3. CLARICE LISPECTOR
uma escrita intimista
o psicologismo em Clarice Lispector
Clarice dá continuidade ao romance neorrealista da Segunda Geração
suas personagens são quase sempre oriundas do universo urbano e tem vida interior densa
Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não
se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a
aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a
presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-
os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu
joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos era o único a ser
a carne de seu coração. Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada, cadê
Rodrigo? [...] Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos fracos, sem austeridade? O
rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas.
Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família.
Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão.
discurso indireto livre monólogo interior fluxo de consciência
4. CLARICE LISPECTOR
uma escrita intimista
o artesanato da linguagem
rompe a estrutura dos gêneros narrativos
subversão da linearidade e da cronologia
fusão da poesia à prosa [linguagem figurada]
5. CLARICE LISPECTOR
uma escrita intimista
o fluxo de consciência
quebra de limites espaço-temporais
funde: realidade/desejo, presente/passado
a narrativa advém como se fosse captada por uma câmera instalada
no cérebro da personagem; pensamento solto
intersecciona vários planos narrativos sem preocupação com a lógica
6. CLARICE LISPECTOR
uma escrita intimista
a epifania
a personagem é disposta numa situação cotidiana
prepara-se para um evento que é pressentido discretamente
ocorre o evento que lhe ilumina a vida
desfecho: constatação de que o evento modifica a personagem
veja, no slide a seguir, como um episódio banal – ver um cego mascando chicletes –
é capaz de alterar a percepção que a personagem tem do real.
7. O bonde se arrastava, em seguida estacava. Até Humaitá tinha tempo de descansar. Foi
então que olhou para o homem parado no ponto.
A diferença entre ele e os outros é que ele estava realmente parado. De pé, suas mãos se
mantinham avançadas. Era um cego. [...] Então ela viu: o cego mascava chicles...
[...] Inclinada, olhava o cego profundamente, como se olha o que não nos vê. Ele mascava
goma na escuridão. Sem sofrimento, com os olhos abertos. O movimento da mastigação
fazia-o parecer sorrir e de repente deixar de sorrir, sorrir e deixar de sorrir — como se ele a
tivesse insultado, Ana olhava-o. E quem a visse teria a impressão de uma mulher com ódio.
Mas continuava a olhá-lo, cada vez mais inclinada — o bonde deu uma arrancada súbita
jogando-a desprevenida para trás, o pesado saco de tricô despencou-se do colo, ruiu no
chão — Ana deu um grito, o condutor deu ordem de parada antes de saber do que se
tratava — o bonde estacou, os passageiros olharam assustados. [...]
O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora
as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganho uma força
e vozes mais altas. Na Rua Voluntários da Pátria parecia prestes a rebentar uma revolução, as
grades dos esgotos estavam secas, o ar empoeirado. Um cego mascando chicles mergulhara
o mundo em escura sofreguidão. Em cada pessoa forte havia a ausência de piedade pelo
cego e as pessoas assustavam-na com o vigor que possuíam. Junto dela havia uma senhora
de azul, com um rosto. Desviou o olhar, depressa. Na calçada, uma mulher deu um
empurrão no filho! Dois namorados entrelaçavam os dedos sorrindo… E o cego? Ana caíra
numa bondade extremamente dolorosa.
8. LAÇOS DE FAMÍLIA
e a história da literatura brasileira
1970
Terceira Geração do Modernismo Brasileiro
processo de aprisionamento dos indivíduos através dos laços de família
abordagens
cotidiano encarcerador visão desencantada intenso psicologismo
descrença laços familiares frágeis conveniência
interesse classe média carioca apelo intimista
9. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Devaneio e embriaguez de uma rapariga”
Noite de sábado, Maria Quitéria [portuguesa, casada, moradora do RJ] e o marido vão, a convite de um próspero
negociante, a um restaurante na Praça Tiradentes. Durante o jantar a protagonista fica a observar o marido e a
compará-lo ao anfitrião. Sob os efeitos do álcool, Maria Quitéria começa a sentir a alma perdida e acha mesmo
bom perdê-la. Isso lhe proporciona a prazerosa experiência da união entre coisas diversas:
e, se lhe eram brilhantes e duros os olhos, se seus gestos eram etapas difíceis de conseguir enfim atingir o
paliteiro, em verdade por dentro estava-se até muito bem, era-se aquela nuvem plena a se transladar sem
esforço.
O estado de embriaguez da portuguesa aflora-lhe a sensibilidade [epifania] e a faz perceber que ela tem uma
queda para a arte e para as coisas mais subjetivas q são deixadas de lado, em virtude os afazeres domésticos:
mas que sensibilidade! quando olhava o quadro tão bem pintado do restaurante ficava com sensibilidade
artística. Ninguém lhe tiraria cá das ideias que nascera mesmo para outras coisas. Ela sempre fora pelas
obras d’arte.
O álcool faz emergir na personagem desejos e anseios normalmente interditos pela rotina dos afazeres de casa.
No entanto, Quitéria crê q a realização desses desejos pode desestabilizar o lar, seu mundo seguro. Por isso,
10. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Devaneio e embriaguez de uma rapariga”
deve sair do seu estado de delírio, deixar de lado seus devaneios e voltar à vida normal, cuidar de sua casa
cujo chão não está lá muito limpo. No desfecho, percebe-se que o que for a experimentado por Quitéria
permanecerá como algo agradável, mas ao mesmo tempo condenável:
A luz. Que bem que se via. a lua alta e amarela a deslizar pelo céu, a coitadita. A deslizar, a deslizar...
Alta, alta. A lua. Então a grosseria explodiu-lhe em súbito amor; cadela, disse a rir.
OBSERVAÇÕES
Cabe ressaltar que, embora a apropriação da sintaxe, do jeito de falar e de termos lusos, além
de certa dose de humor possam diferenciar formalmente esse conto dos demais de Laços de
família, nele permanece o que fortemente caracteriza as narrativas de Clarice Lispector: a luta
interior do ser humano para racionalizar a existência, o intimismo introspectivo.
11. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Amor”
Ana, a protagonista, é casada, dona-de-casa, que, embora demonstre uma felicidade aparente, encontra-se
aprisionada e sufocada por dentro. Depois de realizar os afazeres domésticos na parte da manhã, sente que as
horas da tarde criam-lhe certo estado de apreensão e perigo, pois ao cessar o trabalho rotineiro e repetitivo,
sem nada para a fazer, com o filho e o marido ausentes, tende a refletir sobre o sentido de sua vida.
Ana, tal qual Maria Quitéria no conto anterior, é uma personagem que tem pensamentos pré-concebidos, sem
consciência crítica de sua validade: No fundo, Ana sempre tivera uma necessidade de sentir a raiz firme das
coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Tudo em seu mundo se transforma em uma alegria de um mundo
tradicional, pequeno-burguês, em que a vida, sem o casamento, tornar-se-ia sem sentido.
Sua juventude anterior parecia-lhe estranha como uma doença de vida. Dela havia aos poucos emergido para
descobrir que também, sem a felicidade se vivia: abolindo-a, encontrara uma legião de pessoas, antes
invisíveis, que viviam como quem trabalha com persistência, continuidade, alegria.
Um episódio banal, no entanto, virá abalar o mundo de Ana, ameaçando desmoronar todas as coisas que
construíra. Numa tarde, voltando das compras, Ana viu, de dentro do bonde, um cego mascando chicletes:
12. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Amor”
Tudo feito de modo que um dia seguisse ao outro. E um cego mascando goma despedaçava tudo isso. E
através da piedade aparecia a Ana uma vida cheia de náusea doce, até a boca.
A sensação angustiante de náusea provoca em Ana uma revelação – a pretensa seriedade de seu mundo
burguês torna-se abalada pela simples visão de um cego mascando chicles, o que a leva a romper, pelo menos
por alguns instantes, com seu metódico cotidiano. Saltando do bonde em ponto diverso do que deveria, acaba
chegando ao Jardim Botânico, onde passa por uma profunda experiência em contato com a natureza, e mergulha
no mais profundo do bem e do mal. A natureza é vista pela personagem como dotada de sinais perturbadores,
capazes de levá-la, pela distorção dos sentidos, a uma situação de irrealidade:
Era quase noite agora e tudo parecia cheio, pesado, um esquilo voou na sombra. Sob os pés a terra estava
fofa, Ana aspirava-a com delícia. Era fascinante, e ela sentia nojo. Mas, quando se lembrou das crianças,
diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor.
Os conceitos de valore que alicerçam o mundo de Ana alertam-na sobre a ameaça que paira sobre o seu ser
social, no caso, as obrigações de mãe e de esposa. Sobressaltada, agarra as compras, e corre até a saída do
13. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Amor”
Jardim Botânico, batendo nos portões que estavam fechados, com o vigia aparecendo. Vai, então, para casa.
Lá, reencontra a rotina, a aparente tranquilidade. O conflito se apaziguara, voltando à letência donde emergira.
OBSERVAÇÕES
Como observa Nádia Gotlib, talvez seja esse o conto em que mais intensamente se dê a
experiência do mergulho da mulher na sua intimidade criativa, que se faz progressivamente,
quando o equilíbrio da vida domesticada se rompe, cedendo a uma desordem que cresce, enquanto a ordem
diminui.
14. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Uma galinha”
Depois de muitas peripécias para se capturar uma galinha que seria o almoço de domingo, os membros da
família, já com a presa acuada na cozinha, ficam constrangidos em matá-la, ao ver que ela botou um ovo.
O clima de comoção e piedade que toma conta do ambiente faz com que todos desistam de transformar a ave
num prato saboroso. Também esse conto, como o primeiro, evidencia certa dose de humor pelo ato insólito de
capturar uma galinha e não lhe tirar a vida em virtude de seu estado interessante. Trava-se, nessa narrativa,
a ação solitária da luta pela sobrevivência:
Nem ela própria [a galinha] contava consigo, como o galo crê em sua crista. sua única vantagem é que havia
tantas galinhas morrendo que uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.
Dessa luta, fica a representação da vida. A galinha ganha uma dimensão humanizada, salvando-se pela
perpetuação da espécie.
15. LAÇOS DE FAMÍLIA
“A imitação da rosa”
A temática da insatisfação feminina é a tônica desse conto. Laura, a protagonista, acabou de sair de um
sanatório e se vê como um simples animalzinho doméstico:
E ela mesma, enfim, voltando à insignificância com reconhecimento. Como um gato que passou a noite fora e,
como se nada tivesse acontecido, encontrasse sem uma palavra um pires de leite esperando.
Tal qual em “Devaneios e embriaguez de uma rapariga”, a sensibilidade artística da personagem, por meio da
fantasia e do imaginário, numa tentativa de preencher uma lacuna, suprir uma falta existencial. Em “A imitação
da rosa”, perdida a perfeição da vida, a personagem tenta recuperá-la pela ‘imitação’ ou pela arte. As duas faces
do real – a da perfeição e a da falta – aparecem figuradas em dois estados: o da doença e o da sanidade.
Isso porque a protagonista fica dividida entre obedecer às ordens do médico e o desejo de se abandonar,
vivendo naturalmente. Desse modo, a loucura passa a ser a extravagância, enquanto o universo da normalidade
é o da metódica vida familiar, em que ser gente é sentir-se cansada, em diariamente falir; só os iniciados
compreenderiam essa nuance de vício e esse refinamento de vida. Nesse caso o ‘ser’ sob a forma de mulher
16. LAÇOS DE FAMÍLIA
“A imitação da rosa”
levaria Laura à experiência da falta – falta de filhos e de rosas. Os dois retratos – o dela e o de Armando
respectivamente no início e no final do conto traduzem o vazio configurado tb como uma mútua distância.
OBSERVAÇÕES
Para Nádia Gotlib, esse conto trata da história da reação da mulher diante da beleza, da mulher que
tem um gosto antigo, o gosto do detalhe, e o gosto da repetição, que levava as colegas de escola a lhe dizerem:
‘Você já contou isso mil vezes!’. Para essa mulher, a beleza extrema ‘incomodava’. Por isso decide, depois de
muita hesitação, dar as rosas, belas, à amiga. Assim, ao se desfazer das rosas, dando-as à amiga, Laura
irá refazê-las pela suplência do fazer artístico. Desse modo, a personagem, também ela, ‘desabrocha e
serena’, assina a sua condenação, na ‘altivez de uma solidão quase perfeita’.
17. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Feliz aniversário”
Esse conto, marcado por intensa ironia e sarcasmo, retrata a identidade social através da família, tendo como
centro a figura cética de uma avó q está prestes a completar 89 anos. No dia de seu aniversário, chegam os
filhos, netos, genros e noras. A velha, então, é posta à mesa por Zilda, a filha mais velha, que cuida da velha,
à espera do “parabéns”. Nesse dia, para adiantar o expediente, vestira a aniversariante depois do almoço.
A festa reúne os parentes afastados, não só pelo dado social, mas, principalmente, pelo dado afetivo. Na hora
da festa, o bolo assemelha-se a um caixão e cada talhada é, ao mesmo tempo, um golpe assassino e uma
cerimônia de enterro. Solitária, no seu desprezo, no seu rancor, na sua revolta e no seu ódio por aqueles azedos
e infelizes frutos não terem capacidade sequer para expressar uma boa alegria, a velha cospe no chão.
OBSERVAÇÕES
O conto, enfim, critica a hipocrisia e o cinismo como formas de manter as aparências nas
reuniões familiares do mundo pequeno-burguês, a fragilidade e precariedade de seus
ocultamentos e mascaramentos.
18. LAÇOS DE FAMÍLIA
“A menor mulher do mundo”
Um explorador francês descobre na África a menor mulher do mundo – de apenas 0,45 cm – e a batiza com o
nome de Pequena Flor. Ela está grávida. Ela e sua tribo [likoulas] estavam correndo o perigo da extinção, pois
os bantus os caçava com redes e os comia.
Lendo sobre o caso nos jornais, as pessoas reagem de maneiras distintas, umas sentem
piedade, outras aflição, carência e até mesmo medo. Pequena Flor, que poderia ser alvo de
variados interesses inescrupulosos, está grávida e ri, o que faz eliminar sua condição de ser
selvagem e exótico a ser posto numa jaula ou levado para estudos em laboratório. Pequena
Flor sobrevive pela excelência humana do riso.
19. LAÇOS DE FAMÍLIA
“O jantar”
Primeiro conto a apresentar foco narrativo centrado em uma figura masculina. O protagonista constrói sua
narrativa a partir das observações que faz de outro homem jantando:
Na realidade, não é uma simples janta, mas um espetáculo do vigor primitivo diante do mais
primordial ato da existência: alimentar-se. A metáfora para isso está na mão pesada e
cabeluda do faminto manipulando os diferentes manjares. Num restaurante, um homem
observa atentamente um velho a comer. Ambos não se conheciam. A brusquidão e a dureza
do velho chamaram a atenção do homem, que lhe vigiava cada gesto. Até que o homem,
extasiado, e sentindo certa náusea, percebeu no velho uma lágrima. Então, não tocou mais
no prato, enquanto o velho terminou a sua refeição, comeu a sobremesa, pagou a conta,
deixou uma gorjeta para o garçom e atravessou o salão, luminoso, desaparecendo.
OBSERVAÇÕES
A narrativa de “O jantar” concentra-se no relato da cena de um homem comendo numa
mesa de restaurante. O narrador, à medida que vai descrevendo os gestos do homem que
está jantando, constrói o seu relato que, de certa forma, dá a esse conto uma feição
metalinguística.
20. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Preciosidade”
Esse conto tematiza a descoberta da identidade, da feminilidade por uma adolescente de 15 anos que vivia
resguardada na sua preciosidade, se a olhavam ficava rígida e dolorosa. Na sala de aula:
Às vezes o professor falava, ela, intensa, nebulosa, fazia riscos simétricos no caderno. Se um risco, que tinha
que ser ao mesmo tempo forte e delicado, saía fora do círculo do imaginário em que deveria caber, tudo
desabaria: ela se concentrava ausente, guiada pela avidez do ideal.
Se se desprendia, às vezes, em vez de riscos, desenhava estrelas, estrelas, estrelas, estrelas, tantas e tão
altas que desse trabalho anunciador saía exausta, erguendo uma cabeça mal acordada.
Um dia, ao sair para a escola, mais cedo do que o de costume, dois vultos a tocam. O episódio a faz ficar muda
e sem noção de tempo. Ao chegar à escola, vai até o banheiro, olha-se no espelho e, sentindo-se feia, pensa em
cuidar mais de si. Já em casa pede que lhe comprem sapatos novos, pq seus sapatos faziam muito barulho e
sapatos de uma moça não podiam fazer tanto barulho e chamavam muito a atenção.
A narrativa trata do rito de passagem da adolescência para a fase adulta e a consequente construção de uma
nova identidade feminina.
21. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Os laços de família”
O conto retrata as relações mãe-filha e mãe-filho. Casada, tendo um filho único, Catarina é visitada pela mãe,
Severina. Na despedida, a filha, indo levar a mãe até a estação, parece perceber a falta de alguma coisa. Na
verdade, a falta ou o esquecimento não se relaciona a sapatos, roupas, ou a qualquer outro pertence deixado
para trás na arrumação das malas, mas à afetividade que parece ter sido esquecida entre elas. No táxi:
Catarina olhava a mãe, e a mãe olhava a filha, e também a Catarina acontecera um desastre? seus olhos
piscavam surpreendidos, ela ajeitava depressa as malas, a bolsa, procurando o mais rapidamente possível
remediar a catástrofe. Porque de fato sucedera alguma coisa, seria inútil esconder: Catarina fora lançada
contra Severina, numa intimidade de corpo há muito esquecida, vinda do tempo em que se tem pai e mãe.
Apesar de que nunca se haviam realmente abraçado ou beijado.
O constrangimento continua. Severina vai embora, mas permanece a sensação de que entre algumas coisas
precisavam ser ditas. De volta da estação, em casa, o filho a chama, sem nada pedir, como já era hábito. Esse
fato banal transforma Catarina, q se sente diferente, parecendo experimentar algo novo. Então, chama o filho
para passear, deixando o marido atônito, surpreso com aquela atitude inusitada. Nesse momento, Catarina
faz renascer e aflorar o amor materno, sufocado pela tranquila, metódica e rígida rotina burguesa.
22. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Começos de uma fortuna”
Artur, desde cedo, sempre se destacou em chamar a atenção dos outros. O narrador mostra como, criança
ainda, o protagonista, lutava por atenção e se desolava quando não a obtinha tanto quanto cria necessitar.
Mais tarde, sua principal preocupação é como ganhar dinheiro. Numa ida ao cinema com Glorinha e Carlinhos,
a preocupação de Arthur é saber se está ou não sendo explorado. Enquanto Carlinhos se preocupa em como
conquista uma garota, Artur se preocupa em como ganhar dinheiro. Apesar de sua índole capitalista, Artur
acaba pedindo dinheiro a Carlinhos para levar Glorinha ao cinema.
Assim como “Preciosidade”, “Começos de uma fortuna” tematiza a passagem da
adolescência para o mundo adulto. Comenta Nádia Gotlib que, nesse conto, a psicologia do
adolescente que precisa de dinheiro é explorada na sua inquietação, ansiedade, timidez, falta de jeito, como se
fosse mesmo uma personalidade tomando forma, nas relações com o amigo, a namorada e os pais. O conto,
embora seja linear, isto é, apresente uma sequência ordenada dos acontecimentos, não traz
um clímax, terminando com a explicação do pai ao filho do que vem a ser uma promissória.
23. LAÇOS DE FAMÍLIA
“Mistério em São Cristóvão”
Os membros de uma família, numa noite de maio, após jantarem e conversarem, recolhem-se para dormir. Já
noite alta, três mascarados tentam roubar um jacinto no jardim da casa. Porém, mal um deles quebra a haste
do jacinto, sente-se gelado, e os outros dois param num suspiro que os mergulhou em sono, pois atrás do vidro
escuro da janela estava um rosto branco olhando-os. No susto mútuo, os três fogem e a moça grita,
sendo acudida pela família.
OBSERVAÇÕES
Observa-se, nesse conto, a fragilidade entre a realidade e a fantasia. Ironicamente, os
mascarados tomem contato com outro tipo de fantasia ou visão fantástica que seria a
realidade da presença da moça na janela. A moça, por sua vez, ao observar o mundo lá fora,
real, tem uma impressão de fantasia, de sonho. A objetividade da cena se torna matéria
subjetiva, e essa subjetividade coloca-se de maneira necessária para se entender aquilo que é
real e palpável. Dessa forma, “Mistério em São Cristóvão” sugere que a maturidade também
se faz a partir de coisas pertencentes a um mundo de fantasia, de sonho, de imagens que
ficam retidas na retina da [in]consciência.
24. LAÇOS DE FAMÍLIA
“O crime do professor de matemática”
Esse conto gira em torno de um professor que se sente culpado por haver abandonado seu cão, chamado José,
em virtude de sua mudança de domicílio. Para expiar sua culpa, o professor enterra outro cão, desconhecido,
como se fosse o seu antigo animal abandonado, dando um suspiro fundo, e um sorriso inocente de libertação.
Sim, fizera tudo. Seu crime fora punido e ele estava livre, pensara. Entretanto, na tentativa de punir o crime
[abandono], a personagem acaba por incorrer em outro crime, pois enterrando outro cão, maculara a memória
do primeiro cão. Então, abaixou-se, solene, calmo, com movimentos simples – desenterrou o cão, numa
tentativa de se redimir.
OBSERVAÇÕES
Analisa Gotlib que a violência mostra não só o crime [o abandono do cão], recuperado ritualisticamente
pelo ato da imitação [o enterro de ‘outro’ cão], mas a tentativa de redenção. Desenterrando o corpo do
animal para, noutro ritual, consumar, definitivamente, o ato, quando o cadáver aparece ‘infamiliar’, com os
olhos abertos e cristalizados. Depois do rito, o professor pode descer pela colina e ir ao encontro de sua
família.
25. LAÇOS DE FAMÍLIA
“O búfalo”
A temática de “O búfalo” é o amor não correspondido. A protagonista, depois de levar um fora, vai ao zoológico
e fica contemplando os animais e divagando. Depois de sentir vontade de assassinar alguns dos animais, ela
vê seu ódio refletido [branco] nos olhos de um animal – um búfalo [símbolo da potência e da masculinidade].
Ao contemplar os olhos do búfalo, pensa no ódio e no amor que sente pelo homem que a rejeitou.
A personagem mergulha na sua identidade de fêmea desprezada, bestializando-se na figura
de mulher. Essa bestialização torna-se acentuada pela própria indumentária da personagem:
vestida com um casaco marrom, ela parece estar na pele de um animal. Como analisa
Benedito Nunes, a tensão conflitiva, mediada pela fera, resolve-se na autodestruição da personagem, que
rompe com a realidade.
Inocente, curiosa, entrando cada vez mais fundo dentro daqueles olhos que sem pressa a fitavam [do búfalo]
ingênua, num suspiro de sono, sem querer nem poder fugir, presa ao mútuo assassinato. Presa como se sua
mão se tivesse grudado para sempre ao punhal que ela mesma cravara. Presa, enquanto escorregava
enfeitiçada ao longo das grades. Em tão lenta vertigem que antes do corpo baquear macio a mulher viu o céu
inteiro e o búfalo.
No trecho citado acima, temos o clímax da história – no olhar do búfalo, ela vê espelhado o ódio que sente.
26. LAÇOS DE FAMÍLIA
“O búfalo”
Essa identificação entre homem e animal, como salienta o ensaísta Affonso Romano
Sant’Anna, apresenta-se com certa frequência nas narrativas de Clarice, como variante do
dualismo eu-outro. Além desse conto, essa identificação está presente em “Uma galinha”,
em que toda a família se movimenta em torno da ave que iria ser sacrificada; em “O crime
do professor de matemática”, em que o professor enterra a imagem do seu cão; ou mesmo
em “Amor”, em que a protagonista entende que aniquilar certos animais, como formigas,
aranhas e besouros, significa eliminar o perigo, aquilo que ameaça a tranquilidade de seu lar.
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