O que restou do Rio Comprido (parte 1/2)
Bairro nobre no passado e de influência inglesa, o Rio Comprido hoje é uma das
regiões mais degradadas do Rio. No início de agosto recebeu uma unidade da UPP
no Morro do Turano. Será que a situação vai melhorar?
AVENIDA Paulo de Frontin, segunda-feira, dia 30/08/10: a antiga avenida chique do Rio
Comprido hoje é uma das mais degradadas da cidade.
Era uma vez um bairro chique e bucólico, repleto de chácaras suntuosas e invejáveis
ajardinados. Endereço de famílias abastadas - assim como de ingleses recém-chegados à
Corte - o Rio Comprido era mais conhecido nas colunas sociais por seus bailes e saraus
promovidos pelo pessoal elegante dali. Isso lá para a 2ª metade do século XIX, de acordo
com o livro "O dia-a-dia no Rio de Janeiro, segundo os jornais: 1870-1889", de Delso
Renault. Botafogo, Santa Teresa, Catete e Rio Comprido figuravam como os bairros
aristocráticos e badalados da sociedade fluminense. A proximidade com a montanha e
com o Centro fazia do Rio Comprido um lugar privilegiado, com clubes, escolas e
hospitais tradicionais. Sem falar nos parques. Brasil Gerson, autor de "História das Ruas
do Rio", afirma, neste livro, que era na Rua Santa Alexandrina, no Rio Comprido, onde
morava o Marechal Floriano quando foi chamado a assumir a Presidência da República,
em 1891.
O TÚNEL Rebouças,
na vertente norte.
Foto: O Globo
Os anos se passaram, a urbanização foi se intensificando no Rio Comprido com a
canalização do rio de mesmo nome e com a abertura da Avenida Rio Comprido (atual
Paulo de Frontin), em 1919. Símbolo de progresso, a Paulo de Frontin era a avenida das
belas residências. O bairro, então nobre até meados do século XX, recebeu um presente
especial em 1967, no governo Negrão de Lima: a abertura do túnel-siamês Rebouças, em
3/10/67. O túnel, que conecta o bairro do Rio Comprido à Lagoa Rodrigo de Freitas,
passando pelo bairro do Cosme Velho, foi o segundo túnel construído na cidade - e de
grande porte. Para escoar o tráfego no lado norte do túnel, construíram também um
elevado - o Elevado Engenheiro Freyssinet - que percorre toda a extensão da Avenida
Paulo de Frontin. Construção tumultuada, não só pela demora em finalizá-lo, mas também
pelo motivo de parte da sua estrutura ter desabado em 1971, mais especificamente na
esquina com a Rua Haddock Lobo, deixando muita gente ferida além de 29 mortes.
HABITAÇÕES ANTIGAS e modernas: na pista sentido Praça da Bandeira da Av. Paulo de
Frontin, um palacete está em ruínas. Do outro lado da calçada, constrói-se um condomínio de
prédios que pretende revolucionar o mercado imobiliário do bairro.
Pronto. O Rio Comprido virou, apenas, um bairro de passagem entre as zonas Norte e
Sul. O bairro assistiu de camarote à aceleração do processo de favelização nas suas
encostas. Quem tinha grana foi saindo, as casas bonitas começaram a enfeiar-se pela
falta de manutenção, o rio da Paulo de Frontin virou um córrego de esgoto. A própria
Paulo de Frontin tornou-se escura, barulhenta e extremamente poluída. Pichações.
Degradação. Queda no preço dos imóveis. Trânsito caótico. A ascensão do tráfico nas
favelas. Tiroteios. Mortes. Aumento do índice de criminalidade. O Rio Comprido, dos anos
2000, nada se parece com o mesmo do passado. De classe média-alta e alta, hoje é um
bairro de classe média-baixa e baixa. Definitivamente, ele é um dos bairros mais
decadentes do Rio de Janeiro.
ACIMA, o panorama da Paulo de Frontin com a Rua Barão de Itapagipe: as
pichações dominam as fachadas dos edifícios. Observe, também, que as
antigas muretas da avenida permanecem, ainda que em estado de
calamidade.
Em 10/08/2010, o governo do Rio de Janeiro instalou a sua 12ª Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP) no morro do Turano, uma das principais favelas do bairro. A UPP é,
hoje, uma das novas esperanças do carioca de rever o Rio de Janeiro menos violento.
Com mais qualidade de vida. Em muitos bairros que já contam com a UPP, percebeu-se
uma certa elevação de auto-estima, não só dos que moram no asfalto, mas também
aqueles que moram nas favelas. Botafogo, Leme e Copacabana sorriem após a ocupação
da polícia. O bairro vizinho, a Tijuca, está sendo beneficiada também com o programa. E
sorri. Bairros da classe média, mais visados pelo Estado. A pergunta que me martela é:
terá o Rio Comprido fôlego suficiente para se reerguer como as outras áreas? Ou será
que ele está destinado à morte, como vem sendo?
O que restou do Rio Comprido (parte 2/2)
Continuação...
AS PRINCIPAIS vias
do Rio Comprido, por mapa.
Eu fui ao bairro na manhã da última segunda-feira, dia 30/08. Tentei registrar alguns
pontos especiais da região, embora o ato de portar uma câmera fotográfica pelas ruas do
Rio Comprido ainda seja um tanto quanto inseguro. Iniciei a caminhada pela Rua Batista
das Neves, perto da Haddock Lobo. Fui observando, principalmente, o legado nobre do
bairro, que são as casas. É preciso ajudar aos olhos, para que eles possam enxergar as
construções além das pichações e da sujeira das fachadas. Usar a imaginação é
fundamental nessas ocasiões. E eu usei bastante; consegui ver cada casa daquela limpa
e pintadinha, bem-tratada. Pela Rua Barão de Itapagipe, próximo à Aristides Lobo, tem
um edifício de tirar o fôlego. Antigo e charmoso, mas muito maltratado. Voltei caminhando
pela Paulo de Frontin, ao lado de "buracos" que viraram espaço para ferro-velhos. Me
atrevi a passar a mão por uma das pilastras do Elevado e o resultado foi um dedo cinza.
O rio cheira muito mal e não há proteção alguma entre ele e o pedestre. Qualquer um
pode cair em falso ali, se não forem os carros, que estacionam todos na calçada que beira
o rio Comprido.
MORAR NO Rio Comprido: o bairro conta com uma variedade de tipos residenciais - na grande
maioria antigos. Na primeira foto, em sequência, o edifício Cavaliere - bonito, mas pichado - fica
na Rua Sampaio Viana, ao lado de uma vila, com entrada em forma de portal. O edifício Irene, na
Japeri, representa bem o quão charmoso foi o bairro e o grau de decadência atual. Já na última
foto, o edifício Alameda das Acácias, na Rua do Bispo, é uma das poucas construções modernas
voltadas para a família de classe média.
A RUA SAMPAIO Viana,
com o Morro do Turano
ao fundo.
Entrei numa bifurcação à direita, que dá acesso à Rua Sampaio Viana. Mais imóveis de
arquitetura considerável, embora tudo muito destruído. O edifício Cavaliere, de janelas
verde-água, tão bonito e totalmente atacado por vândalos. Ao andar por ali, ocorreu-me a
idéia de pesquisar sobre o preço dos imóveis no Rio Comprido. Algo mais sintetizado,
como a ADEMI sempre faz em relação à situação do mercado imobiliário dos bairros mais
populares. Não encontrei informação alguma. Visitei então o site de uma famosa
imobiliária do Rio e procurei por apartamentos à venda na região, de 2 quartos. Selecionei
os treze imóveis listados e fiz uma média simples dos valores. O resultado saiu em cerca
de R$ 176.153 para um imóvel nestas condições. Fiz o mesmo com outros treze imóveis,
de dois quartos, nas ruas bem próximas ao Rio Comprido, porém já pertecentes ao bairro
da Tijuca. A média sobe para R$ 336.538. É claro que essas comparações precisam ser
mais detalhadas, há fatores que influenciam e muito nos valores, mas a essência está aí.
Dois apartamentos iguais na Rua Barão de Itapagipe, por exemplo, que começa no Rio
Comprido e termina na Tijuca, podem ter valores totalmente diferentes dependendo do
trecho.
REFERÊNCIAS HISTÓRICAS: nas imediações das ruas Sampaio Viana e Barão de Sertório é
bem fácil de dar de cara com sobrados antigos, como os das fotos acima. Uns mais bem
preservados do que outros, esse tipo arquitetônico é de um valor histórico importantíssimo para
o Rio de Janeiro.
A UNIVERSIDADE Estácio
de Sá, na Rua do Bispo.
As ruas transversais à Sampaio Viana são uma grande surpresa. A Rua Japeri,
pequenininha, guarda resquícios de um Rio Comprido nobre e relativamente bem
preservado. A fachada das casas indica o quão modernista foi o bairro no passado. A
outra transversal, Barão de Sertório, traz sobrados simpáticos e coloridos, ao redor dos
espigões da Rua do Bispo - são prédios mais recentes, de classe média, constituído de
apartamentos com varandas. Uma das subidas para o Morro do Turano é pela Rua do
Bispo, quase em frente à Sampaio Viana. O cenário da favela deixa um certo impacto,
enquanto o formigueiro humano desce e sobe as ladeiras. Neste mesmo miolo, a
Universidade Estácio de Sá, que ficava à mercê dos tráfico no Turano. Foi ali aonde a
estudante Luciana Gonçalves de Novaes foi baleada, em 2003. Ela era aluna da
universidade. Outra instituição de ensino, o Colégio Sagres, ao lado do hospital Casa de
Portugal.
UM GRANDE ACHADO: a Rua Japeri resguarda o antigo charme do Rio Comprido pelo desenho
de suas casas e pela boa conservação em relação às outras ruas no entorno.
A BELEZA da Igreja
de São Pedro.
As ruas do Citiso e Paula Frassinetti são aparentemente simpáticas e cenário de um luxo
que ficou no passado. Entretanto, andar por ali requer um certo cuidado. Virando à direita
na esquina da Rua do Bispo com a Paulo de Frontin, é possível encontrar a Igreja de São
Pedro, um monumento intocável instalado em um dos bairros mais interferidos do Rio. Se
você seguir o fluxo da Rua do Bispo, ela passa a se chamar Rua da Estrela e abriga a
Praça Condessa Paulo de Frontin. Suja, infelizmente, mas com um chafariz lindo, que
merece e é preservado, apesar de tudo. A praça é o centro comercial do bairro:
supermercados, camelôs, hospitais públicos, farmácias, pastelarias. Mais adiante fica a
Rua Itapiru, que liga o bairro ao Cemitério do Catumbi. Tudo muito confuso e pouco
agradável de se caminhar. A sensação de insegurança é constante para quem é de fora.
À ESQUERDA, o cruzamento da Rua do Bispo com a Avenida Paulo de Frontin. Observe como o
Elevado deixa sombria a avenida. Em seguida, a Praça Condessa Paulo de Frontin, com seu
chafariz.
Terminei o meu passeio um pouco desolado. Acostumado a visualizar o bairro através da
janela dos ônibus, tê-lo conhecido melhor a pé foi uma experiência bem diferente. Alguma
ou outra surpresa, mas no fundo bate uma certa tristeza. Independente de ter sido bairro
nobre ou não - isso é apenas um título comparativo -, o estado em que se encontra o Rio
Comprido é lamentável. Estamos numa fase onde dezenas de novas obras viárias estão
sendo implementadas como forma de acompanhar, mesmo que tardiamente, o
crescimento urbano. Penso que é bom que tomemos cuidado ao levantar novos viadutos,
elevados e pontes; não podemos correr o risco de criar outros "Rios Compridos" pela
cidade. É bom que a Prefeitura e a Secretaria de Urbanismo aprenda com os erros do
passado e que, claro, proponha melhorias para o Rio Comprido. Intervenções pouco
relevantes não funcionam - elas têm prazo (curto) de validade. Há de ser algo mais
efetivo, radical, algo no estilo Pereira Passos: bota-abaixo!
TERMINO O ESPECIAL com essa foto que eu achei no Skyscraper City da
Avenida Paulo de Frontin nos anos 20. Muita coisa mudou, não é mesmo? Um
abraço!
Avenida Paulo de Frontin remodelada
Por esses dias andei futucando o meu Photoshop, procurando por ferramentas, vendo o
que cada botãozinho fazia. O basicão eu sei, só que a coisa mais profissional ainda está
longe de se aproximar de mim. Mesmo assim, dei uma arriscada e com alguns palpites do
meu irmão arquiteto fui promovendo melhorias - fictícias - para aAvenida Paulo de
Frontin através de uma foto tirada por mim. Vejam o resultado da minha fértil
imaginação... :-)
COM A REPINTURA das pilastras do Elevado Engenheiro Freyssinet, a Paulo
de Frontin ficaria menos sombria e livre de pichações. Os vasos de plantas
deixaria o local mais agradável para se caminhar e com um aspecto mais
bonito, também.
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Utópico? Acho que é mais falta de boa vontade do Estado, mesmo...