão e senta-se nela. Tira o rayban e a canga ficando apenas de biquíni. Liga o rádio. Ouve-se uma música qualquer. Tira um bronzeador da sacolinha. começa a passá-lo no corpo com uma grande dose de sensualidade, sem notar a presença dos meninos. Nota-se uma certa dificuldade quando esta vai passar o óleo nas costas. Quando percebe a presença dos garotos, se dirige para eles.) LILIANE Ei, vocês aí poderiam me dar uma ajudinha?
  • 12. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 11111111 (Fred, Gabriel e Alan fazem menção de ir até ela. Marília, ao perceber o movimento de Alan, o impede. Fred e Gabriel param no meio do caminho.) LILIANE Podem vir, eu não mordo, não. (Os rapazes ficam bem perto da garota.) Poderiam passar esse bronzeador nas minhas costas?... Não tô conseguindo... Acho que Deus deveria ter feito a gente com o braço mais comprido. Toda vez que venho pra a praia sozinha é sempre o mesmo transtorno, preciso sempre pedir ajuda pra alguém. Poderiam me fazer esse pequeno favor? FRED (Assanhado.) Mas é claro. (Liliane entrega o bronzeador para Fred que disputa a posse do mesmo com Gabriel. Liliane, ao perceber o que está acontecendo, tenta apaziguá-los.) LILIANE Calma. Não precisam brigar, rapazes... Passa um de cada vez... (Liliane deita-se de bruços. Os rapazes olham para o corpo da garota, depois um para o outro. Gabriel começa a passar o bronzeador no corpo dela com certa timidez.) LILIANE Passa direito, garoto. Tem medo de mulher, é? (Gabriel, agora bem mais desinibido, pega o óleo e vai massageando as costas da garota. Fred, todo assanhado, pega o frasco das mãos de Gabriel e lambuza a garota, massageando depois.) LILIANE Vocês vem sempre pra cá?
  • 13. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 12121212 FRED De vez em quando. LILIANE Vocês moram aqui na Baixada? GABRIEL Não. Somos de Sampa. LILIANE Não sei como conseguem viver naquela cidade. É muito barulho, poluição, gente estressada, um horror! FRED Por isso nós viemos pra cá, pra fugir um pouco do estresse provocado por Sampa e também para caçar algumas “caiçaras”. Captou ou quer que eu desenhe? (Gabriel bate em Fred.) LILIANE (Curiosa, olhando para Alan e Marília.) E quem são aqueles dois? GABRIEL Nossos amigos... (Gabriel assobia. Alan e Marília aproximam-se.) MARÍLIA (Simpática.) Olá. Sou Marília.
  • 14. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 13131313 LILIANE E eu Liliane. E o bonitão aí, como se chama? ALAN (Sem entender.) Você fala comigo? LILIANE E que outro bonitão, além de você, tá por aqui? GABRIEL (Magoado.) Nós sabemos que não somos grandes coisas, mas não precisa jogar na cara, né? MARÍLIA (Cínica, para Liliane.) O bonitão se chama Alan... LILIANE Alan! Bonito nome... MARÍLIA (Cortando.) ...e ele tem namorada! LILIANE Que pena!... Por acaso, é você? Menina de sorte, hein? MARÍLIA (Perdendo a calma.) Quer parar de ficar se insinuando pra ele, sua sirigaitazinha, sua, sua... Surfistinha. LILIANE Eu não entendi direito o que você quis dizer...
  • 15. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 14141414 MARÍLIA É que toda oxigenada processa as informações lentamente. Mas existe uma razão pra isso: a tinta cozinhou o cérebro. (Para Alan, jogando a intenção para Liliane.) Você sabe Alan, porque essa garota trouxe esse rádio? ALAN Não, por quê? MARÍLIA Porque não pode ouvir disk-men... E sabe por quê? (Destacando as sílabas.) Porque o som não se propaga no vácuo. (Olha fixamente para Liliane, enquanto Alan ri.) LILIANE (Joga os cabelos de um lado para o outro.) Também não entendi. MARÍLIA (Remedando-a.) “Também não entendi”. Não entendeu? Pois fique sem entender, minha filha... Vamos sair daqui, Alan, que eu não quero arrumar confusão com essa... com essa... (Pausa.) Entenda como quiser! (Saem de perto e vão para o outro lado.) LILIANE (Para Gabriel e Fred.) Bichinho temperamental! FRED Também você dá em cima do namorado dela, assim, na cara dura! Você esperava o quê?
  • 16. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 15151515 GABRIEL E ainda chama a gente de feio... mas que falta de consideração... LILIANE (Sem se importar.) Meninos, vocês tomam conta das minhas coisas? Eu vou dar um mergulho... Aliás vocês também precisavam de um bom banho de mar. Tão com um cheirinho... Bye, bye, boys. (Sai fazendo poses.) (Fred e Gabriel se entreolham.) GABRIEL Que mal-agradecida! (Ambos se aproximam de Alan e Marília.) MARÍLIA Mas que biscatinha! ALAN Não precisava baixar o nível, né, Marília? MARÍLIA Como não? Ela só faltou se jogar nos seus braços... O que adianta ter um corpo escultural e o cérebro do tamanho de um caroço de azeitona? E você bem que gostou né, seu filho da mãe?! ALAN Claro. (Marília dá um tapinha em Alan.) Ai. O que é isso, Marília? (Ouve-se em “off”, pedidos de socorro de Liliane.)
  • 17. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 16161616 FRED O que é isso? GABRIEL (Olhando para o mar.) Olha lá, parece que tem alguém se afogando... É a Liliane. MARÍLIA Bem feito... FRED Vai lá. Salva ela, Gabriel. GABRIEL Eu não posso. FRED Por que não pode? GABRIEL Por que... eu não sei nadar... FRED (Com vergonha.) Nem eu! Eu não devia ter abandonado minhas aulas de natação... (Novamente ouvem-se os gritos de Liliane.) FRED (Desesperado.) Alguém precisa fazer alguma coisa.
  • 18. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 17171717 ALAN Eu vou lá. MARÍLIA (Repreendendo-o.) Alan! ALAN A menina tá se afogando, Marília... MARÍLIA E me alegro muito. ALAN Para de ser criança... Eu já volto! (Corre até o mar, que está fora de cena.) MARÍLIA (Revoltada, para Fred e Gabriel.) Seus inúteis. O que custava entrar no mar pra salvar aquela bisca? FRED Não foi maldade, Marília. GABRIEL Você acha que faríamos isso de propósito? MARÍLIA Acho.
  • 19. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 18181818 (Alan entra com Liliane desmaiada nos braços. Coloca-a na areia e começa a massagear seu coração. Tapa-lhe o nariz e vai fazer respiração boca a boca. Marília ao ver a cena, se revolta.) MARÍLIA Ah, isso já é demais, Alan. Salvar ela, tudo bem, agora fazer respiração boca a boca nessa oxigenada é o fim da picada. Deixa essa tarefa pro Fred ou pro Gabriel que nunca beijaram ninguém na boca... FRED Bem que eu gostaria, mas não tenho a mínima ideia de como se faz. GABRIEL Nem eu. E o Alan foi escoteiro, Marília, ele manja esse lance de primeiros socorros. MARÍLIA Vocês são dois viadinhos, isso sim. Alan pense bem no que você vai fazer. ALAN Pô, Marília, não fode. Você acha que eu vou abusar da menina na sua frente? (Faz a respiração boca a boca em Liliane. Esta, solta uma grande quantidade de água pela boca. Alan repete o movimento. Liliane acorda meio grogue. Ao ver Alan, o abraça.) LILIANE Meu heroi...
  • 20. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 19191919 MARÍLIA (No auge da fúria.) Sua filha da puta, descarada... Agora você vai ver. (Pega-a pelos cabelos.) O Alan te salvou e agora é a minha vez de te mandar fazer companhia pra Iemanjá. (Leva a garota para fora de cena. Alan corre atrás. Fred e Gabriel ficam na areia, olhando na direção do mar, desesperados. Gritos em off. Liliane volta correndo, soltando água pela boca. Pega suas coisas e sai correndo.) LILIANE Assassina! Assassina! (Marília volta furiosa. Alan segura a garota.) MARÍLIA Você não perde por esperar, sua vagabunda... (Alan chacoalha Marília. A garota vai se acalmando abraça-o e chora com raiva. Fred e Gabriel olham tudo muito assustados.) ALAN (Seriamente.) Agora vamos ter uma conversa bem séria. Só nós dois. E você vai me escutar, ouviu bem? (Fred e Gabriel, ao verem que a coisa está ficando brava, se afastam. Alan olha para Marília.) ALAN Agora vamos conversar como dois adultos...
  • 21. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 20202020 MARÍLIA Agora não, eu tô exausta, quero descansar um pouco. Depois a gente conversa. ALAN Vamos conversar agora. E não adianta fugir... (Marília desvia o olhar.) Olha pra mim, Marília... Agora me responda, por que você tá agindo dessa maneira infantil e ridícula? Por que criou essa confusão toda com a Liliane? MARÍLIA Por quê? Você ainda pergunta? Ela ficou dando em cima de você como se eu não existisse. ALAN E eu por acaso fiquei xavecando ela? MARÍLIA Não. Mas salvou a desgraçada do afogamento. E ainda fez respiração boca a boca na infeliz. É o que basta! ALAN Eu faria isso com qualquer pessoa. Aqui nesse ponto da praia não tem um salva-vidas sequer. Não ia ficar aqui parado, assistindo de camarote o afogamento dela. (Noutro tom.) Pô, Marília, a gente veio aqui pra se divertir, não pra ficar brigando. Esse teu ciúme é tão besta. Por que isso? MARÍLIA (Insegura.) Porque eu não quero te perder, Alan. Você é tudo que eu tenho. Tremo só de pensar que isso possa acontecer um dia.
  • 22. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 21212121 ALAN Se você continuar agindo dessa forma, vai me perder mesmo. Você não era assim. Quando te conheci, você era diferente. Esse teu ciúme já tá passando dos limites, tá virando uma obsessão... Eu quero uma namorada, não uma dona, Marília, entenda isso. Você tá muito insegura comigo e isso não é legal. MARÍLIA (Triste.) Eu tô mesmo. Você é tudo o que eu tenho. E tem muita mulher mais bonita do que eu dando bola pra você e isso me deixa muito mal. ALAN Você acha que se eu não te quisesse, eu estaria aqui? Hein?! (Pausa.) Fica tranquila... MARÍLIA Eu vou tentar. ALAN E se a Liliane aparecer por aqui, você vai pedir desculpas pra ela pelo ocorrido. MARÍLIA (Altera-se.) Isso, não. Pode me pedir qualquer outra coisa, mas pedir desculpas pra aquela piranha, nunca! ALAN Vai pedir desculpas, sim. É o mínimo que você pode fazer depois do escândalo todo que armou.
  • 23. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 22222222 MARÍLIA (Rende-se.) Tá bom, tá bom. Eu vou pedir desculpas pra ela, mas se ela ficar se oferecendo pra você, eu não respondo por mim e armo outro barraco, tá me ouvindo? ALAN Isso não vai acontecer mais. Garanto. MARÍLIA Espero. (Entram Fred e Gabriel, cada um segurando dois cocos. Fred entrega um coco para Marília e Gabriel entrega outro para Alan.) GABRIEL (Para Alan.) E aí, acalmaram os ânimos? ALAN Espero que sim. (Nesse momento começam a chegar alguns turistas, com algumas crianças, que carregando baldinhos e outras coisas, começam a brincar na areia. O casal, pai das crianças, começa a passar protetor solar. Alan olha para esse casal.) ALAN Essa água de coco tá ótima. (Pondo a mão na barriga.) Mas bateu uma fome... GABRIEL E aquele franguinho com farofa, Fred?
  • 24. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 23232323 FRED Tá na mão!!! (Entra na barraca e volta com duas topperwares com farofa e mais dois frangos assados cobertos com papel alumínio. Abre o recipiente e desembrulha os frangos.) Alguém trouxe pratos e talheres? ALAN Pra quê pratos e talheres, Fred? Quer bancar o fino aqui nessa praia que só tem farofeiro?... Frango se come com a mão. (Pega uma coxa e come.) Assim. FRED Mas e a farofa? ALAN Também... (Pega um punhado de farofa e põe na boca. Os outros acham graça no fato e repetem o gesto de Alan, com o frango e a farofa. Depois, cada um pega uma latinha de cerveja e começam a beber. Já estão um pouco embriagados pelo efeito do álcool.) FRED É uma pena que esse frango tá gelado. GABRIEL Tá valendo. (Trincham o frango. Fazem uma brincadeira de falar com a boca cheia de farofa. O casal, que está ao lado, olha com certo estranhamento.) ALAN (Para de comer e oferece o frango para eles.) Vocês querem um pedaço? (O casal faz cara de nojo e acenam negativamente com a cabeça.) Então, por favor, cuidem desses ranhentos e não deixem que eles se afoguem...
  • 25. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 24242424 FRED (Fala com a boca cheia de carne de frango e farofa.) O que é que tão olhando? Nunca viram, não? (O casal vira para o lado e cochicha.) ALAN Ô, Fred, não vamos arrumar briga... GABRIEL (Desencanado.) Não vai haver briga nenhuma. MARÍLIA Nunca se sabe Gabriel. GABRIEL Não vai haver briga nenhuma por uma razão bem simples: eles são gringos e não estão entendendo nada do que a gente tá falando. Vocês não sacaram isso, seus babacas? Olha a cor deles. Chegam a ser transparentes! (Riem. O casal arruma suas coisas e vão embora levando as crianças.) ALAN (Falando para os turistas.) Good bye friends, so long! FRED Ô, meu Deus, cadê as mulheres dessa praia? Não aguento mais olhar pra pernas peludas e sungas salientes... GABRIEL A única que tinha, a Marília espantou...
  • 26. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 25252525 MARÍLIA Vai começar? GABRIEL (Erguendo as mãos, se rendendo.) Foi mal. Desculpe. ALAN Esse pedaço aqui da praia é deserto mesmo. Não foi esse o combinado da gente? De vir pra um lugar calmo onde a gente pudesse descansar e acampar tranquilo, sem ter que aguentar aqueles bichos do mato que nunca viram mar, rolando na areia e se transformando em bife à milanesa? FRED Que merda viu... (Silêncio. Alan convida o grupo.) ALAN Em vez de ficar aqui jogando conversa fora, por que a gente não vai dar um mergulho? Olha que mar lindo, que sol maravilhoso convidando a gente! Vamos? (Silêncio de Gabriel e Fred.) GABRIEL Esqueceu que não sabemos nadar?! ALAN Ah, fica no rasinho, caramba. Não tem perigo. As ondas dessa praia não passam de trinta centímetros de altura. Acho que vocês não são tão idiotas de se afogarem, né?
  • 27. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 26262626 MARÍLIA (Irônica.) Eles eu não sei, mas teve uma piranhinha muito idiota que conseguiu realizar essa proeza. ALAN Vai começar? (Para os garotos.) Vamos? FRED Tá bom. Mas me esperem um pouco... (Entra na barraca. Demora um pouco.) ALAN (Impaciente.) Anda logo, Fred. FRED (Off.) Já vou. (Tempo. Logo aparece com óculos de mergulho, uma boia de bichinho na cintura e dois enormes pés-de-pato.) E aí? Como estou? MARÍLIA (Zoando.) Uma gracinha! (Riem do ridículo do rapaz.) ALAN O último que chegar é mulher do padre! (Saem de cena correndo. Fred demora um pouco mais para alcançá-los devido a grande parafernália que está usando.)
  • 28. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 27272727 CENA 3 (Luz sobe em resistência revelando o pôr do sol. Alan e Marília estão sozinhos, sentados numa enorme pedra com os cabelos úmidos e despenteados. De vez em quando, as ondas rebentam nas pedras molhando o casal. Estão abraçados e o clima está bastante agradável.) ALAN (Apreciando o pôr do sol.) O pôr do sol é tão lindo, né, Marília? (Inspira o ar.) Como é bom respirar um pouco de ar puro, sentir esse cheiro de maresia, ouvir as ondas rebentando nas pedras... Sabe que eu era capaz de ficar assim, a minha vida inteira? Parece que... não sei... que a gente se desliga, se dissolve, se desintegra... (Pausa.) Bobagem minha, né? MARÍLIA Eu não acho. Sabe, infelizmente a gente vive num mundo consumista onde o que mais conta é o dinheiro... Dinheiro, dinheiro, dinheiro, sempre dinheiro. As pessoas se matam de trabalhar, muitas vezes trabalhando de dia e de noite, se estressam, envelhecem rápido pra no fim do mês receber uma merreca de salário, que mal dá pra pagar o aluguel e outras contas, e quando vão ver... tão com 50, 60 anos e infelizmente, não curtiram os prazeres da vida... Os meus pais são exemplos vivos disso. Por que as pessoas ficaram tão obcecadas em só ganhar dinheiro? Tem outras coisas na vida mais importantes do que isso... Quer mais do que a gente? Estamos sem um puto no bolso e estamos aqui, curtindo esse lugar maravilhoso, numa boa sem se preocupar com o relógio. ALAN Você fez um belíssimo discurso, mas são as regras impostas pela sociedade.
  • 29. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 28282828 MARÍLIA Sociedade!!! Bah, eu quero que essa sociedade se dane... ALAN Vamos mudar de assunto? Não tô com saco pra ficar aqui filosofando sobre a vida, sobre o que é certo ou errado, justo ou injusto... (Lento.) O importante é que estamos nós dois aqui, sozinhos, sem aqueles pentelhos do Fred e do Gabriel torrando a paciência... O importante é que eu amo você... MARÍLIA (Incrédula.) O que você disse? ALAN Isso mesmo que você ouviu. MARÍLIA É a primeira vez que você me diz... ALAN (Continua.)... amo você? MARÍLIA É. (Abraça o rapaz.) (Alan beija-lhe a boca, o pescoço e a orelha de Marília e em seguida passa a mão pelo seu corpo.) MARÍLIA (Tensa.) Não, Alan... ALAN Por que, não?
  • 30. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 29292929 MARÍLIA Alan, a gente precisa conversar. ALAN (Compreendendo.) Eu tenho camisinha... (Pega o preservativo da bermuda e beija a garota. Em seguida, deita-a na pedra.) MARÍLIA (Levantando-se.) Alan, eu sou virgem... (Suspira.) Pronto, falei! ALAN Eu vou devagar... MARÍLIA Na verdade, eu ainda não tô preparada pra transar com você. ALAN Tudo bem... Vai ser quando você quiser e se sentir preparada... MARÍLIA Olha pra mim, Alan... (Alan olha para a garota.) Você promete que não vai me deixar? ALAN Você é a mulher da minha vida, Marília. MARÍLIA (Vai cedendo.) Esse é o discurso que todos os garotos fazem quando querem transar com uma menina... (Pausa. Alan beija-lhe a orelha e diz algo no ouvido da garota.) Ai, Alan, assim eu não aguento. Você me mata com essa voz
  • 31. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 30303030 de travesseiro... Até hoje você, foi o único homem que fez minha vida virar no avesso. ALAN Você também. Eu fico maluco quando sinto o teu perfume, quando beijo a tua boca, quando olho pra esses olhos... (Alan beija a garota, acaricia-lhe o corpo, passa a mão em suas ancas. A garota faz o mesmo, acariciando-lhe os cabelos, o peito, o abdômen e demonstra um pouco de insegurança ao tocá-lo.) ALAN Fica calma... Relaxa. MARÍLIA (Preocupada.) E se aparecer alguém? ALAN Não vai aparecer ninguém. Pode escrever na sua agenda: essa vai ser uma noite inesquecível. (Alan e Marília transam. Em momento algum a cena deve ser apelativa. Luz vai descendo em resistência ficando apenas o pôr do sol. A noite cai.) CENA 4 (Fred e Gabriel estão sentados nas cadeiras, perto das barracas.) GABRIEL Onde será que foram aqueles dois?
  • 32. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 31313131 FRED Devem estar em qualquer escurinho, fodendo... GABRIEL Pô, você só pensa em sexo, Fred! FRED E tem outra coisa melhor pra se pensar?... No fundo, no fundo, eu tenho um pouquinho de inveja do Alan e da Marília, sabe? É tão legal ver um casal como eles, né? Apesar de serem bem diferentes um do outro, de brigarem o tempo todo, eles se combinam... GABRIEL Bem que poderia pintar uma mulher pra gente, não?... Vai ser muito azar se a gente não conseguir catar nada por aqui. FRED A única que pintou com certeza nunca mais vamos ver. GABRIEL (Começa a sonhar.) Liliane... Como eu queria deitar com ela aqui na areia, encher aquela boquinha de beijos. FRED Vamos parar de ficar sonhando! Não tem mais volta. O único jeito de estar com a Liliane é quando... (Gesto de masturbação.) estivermos soltando pipa... GABRIEL Eu não sou punheteiro.
  • 33. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 32323232 FRED Aham, Cláudia, senta lá... (Liliane entra em cena com uma mochila. Senta-se em um canto e chora. Fred e Gabriel ficam olhando para ela, sem reconhecê-la.) GABRIEL O que será que aconteceu com ela? FRED E eu sei lá. GABRIEL Parece que o caso é sério. Eu vou lá. FRED Eu vou com você. GABRIEL De jeito nenhum. O que a gente combinou lá em Sampa? Não vem empatar, não. Eu vi primeiro. FRED Eu sempre fico na mão... GABRIEL Problema seu. E não venha atrás de mim, porque se isso acontecer eu arregaço sua cara. (Caminha até Liliane, deixando Fred de lado. Põe a mão na cabeça da garota.) Posso te ajudar? (Liliane levanta a cabeça. Gabriel, quando depara com a garota, se ilumina.) Você?
  • 34. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 33333333 LILIANE (Triste.) Por favor, me abrace forte. (Gabriel abraça a garota. Fred, ao observar a cena, de longe comenta.) FRED (Para si.) Mas que cara rabudo!... (Entra na barraca, chateado.) GABRIEL O que aconteceu? LILIANE Minha vida acabou... GABRIEL Como acabou? LILIANE Eu fugi de casa. Não aguentava mais tanta pressão do meu pai. Era briga o tempo inteiro. Ele não pode ver ninguém feliz, porque a felicidade das pessoas incomoda aquele filho da puta. Por isso deixei tudo pra trás. O que eu quero é nunca mais olhar pra cara daquele imbecil. GABRIEL Não fale assim... LILIANE Se você soubesse quanta raiva eu tenho guardada dentro de mim. Mas você não compreende. Só quem sente na pele entende o que eu tô passando... (Levanta-se cambaleando.) Agora eu vou embora, Gabriel. Foi muito bom te conhecer...
  • 35. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 34343434 GABRIEL Vai pra onde? LILIANE Pra qualquer lugar onde eu possa me sentir livre de tudo isso. Nem que pra isso, eu precise rodar bolsinha no calçadão da praia... GABRIEL Não vai embora coisa nenhuma. Muito menos rodar bolsinha. Você vai ficar aqui comigo, com a galera... Não vou admitir, em hipótese alguma que você fique sozinha... LILIANE (Depois de uma longa pausa.) Você é mais legal do que eu pensava, sabia? Não é fácil encontrar um cara assim, feito você. GABRIEL Imagina. Tá cheio de neguinho feio como eu por aí... LILIANE Quem disse que você é feio? O problema é que eu sou burra mesmo... Tão burra que sou que não percebi que... (Liliane, impulsiva, beija Gabriel na boca.) Desculpa. Você deve tá me achando uma vagabunda. GABRIEL Não, juro que não... Conta comigo, Liliane, pro que der e vier. Nós vamos juntos pra São Paulo e você vai começar uma vida nova, longe do seu pai... Isso se você quiser, claro! LILIANE Claro que eu quero... Você tem alguma dúvida?
  • 36. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 35353535 GABRIEL Amanhã de manhã eu vou com você até a sua casa. Você vai enfrentar o seu pai e se libertar desses fantasmas... (Nesse momento aparecem Alan e Marília, de mãos dadas. Liliane olha para ela e se refugia em Gabriel.) MARÍLIA (Irônica.) Apareceu a Loira Burra? ALAN (Repreendendo-a.) Marília... GABRIEL Marília, ela não te fez nada... MARÍLIA Claro. Ainda não teve tempo. ALAN Marília, o que a gente conversou?... MARÍLIA Tá bom, Alan. (Para Liliane.) Quero que saiba que é contra a minha vontade, mas o Alan me obrigou a te pedir desculpas. ALAN Isso é jeito, Marília? GABRIEL Você é uma insensível mesmo, não. Devia pelo menos respeitar o momento que ela tá passando...
  • 37. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 36363636 LILIANE (Chorando.) Desculpa, eu não vim aqui pra criar caso com vocês. Só não tinha pra onde ir e o Gabriel pediu pra que eu ficasse aqui... GABRIEL Ela saiu de casa. ALAN (Para Marília, repreendendo-a.) E se fosse com você, Marília? MARÍLIA (Depois de uma longa pausa, muda radicalmente.) Olha, imagino como você deve estar se sentindo... Não sei o que faria se estivesse no seu lugar... Acho que nem teria coragem pra tanto... (Pausa.) Desculpa o mal jeito, viu?... Posso te dar um abraço? (Ambas se abraçam. Marília beija a face da garota.) LILIANE Prometo nunca mais dar em cima do seu namorado. GABRIEL Acho bom! ALAN (Brincando.) Ah, que pena... (Marília dá um tapa no ombro de Alan.) LILIANE Até porque eu encontrei uma pessoa maravilhosa.
  • 38. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 37373737 ALAN E o Fred? GABRIEL Deve tá dormindo na barraca ALAN Por falar em dormir, tô quebradaço. Vamos dormir, Marília?... Boa noite, galera. (Ambos entram na barraca.) GABRIEL Eu também tô acabadão. É uma pena que só tenha duas barracas. (Para Liliane.) Você se importa de dividir a mesma barraca comigo? Prometo que vou me comportar como um bom menino. LILIANE Se for assim, eu aceito. Mas e o Fred? GABRIEL Deixa comigo... (Bate na barraca.) Ô Fred! FRED (Saindo, com mau-humor.) O que foi? GABRIEL Libera a barraca... FRED Pra quê? GABRIEL Pra Liliane dormir aí dentro.
  • 39. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 38383838 FRED Mas e eu? GABRIEL (Joga para ele um saco de dormir.) Dorme aí... FRED Mas essa barraca é minha! GABRIEL Eu sei. Mas a Liliane não pode dormir aqui fora. LILIANE Eu não ligo Gabriel... (Gabriel faz com que ela se cale.) FRED Mas cabe nós três aí dentro... GABRIEL Nem pensar. Do jeito que você é tarado?! Quer uma dica? Dorme aí fora, meu irmão. Quem sabe aparece uma desdentada com cabelo de palha pra te agasalhar durante a madrugada. Bons sonhos... (Durante as últimas falas, Gabriel já entrou na barraca. Liliane, que está fora é puxada delicadamente para dentro. Fred fica fora, com cara de tacho resmungando o tempo todo. Entra no saco de dormir e deita-se na areia, furioso. Passagem de tempo. Fred bate na cara tentando matar os borrachudos. Ouve-se o rebentar das ondas. Nesse momento aparece uma menina cuja descrição é a mesma que Gabriel fez. Seu cabelo é semelhante com os cabelos de espiga de milho, tem na testa uma serpente tatuada e não têm os dois dentes da frente. Ao ver Fred, senta-se perto do rapaz, fazendo poses sensuais. Fred continua matando os insetos.)
  • 40. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 39393939 ANA TELMA Ei, garotão... (Toca em Fred.) FRED (Acordando, assustado, berra.) AAAAiiiiii. (Tenta sair do saco.) Vade retro, Satanás, Xô, capeta de Caruaru... Minha Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, me acuda... Sai assombração, espectro do mal... Retro, retro, retro! ANA TELMA (Ofendida.) Aiii... É assim que você me recebe? FRED (Treme.) Vá embora, criatura! Vá embora! ANA TELMA Pois agora é que eu não vou... Precisava me destratar? Eu sou um ser humano, viu? FRED Não parece... Parece mais aquelas criaturas tenebrosas dos filmes do Zé do Caixão. ANA TELMA Vem cá, gostosão. Que eu tô louquinha pra te possuir... (Agarra Fred.) FRED Por favor! Socorro! ANA TELMA Me dá um beijinho, delícia! (Faz um bico e sorri, ficando bem visível sua banguela.)
  • 41. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 40404040 FRED (Virando o rosto.) Ai... Abriram a rede de esgoto bem na minha cara... Eita porra... A danada é banguela. ANA TELMA É para ajudar na minha especialidade... Eu sou ótima na... (Cochicha no ouvido de Fred.) FRED (Berrando.) Socorro! (Ana Telma entra no saco e agarra Fred, que dá um berro tenebroso.) CENA 5 (Amanhece. Fred está dentro do saco de dormir, tremendo e com os olhos esbugalhados. Alan sai da barraca, espreguiçando-se. Faz alguns alongamentos e ao ver Fred, caminha até ele.) ALAN Fred! (O rapaz não se move.) Fred! (Alan chama Marília, Gabriel e Liliane. Os três saem das barracas e olham o rapaz, em estado de choque.) GABRIEL O infeliz não se mexe. O que será que aconteceu? ALAN Sei lá. Parece que viu assombração. (Alan chacoalha Fred. De repente, Fred, ainda em estado de choque, se move.)
  • 42. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 41414141 FRED Fui estuprado!!! TODOS O quê? GABRIEL Você deu o cu, Fred? FRED Antes fosse... Acho que teria sido melhor. Ela apareceu, Gabriel! GABRIEL Ela quem? FRED A desdentada com cabelo de palha, que você disse. Entrou no saco de dormir comigo, me agarrou e... Sinto enjoo só de lembrar... Vocês não ouviram os meus berros? TODOS Não. GABRIEL Você sonhou. FRED Que sonho, o quê? Foi de verdade. Eu tô todo arranhado, chupado e com o pinto doendo... LILIANE Você ficou impressionado com que o Gabriel disse.
  • 43. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 42424242 FRED Se ela aparecer de novo eu me suicido... ALAN Vai, cara, relaxa. E trate de se levantar porque o feriado acabou e a gente tem que arrumar as coisas pra voltar pra Sampa. GABRIEL Mas antes eu vou com a Liliane até a casa dela pra... LILIANE (Corta, tensa.) Não precisa, Gabriel... GABRIEL Por quê? LILIANE Porque a “criatura” tá vindo aí... (Entra o pai de Liliane. Alan, Marília e Fred ficam num canto enquanto Liliane e Gabriel encaram o pai.) PAI Eu sabia que iria te encontrar... Anda, vamos pra casa. LILIANE Não vou. PAI O que você disse?
  • 44. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 43434343 LILIANE Isso mesmo que você ouviu. Eu não vou voltar pra casa... PAI Não me desafie, menina. Você não sabe do que eu sou capaz! Vem comigo, porque senão... LILIANE Senão o quê? Vai me bater? Vai me matar? Eu não tenho mais medo de você. PAI O seu lugar é lá em casa e não aqui, junto com esses delinquentes... LILIANE Você não sabe o que fala... Vá embora, vá. Esqueça que eu existo. Eu sempre fui uma sombra na sua vida mesmo. Vai... o que tá esperando? Que eu estenda na areia um tapete vermelho pra Sua Excelência passar? PAI Malcriada. Eu devia era te... (Caminha até ela e vai lhe dar uma bofetada. Gabriel se precipita.) GABRIEL Se você encostar a mão nela, eu te arrebento. PAI Vai me desafiar, seu moleque?
  • 45. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 44444444 GABRIEL Por que não bate em mim, hein? Tá com medo de encarar alguém do seu tamanho? PAI (Pausa.) Você não tem pena da sua mãe? LILIANE Eu tenho pena de você, porque esse é o pior sentimento que uma pessoa pode nutrir pela outra. Não tenho porque ter pena da minha mãe, porque o que eu sinto por ela é muito maior do que você pensa: amor, carinho, respeito, que são sentimentos desconhecidos por você, palavras que não existem no seu dicionário de merda... Eu só preciso de um tempo pra acertar minha vida e quando isso acontecer, eu venho buscar minha mãe pra morar comigo e viver longe da vidinha medíocre que ela, infelizmente, leva com você. PAI Você não sabe o que diz... LILIANE Sei, sim. Não sou mais nenhuma criança... Posso fazer o que me quiser e você não tem nenhuma responsabilidade para comigo. (Estende os braços com um gesto preciso, que diz: “some daqui”.) Faça o favor... PAI Você vai se arrepender... LILIANE Vou te pedir pela última vez: não me procure mais. Não se preocupe, eu vou embora desta cidade com esses “delinquentes” e você nunca mais vai me ver.
  • 46. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 45454545 PAI Eu tenho vergonha de ser seu pai... LILIANE ...e eu de ser sua filha. (O pai fica sem argumentos e sai. O clima é tenso.) LILIANE (Quebrando o gelo.) Eu preciso crescer. E é por isso que eu tô chutando tudo pro alto e indo embora com vocês, sem nenhuma sombra me perseguindo e me fazendo sentir culpada... GABRIEL É isso aí... E nada de baixo astral... ALAN S’imbora, galera! (Começam a desmontar as barracas e arrumar as coisas. De repente, Marília para e pensa.) MARÍLIA Ihh... FRED O que foi? MARÍLIA A bosta do carro do Alan... Espero que funcione.
  • 47. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 46464646 ALAN (Pega a chave do carro.) Vai funcionar. (Sai de cena. Ouve-se no áudio o ruído de partida de carro; Alan berra, feliz.) ALAN Pegou... Pegou. (Volta.) O feriado acabou... Mas em breve estaremos de volta, São Vicente... Iuhhuuu... GABRIEL (Brandindo.) Isso aí... E que o Fred, da próxima vez, consiga voltar pra São Paulo com uma peituda gostosa. FRED (Desiludido.) Todo mundo é feliz... Menos eu. Até o Gabriel, que é o Gabriel conseguiu uma namorada... E eu o que consegui? Perder o cabaço com um ser de outro planeta. MARÍLIA Deixa de drama, idiota... (Nesse instante aparece Ana Telma.) ANA TELMA (Sem ver Fred; chamando.) Bonitinho, tesão da minha vida. Iuhuuuu. Cadê você? Vamos repetir a noite maravilhosa que tivemos ontem? FRED (Desesperado ao ver Ana Telma.) Vamos embora! Rápido! ALAN Por que a pressa?
  • 48. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 47474747 FRED No carro eu explico, mas vamos sair daqui o mais depressa possível... (Fred pega a barraca e sua mochila. Todos fazem o mesmo. Sobem no carro e atravessam a cena. Ana Telma olha para Fred, que se esconde no interior do carro.) ANA TELMA Não me deixa, amor... Diz que eu sou a mulher mais gostosa do mundo, diz... Eu tô tão carente... (Chorando.) Não faz isso com sua Telminha... Eu vou te encontrar nem que seja no inferno... (Ana Telma corre atrás do carro. Alan, assustado acelera e o veículo e sai em disparada, deixando a garota a ver navios. Ana Telma pega a cueca de Fred e sai limpando as lágrimas.) CENA 6 (Muda luz. Estamos na Serra do Mar. O carro de Alan começa a falhar até dar uma nova pane. Muita fumaça sai do motor. Todos saem do carro, preocupados, enquanto Alan e Fred ficam às voltas com o carro.) MARÍLIA Mas que merda! Vai começar tudo outra vez. (Dá um suspiro profundo. A cena que se segue é toda em mímica. Marília e Liliane pedindo carona. Ruídos de carros que passam a toda velocidade. Alan, Fred e Gabriel unem-se às meninas. Ouve-se no áudio ruídos de um caminhão mesclados com os ruídos de porcos. O caminhão freia e Ana Telma está junto com os porcos.) ANA TELMA (Para Fred.) Oi, tesão... Eu jurei pra mim mesma que iria te encontrar, nem que fosse no inferno...
  • 49. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Conto de VerãoConto de VerãoConto de VerãoConto de Verão 48484848 (Fred engole em seco e fica paralisado. Enquanto isso, o motorista do caminhão oferece carona aos jovens.) VOZ Tão indo pra São Paulo? Essa menina também vai pra lá. Querem uma carona? (Alan, Marília, Fred, Gabriel e Liliane passam mal, tapam o nariz e desmaiam em conjunto, caindo estatelados no acostamento. Até o Fiat, para protestar, solta uma baforada de fumaça, fazendo todos desaparecer. Black-out final.) ESTA HISTÓRIA NÃO TERMINA AQUI Abril, Maio, Junho/2000 OBSERVAÇÃO: Perdidos na Serra é a continuação desta história.