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Assembleia Nacional do CNLB – 07-10/06/2012
Tema: Concílio Vaticano II: Sinais dos Tempos e o
Agir Cristão

Objetivos: buscar o que nos reencanta como leigos e
leigas a partir do Vaticano II; como as novas diretrizes da
CNBB nos animam na caminhada.


Assessoria: Eva Aparecida Rezende de Moraes –
evarem2010@gmail.com
                           (21) 9881-4102

              PARTE I: O CONCÍLIO VATICANO II

    1. Introdução

Este ano – 2012 – foi proclamado pelo nosso Papa Bento
XVI como o “Ano da Fé”, devido aos 50 anos do início do
Concílio Vaticano II. Em 28 de outubro de 2008, pela
Rádio Vaticano, a voz de nosso Papa Bento XVI já se
fazia ouvir, saudando o Concílio Vaticano II que, segundo
ele, foi um “extraordinário evento eclesial”, “nascido do
coração de Deus”, por meio de uma intuição de João
XXIII, e que teve, em João Paulo II, “um intérprete
qualificado e uma testemunha coerente”1. Com essas
palavras, Bento XVI saudou, na época, os participantes do
Congresso Internacional, intitulado "Cristo-Igreja-
Homem. O Vaticano II no pontificado de João Paulo II",
organizado pela Pontifícia Faculdade Teológica "São
Boaventura", de Roma.

1 Cf. http://www.catedralsaojose.org.br/catedral2011/noticias/6446-bento-xvi:-diretrizes-do-vaticano-ii-
permanecem-atuais-para-a-igreja-e-o-homem-de-hoje.html .
A afirmação segundo a qual o Vaticano II “nasceu do
coração de Deus” dá a noção exata da importância que
Bento XVI atribui a esse histórico encontro eclesial que,
50 anos atrás, foi a locomotiva do profundo processo de
renovação da Igreja contemporânea. Esse processo ainda
não se encerrou e se mostra inesgotável, pois continua
apresentando “chaves de leitura atuais”, tanto para as
instâncias eclesiais quanto para a sociedade de hoje.

O Papa Bento XVI acrescentou, em sua mensagem, que,
para o Papa Roncalli (João XXIII), o motivo fundamental
para a convocação do Vaticano II foi tornar possível ao
homem de hoje a salvação divina – perspectiva de fundo
sobre a qual os padres conciliares trabalharam. Para Bento
XVI, “os documentos conciliares não perderam a
atualidade, com o passar dos anos”, mas, ao contrário, se
revelam “particularmente pertinentes, em relação às
novas instâncias da Igreja e da sociedade globalizada
atual”; o papa ainda recorda que “todos nós somos
realmente devedores desse extraordinário evento
eclesial”. O papa Bento XVI terminou essa locução,
dizendo que “a multiplicidade de heranças doutrinais que
encontramos em suas constituições dogmáticas e em suas
declarações e decretos nos estimula, ainda hoje, a
aprofundar a Palavra do Senhor, para aplicá-la à
atualidade da Igreja, tendo presente as numerosas
exigências dos homens e das mulheres do mundo
contemporâneo, que têm grande necessidade de conhecer
e experimentar a luz da esperança cristã”.

É bom sempre lembrar que Bento XVI – então teólogo
Joseph Ratzinger – foi um dos artesãos que teceram o
Concílio Vaticano II. É-nos difícil especificar quando
começou este Concílio. Sabemos com detalhes sua
abertura e sua realização, mas quando ele foi gestado2?
Estudando os Concílios, percebemos que eles “brotam” da
história, das questões da vida e, geralmente, das
controvérsias. O Vaticano II nasceu de uma série de
fatores, como veremos logo a seguir, e foi tecido por
muitas mãos! São alguns dos seus “protagonistas”: de
Bea, Ottaviani, Ruffini, Frings, Léger, Suenens, Lercaro,
Liénart, Máximos IV, Montini, Larraín, Malula. Alguns de
seus peritos foram: Tromp, Schillebeeckx, Congar,
Ratzinger, Rahner, Daniélou. Quanto aos organizadores,
podemos destacar: o jesuíta Gréco (artífice da unidade do
episcopado africano) e Prignon... Mas o Concílio teve
muitos “artesãos” anônimos: ele foi gestado pelo
amadurecimento eclesiológico de muitas e brilhantes
pessoas, envolvidas com o destino da Igreja! Uma das
funções dos seus protagonistas foi serem a voz destas
pessoas.

No dia 20 de outubro, o Vaticano II aprovou e enviou uma
mensagem ao mundo, primeiro fruto de debate do
Concílio: “Voltamos sem cessar nossa atenção para todas
as angústias que hoje afligem os homens; nossa
preocupação, por isso, volta-se para os humildes, os mais
pobres e mais fracos; a exemplo de Cristo, sentimos dó da
multidão que sofre fome, miséria e ignorância; sem
cessar, voltados para aqueles que, desprovidos das ajudas
necessárias, ainda não chegaram a um modo digno de
vida. Por esses motivos, ao desenvolver nossos trabalhos,
teremos em grande consideração tudo o que diz respeito à

2 Cf. CONGAR, Y. M-J.; DUPUY, B. D. L’Épiscopat et l’Église Universelle. Paris. 1964.
Principalmente Capítulo IV. P. 441-478.
dignidade do homem e contribui para a verdadeira
fraternidade dos povos”3.

Não se sabia ao certo sobre o que seria o Concílio
Vaticano II; muitos o sentiam como um risco e um
possível desdobramento de pressões centrífugas; muitos
estavam temerosos de que se tornasse um Concílio
meramente cerimonial. Havia, portanto, grande
expectativa, muito despreparo e pouca experiência, além
do costume que os bispos tinham de, geralmente, delegar
as causas maiores a Roma – nem os próprios núncios ou
delegados com os quais o episcopado estava em contato
tinham ideia clara do que seria o Vaticano II... Os bispos
não tinham a experiência das Assembleias parlamentares
da democracia ocidental e, além disso, no Concílio
Vaticano I, as Congregações romanas submeteram o
resultado dos votos dos membros à decisão do papa...
Mas, para o papa João XXIII, o Concílio Vaticano II era o
caminho para renovar a missão da Igreja, frente aos
problemas do mundo e dos pobres e frente aos anelos de
paz do mundo.

Era necessário que a Igreja quisesse ser uma Igreja-para-o-
mundo, na segunda metade do século XX: ao reconhecer a
autonomia do temporal, afirmando um novo tipo de bispo
e de papa, a Igreja queria ser a consciência evangélica do
mundo e lhe oferecer seus serviços para ajudar a resolver
seus problemas. Se a Igreja deve exercer, no mundo, sua
função profética, lhe é preciso uma colaboração, desde a
base – um magistério e uma teologia assim querem a

3 AS I/1. P. 230-232. Apud ALBERIGO, G. (direção); BEOZZO, J. O. (coordenador da edição
brasileira). História do Concílio Vaticano II. Volume 2 (A formação da consciência conciliar – o primeiro
período e a primeira intercessão – outubro de 1962 a setembro de 1963). Petrópolis. Editora Vozes. 2000.
P. 62.
cooperação de todo o povo de Deus; por isto, é lamentável
o Decreto Ad Gentes (AG) nº 5, que coloca a missão da
Igreja, primeiramente, sobre o corpo ou colégio dos
bispos, presidido pelo sucessor de Pedro e, em segundo
lugar, sobre toda a Igreja, ferindo a lógica profunda da
eclesiologia da Constituição Dogmática Lumen Gentium
(LG), que fala, primeiramente, do povo de Deus, e, depois,
de cada tipo de membro!

Por época do falecimento de João XXIII, a Igreja recebeu
o novo papa: Paulo VI. Este participara tanto da
preparação como do primeiro período conciliar. O novo
papa possuía caráter e formação, longa experiência de
serviço na Cúria Romana e uma viva preocupação de
garantir o máximo consenso nas decisões que o Concílio
buscava produzir. Nos primeiros cem dias do sucessor, o
mundo ainda sentia uma profunda emoção pela morte de
João XXIII, uma sensação de terem ficado órfãos. Paulo
VI sentia este e outro peso: a continuidade do Concílio.
Entre o primeiro e o segundo períodos, suas intervenções
mais relevantes foram: a decisão de antepor, aos trabalhos
da Assembleia e de suas Comissões, um órgão colegiado
de direção (os “moderadores”), e a admissão de
“‘auditores’ leigos”.

Mas o novo papa enfrentava grandes expectativas: com
que sentimentos os bispos retornariam a Roma? Como se
portaria a continuação do Concílio, frente às mudanças no
grande cenário mundial da época? Disporia, o Concílio, de
um patrimônio de reflexão capaz de sustentar
adequadamente uma formação conciliar? Para onde
caminharia a Igreja?
Em épocas tranquilas, a Igreja sentiu-se segura e recorreu
a uma prova baseada no caráter ininterrupto e inalterável
de sua Tradição4; em épocas modernas, este argumento
perdeu sua força. Em momentos de transição, uma das
posições da Igreja pode ser a de refugiar-se em si mesma
ou voltar-se radicalmente às suas origens e assumir com
resolução sua tarefa frente ao mundo. A Igreja do Concílio
optou pela segunda postura. A consciência da Igreja
comoveu-se ao encontrar-se em um mundo radicalmente
transformado, que não era mais seu teto e seu solo: des-
tetada e des-solada, a Igreja perguntou-se de seu
firmamento e fundamento, o que é que a constitui e a
diferencia, porque está no mundo e qual sua esperança.
Ela re-descobriu o que é mutante através do permanente e
a Tradição através da reforma. Tradição não é sinônimo de
estagnação, mas abarca reforma, fidelidade e conversão,
que não estão em contradição dentro da história do
Espírito! Uma Igreja autêntica e genuína não se inquieta
somente devido à agitação social à sua volta, mas leva esta
inquietação em si mesma, por remeter-se ao Cristo e ao
Espírito.

Além das dimensões missionária e escatológica, outro
aspecto muito caro ao Vaticano II foi o horizonte
ecumênico, no qual a comunidade-Igreja perde seu caráter
particularista. O caminho do movimento ecumênico foi
claro: do anátema ao diálogo, do diálogo à cooperação na
práxis e, da cooperação ao concílio. O viver ecumênico de
modo conciliar não significou ausência de conflitos, mas
deixar-se aconselhar pelas outras igrejas.


4 Cf. MORAES, E. A R. Um líquido precioso em vaso de barro: a Trindade presente na Igreja. Tese de
Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 1999. P. 72s.
Assim, o Vaticano II se distingue muito mais pelo novo
espírito, que pelas novas explicitações da doutrina cristã5.
O que foi especificamente novo foram: a atitude pastoral,
ecumênica e missionária perante o mundo de hoje; o
espírito de abertura a novos valores; a disposição em
dialogar e até cooperar com os não católicos, os não
cristãos e os não crentes; o clima de compreensão dos
outros; a convicção de ser apenas o sinal, o instrumento ou
o sacramento (= mysterium) do Senhor glorificado; o
conhecimento de dever aparelhar-se para ser de fato o
sacramento universal de salvação; a sua afirmação sobre
os caminhos de salvação sobrenatural que só Deus
conhece; a sua maior confiança na presença e na ação do
Espírito Santo; o seu admirável cristocentrismo; a
redescoberta da liturgia como principal meio de
santificação; a ênfase com que busca uma vida cristã mais
personalista e ao mesmo tempo comunitária que se realiza
na caridade; o reconhecimento dos sinais dos tempos
como manifestação da vontade de Deus; a consequente
manifestação da vontade de Deus; a consequente
valorização do existencial e das situações concretas; no
seu novo conceito de unidade (que não é sinônimo de
uniformidade) e catolicidade (que admite e deseja o
pluralismo teológico, litúrgico, disciplinar e espiritual); a
sua surpreendente humildade em reconhecer os próprios
limites e sombras; o seu decidido propósito de renovar e
purificar a face da Igreja; a sua intenção de identificar-se
mais com Cristo e seu Evangelho; a sua maior
compreensão da força da Palavra de Deus; a sua
determinação para o serviço, sobretudo dos pobres e
humildes; o abandono do juridicismo e do extrinsecismo;
o seu comportamento menos triunfalista; o seu maior
5 Cf. Cf. MÖELLER, C. “O Fermento das Idéias na Elaboração da Constituição”. In: A Igreja do
Vaticano II. Editora Vozes. 1965. P. 16-17.
respeito à liberdade e aos direitos universais e inalienáveis
do humano e da consciência reta; o seu reconhecimento de
autonomias; a sua confiança no humano e em sua
dignidade e seu senso de responsabilidade; o seu otimismo
perante as realidades terrestres; a sua vontade de ajudar na
construção da cidade temporal e no desenvolvimento dos
povos; a sua disposição de desligar-se dos compromissos
humanos; a sua renúncia ao fixismo e legalismo; a sua
consciência de ser peregrina, essencialmente escatológica,
sempre em marcha, inacabada, dinâmica, viva, colocada
na história do presente, um mundo que passa, entre
criaturas que gemem e sofrem, até que Ele volte...

Por ser menos inibida e formalista, a Igreja do Vaticano II
se tornou, na verdade, mais rica e espontânea, mais
humana e cristã e, por ser menos legalista e juridicista (o
que, evidentemente, não impede a existência de leis
necessárias e estruturas), sobretudo por ser menos
minuciosamente determinada e organizada, ela pode ser
mais sinal e instrumento vivo do Espírito Santo6. As
excessivas determinação e organização correm sempre o
perigo de não deixar suficiente lugar ao Espírito Santo: o
homem, mesmo o cristão, até o Papa, pode extinguir o
Espírito – tudo irá bem, “contanto que os [hierarcas] se
deixem instruir pelo Espírito de Cristo que os vivifica e
guia” (PO 12c/1183). Para a Igreja cumprir sua missão,
ela necessita, a todo momento, perscrutar os sinais dos
tempos (GS 4a/205; 11a/232; 44b/340). [Apenas] Neste
sentido, a Igreja (suas verdades e suas práticas) é,
necessariamente, relativa e mutável – sem isto, ela não
estaria em condições de cumprir sua missão pastoral, que é
a mais importante. Houve, no Concílio, notável

6 Cf. ibidem. P. 18.
transposição de acentos – entretanto, mudança de acento
não significa nem implica alteração na doutrina: o acento é
acidental, mas é precisamente o acidente que dá o
colorido e o estilo.

    2. O Concílio Vaticano II

Não é possível entender o impacto e a novidade
avassaladora que foi o Concílio Vaticano II, se não nos
detivermos em seu pré-texto e con-texto. É o que
buscaremos mostrar nesse primeiro item de reflexão.




        2.1 – Pré-texto

O Concílio Vaticano II encerrou a longa etapa da Contra-
reforma e da neocristandade 7. Esse período se
caracterizou por um modelo de Igreja que prevaleceu
durante os séculos que se seguiram e que ficou conhecido
como “a Igreja da Contra-reforma” 8. Ele valorizava a
necessidade de se salvar a alma e evitar a condenação
eterna, sendo o principal caminho para tal objetivo a
prática sacramental. Além dos sacramentos, exigia-se, do
fiel, professar e obedecer a doutrina da fé e da moral
ensinada pelo magistério da Igreja. A identidade da Igreja
se moldava pelo modelo de São Roberto Bellarmino

7 Cf. LIBÂNIO, João Batista. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=102. Texto
publicado, inicialmente, pela Unisinos, em 2005.
8 O autor J. Delumeau nos ajuda a compreender essa figura de Igreja surgida depois da Reforma
Protestante: ele considera um mito a ideia de uma massa cristã essencialmente rural na Idade Média;
segundo ele, havia um grupo bem evangelizado de cristãos. O povo professava uma religiosidade voltada
para as realidades deste mundo, por meio das devoções, promessas e ritos, mas voltados para resolver os
problemas imediatos da vida cotidiana. Cf. DELUMEAU, J. Le catholicisme entre Luther et Voltaire.
Paris: Presses Universitaires de France. 1971. P. 5. Apud ibidem.
(1542-1621): o de uma Igreja como comunidade dos
homens reunidos mediante a profissão da verdadeira fé, a
comunhão dos mesmos sacramentos, sob o governo dos
legítimos pastores, e, principalmente, do único vigário de
Cristo sobre a terra, o Romano Pontífice. Não se exige
nenhuma virtude interior: basta professar exteriormente a
fé e participar visivelmente dos sacramentos... Enquanto a
Igreja Católica reforçava mais e mais essa visibilidade
sacramental, as Igrejas saídas da Reforma insistiam na fé
fiducial (sola fide), na graça imputada (sola gratia) e no
livre exame da Escritura (sola scriptura).

Ao defrontar-se com a modernidade, a Igreja Católica
acentuou ainda mais a visibilidade sacramental, a
ortodoxia das verdades de fé e da moral, e a obediência à
hierarquia em oposição à autonomia da razão científica e à
liberdade dos sujeitos, tão afirmadas pela cultura
moderna9. A teologia que embasava esse modelo
eclesiológico nutria a obsessão das definições essenciais
para exprimir a substância mesma das coisas, das
verdades, da fé, do dogma – chamada de teologia
dogmatista por Cl. Geffré. As respostas já vinham prontas
dos catecismos e manuais, que permaneceram intocados
durante séculos, visto que as modificações não afetavam
realmente o conteúdo. Subjazia, a essa teologia, uma
posição dualista da realidade humana: natureza/graça, ou,
natural/sobrenatural...

Este era o contexto eclesiástico principal que prevalecia na
Igreja. No Concílio Vaticano I, foram firmadas as
definições do Primado e da Infalibilidade do Magistério
Pontifício, concentrando mais e mais a compreensão de

9 Cf. LIBÂNIO, João Batista. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=102.
Igreja na pessoa do Papa. Muitos pensaram, por época do
anúncio do Concílio Vaticano II, que este seria
unicamente para reafirmar as verdades de Trento e do
Vaticano I e denunciar os erros surgidos na modernidade
mais recente. Fatores externos e internos da Igreja
provocaram o desmoronamento dessa concepção de Igreja,
abrindo o espaço para a novidade do Concílio Vaticano
II...

Assim, nas primeiras décadas do século XX, a Igreja se
apresentava como uma sociedade organizada, constituída
pelo exercício de poderes investidos no papa, nos bispos e
nos sacerdotes – a eclesiologia consistia, quase que
exclusivamente, em um tratado de direito público10. Yves
Congar criou, em 1930, a palavra “hierarquiologia” para
referir-se a esse modelo de Igreja; mas a Tradição católica
nos dava outra ideia de Igreja: uma Tradição mais antiga e
mais profunda que os esquemas jurídicos e puramente
hierarquiológicos que prevaleceram na polêmica
anticonciliarista, depois antiprotestante, na restauração da
época de Gregório XVI e de Pio IX, e nos manuais
apologéticos modernos... Portanto, esperava-se que o
aggiornamento proposto pelo Concílio Vaticano II
apresentasse um modo de ser, de falar e de se
comprometer que respondesse às exigências de um pleno
serviço evangélico do mundo.

        2.2 – Con-texto

Por volta do fim da guerra de 1939-1945 e no imediato
pós-guerra, a necessidade da reforma na Igreja tomou uma
magnitude e uma urgência novas: foi uma “explosão” de

10 Cf. CONGAR, Yves. Ministères et Communion Ecclésiale, ob. cit. P. 10-11.
reformismo 11. O movimento litúrgico, por exemplo, não
teria sido o que ele foi se não tivesse sido precedido pelo
esforço dos pesquisadores; o mesmo com o movimento
apostólico; a própria eclesiologia, que nada mais é do que
o prolongamento ou a aplicação da pastoral...

Em 1962-1963, eram exigências imperiosas para a Igreja:
superar a antropologia da Escolástica, reintegrar a
pneumatologia na concepção da Igreja, ir além da
problemática Igreja-Estado e promover a unidade dos
cristãos (sem uniformismos nem “retornos”)12. A ideia de
Corpo místico (a qual muitos Padres do Concílio Vaticano
I haviam preterido à ideia de sociedade) foi uma alegre
redescoberta: apareceram, nos anos de 1920-1925, mais
artigos sobre o Corpo místico do que nos vinte anos
precedentes! Assim, este recentramento sobre o Cristo e o
mistério cristão, alimentado pelo movimento litúrgico,
seduzia! Algo somente explicado pelo novo contexto, uma
reação ao estado anterior de coisas, quando o papa Pio X
escrevera: “Somente na hierarquia residem o direito e a
autoridade necessários para promover e dirigir todos os
membros para o fim da sociedade. Quanto à multidão, ela
não possui outro direito que aquele de se deixar conduzir
e, docilmente, seguir seus pastores”13. No entanto, no pós-
guerra dos anos 46-47, os leigos e as leigas não eram mais
vistos assim: a questão do estatuto e do papel dos leigos na
Igreja se impôs de uma maneira inteiramente nova14.


11 Cf. idem. Vraie et fausse reforme dans l’Église, ob. cit. P. 28; 9-12; 44-45.
12 Cf. ALBERIGO, G. (direção); BEOZZO, J. O. (coordenador da edição brasileira). História do
Concílio Vaticano II, ob. Cit.. P. 516-519.
13 Encíclica Vehementer Nos, de 11/2/1906. ASS 39 (1906). Apud CONGAR, Yves. Ministères et
Communion Ecclésiale. P. 12.
14 Cf. CONGAR, Yves. « Sacerdoce et laïcat dans l’Église ». In : Vie Intellectuelle 14 91946). P. 6-39 e
em Masses Ouvrières 18 (1946). P. 19-56. Idem. I »Pour une théologie du laïcat ». In : Études, janeiro
1948, p. 42-54, e fevereiro 1948, p. 194-218. Apud ibidem. P. 13.
Sinais preconizadores do Vaticano II foram,
principalmente: a ultrapassagem de uma eclesiologia
“hierarqueológica” e do juridicismo; o primado dado à
ontologia da graça; o batismo, em conexão com as
situações do Povo de Deus na sociedade e na Igreja; a
concepção apostólica do sacerdote; o lugar da Palavra e da
catequese; o reconhecimento dos carismas e dos
ministérios. Não se discutia o adaptar, mas reformular as
realidades cristãs, em resposta à contestação de um mundo
do qual o homem se sentia o centro15.

O Vaticano II foi movido pelos sinais do seu tempo... A
Europa terminou a Segunda Guerra em ruínas materiais e
espirituais, ainda sob o impacto dos inomináveis crimes
cometidos pelo nazifascismo; surge uma crise de valores,
de credibilidade, de verdade, de ética; início de um
processo de reerguimento econômico jamais visto,
principalmente com uma nova industrialização; triunfo da
economia de mercado; por outro lado, pressão dos
movimentos sociais e da Doutrina Social da Igreja; entre
outros sintomas16... Convívio nebuloso de duas realidades
paradoxais: de um lado, o abismo de miséria física e moral
e, do outro, uma euforia de natureza materialista, de
confiança no modelo econômico americano e na sua
cultura, marcada por um regime democrático de separação
Igreja/Estado. Aprofunda-se a descolonização na África e
na Ásia: o Terceiro Mundo ascendia, reinando um clima
libertário...

Os sinais assinalavam que a modernidade se impunha fora
do ambiente eclesiástico com força crescente: quatro
sinais dos tempos da cultura moderna foram decisivos para
15 Cf. idem. Introdução ao Mistério da Igreja. P. 44.
16 Cf. LIBÂNIO, João Batista. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=102.
modificar profundamente o contexto envolvente do
Concílio. O primeiro forte sinal da modernidade, segundo
João Batista Libânio, foram as ciências modernas, que
desfizeram a imagem do mundo antigo – que já começara
a desmoronar em séculos passados, com Nicolau
Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642) e
Isaac Newton (1642-1727)17. No período próximo do
Vaticano II, circulavam as teorias darwinianas do
evolucionismo, apresentando um ser humano que se
originava de ondas evolutivas, fato corroborado por
diversas descobertas científicas. O segundo sinal se deu
com a emergência da subjetividade: a tomada de
consciência, por parte do sujeito moderno, de sua
liberdade, autenticidade e autonomia. Este sinal era bem
forte, se posto em contraste com a situação anterior do ser
humano frente à história: a de dependência das forças da
natureza, das tradições familiares, religiosas e culturais. O
ser humano da segunda metade do século XX as fazia,
agora, passar pelo crivo de sua própria experiência;
verdades e valores que, antes, se impunham pela força da
autoridade e das tradições, passavam a ser questionados
pelas pessoas. O terceiro sinal foi a relativização dos
conhecimentos, através do uso da metodologia histórica,
que quebrou a rigidez escolástica; e, finalmente, um quarto
sinal vinha da 2a Ilustração, que levantara a suspeita de
alienação no agir das Igrejas, através da teoria marxista e
sua categoria da “práxis”. Na Europa, antes do Vaticano
II, começara a se gestar um pensamento crítico contra
posições ideológicas conservadoras dos cristãos no campo
da política – um dos fatores do surgimento de uma
secularização das instâncias religiosas.


17 Cf. GUSDORF, G. A agonia da nossa civilização. São Paulo: Convívio. 1978. P. 32s. Apud ibidem.
Desde o século XIX e, sobretudo, na primeira metade do
século XX, explodiu, dentro da Igreja católica, uma série
de movimentos que carregavam dentro de si essas e outras
demandas. Frente a elas, ainda segundo João Batista
Libânio, duas reações atravessavam a Igreja, no final da
década de 50: uma nítida resistência aos embates da
modernidade e um penetrar dela na Igreja pela via dos
movimentos de renovação, que brotavam nos diversos
campos da vida eclesial (especialmente, o movimento
bíblico18, o movimento litúrgico19, o movimento
ecumênico20, o movimento dos leigos21, o movimento
teológico22 e o movimento social23). O Concílio Vaticano

18 Pio X aprovou medidas restritas nas investigações bíblicas, por meio de Declarações da Comissão
Bíblica de Roma (DS 3505-3528), mas fundou o Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, que se entregou a
investigações sérias no campo bíblico, trazendo avanços na compreensão da inspiração, da inerrância na
Escritura, da redação dos livros bíblicos. Pio XII apoiou os trabalhos corajosos de exegetas do Pontifício
Instituto Bíblico, que usavam métodos modernos. Cf. ibidem.
19 Ressaltava as reivindicações modernas da existencialidade (celebrações não distantes das experiências
das pessoas), compreensibilidade do que se celebra e participação (subjetiva e intersubjetiva). Cf. ibidem.
20 O modelo tridentino, que abrira um embate com a Reforma e com a modernidade, era alimentado pelo
espírito apologético. No início, a Igreja trabalhou com a imagem de ser ela o redil, que acolheria de volta
as ovelhas que a Reforma afastou, mas o movimento ecumênico exigiu um espírito de diálogo e de
respeito à verdade do outro. Cf. ibidem.
21 O modelo tridentino reforçava a estrutura clerical; diante dele, se afastaram da Igreja aqueles leigos
que já não conseguiam articular os ensinamentos dogmáticos e morais oficiais com a sua mentalidade
moderna; principalmente dois grupos se afastaram: o mundo operário e as classes ilustradas. Outros leigos
permaneceram no interior da Igreja, seja por submissão, seja por uma profunda fé que não lhes permitiu
se afastarem da Igreja. Um terceiro grupo – principalmente de operários e ilustrados liberais – constituiu
movimentos de leigos, que buscavam o difícil equilíbrio entre a fidelidade e a crítica. A Ação Católica da
década de 50 e 60 foi uma bela página dessa história. Neste contexto, emergiu a extraordinária figura do
sacerdote belga J. Cardijn (1882-1967), que intuíra a importância de viver a fé inserida no próprio meio.
A Ação Católica preparava o jovem para manter a dupla fidelidade à fé e o fazia evangelizador de seus
companheiros jovens; os “padres operários” serviram de ponte para a modernidade operária e a Igreja. A
Ação Católica formou um leigo autônomo, crítico, com iniciativas. O movimento leigo teve um reforço
na teologia do laicato de Yves Congar e à influência de J. Maritain e E. Mounier. Cf. ibidem.
22 A teologia se confrontou com a modernidade. As primeiras tentativas de aproximação com o
pensamento moderno aconteceram no século XIX, por meio da Escola de Tubinga. O movimento que
mais marcou o contexto teológico anterior ao Concílio, chamou-se “Nova Teologia”, cuja plataforma de
ação foi lançada por Jean Daniélou (cf. J. Daniélou. “Les orientations présentes de la pensée religieuse”.
In: Études 249, 1946). No campo teológico, eram exigências da modernidade: a dimensão de sujeito, as
experiências do homem moderno, a ciência, a história, a literatura, a filosofia e uma compreensão global
da existência. Essa nova teologia usou os métodos crítico-históricos na interpretação da Escritura;
valorizou, na concepção de Igreja, as dimensões de mistério, de comunidade e de participação; olhava as
realidades terrestres com olhar otimista, percebendo nelas a presença e ação de Deus; buscava uma
compreensão integrada das dimensões natural e sobrenatural; defendia uma intelecção processual e
histórica das verdades de fé, em oposição ao fixismo e formalismo da letra; dialogou com a concepção
evolucionista de Teilhard de Chardin; entre outras. Mesmo que uma intervenção romana lhe tenha
bloqueado o avanço explícito, já estavam aí os germes do que o Concilio assumiria. Cf. ibidem.
II não fugiu dos desafios trazidos pelos sinais de seu
tempo: assumiu reinterpretar verdades de fé no novo
horizonte das ciências modernas e rompeu com a
concepção estática das formulações das verdades
dogmáticas e morais.

        2.3 – Desenvolvimento

Pelo relato dos especialistas, percebemos o quanto o
Concílio Vaticano II precisou ser construído! E há muitos
eclesiólogos que analisam os fatos do Concílio Vaticano
II; escolhemos João Batista Libânio24, que apresenta
alguns fatores que foram decisivos para o sucesso do
Concílio.

Primeiramente, a personalidade do Papa João XXIII, não
simplesmente pelo fato de ele ter convocado o Concílio,
mas pelo clima que ele criou na Igreja em torno da
convocação. A morte de seu antecessor, Pio XII, deixara
enorme vazio, frente a um enorme desafio: o embate da
cultura moderna a impor-se e a tradição tridentina
resistindo. A Igreja do final do pontificado de Pio XII
mostrava-se cansada, devido ao duro embate entre a
defesa da verdade dogmática, moral e disciplina, e os
ataques da modernidade. Para sucedê-lo, o colégio
cardinalício escolheu um ancião de 77 anos, para oferecer
à Igreja um tempo de transição e João XXIII parecia
responder às expectativas para esse tempo de passagem;
era um homem sábio, que tinha enfrentado situações

23 O Papa Leão XIII é considerado o pai da Doutrina Social da Igreja na sua forma atual, principalmente
com sua Encíclica Rerum novarum (1891). Os Papas Pio XI e Pio XII continuaram a caminhada; depois, a
Igreja se defrontou com os problemas da modernidade econômica, política e social. Cf. ibidem.
24 Cf. LIBÂNIO, João Batista. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=102.
Texto publicado, inicialmente, pela Unisinos, em 2005.
delicadas no tempo da guerra e pós-guerra, com enorme
prudência e sagacidade. Tudo parecia muito previsto, mas
o Espírito suscitou uma imprevisibilidade: geralmente,
depois de um grande Papa, o seu sucessor corre o risco de
ficar preso à sua sombra, mas não foi assim com João
XXIII. Ele não buscou substituir Pio XII, nem lhe seguiu o
modo de governar a Igreja: João XXIII apresentou uma
maneira simples, humana e direta de viver e, com
originalidade, decidiu-se pelo Concílio Vaticano II.

O beato João XXIII unia sua enorme capacidade de
discernimento, de sabedoria e de sagacidade à sua
humildade corajosa; era muito tranquilo, revelava sadia
psicologia, apoiada em piedosa e devota confiança em
Deus. Foi um Papa ousado, com um conjunto humano de
virtudes muito rico: simplicidade, sabedoria, experiência
plural, sagacidade, tranquilidade,..., frutos de profunda fé e
confiança em Deus. Desde o início, mostrou enorme
interesse ecumênico; olhava o mundo de sua época e
perscrutava os sinais dos tempos, para entender neles o
significado do agir de Deus. Para ele, a comunhão nos
ideais humanos e cristãos pesavam muito mais do que as
divergências dogmáticas e políticas – por exemplo, é
surpreendente sua abertura para o mundo comunista: pela
primeira vez, depois da Revolução de 1917, os soviéticos
batiam à porta do Papa e a encontraram aberta, e, nela, um
papa com enorme sensibilidade humana.

João XXIII tomou algumas decisões que construíram o
ambiente de abertura do Concílio: criou, em 1960, o
Secretariado para a União dos Cristãos; impulsionou a
abertura à modernidade social, política e econômica, por
meio das duas luminosas encíclicas Mater et magistra
(1961) e Pacem in terris (1963); diante das tensões, das
correntes opostas, das forças antagônicas, que
atravessavam toda a Igreja, renunciou tomar posição a
partir unicamente do centro romano e convocou o
Concílio.

No Vaticano II, se deu o embate de duas visões de
realidade, dois paradigmas, que penetravam as estruturas
da Igreja, o conteúdo dogmático do magistério, o
comportamento dos hierarcas, as práticas religiosas do
cristão comum, o agir moral e a disciplina eclesiástica. Pio
XII abriu algumas janelas para a modernidade, mas as que
ele queria; João XXIII usou outra pedagogia, ao permitir
que toda a Igreja participasse – noutras palavras, o
conteúdo e a forma de proceder de João XXIII foram
modernos.

Com olhos do final do pontificado de Pio XII, a
convocação de um Concílio era improvável e mesmo
imprevisível. Depois das definições do Primado e do
magistério infalível do Romano Pontífice, promulgadas
pelo Concílio Vaticano I, julgava-se que o Papa e seus
auxiliares imediatos poderiam resolver os problemas da
Igreja universal. Mas, ao encerrar a Semana da Unidade, a
25 de janeiro de 1959, diante de cardeais da Cúria, João
XXIII anunciou o desejo de convocar um Concílio. A
repercussão      foi    paradoxal:     na     publicidade,
choveram vozes entusiastas, mas, nos bastidores, ouviam-
se opiniões temerosas25. Os temores vinham tanto dos
conservadores como dos progressistas: os primeiros
temiam que a tranquila ordem da Igreja fosse abalada e, os

25 SOUZA, N. “Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II”. In: GONÇALVES, P. S.
Lopes; BOMBONATTO, V. I. (org.). Concílio Vaticano II. Análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas.
2004. P. 27. Apud ibidem.
progressistas, temiam que se firmassem os sinais de
fechamento na Igreja (precedidos, por exemplo, pelas
decisões do Sínodo romano, pela insistência da
Constituição apostólica Veterum sapientia (1962) quanto
ao ensino na língua latina [e não vernácula] da filosofia e
teologia nas instituições eclesiásticas, pelas punições de
exegetas devido novas pesquisas, entre outras).

Quando a preparação do Concílio se pôs em movimento,
os prognósticos pareciam ainda mais escuros: as
presidências das comissões preparatórias do Concílio
foram confiadas à Cúria romana, que era, na época, oposta
às mudanças; para a presidência da Comissão Teológica
(que iria supervisionar a teologia conciliar), foi designado
o temido Cardeal A. Ottaviani. Havia, porém, sinais de
abertura, que vinham, sobretudo, de discursos e gestos
proféticos de João XXIII, que estabeleceu normas
importantes sobre a relação entre o Concílio e a Cúria:
insistiu em que os órgãos do Concílio eram autônomos em
relação à Cúria, constituídos por ampla representatividade
do episcopado mundial, sob a direção do próprio
Papa26. Logo no início da preparação, era desejo do Papa
ouvir, de toda a Igreja, quais seriam as questões
importantes a serem trabalhadas no Concílio; foi
organizado um questionário longo e minucioso e enviado a
todos os que tinham direito de vir ao Concílio, segundo o
Direito Canônico27. Essa iniciativa modificava bastante o
clima da preparação e marcava a enorme diferença em
relação ao Concílio Vaticano I, quando somente trinta e
cinco bispos foram consultados28. Quanto ao conteúdo das

26 Cf. ZIZOLA, G. A utopia do Papa João. São Paulo: Loyola. 1983. P. 306. Apud ibidem.
27 Cf. BEOZZO, J. O. “O Concílio Vaticano II: Etapa preparatória”. In: Vida Pastoral 46 (2005), n. 243,
p. 5. Apud ibidem.
28 Cf. ZIZOLA, G., op. cit., p. 304. Apud ibidem.
respostas, elas refletiam a mente de bispos desabituados a
serem consultados...

No discurso de Inauguração, João XXIII traçou a
orientação fundamental para o Concílio, mostrou-se
esperançoso nos sinais que percebia no mundo e na Igreja.
Para ele, o Concílio não deveria repetir e proclamar o que
já era conhecido, mas oferecer “um progresso na
penetração doutrinal e na formação das consciências”,
articulando “fidelidade à doutrina autêntica” e
“indagação e formulação literária do pensamento
moderno”29. Diferentemente dos concílios anteriores, o
Vaticano II não pretendeu tomar posições dogmáticas
condenatórias, mas intensificar o diálogo com o homem e
a mulher de hoje, em nítido contraste com as posições
conservadoras de Gregório XVI (1831-1846) e Pio IX
(1846-1878), que conflitavam fortemente com a
modernidade30. João XXIII marcou nitidamente as
características ecumênica, pastoral e de atualização do
Concílio, usando a palavra italiana “aggiornamento” (=
atualização)31. João XXIII tinha bem nítida a ideia de que
a Igreja devia atualizar-se, responder ao mundo moderno e
caminhar na linha da paz, da unidade da humanidade.

Entretanto, uma leitura sintética descobre o confronto de
duas teologias básicas, no Concílio Vaticano II, marcando
embates fundamentais nos campos teológico, bíblico,
litúrgico, sociocultural e institucional. De um lado, a
teologia dogmatista, centrada na afirmação clara das
29 João XXIII. “O Programático Discurso de Abertura”. In: KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II.
V.II: Primeira Sessão (set.- dez. 1962). Petrópolis: Vozes. 1963. P. 308. Apud ibidem.
30 Entre as sentenças condenadas do Syllabus de Pio IX consta essa afirmação: "O Pontífice Romano
pode e deve reconciliar-se e transigir com o progresso, com o liberalismo e com a recente civilização":
DS 2980. Cf. ibidem.
31 RUGGIERI, G. “Foi et histoire”. In: ALBERIGO, G.; JOSSUA, J.-P. La réception de Vatican II.
Paris: Éditions du Cerf. 1985. P. 136-141. Apud ibidem.
verdades universais e imutáveis e, de outro, a teologia
hermenêutica, que pretende interpretar para o mundo de
hoje a revelação de Deus. Esse choque se deu
especialmente na discussão sobre as “Fontes da
Revelação” (Constituição Dogmática Dei Verbum), onde
houve um deslocamento: de uma interpretação
“especular” (a modo de espelho), para uma interpretação
histórico-existencial (marcada pela história, pela
subjetividade, pela experiência, pela intersubjetividade,
como mediações interpretativas fundamentais). Ela
herdou, do movimento bíblico, a articulação da dimensão
de Revelação com as regras de interpretação textual e a
relação entre Escritura, Tradição e Magistério. Sua
redação veio cheia de cuidados, para criar o consenso com
os conservadores.

A discussão sobre a Liturgia girou em torno de duas
concepções fundamentais a respeito do mistério
eucarístico: a centralização no ato cúltico sacerdotal (de
modo que os fiéis se compreendiam como receptores dos
frutos do sacrifício celebrado) e a contribuição do
movimento litúrgico, que valorizava a assembleia litúrgica
como o sujeito da celebração. Como consequências
práticas, surgiram: a importância da participação pessoal e
comunitária, e a maior transparência dos ritos, para que os
fiéis percebessem mais claramente o seu significado.

No campo religioso, o debate sociocultural se travou em
torno de dois universos: a liberdade religiosa e a
concepção da relação Igreja-mundo moderno. Subjacente
ao debate, estavam as concepções conflituosas de
modernidade e pré-modernidade. Os acordos mostraram a
predominância do pensar moderno, que superou a defesa
agressiva da verdade e a consciência de que só a Igreja
católica possuía toda a verdade. Quebrar essa espinha
dorsal da pré-modernidade custou muito sofrimento e
discussão ao Concílio32. Ainda no campo sociocultural,
foram debatidos temas como: o pluralismo religioso, o
respeito à liberdade de opinião e de consciência e o direito
de existência pública de qualquer religião. A posição
conservadora se manifestou, mas o Concílio aceitou a
liberdade religiosa, desde a perspectiva da dignidade e
liberdade da pessoa humana, nos diversos campos da
pesquisa, da associação, da comunicação, das finanças, do
testemunho público, do culto e dos costumes, desde que
não conflitem com a paz comum33. Na mesma linha de
ideias, os temas do ecumenismo, do diálogo inter-religioso
e com os humanistas ateus reafirmavam a existência da
verdade fora dos redutos da Igreja católica, a historicidade
de toda expressão religiosa, a pluralidade cultural e
religiosa como expressão de riqueza e não de desvio ou
erro.

No campo eclesiológico, também foi árdua a polêmica:
alguns padres conciliares encarnavam mais a Instituição
central, enquanto outros refletiam a problemática local,
seja sob o enfoque da modernidade, seja no da pré-
modernidade... Eram duas sensibilidades distintas, que
tiveram que trabalhar consensos, com renúncia de pontos
de vista, em prol do bem maior da Igreja. Em relação a si
mesma, a Igreja, no Vaticano II, pensou a si mesma
(Constituição Dogmática Lumen gentium), na clarificação
de sua mensagem (Constituição Dogmática Dei Verbum),
32 HÄRING, B. “Minha participação no Concílio Vaticano II”. In: Revista Eclesiástica Brasileira 54
(1994). P. 394. Apud ibidem.
33 BURTCHAELL, J. T. “Religious freedom (Dignitatis humanae)”. In: HASTINGS, A. Ed.: Modern
Catholicism. Vatican II and After, London/New York: SPCK/Oxford Univesity Press. 1991. P. 118-125.
Apud ibidem.
na sua relação cúltica (Constituição Sacrosanctum
concilium), nos seus ministérios episcopal e presbiteral
(Decretos Christus Dominus e Presbyterorum ordinis), na
vida e formação de seus membros religiosos (Decreto
Perfectae caritatis), seminaristas (Decreto Optatam
totius), leigos (Decreto Apostolicam actuositatem) e na
crucial questão da Educação (Declaração Gravissimum
educationis). No campo fora de si, a Igreja (latina), no
Vaticano II, refletiu suas relações com as denominações
cristãs (Decreto Unitatis redintegratio), com as Igrejas
orientais católicas e ortodoxas (Decreto Orientalium
ecclesiarum), com a sua vocação missionária (Decreto Ad
gentes), com as religiões não-cristãs (Declaração Nostra
aetate), com o direito à liberdade religiosa (Declaração
Dignitatis humanae), com os meios de comunicação (Inter
mirifica) e com o Mundo de hoje (Constituição pastoral
Gaudium et spes).

Com a morte de João XXIII, ao iniciar a 2ª Sessão do
Concílio, o novo Papa Paulo VI destacou quatro pontos do
trabalho conciliar: “a consciência da Igreja, sua
renovação, o restabelecimento da unidade de todos os
cristãos e o diálogo da Igreja com os homens de hoje”; o
Papa insistiu que o tema principal da Segunda Sessão do
Concílio fosse a Igreja, sua natureza íntima, sua
autodefinição, sua constituição real e fundamental e os
múltiplos aspectos da sua missão salvadora34.

Os textos oficiais propostos deixavam a desejar; os
“observadores” (ortodoxos, protestantes, anglicanos)
reprovaram a falta da pneumatologia nos textos... Aos
poucos, nos textos oficiais, nas discussões e preparações
34 Paulo VI. “O Discurso de Abertura da II Sessão”. In: KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II.
V.III: Segunda Sessão (set.- dez. 1963). Petrópolis: Vozes. 1964. P. 512-513. Apud ibidem.
das propostas de textos, foi-se observando duas
eclesiologias de fundo: uma, jurídico-societária, e, outra,
mais atenta ao mistério que a Igreja é. O texto De ecclesia
(LG) provocou uma “revolução”, uma reviravolta decisiva
para o futuro do Concílio: quando este se apossou de si, de
sua natureza e finalidade, entrando em sintonia com o
papa João XXIII35.

Mas muitos que dele participaram testemunharam o
quanto ele foi ecumênico, no sentido canônico-dogmático
da palavra – embora tenham ficado intactas as questões
dos “concílios ecumênicos” e da restauração da plena
comunhão com os Ortodoxos 36. O Concílio foi ecumênico
no convite, na presença e na colaboração dos
Observadores de diversas Comunhões cristãs –
evidentemente, nem tudo é adquirido com o simples voto
de um texto, mas o ecumenismo recebeu, do Concílio,
uma carta aberta para o futuro. Teve imensa importância,
na época, a criação, em Roma, de cinco novos
Secretariados, saídos do Concílio: Unidade dos Cristãos,
Religiões Não-Cristãs, Não-Crentes, Conselho dos Leigos
e Comissão Pontifical “Justiça e Paz” – órgãos de diálogo
e de relação entre a Igreja e os “diferentes”.

         PARTE II: O REENCANTAMENTO PELO
                     VATICANO II

        1. Os ganhos irreversíveis do Vaticano II

O Concílio Vaticano II terminou no dia 08 de dezembro de
1965 e pertence já à história – lembra-nos o Pe. João

35 Cf. G. ALBERIGO. J. O. BEOZZO, ob. cit. P. 221.
36 Cf. CONGAR, Yves. Une passion: l’unité. Réflexions et souvenirs 1929-1973. P. 90-92.
Batista Libânio37. Seus textos estão entregues a todo o
Povo de Deus, que podem dele se apropriar para estudar,
aplicar, rezar, enfim, viver! O Vaticano II ainda não foi
completamente assimilado e encarnado: ainda estamos em
tempos de recepção do Concílio38!

O Concílio criou instituições específicas, gerou um
espírito renovado, capacitou a teologia para dialogar com
os desafios abertos pela Reforma protestante, pelas
ciências modernas, pelo novo espírito de autonomia
trazido pela modernidade, pela situação de opressão e
marginalização no 3o Mundo e por todo o clima cultural
que se acentuou depois da 2a Guerra Mundial39. O
Vaticano II provocou o nascimento ou o amadurecimento
da teologia moderna europeia e da teologia da libertação;
provocou profunda renovação na pregação, na catequese,
no ensino dos Institutos de Teologia e na pastoral;
prolongou a reforma da liturgia; impulsionou o diálogo
ecumênico e inter-religioso e com os não crentes.

Um ganho indiscutível do Vaticano II para a Igreja como
um todo foi a consciência do “colégio episcopal”: as
Igrejas particulares se perceberam verdadeiras igrejas40.
Passou-se da ordem meramente jurídica para a simbólica:
cada Igreja local possui sua relevância, sua originalidade e
sua real autonomia no colégio episcopal e na comunhão
com a Igreja de Roma. A colegialidade se estendeu a todas


37 Cf. LIBÂNIO, João Batista. “A quarenta anos do final do Concílio”. In:
http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=98 . Texto originalmente publicado no Jornal
de Opinião, em abril de 2005.
38 Cf. ALBERIGO, G.; POSSUA, J.-P. La réception de Vatican II. Paris: Éditions du Cerf. 1985.
39 Cf. LIBÂNIO, João Batista. “A quarenta anos do final do Concílio”. In:
http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=98 .
40 Cf., por exemplo, LÉCUYER, J. Etudes sur la collégialité épiscopale. Le Puy, Xavier Mappus, 1964.
ALMEIDA, Antônio J. Igrejas locais e colegialidade episcopal. São Paulo: Paulus. 2001. Apud ibidem.
as estruturas da Igreja: nem monarquia, nem democracia,
mas colegialidade.

A comunhão entre os bispos conciliares trouxe suas
vantagens, pois, juntos, sentiam-se fortes para defenderem
as ideias necessárias ao avanço da Igreja; sabemos que o
regulamento do Concílio não levou em consideração as
Conferências Episcopais. Aliás, Congar preconizava que o
significado mais promissor e seguro do Vaticano II seria a
articulação do episcopado: afinal, um Concílio é,
essencialmente, assembleia de bispos 41!

Entretanto, isto teve que ser construído42. As conferências
episcopais eram “pauta de agenda”, do ponto de vista
legislativo e teológico – um dos problemas mais
importantes deste Concílio, e ligado ao da colegialidade
episcopal. Os bispos de todas as partes do mundo, quando
foram convocados por João XXIII, estavam inseguros: era
um corpo episcopal muito vasto e não acostumado a
trabalhar colegialmente. Mas emociona-nos, ao ler
Congar: “Jamais me senti tão imenso na Igreja de Deus
como hoje: a presença do papa, de todo ou quase todo o
Sacro Colégio, dos bispos de todo o mundo, em torno do
altar que estava no centro e sobre o qual se celebrou
antes o Sacrifício, depois se colocou no trono o
evangelho; o olhar do mundo inteiro fixo no
acontecimento, como se tornava evidente pela presença
das delegações de tantas nações e pela presença das
Igrejas separadas...; tudo isso fazia sentir a vitalidade da
Igreja, sua unidade e variedade ao mesmo tempo; sua
humanidade e divindade...”43.

41 Cf. Journal Y. M.-J. Congar. 15/10/1962, ob. cit. P. 76. Apud ibidem. P. 49.
42 Cf. ibidem. P. 23-25; 41-52; 184.
43 LERCARO, G. Lettere dal concilio.Bolonha.1980(11/10/1962).Apud ibidem. Nota no.28 da p. 31.
Porém, as Conferências Episcopais (intermédios entre as
dioceses e a Igreja universal) surgiram como que por
geração espontânea e, antes do Concílio, estavam
privadas de sólido fundamento teológico44. Com o advento
desse, algo importante se dá: todos os bispos participaram
e, durante o mesmo, suas reuniões (inclusive enquanto
Conferências) tornaram-se mais freqüentes. Além disso,
eles fizeram a experiência da colegialidade (que não veio
por mandato). Além das Conferências Episcopais, pôde-se
notar no Concílio a formação de grupos para além das
fronteiras nacionais, como o da “Igreja dos Pobres”, o do
“Bloco centro-europeu”, o da “Conferência de Delegados”
(ou “Comitê internacional”, “Comitê dos vinte oito” ou
“Interconferência”), o Francês, o Latino-Americano, o dos
Superiores Religiosos, o dos Bispos Religiosos, o dos
Bispos Missionários e o “Área curial”. Em nossa análise,
percebemos que os Bispos, ali, estavam aprendendo a se
organizar enquanto estrutura, enquanto grupo e, assim,
estruturaram melhor a comunhão.

O Vaticano II trouxe várias mutações nas relações dos
bispos: entre si e pessoais (a renovação teórica na aula
conciliar em Roma levou a uma renovação prática em sua
própria Igreja local: abertura aos leigos, fraternidade para
com os padres e colegialidade nas conferências episcopais
– embora outros bispos, ao retornarem, voltassem a sofrer
o peso de seu aparelho administrativo). Outro fruto foi a
relação entre o papa e os bispos: João XXIII representou o
ponto de referência para os trabalhos iniciais do Vaticano
II45: João XXIII acreditava no Concílio e na função que

44 Cf. ALBERIGO, G. ; BEOZZO, J. O., ob. cit. P. 195-207, inclusive nota nº 113 da p. 197.
45 Sabemos a enorme importância de seu sucessor, papa Paulo VI, e que mereceria aqui muitas páginas;
entretanto, devido à exiguidade desse nosso trabalho, nos limitaremos a enfocar o papa João XXIII.
os bispos do mundo podiam desenvolver junto ao papa, na
dinâmica das Assembleias – para isso, ofereceu uma
orientação profunda e criou condições para os padres se
exprimirem livremente; o papa tinha algumas ideias e
aspirações, mas acreditava que se devia deixar a execução
dos trabalhos aos bispos. A dinâmica de João XXIII era:
deixar fazer, dar para fazer e fazer fazer. Sua linha era ser
ele mesmo quem mais deveria calar-se no Concílio. Ele
compreendeu que, entre os padres, havia ideias,
problemas, perspectivas, conflitos e experiências que
deviam vir à tona; acreditava que os bispos também
deviam conhecer-se entre si (aliás, os diários dos padres da
época são ricos sinais disto). O Concílio Vaticano II,
assim, ensaiava seus primeiros passos para uma vivência
da refontalização teórico-teológica que fazia, que nada
mais era que a redescoberta da comunidade como o
fundamento das estruturas da Igreja. A questão não é quem
governa, ensina e santifica na Igreja, mas o como. A
autoridade não deve verter-se em autoritarismo; a
eclesiologia, em eclesiocentrismo; a hierarquia, em
hierarquismo ou hierarquiologia,...

O mundo aprofundou as grandes transformações já
iniciadas antes do Vaticano II46. Ela tem feito muitos
esforços, desde e a partir do Concílio Vaticano II, para
dialogar com o mundo pós-moderno; a teologia tem
tentado responder às questões, discernindo a voz de Deus.
É incomensurável o serviço que uma boa teologia pode
prestar à Igreja – como, por exemplo, no evento do
Concílio Vaticano II47.     Este, realmente, abriu (ou
46 Cf. HOBSBAWM, E. Era dos Extremos. O breve século XX (1914-1991). São Paulo, 19972. Apud E.
MORAES. “Um líquido precioso em vaso de barro: a Trindade presente na Igreja”. Tese de Mestrado
em Teologia, pela Puc-Rio. 1999. P. 7-8.
47 Cf. Journal Y. M.-J. Congar. Paris. 4 de novembro de 1962. Apud ALBERIGO, G;. BEOZZO, J. O.,
ob. cit. P. 80-88; 91-92; 94-97; 167-168; notas nn. 30 e 37.
ampliou) uma perspectiva ímpar à pluralidade teológica.
Alguns se posicionam contra os novos paradigmas
teológicos, argumentando (erroneamente) com a fidelidade
à Tradição. A teologia atual deverá ser – como, aliás, a de
todos os tempos – segura de seus fundamentos e humilde
com respeito às suas traduções históricas; deverá atrever-
se a experimentar e a equivocar-se, próprio de toda tarefa
humana. Após o Concílio, percebemos um avanço na
reflexão teológica, com as teologias política, da
libertação, feminista e, enfim, das exclusões.

A Teologia da Libertação foi um aporte eminentemente
latino-americano dado à Igreja universal. Ela nasceu antes
do Vaticano II (história que requer um pouco mais de
tempo para contar do que esse nosso aqui), mas foi
profundamente alicerçada e confirmada por ele. Muitos
alegam que a Teologia da Libertação morreu; mas ela está
viva. Está cuidando de outros itens importantes da agenda
atual de mundo. Alfonso Garcia Rubio nos acrescenta as
seguintes sugestões, no campo epistemológico da teologia
da libertação48: o esforço ainda indispensável para a
superação da visão dicotômica do ser humano, a
vigilância crítica ao neoliberalismo e elaboração de
projetos alternativos, “desideologizar” a própria
teologia, a pastoral e toda a vida da Igreja, a valorização
do afetivo e ruptura da epistemologia racionalista,
redescoberta da íntima relação entre teologia e
espiritualidade, a relação entre teologia e subjetividade
aberta, a mulher como sujeito da teologia, teologia e
sexualidade humanizante, teologia e cura, teologia
ecológica, teologia inculturada, teologia e diálogo inter-


48 Cf. “Prática da Teologia em novos paradigmas”. In: Teologia..., ob. cit. P. 223-261.
religioso, o horizonte escatológico e, finalmente, o desafio
do mal e do pecado.

No campo pastoral, as Comunidades Eclesiais de Base
(CEBs) ganharam força na América Latina,
principalmente. Esta experiência foi embasada pelo
vaticano II, que mostrou que a base primeira da Igreja é a
condição “laical” e colegial49. O termo “laical” possui
origem etimológica na palavra “laos” (= povo): todos os
membros da Igreja são, antes de tudo, “Povo de Deus”,
chamado por Deus e marcado pelo batismo. A categoria
“Povo de Deus” lança suas raízes na experiência de Israel,
que se constitui povo pela força do chamado de Deus, do
cativeiro para a terra da liberdade, entrando em jogo as
experiências de dominação e libertação, a consciência
coletiva de ser povo e sua construção num percurso
histórico, sob a certeza da presença de Deus, numa
perspectiva escatológica, na vivência da dialética do “já” e
do “ainda não”. A categoria Povo de Deus permite uma
compreensão da Igreja sempre a caminho na história: já
não cabe entendê-la como uma sociedade perfeita, acabada
– é, antes, um mistério, que se revela em múltiplas formas
e expressões, segundo os tempos e espaços.

As CEBs encarnaram muito bem essa dimensão de “Povo
de Deus” do Vaticano II. Segundo Luiz Alberto Gómez de
Souza 50, as CEBs estão bem. Na vida eclesial concreta,
elas continuam a ser determinantes, segundo informações
das próprias Igrejas particulares; elas continuam nos
lembrando que a transformação da sociedade não se faz de

49 Cf. LIBÂNIO, J. Batista. “Concílio Vaticano II: abordagem pastoral”. In:
http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=97 .
50 Cf. SOUSA, Luiz Alberto Gómez. Do Vaticano II a um novo concílio? O olhar de um cristão leigo
sobre a Igreja. São Paulo. Edições Loyola/CERIS/Editora Rede da Paz. P. 131-147.
cima para baixo, mas se prepara dentro dela. A caminhada
das CEBs, certamente, é uma contribuição importante no
processo de construção amplo da Igreja latino-americana –
uma rede de experiências eclesiais diversificadas,
respondendo com criatividade aos desafios da história. As
CEBs são “novos jeitos de ser Igreja”, no plural sim, uma
pluralidade na unidade, na comunhão com toda a Igreja.
As CEBs continuam vitais, porque experimentais, ágeis e
pluriformes; são a Igreja que se experimenta na base, sem
perder sua identidade de fé cristã católica, com práticas
que procuram seus caminhos.

Segundo ainda Luiz Alberto, novos horizontes se
descortinam para as CEBs – temas de gênero, de
subjetividade, de raça, do corpo e do prazer, da ecologia.
Mas segundo Comblin, outro resgate necessário deverá ser
o dos intelectuais, que deverão somar-se à pastoral,
através de um trabalho de verdadeira inculturação, visto
que o modo de pensar e o linguajar populares são
diferentes dos desenvolvidos nas escolas e universidades;
o mesmo trabalho intelectual importante deverá ser
encontrado nos Institutos e Faculdades Teológicas,
incluindo, evidentemente, a teologia voltada para e feita
pelos leigos e leigas. Na América Latina, uma teologia
própria é fundamental, visto que não encontramos entre
nós um ateísmo que requer nova evangelização, mas
cristãos que se encontram oprimidos, onde a teologia é
chamada a continuar sua contribuição.


    2. As lacunas (ou desafios?) existentes frente aos
       avanços provocados pelo Vaticano II
a) Volta do autoritarismo e do juridicismo

Além dos avanços trazidos pelo Concílio, abateram-se
também ondas conservadoras, provocando retornos a
aspectos tradicionalistas da teologia e da pastoral em
alguns setores da Igreja e em algumas Igrejas
locais. Alguns autores nos ajudam a entender esse
processo. Segundo J. B. Libânio51, já no Sínodo dos
Bispos, começamos a perceber esses sinais: este Sínodo
foi a principal instituição eclesiástica pós-conciliar, mas
não foi o que se esperava: ele não ultrapassou o nível da
consulta, não adquiriu autonomia e poder próprio. Os dois
pontífices que foram a “alma” do Vaticano II – João XXIII
e Paulo VI – foram sucedidos por João Paulo II, que
marcou a Igreja com suas características próprias, mas
nem sempre na onda principal de renovação desencadeada
pelo Concílio. Uma longa entrevista do então Cardeal
Ratzinger sobre o pós-Concílio revela uma ala
interpretativa (outrora minoritária) de que o Concílio foi
desvirtuado na sua implantação e que se impunha uma
restauração de seus primeiros ideais (lembremos da
abertura desse pequeno artigo com a fala do atual Papa
Bento XVI, valorizando os frutos do Vaticano II...). A
comunhão das igrejas particulares entre si e com o bispo
de Roma tem enfrentado desafios: o Papa João Paulo II já
havia percebido a inadequação do atual exercício do
ministério petrino... No período após o Vaticano II, tem se
registrado um enorme desconforto em pontos importantes,
como, por exemplo, a nomeação de bispos, o
funcionamento das conferências episcopais, o controle


51 Cf. LIBÂNIO, João Batista. “A quarenta anos do final do Concílio”. In:
http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=98 . Texto originalmente publicado no Jornal
de Opinião, em abril de 2005.
doutrinal, as questões referentes ao ministério ordenado, e
muitas outras.

Outro desafio nesse campo tem sofrido a riquíssima
categoria bíblico-teológica “Povo de Deus”, que teve dois
destinos opostos, na Igreja pós-Concílio: um silêncio
crescente na teologia oficial e uma valorização insistente
por parte da teologia da libertação52. O Povo de Deus
sintoniza com a opção pelos pobres53.

Muitos autores advertem a necessidade de articular a
Igreja “do Espírito” (das fontes bíblicas) com a “visível”
(estruturada). A dificuldade neste campo ainda é fundante
de “velhas” práticas em nossa Igreja, como o rigorismo,
de um lado, e a irresponsabilidade de outro. Outros
autores acrescentariam: absolutização de uma doutrina, ou
de uma forma cultual, ou de um modo de distribuir o
poder; ausência de espírito crítico, de criatividade;
presença de falsas seguranças, sufocamento de tensões,
repressão,...

O que mais falta é uma reforma profunda das instituições
de poder da Igreja, possibilitando maior e melhor
concretização do espírito que ele gerou. Segundo
Queiruga, hoje, o que constitui o núcleo mais
determinante e o dinamismo mais irreversível do processo
moderno é a progressiva autonomia alcançada por
distintos estratos ou âmbitos da realidade54 - algo
praticamente adquirido; entretanto, ainda subsistem, por

52 Cf. SEMMELROTH, O. “A Igreja, novo Povo de Deus”. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II.
Petrópolis: Vozes. 1965. P. 471-485. Apud LIBÂNIO, J. Batista. “Concílio Vaticano II: abordagem
pastoral”. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=97 .
53 Cf. COMBLIN, J. O povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002. Apud ibidem.
54 Cf. J. B. VICO. Scienza nuova. 1725. Cf. CONGAR, Y.. El Espíritu Santo. P. 161. Apud ibidem. P.
22-25.
um lado, conservadorismo eclesiástico e teológico e, de
outro, crítica secularista e atéia – necessitamos
urgentemente de um equilíbrio!

   b) Proliferação de novos movimentos religiosos

No campo religioso, subsiste a questão da proliferação de
novas religiosidades, cristãs e não-cristãs, cujas causas
muitos autores nos ajudam hoje a refletir, sendo quase
unânime o pensamento de que o fenômeno busca
responder a uma insatisfação religiosa generalizada55.
Essa insatisfação possui suas explicações, segundo o autor
Andrés Torres Queiruga; uma delas poderia ser o fato do
cristianismo ter reagido apologeticamente à Modernidade
e à Pós-Modernidade, embora ambas tenham cometido
seus excessos56. No novo processo cultural que emergiu
no mundo ocidental depois do Vaticano II, se enraízam
duas valências fundamentais: uma negativa, como
renúncia a toda utopia e esperança de renovar o mundo e a
sociedade, e, outra, positiva, na percepção de novos
valores, seja no âmbito individual (revalorização do
pequeno, tolerância para com o diferente, desabsolutização
do estabelecido, apreço do corpo, revitalização da
experiência,...), seja no coletivo (captação e vivência de
uma nova universalidade, expressa numa espiritualidade
centrada na harmonia com a natureza e o cosmos, e numa
fraternidade humana sem exclusivismos).

Alguns autores passaram a defender a tese de que a era da
religião estruturada está terminada, mas não como
cultura: a religião perdeu sua função social, mas não sua

55 Cf. QUEIRUGA, Andrés Torres. Fim do cristianismo pré-moderno. Paulus. 2003. P. 107-111.
56 Cf. THEODOR W. ADORNO e MAX HORKHEIMER La dialéctica de la Ilustración. Madri. 1994.
Apud QUEIRUGA, A. T. Ob. cit. P. 111-112.
força subjetiva57. Decepcionada com alguns frutos
negativos da modernidade ocidental, marcada uma boa
parte pelo materialismo consumista, a humanidade busca
novas formas de expressão do religioso. Exercem uma
grande sedução sobre a nova população as novas seitas,
magia, astrologia, pentecostalismos, entre outras: um
mundo pluri-religioso, como bens de consumo oferecidos
em um supermercado... As religiões passaram a ser
buscadas por muitas pessoas segundo as necessidades em
momentos precisos da vida individual.

Ao nascer de um descontentamento ou de uma falta de
conexão com as ofertas religiosas tradicionais, a tendência
geral das pessoas é renová-las ou recriá-las de outra
forma. A reação cristã só será crível se conseguir acolher
o que de genuíno há nestas chamadas do novo e de
mostrar-se capaz de integrá-lo, dinamizá-lo e enriquecê-lo.
A reação apologética extremada seria um caminho
equivocado (Comblin diria um suicídio58). Não há motivo
para o medo ou o acanhamento da fé (a oligopistia): fiel à
sua origem, o cristianismo é uma religião profética e de
resposta à crise, a exemplo mesmo de seu próprio
Fundador. É preciso buscar hoje aqueles vetores que,
desde sua própria entranha, se mostram capazes de
enfrentar criativamente o novo desafio. Iniciativas foram
tomadas frente à Modernidade59 e à Pós-Modernidade60;
entretanto, hoje, se exige um passo a mais.

57 Cf. ibidem. P. 29-32.
58 Cf. COMBLIN, J. O Espírito Santo e a libertação. Petrópolis: Vozes. P. 36.
59 Cf. HANS URS VON BALTHASAR. Teologia y santidad”, em Verbum Caro. Madri. 1964. P. 235-
268; G. EBELING. “Die Klage über das Erfahrungsdefizit in der Theologie als Frage nach ihrer Sache”,
em Wort und Wahrheit III. Tübingen. 1975. P. 3-28. Cf. G. GUTIÉRREZ (Beber en su próprio pozo.
Salamanca. 1983; J. B. METZ (Las ordenes religiosas. Barcelona. 1988; El clamor de la tierra. El
problema dramático de la Teodicea. Estella. 1996. Cf. ANDRÉS TORRES QUEIRUGA. P. 119.
60 Cf. Las nuevas formas de la religion. Estella. 1994. P. 177; Postmodernidad y cristianismo. El desafio
del fragmento. Santander. 1988. L. KOLAKOWSKI. Cristianos sem iglesia. Madri. 1982. L. FORSLER
(Hrsg.). Religiös ohne Kirche. Mainz. 1977. Apud ibidem. P. 119-121;17-21.
Não estaríamos enfrentando, então, uma crise de fé, mas
uma crise das instituições religiosas. “O religioso é, de
agora em diante, um componente essencial da cena
geopolítica mundial”61 – essa frase não é tão
surpreendente, se observarmos o cenário das últimas
décadas... As características históricas que explicam o
atual fenômeno do ressurgimento do religioso se reportam
ao Iluminismo, que anunciou o desaparecimento de
qualquer fenômeno religioso na humanidade. Tal onda
cresceu após a Segunda Guerra Mundial, que mexeu
profundamente com os valores da cultura europeia,
afetando diretamente a prática religiosa. Contribuíram
significativamente para o desgaste das instituições
religiosas o avanço espetacular da tecnologia e o bem-
estar social promovido pelos “milagres econômicos”.

Várias vozes prenunciaram a “volta do Sagrado”, como a
de Karl Rahner: “Já se disse que o cristão do futuro ou
será um místico ou não o será. (...) Desde que não se
entendam por mística, fenômenos parapsicológicos raros,
mas uma experiência de Deus autêntica que brota do
interior da existência...”62. Além de Rahner, outros
preconizaram o ressurgimento do fenômeno religioso em
tempos contemporâneos; entre eles, por exemplo, o
literato francês A. Malraux: ele percebeu que o século XX
entrara em uma terrível crise espiritual e propôs, para o
século XXI, o tempo religioso63. Além de Malraux, nos
inícios da década de 1990, dois autores americanos

61 CLÉVENOT, M. L´état das religions dans le monde. Paris: La Découverte. 1987. P. 4. Apud ibidem.
P. 11-15.
62 RAHNER, K. “Elemente der Spiritualität in der Kirche der Zukunft”. In: SchzTh. Einsiedeln. Ed.
Bezinger. 1980. Volume 14. P. 375s. Apud ibidem. P. 21.
63 Cf. MOTA, L. Dantas. Malraux. No caminho das tentações. São Paulo. Ed. Brasiliense. 1982. P. 99-
101. Apud ibidem. P. 22.
esboçavam as dez principais tendências do próximo
século, com o redespertar religioso sendo uma delas...

O padre Mário França Miranda64 apresenta quatro
características, ao analisar o quadro religioso atual
brasileiro: uma irrupção ambígua, um pluralismo inédito,
um desenraizamento perigoso e um sincretismo
desafiante. É preciso, segundo ele, definir, em primeiro
lugar, o novo religioso cristão, que emerge desse cenário.
Nos lembra que a fé precisa de um encontro prévio com
Deus, uma experiência de salvação, que implica, para o
homem e a mulher de hoje, resposta para seus anseios
mais profundos. Na atualidade, portanto, para o
cristianismo, não basta ter o religioso – que não significa,
a priori e imediatamente, crescimento do Reino de Deus: é
necessária a fé cristã, que se propaga pela vivência da
práxis de Jesus Cristo.

    c) Os radicalismos religiosos

A ideologia marxista se tornou, para muitos, uma religião,
com seus próprios dogmas, ritos, liturgia, hierarquia,
etc65... O desmoronamento repentino da ideologia marxista
– nitidamente simbolizada pela “queda do muro de
Berlim”, em 1989 – deixou um vazio. O neoliberalismo
seguiu adiante, sem contraponto de esquerda forte o
suficiente que lhe pudesse ameaçar. Os Estados Unidos
visibilizavam e simbolizavam, em grau máximo, a vitória
e o senhorio do neoliberalismo... Mas o ataque terrorista
religioso abalou o mundo e o Papa João Paulo II assim se
manifestou: “O terrorismo transformou-se numa rede

64 Cf. MIRANDA, Mario Franca. Um Catolicismo desafiado. Igreja e pluralismo religioso no Brasil.
São Paulo. Ed. Paulinas. 1996. P. 10-17.
65 Cf. ibidem. P. 23.
sofisticada de conluios políticos, técnicos e econômicos,
que ultrapassa as fronteiras nacionais e se estende até
abranger o mundo inteiro. Trata-se de verdadeiras
organizações, dotadas frequentemente de enormes
recursos financeiros, que elaboram estratégias em vasta
escala, atingindo pessoas inocentes, de forma alguma
envolvidas nos objetivos que se propõem os terroristas”66.

Desde o final da década de 1970, com a revolução
religiosa islâmica do aiatolá Imam Khomeini, o
fundamentalismo vem crescendo e ganhando força nos
países muçulmanos67. A resposta dos Estados Unidos – ou
melhor, do Presidente Bush – se revestiu também de um
colorido religioso, para enfrentar o terrorismo: os
discursos do presidente americano apelavam para a
“justiça infinita” de Deus e convocou a humanidade para
uma guerra que ele define como a do bem contra o mal...

   d) Ameaça do secularismo

O auge do fenômeno da secularização foi na década de
1960 e 1970. A propagada “morte de Deus” vinha de todas
as ciências – as naturais, a antropologia, a psicologia, a
sociologia política, entre outras; vinha, também, da prática
das pessoas (= ateísmo prático e indiferentismo) e das
cosmovisões circulantes, para reduzir a religião ao silêncio
e, Deus, a um retiro afastado de nossa realidade... A
secularização impunha-se como evidência68. Como já se
expressava Marx: A abolição da religião enquanto


66 Mensagem do Papa JOÃO PAULO II para a Celebração do Dia Mundial da Paz, 1o. de Janeiro de
2002. Nº 2. Apud ibidem. P. 23.
67 Cf. ibidem. P. 24.
68 Cf. ibidem. P. 17.
felicidade ilusória do povo é necessária para sua
felicidade real69.

Diante desse quadro, uma vasta literatura teológica tomou
posição. Duas linhas fundamentais demarcaram os
extremos das interpretações70: uma, de cunho apologético,
que identificava secularização com o secularismo e o
ateísmo – a modernidade manifestava-se absolutamente
irreconciliável com qualquer religião e fé cristã. A outra,
tomou distância dos juízos desconfiados da secularização:
F. Gogarten e outros teólogos, numa atitude positiva
frente à secularização, introduziram uma distinção
fundamental entre secularização e secularismo – onde este
último seria uma degeneração da primeira. A
secularização seria um valor positivo, uma autonomia do
mundo frente aos “deuses”... Segundo ainda esses autores,
as atitudes de Jesus em conflito crescente com os poderes
religiosos de sua época inspiram um cristianismo a-
religioso: o cristianismo se torna a “a religião da saída da
religião”71. Nessa onda, embarcaram muitos teólogos
católicos, invocando o espírito do Concílio Vaticano II:
“Desta maneira, orientados pelo Concílio Vaticano II, (...)
temos agora em nossas mãos os elementos necessários
para entender e tentar viver o ideal de um ´cristão
secularizado´, ao mesmo tempo fiel a Deus e Seu
Reino e aos homens e sua Cidade...”72. P. Berger, em
seu livro The Sacred Canopy73, exprimia bem o clima
69 MARX, Karl. “Contribuición a la crítica de la filosofia Del derecho de Hegel”.In: MARX, K.
ENGELS, F. Sobre la religión. Ed. Por ASSMANN, Hugo., MATE, Reyes. Salamanca. Ed. Sigueme.
19792. P. 94s. Apud ibidem.
70 Cf. ibidem. P. 17-18.
71 GAUCHET, M. Le désenchantement du monde. Une histoire politique de la religion. Paris. Gallimard.
1985. P. 133. Apud ibidem.
72 KLOPPENBURG. Bruno. O cristão secularizado. Petrópolis: Vozes. 19712. P. 279. Apud ibidem. P.
18-19.
73 BERGER, Paul. The Sacred Canopy. Elements of a Sociological Theory of Religion. New York.
Anchor Books. 1969. Ou, na versão brasileira: O Dossel Sagrado. São Paulo. Paulinas. 1985. Apud
ibidem. P. 19.
desse momento histórico – soava como “um tratado sobre
o ateísmo”74, conjugando a tese de que houve uma
“evasão do sobrenatural do mundo moderno”, mas que
persistiam rumores de Deus no mundo... Tais rumores
aumentaram nas décadas seguintes, a ponto de tornarem-se
um gigantesco clamor religioso!

Os principais teólogos do “Movimento da Morte de Deus”
foram, entre outros, Th. Altizer, W. Hamilton, G.
Vahanian, P. van Buren75. Em 1963, o bispo anglicano J.
Robinson estava na lista dos mais vendidos com seu livro
Honest to God76, uma espécie de abertura da nova sinfonia
teológica da secularização – que teve adeptos de peso
teológico, como Paul Tillich, F. Gogarten, R. Bultmann,
entre outros. Quase quarenta anos depois, um outro bispo
anglicano, J. Shelby Spong, proclamou-se discípulo e
continuador de J. Robinson e prosseguiu, numa postura
mais radical, a linha de desmitização da secularização. Ele
continua essa linha, visto duas de suas obras
contemporâneas: Why Christianity Must Change or Die: A
Bishop Speaks to Believers in Exile, 1998 (“Por que o
Cristianismo deve mudar ou morrer: um bispo fala a fieis
no exílio”), e, mais recentemente, A New Christianity for a
New York (“Um novo cristianismo para um novo
mundo”).

    e) Crise da Modernidade

O mundo ocidental vive um momento que só é
compreensível dentro da trajetória maior de um
74 BERGER, Paul. Um rumor de anjos. Petrópolis. Vozes. 1973. P. 7. Apud ibidem. P. 19.
75 Cf. BENT, Ch. O movimento da morte de Deus. Lisboa/Rio de Janeiro. Livraria Moraes. 1968. Apud
ibidem.
76 ROBINSON, J. Honest to God. Bloombury. SCM Press. 196313. Ou, em português: Um Deus
diferente. Lisboa. Livraria Moraes. 1967. Apud ibidem. P. 19-20.
processo 77. Esse processo toma, hoje, a forma de crise de
modelos, paradigmas, valores: é a chamada crise da
modernidade. Modernidade, culturalmente, é o período de
secularização total das artes e das ciências.
Economicamente, o período marcado pelo primado da
produtividade, da intensificação exacerbada do trabalho
humano (que hoje se degenerou em uma civilização do
consumo, da obsolescência imediata e rápida, e do lazer
como impune fruição). Politicamente, pela transcendência
abstrata do estado, marcado por traços como a
institucionalização do individualismo, da propriedade
privada. Cronológica e temporalmente, uma nova
concepção e vivência do tempo, cronométrico, linear e
histórico – não se pensa mais miticamente, mas
historicamente, nem se deixa reger por parâmetros
religiosos, mas por uma nova visão de mundo que não
pretende conhecer absolutos. O progresso era
compreendido como caminhar para frente, avançar,
conquistar, dominar o mundo através da ciência e da
técnica.

Na modernidade, o ser humano – antropocêntrico –
divorciou-se da natureza e de sua relação com o meio
ambiente, colocou-se à parte de toda e qualquer aliança e
verdadeira relação – não apenas com as coisas, mas
também com os outros seres humanos78. Um claro sintoma
disso são os perversos frutos do antropocentrismo
moderno, entre eles o racismo, o etnocentrismo e o
machismo. O ser humano moderno sentiu dolorosamente
uma falência de sentido e, falindo o sentido da existência,

77 Cf. BINGEMER, Maria Clara Luchetti. Alteridade, Vulnerabilidade. Experiência de Deus e
pluralismo religioso no moderno em crise. São Paulo: Ed. Loyola. 1993. P. 13-17.
78 Cf. MIRANDA, Mário França. Um Catolicismo desafiado. Igreja e pluralismo religioso no Brasil.
São Paulo. Ed. Paulinas. 1996. P. 19-27.
o ser humano faliu a si mesmo! Feito para a relação, o ser
humano moderno não consegue relacionar-se com nada
nem ninguém; profundamente emancipado, encontra-se
acorrentado e escravizado em si mesmo, no seu próprio
ego... A razão se tornou a grande companheira do ser
humano moderno: ela foi compartimentando o saber, o
conhecer, e, por conseguinte, o viver da pessoa humana na
modernidade. Ela, com sua visão diferenciada em
subsistemas, substituiu a visão tradicional, que entendia o
mundo como unidade cósmica integrada. Com isso, o
sagrado e o religioso foram excluídos, caracterizados
como pré-científicos e pré-modernos: as respostas para a
humanidade se encontrariam na razão e, não mais, no
sagrado e no transcendente. Entretanto, o primado da
razão instrumental não se mostrou homogêneo e sem
conflitos: os valores existenciais, como o desejo, a
afetividade, o poético, a gratuidade, a relacionalidade,
entre outros, começaram a questioná-lo... Delineia-se, em
várias partes do Ocidente contemporâneo, uma retomada
ou uma nova visibilização do interesse pela religião, pela
transcendência, obrigando a modernidade a confrontar-se
com seu próprio modelo!

Nossos tempos atuais não são mais os mesmos da época
do Vaticano II: alguns contextos da modernidade foram
mudados, outros foram aprofundados. Um neoliberalismo
excludente ocupa o espaço econômico, revelando a face
desumana do capitalismo; a democracia mostra sinais de
inércia, corrupção, com o triste quadro de políticos sem
ética e sem comprometimento social; a cultura pós-
moderna parece dissolver valores cristãos permanentes;
entre outros sintomas desafiadores à fé cristã.
f) Uma ainda não compreensão do que seja a
     salvação

Trata-se da pertinência salvífica das religiões não cristãs,
principalmente, no Brasil, as de origem indígena e
africana. Segundo Mário França de Miranda, a fé cristã
testemunha um Deus que quer a salvação de todas as
pessoas, mas ligamos esta salvação à história e à pessoa de
Jesus Cristo. Hoje, a consciência da fé cristã já reconhece
a possibilidade de certa manifestação de Deus em outras
religiões. Exige-se, como critério, o coração sincero e os
ditames da consciência. Essas religiões são, para o
cristianismo, uma adesão implícita à oferta salvífica de
Jesus Cristo – ou seja: a resposta à proposta salvífica de
Deus ao ser humano pode acontecer diversamente, devido
aos diferentes contextos socioculturais e às várias
tradições religiosas. Aqui entra a importância do diálogo
inter-religioso. Entretanto, uma experiência só é salvífica
para o individuo se for vivida como tal, no contexto
concreto em que se encontra. Isso levou a Igreja a repensar
a questão da inculturação da fé: o que, geralmente, leva as
pessoas a buscarem em outras religiões o que não
encontram na sua é o divórcio entre, de um lado, o
contexto sociocultural onde vivem e, de outro, as
expressões e práticas desta fé. Mesmo o cristianismo não
existe em estado puro, mas expresso no interior de uma
cultura; neste caso, a embalagem pode esconder o
conteúdo, se a fé que ele professa nada disser para homens
e mulheres da outra cultura! O processo de inculturação
da fé e longo e difícil, mas muito necessário; segundo o
Papa João Paulo II: Uma fé que não se faz cultura é uma
fé que não foi plenamente recebida, não inteiramente
pensada , não fielmente vivida79. O agente da inculturação
é a própria comunidade cristã, comprometida com o
Evangelho.

A ação salvífica de Deus dá-se no contexto sócio-cultural:
a fé é sempre inculturada. A história da fé cristã pode ser
estudada a partir da perspectiva do relacionamento entre a
vivência cristã e o seu respectivo contexto. A GS n. 53
oferece a definição de cultura: “Pela maneira diversa de
utilizar as coisas, de trabalhar e de se exprimir, de
praticar a religião e formar os costumes, de estabelecer as
leis e as instituições jurídicas, de favorecer as ciências e
artes e de cultivar o belo, surgem diversas condições de
vida em comum e formas diversas de dispor os bens da
vida...”.

Portanto, a inculturação da fé cristã, nesse nosso contexto
pós-Vaticano II, desafia a Igreja. Para Clodovis Boff80, ela
necessitará ser mística: pneumática e não somente
cristológica, mais sopro que eficiência, mais inspiração
que instituição. Deverá ser orante e adorante. Uma Igreja
amorosa, de comunhão e alegria. Uma Igreja mistagógica,
catecumenal, que caminhe sempre para o encontro vivo
com Cristo. Uma Igreja profética, dialetizando espiritual e
social. A Igreja deverá ser querigmática: apresentar o
anúncio evangélico de Cristo, que nos revelou o Rosto e o
Reino do Pai – um falar de Cristo ardoroso, entusiasmado
e radiante – o que não significa, sem mais, proselitismo
religioso e marketing da fé! A Igreja deverá ser
hospitaleira: que acolha as diferenças, aberta, magnânima
e generosa. Uma Igreja que deverá estar em diálogo com a
dimensão feminina, com as demais Igrejas cristãs e com as
79 Apud ibidem. P. 23.
80 Cf. BOFF, Clodovis. Uma Igreja para o próximo milênio. São Paulo: Paulus. 1998.
outras religiões e com as culturas. E, finalmente, deverá
ser a Igreja da misericórdia, especialmente com o
sofredor, o excluído, o perdido e o inimigo! A
misericórdia está na raiz da bíblica “opção pelos pobres”,
que requer compromisso com a justiça e com a dignidade
da pessoa humana e seu lar, o Universo.

    g) Ecumenismo e diálogo inter-religioso


O ecumenismo e o diálogo inter-religioso, incentivado
pelo Concílio, esbarraram em impasses estruturais,
jurídicos e canônicos, que impedem a plena comunhão ou
criam desconforto – como, por exemplo, a Declaração
Dominus Iesus 81 -, apesar das esperanças provocadas pelos
Encontros do Papa com líderes religiosos de todo o mundo
em Assis (1986 e 2002).

Torna-se difícil falar em diálogo inter-religioso, tendo em
vista a realidade de violência que pontua o cenário
contemporâneo82. Vivemos tempos de acirramento das
identidades e de radicalização etnocêntrica. O horizonte do
pluralismo cultural e religioso nem sempre é acolhido na
sua positividade. O pluralismo provoca uma crise nas
estruturas de plausibilidade que asseguram o nomos das
identidades singulares e das comunidades de sentido. Sua
incidência sobre os sistemas de crença suscita insegurança
intelectual e afetiva, na medida em que rompe os diques de
proteção territorial e convoca ao alargamento das fronteiras.
81 Cf. Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração Dominus Jesus: sobre a unidade e universalidade
salvífica de Jesus Cristo e da Igreja. São Paulo: Loyola. 2000. Apud CLIBÂNIO, João Batista. “A
quarenta anos do final do Concílio”. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=98 .
Texto originalmente publicado no Jornal de Opinião, em abril de 2005.
82 Cf. SUSIN, Luis Carlos (org). Sarça Ardente: Teologia na América Latina: Prospectivas. São Paulo:
Paulinas, 2000. P.415-434.
Texto original de FAUSTINO TEIXEIRA, mas, infelizmente, não temos a fonte do texto...
As religiões, de fato, são marcadas por ambigüidades:
ativaram muitas vezes violências, mas também
favoreceram o crescimento, a generosidade e a
convivialidade. A intolerância não pertence à natureza da
religião: traduz sua desfiguração ou abuso prático e
teórico, o que atraiçoa "o dinamismo mais profundo da
relação com o Absoluto"83.

Neste limiar do terceiro milênio, o diálogo inter-religioso
aparece como um dos desafios mais fundamentais para a
humanidade. Apesar da presença crescente da exclusão e
violência, constata-se o crescimento de uma nova
sensibilidade: a nova consciência da unidade da família
humana, a abertura ao mútuo enriquecimento e cooperação
entre as culturas e religiões em favor da afirmação de vida
no mundo. No campo católico, o Concílio Vaticano II teve
uma importância decisiva nessa abertura dialogal. Essa
nova sensibilidade de comunhão inter-religiosa vem hoje
expressa de formas diversificadas; na América Latina, a
expressão      mais       importante     tem     sido     o
                    84
macroecumenismo .

O diálogo inter-religioso constitui um dos âmbitos de
realização do diálogo: ele diz respeito ao "conjunto de
relações inter-religiosas, positivas e construtivas, com
pessoas e comunidades de outros credos para um
conhecimento mútuo e um recíproco enriquecimento"85.
83 Cf. SCHILLEBEECKX, Edward. Religião e violência. Concilium, 272 (4): 170-171, 1997. Ver também:
MENEZES, Paulo. Tolerância e religiões. In: TEIXEIRA, Faustino, org. O diálogo inter-religioso como
afirmação da vida. São Paulo, Paulinas, 1997. P. 49-50; GEFFRÉ, Claude. Profession théologien: quelle pensée
chrétienne pour le XXIe siècle. Paris, Albin Michel, 1999, pp. 33-35. Cf. DALAI LAMA & CUTLER,
Howard. A arte da felicidade. São Paulo, Martins Fontes, 2000. P. 63-70.
84 Cf. MANIFESTO do I Encontro da Assembléia do Povo de Deus (Quito/Equador., 1992). In:
TEIXEIRA. O diálogo inter-religioso como afirmação da vida. P. 147-151.
85 SECRETARIADO PARA OS NÃO-CRENTES. O Cristianismo e as outras religiões. Sedoc, 17(176):
387, 1984 (n.3). Esse Documento vem conhecido como Diálogo e Missão. Ver também: PONTÍFICIO
CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Diálogo e anúncio. Petrópolis, Vozes, 1991, n.
9. Ver ainda: Theological Advisory Commission of the Federation of Asian Bishops Conferences
No profundo respeito à singularidade de cada interlocutor,
esse diálogo possibilita um compartilhar de vida, de
experiência e de fé, captar o trabalho e a presença do
Espírito. Os outros com os quais se dialoga deixam de ser
estrangeiros ou estranhos, e passam a ser os "nossos
amigos"; navega-se na certeza da universalidade da graça,
na dinâmica do mistério do Deus que é surpresa
permanente86. O diálogo inter-religioso acontece em vários
níveis; é diálogo de vida, de colaboração em projetos
comuns, de partilha teológica e comunhão espiritual, mas é,
antes de tudo, um estilo de ação, uma atitude e um espírito87.
Essa dimensão de corresponsabilidade do diálogo tem sido
bem enfatizada por muitos teólogos das religiões, entre os
quais pode ser mencionado Paul Knitter: para este autor,
as religiões devem assumir a responsabilidade global
contra o sofrimento humano e a destruição das águas e da
terra88.

A emergência de uma nova sensibilidade macroecumênica
constitui uma das grandes novidades da reflexão teológica
latino-americana nestes últimos anos, em particular a
partir da década de 1990. A primeira incidência dessa
temática ocorreu a partir dos autores que trabalhavam com
a questão indígena. A nova reflexão ajudou a ampliar a
visão da Teologia da Libertação, que em sua fase inicial
concentrava-se na questão da classe, do pobre, da luta
social e da política, abrindo espaço, então, para a percepção

(FABC). Theses on Interreligeous Dialogue. FABC Papers (48): 10, 1987 (Thesis 4). Esse Documento foi
igualmente publicado no Brasil: Sedoc, 33(281): 51-73, 2000.
86 Cf. FÉDÉRATION DES CONFÉRENCES ÉPISCOPALES D’ASIE. Ce que l’Esprit dit aux Églises.
La Documentation Catholique, n. 2217, 2 janvier 2000, p. 41. Documento igualmente publicado no
Brasil: Sedoc, 33 (281): 38-50, 2000.
87 Secretariado para os Não-Crentes, art. cit., pp. 387-399, 1984 (em particular nn. 29, 31, 33 e 35).
88 Cf. KNITTER, Paul. Uma terra molte religioni:dialogo interreligioso e responsabilità globale. Assis,
Cittadella, 1998. Cf. TEIXEIRA, Fautino. “O diálogo inter-religioso face ao desafio da responsabilidade
global”. In: Numen, 2(1): 155-170, 1999.
da especificidade étnica89. Xavier Albó sublinhara: "O
problema de ajudar os pobres em sua luta para que cheguem
a superar a pobreza é algo muito diverso da luta para
ajudar o distinto a ser respeitado como distinto. Está
havendo hoje um processo de reflexão sobre o que quer
dizer este ser distinto"90.

Em sintonia com a reflexão sobre a questão indígena,
outros teólogos introduziam na reflexão teológica latino-
americana a problemática da inculturação. Vale lembrar o
papel pioneiro de Marcello Azevedo: a singularidade de
sua reflexão foi mostrar a importância da dimensão
cultural para a reflexão teológica e a necessidade de
conjugação da evangelização da sociedade com a
evangelização da cultura91. Na mesma trilha aberta pelos
teólogos que trabalhavam a questão indígena e da
inculturação, pode ser mencionado também o aporte
trazido pelos teólogos que desenvolveram a problemática
da teologia das religiões afro no Brasil. Já no final dos
anos 70 e início dos anos 80, despontam os primeiros
estudos92. O padre François de l'Espinay inaugurou uma
experiência singular de solidariedade integral com os fiéis do
candomblé na cidade de Salvador (Bahia)93; ele faz uma
crítica radical ao exclusivismo católico, apontando a
riqueza multifacetada da experiência do Deus que fala sob
89 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Panorama da Teologia da América Latina nos últimos 20 anos.
Perspectiva Teológica (63): 173-175, 1992: BOFF, Leonardo & BOFF, Clodovis. Como fazer Teologia
da Libertação. Petrópolis, Vozes, 1986. pp. 46-48. Cf. SUESS, Paulo. Culturas indígenas e
evangelização – pressupostos para uma pastoral inculturada da libertação. REB, 41 (162): 211. 1981.
90 Cf. TEIXEIRA, Faustino (org). Teologia da Libertação: Novos desafios. São Paulo: Paulinas, 1991. P.
104. Cf. VV. AA. O rosto índio de Deus. Petrópolis: Vozes, 1989.
91 Cf. AZEVEDO, Marcello. Comunidades eclesiais de base e inculturação da fé. São Paulo: Loyola,
1986. P. 257-258.
92 Duas teses aparecem sobre o tema nos anos 80: Valdeli Carvalho da Costa. Umbanda. Os “seres
superiores” e os Orixás/santos: um estudo sobre a fenomenologia do sincretismo umbandístico na
perspectiva da teologia católica (São Paulo, Loyola, 1983); Franziska C. Rehbein. Candomblé e salvação:
a salvação na religião nagô à luz da teologia cristã. São Paulo: Loyola. 1985.
93 Cf. L’ESPINAY, François de. A religião dos orixás, outra palavra do Deus único? REB, 47 (187)):
639-650, 1987.
formas muito diversas. O verdadeiro diálogo implica a
acolhida da alteridade que se manifesta nas religiões
afro94.

Na trajetória das CEBs no Brasil, verifica-se de forma bem
nítida esse progressivo processo de abertura ecumênica e
inter-religiosa. No início da experiência, nos anos 60 e 70,
a temática sociolibertadora ocupava todo o repertório das
comunidades. Nessa etapa inicial a sensibilidade para essa
temática era bem menos definida. As resistências à
temática da religião popular e das festas populares
obstruíam um caminho mais promissor de dinâmica
dialogal, mas, paulatinamente, essa sensibilidade foi se
firmando, reforçada pela abertura ecumênica, que pontuou
a história das comunidades desde os primeiros
Intereclesiais nos anos 70. Como sublinha Jether
Ramalho, o compromisso em favor da luta pela justiça
coloca em segundo plano as divisões confessionais95. O
aprofundamento da experiência ecumênica e dialogal foi
sendo reforçado ao longo da experiência das CEBs,
ganhando uma expressão mais decisiva no final dos anos
80 e inícios dos anos 90. A participação dos evangélicos,
indígenas e membros das tradições afro foram ganhando
densidade nos Intereclesiais.

O Concílio Vaticano II reconheceu, no Decreto sobre o
ecumenismo (Unitatis redintegratio), ao falar sobre a
índole própria da teologia dos orientais, a singularidade de
métodos e modos diferentes para conhecer e exprimir os
mistérios divinos. O documento sublinha que "alguns
aspectos do mistério revelado" podem ser "captados mais

94 Cf. FRISOTTI, Heitor. Passos no diálogo: Igreja católica e religiões afro-brasileiras. São Paulo:
Paulus, 1986. Pp. 57-69.
95 Cf. RAMALHO, Jether Pereira. Ecumenismo brotando da base. Sedoc, 11 (118): 842-845, 1979.
congruamente e postos em melhor luz por um que por
outro" (n. 17). Nesse sentido, pode-se afirmar que a
plenitude do mistério de Deus não se esgota numa
experiência revelacional particular. Estas reflexões
favorecem a tomada de tons, ciência da presença de um
pluralismo de princípio ou de direito, que vem
reconhecido como uma riqueza, um sinal da livre
criatividade de Deus. A Igreja vem convocada a valorizar
"todas as riquezas da sabedoria infinita e multiforme de
Deus" 96.

    h) Desafios éticos e morais

As questões da moral, tocantes ao campo da vida, da
sexualidade, da família, da ordem político-econômica
parecem chagas expostas. O pano de fundo para a análise
das questões éticas e morais é o da relação. O ser humano,
somente saindo de si permanece em si, somente dando
recebe: a pessoa é uma substância relacionada (“quem
quiser reter a sua vida....” – Mt 16,24-25).

Mas toda relação corre riscos; um perigo é o de se
valorizar a relação, sem ter em conta a pessoa que se
relaciona. A verdadeira relação é sempre um êxodo –
buscar e ir ao “tu” do outro, por cima dos próprios
interesses ou, até, contra eles. Isto é se autotranscender,
que só é possível pela relação que se estabelece com o
Absoluto, presente nas relações interpessoais sustentadas
pelo bem e pelo amor. A experiência da transcendência
nas relações abre-se ao infinito: realmente, ao meu desejo

96 Diálogo e Missão, n. 41. Para a fundamentação desta questão cf.: GEFFRÉ, Claude. Profession
Théologien: quelle pensée chrétienne pour le XXI e siècle. Paris, Albin Michel, 1999. P. 138-139;
DUPUIS, Jacques. Rumo a uma Teologia cristã do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999. P.
526-528.
de comunhão e de diálogo, de amor e de superação,...,não
encontramos resposta na experiência de cada dia – nesta
experiência de finitude se faz presente a infinitude. Este
núcleo pessoal existente, que entra em relação, carece da
relação com Deus.

Sabemos que a graça feita a nosso mundo, em sua
universalidade e de modo definitivo, veio por Jesus Cristo
(cf. Jo 1,17) e ela entrou para sempre no mundo sob uma
forma corporal97. Salvos por Jesus Cristo, somos membros
de seu Corpo Místico. De tais afirmações, advêm algumas
consequências: o criado, o todo, possuem um corpo, uma
“carne” - somos corpos que se relacionam na afetividade.
Muitos autores reconhecem, hoje, uma vigência da
afetividade nas relações interpessoais98. Primeiramente, a
afetividade é integradora da unidade da pessoa – um
princípio psicológico, e, ao mesmo tempo, espiritual;
devemos lutar contra um dualismo que destrói a pessoa
humana, do mesmo modo que urge uma integração dos
elementos que se apresentam, na pessoa, como díspares.
Em segundo lugar, é imprescindível não dissociar a
afetividade da caridade: ela é amor afetuoso. Em terceiro
lugar, devemos estabelecer a insuficiência do
compromisso sem a gratuidade – ambos são essenciais,
mas geram desequilíbrios quando desarticulados. O quarto
ponto é a relação cristianismo & ética – devemos superar o
mero cumprimento em atitudes segundo o Evangelho.
Devemos tabular uma nova relação com Deus, com
afetividade, inclusive na oração. A quinta observação
refere-se à insuficiência da vivência do cristianismo como
mero cumprimento de práticas, ou seja, não devemos

97 Cf. CONGAR, Y. Cette Église que j´aime, ob. cit. P. 45-46.
98 Cf. GAMARRA, S. Teologia espiritual. Sapientia Fidei – Serie de Manuales de Teologia. Biblioteca
de Autores Cristianos. Madrid. 1997. P. 146-148.
seguir a Jesus para fazer-nos filhos, mas devemos fazê-lo
sendo já, n’Ele, filhos. É insuficiente, igualmente, o
conhecimento racional sem a afetividade – somos um
todo: para o conhecimento profundo das pessoas e de
Deus, é de todo necessário o amor; entretanto, o amor, que
deve procurar o bem da pessoa, deve perguntar-se pelo
bem objetivo dela, porque, mesmo com muito boa vontade
e com muita afetividade, pode-se prestar um des-serviço à
pessoa amada. A caridade, o amor, a afetividade são o que
estruturam a pessoa humana.

Uma das formas mais sublimes de amor é o toque.
Buscamos, aqui, resgatar a questão do corpo, tão em voga
e, ao mesmo tempo, tão carente de referenciais profundos,
que suplantem um dualismo nocivo e desintegrador de
nossas relações. O cristianismo foi moldado, entre outros
dogmas de fé, pela crença na ressurreição do corpo: os
cristãos esperavam que o corpo, em vez de ser abandonado
no momento da morte, seria transformado naquilo que São
Paulo chamou de “corpo espiritual” (1Cor 15,42-44)99,
equivalente ao da primeira criação (cf. Gn 3,21),
desfigurado em finitude através da queda, mas capaz de
eliminar estas expressões finitas através de rigores
ascéticos. Reconhecemos que é uma brevíssima exposição,
mas suficiente para que percebamos que não é o corpo
finito que o cristianismo valorizou, mas sua capacidade de
ser purificado de todos os limites finitos. Com R. Ruether,
refletimos que o mundo medieval valorizou o material-
corporal e os corpos virginais e martirizados dos santos,
mas, apenas, como manifestações que apontam para um
corpo transformado, liberto da “escória” mortal. A
Renascença, a Reforma e o início da ciência moderna
99 Cf. RUETHER, R. R., “Refletindo sobre criação e destruição – Reavaliação do corpo no
ecofeminismo”. In: Concilium 295 – 2002/2. Petrópolis: Vozes. P. 44[180]-54[190].
representam uma série de mudanças nesta visão,
constituindo, ao mesmo tempo, uma recuperação do
mundo da natureza como esfera humana de poder e
controle e a perda da noção de corpo sacramental. A
primeira ciência moderna, a princípio, exorcizou da
natureza as forças demoníacas; mas, no século XVII, as
tradições mais animistas dos “mágicos da natureza” foram
desbancadas por um dualismo entre intelecto
transcendente e matéria morta. Este processo de controle
sobre a natureza através da aplicação tecnológica do
conhecimento científico, começou a trazer grandes lucros
na revolução industrial dos séculos XVIII-XIX,
precedidos desde o século XVI pela abertura, pelo
colonialismo, de novas e amplas fontes de riqueza das
Américas, Ásia e África, reduzindo suas populações à
escravidão.

O que aconteceu num breve período de 3/4 de século de
progresso infinito já o sabemos bem; vários teólogos
atualmente preocupam-se claramente com tais efeitos
sobre as relações. R. Ruether nos alerta que, repensar
nossa relação com o corpo e com a natureza, implica
também repensar as relações com aqueles grupos de
pessoas que, segundo nossa visão estereotipada, são
identificadas com ele (e, não, com a mente): as mulheres,
os negros e indígenas, a classe trabalhadora e os pobres.
Urge uma nova ética de reciprocidade, que orientará as
relações entre nós mesmos, como também nossa relação
com nosso corpo e com o mundo corpóreo de plantas e
animais, terra, ar e solo, que sustenta a nossa vida. Afinal
de contas, este mundo nosso é, metaforicamente, corpo de
Deus, como nos oferece a reflexão de S. McFague100: se a
100 Cf. MC FAGUE, Sallie. “O mundo como corpo de Deus”. In: Concilium 295-2002/2. Petrópolis:
Vozes. P. 55[191]-62[198].
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Concílio Vaticano II: Sinais dos Tempos e o Agir Cristão

  • 1. Assembleia Nacional do CNLB – 07-10/06/2012 Tema: Concílio Vaticano II: Sinais dos Tempos e o Agir Cristão Objetivos: buscar o que nos reencanta como leigos e leigas a partir do Vaticano II; como as novas diretrizes da CNBB nos animam na caminhada. Assessoria: Eva Aparecida Rezende de Moraes – evarem2010@gmail.com (21) 9881-4102 PARTE I: O CONCÍLIO VATICANO II 1. Introdução Este ano – 2012 – foi proclamado pelo nosso Papa Bento XVI como o “Ano da Fé”, devido aos 50 anos do início do Concílio Vaticano II. Em 28 de outubro de 2008, pela Rádio Vaticano, a voz de nosso Papa Bento XVI já se fazia ouvir, saudando o Concílio Vaticano II que, segundo ele, foi um “extraordinário evento eclesial”, “nascido do coração de Deus”, por meio de uma intuição de João XXIII, e que teve, em João Paulo II, “um intérprete qualificado e uma testemunha coerente”1. Com essas palavras, Bento XVI saudou, na época, os participantes do Congresso Internacional, intitulado "Cristo-Igreja- Homem. O Vaticano II no pontificado de João Paulo II", organizado pela Pontifícia Faculdade Teológica "São Boaventura", de Roma. 1 Cf. http://www.catedralsaojose.org.br/catedral2011/noticias/6446-bento-xvi:-diretrizes-do-vaticano-ii- permanecem-atuais-para-a-igreja-e-o-homem-de-hoje.html .
  • 2. A afirmação segundo a qual o Vaticano II “nasceu do coração de Deus” dá a noção exata da importância que Bento XVI atribui a esse histórico encontro eclesial que, 50 anos atrás, foi a locomotiva do profundo processo de renovação da Igreja contemporânea. Esse processo ainda não se encerrou e se mostra inesgotável, pois continua apresentando “chaves de leitura atuais”, tanto para as instâncias eclesiais quanto para a sociedade de hoje. O Papa Bento XVI acrescentou, em sua mensagem, que, para o Papa Roncalli (João XXIII), o motivo fundamental para a convocação do Vaticano II foi tornar possível ao homem de hoje a salvação divina – perspectiva de fundo sobre a qual os padres conciliares trabalharam. Para Bento XVI, “os documentos conciliares não perderam a atualidade, com o passar dos anos”, mas, ao contrário, se revelam “particularmente pertinentes, em relação às novas instâncias da Igreja e da sociedade globalizada atual”; o papa ainda recorda que “todos nós somos realmente devedores desse extraordinário evento eclesial”. O papa Bento XVI terminou essa locução, dizendo que “a multiplicidade de heranças doutrinais que encontramos em suas constituições dogmáticas e em suas declarações e decretos nos estimula, ainda hoje, a aprofundar a Palavra do Senhor, para aplicá-la à atualidade da Igreja, tendo presente as numerosas exigências dos homens e das mulheres do mundo contemporâneo, que têm grande necessidade de conhecer e experimentar a luz da esperança cristã”. É bom sempre lembrar que Bento XVI – então teólogo Joseph Ratzinger – foi um dos artesãos que teceram o
  • 3. Concílio Vaticano II. É-nos difícil especificar quando começou este Concílio. Sabemos com detalhes sua abertura e sua realização, mas quando ele foi gestado2? Estudando os Concílios, percebemos que eles “brotam” da história, das questões da vida e, geralmente, das controvérsias. O Vaticano II nasceu de uma série de fatores, como veremos logo a seguir, e foi tecido por muitas mãos! São alguns dos seus “protagonistas”: de Bea, Ottaviani, Ruffini, Frings, Léger, Suenens, Lercaro, Liénart, Máximos IV, Montini, Larraín, Malula. Alguns de seus peritos foram: Tromp, Schillebeeckx, Congar, Ratzinger, Rahner, Daniélou. Quanto aos organizadores, podemos destacar: o jesuíta Gréco (artífice da unidade do episcopado africano) e Prignon... Mas o Concílio teve muitos “artesãos” anônimos: ele foi gestado pelo amadurecimento eclesiológico de muitas e brilhantes pessoas, envolvidas com o destino da Igreja! Uma das funções dos seus protagonistas foi serem a voz destas pessoas. No dia 20 de outubro, o Vaticano II aprovou e enviou uma mensagem ao mundo, primeiro fruto de debate do Concílio: “Voltamos sem cessar nossa atenção para todas as angústias que hoje afligem os homens; nossa preocupação, por isso, volta-se para os humildes, os mais pobres e mais fracos; a exemplo de Cristo, sentimos dó da multidão que sofre fome, miséria e ignorância; sem cessar, voltados para aqueles que, desprovidos das ajudas necessárias, ainda não chegaram a um modo digno de vida. Por esses motivos, ao desenvolver nossos trabalhos, teremos em grande consideração tudo o que diz respeito à 2 Cf. CONGAR, Y. M-J.; DUPUY, B. D. L’Épiscopat et l’Église Universelle. Paris. 1964. Principalmente Capítulo IV. P. 441-478.
  • 4. dignidade do homem e contribui para a verdadeira fraternidade dos povos”3. Não se sabia ao certo sobre o que seria o Concílio Vaticano II; muitos o sentiam como um risco e um possível desdobramento de pressões centrífugas; muitos estavam temerosos de que se tornasse um Concílio meramente cerimonial. Havia, portanto, grande expectativa, muito despreparo e pouca experiência, além do costume que os bispos tinham de, geralmente, delegar as causas maiores a Roma – nem os próprios núncios ou delegados com os quais o episcopado estava em contato tinham ideia clara do que seria o Vaticano II... Os bispos não tinham a experiência das Assembleias parlamentares da democracia ocidental e, além disso, no Concílio Vaticano I, as Congregações romanas submeteram o resultado dos votos dos membros à decisão do papa... Mas, para o papa João XXIII, o Concílio Vaticano II era o caminho para renovar a missão da Igreja, frente aos problemas do mundo e dos pobres e frente aos anelos de paz do mundo. Era necessário que a Igreja quisesse ser uma Igreja-para-o- mundo, na segunda metade do século XX: ao reconhecer a autonomia do temporal, afirmando um novo tipo de bispo e de papa, a Igreja queria ser a consciência evangélica do mundo e lhe oferecer seus serviços para ajudar a resolver seus problemas. Se a Igreja deve exercer, no mundo, sua função profética, lhe é preciso uma colaboração, desde a base – um magistério e uma teologia assim querem a 3 AS I/1. P. 230-232. Apud ALBERIGO, G. (direção); BEOZZO, J. O. (coordenador da edição brasileira). História do Concílio Vaticano II. Volume 2 (A formação da consciência conciliar – o primeiro período e a primeira intercessão – outubro de 1962 a setembro de 1963). Petrópolis. Editora Vozes. 2000. P. 62.
  • 5. cooperação de todo o povo de Deus; por isto, é lamentável o Decreto Ad Gentes (AG) nº 5, que coloca a missão da Igreja, primeiramente, sobre o corpo ou colégio dos bispos, presidido pelo sucessor de Pedro e, em segundo lugar, sobre toda a Igreja, ferindo a lógica profunda da eclesiologia da Constituição Dogmática Lumen Gentium (LG), que fala, primeiramente, do povo de Deus, e, depois, de cada tipo de membro! Por época do falecimento de João XXIII, a Igreja recebeu o novo papa: Paulo VI. Este participara tanto da preparação como do primeiro período conciliar. O novo papa possuía caráter e formação, longa experiência de serviço na Cúria Romana e uma viva preocupação de garantir o máximo consenso nas decisões que o Concílio buscava produzir. Nos primeiros cem dias do sucessor, o mundo ainda sentia uma profunda emoção pela morte de João XXIII, uma sensação de terem ficado órfãos. Paulo VI sentia este e outro peso: a continuidade do Concílio. Entre o primeiro e o segundo períodos, suas intervenções mais relevantes foram: a decisão de antepor, aos trabalhos da Assembleia e de suas Comissões, um órgão colegiado de direção (os “moderadores”), e a admissão de “‘auditores’ leigos”. Mas o novo papa enfrentava grandes expectativas: com que sentimentos os bispos retornariam a Roma? Como se portaria a continuação do Concílio, frente às mudanças no grande cenário mundial da época? Disporia, o Concílio, de um patrimônio de reflexão capaz de sustentar adequadamente uma formação conciliar? Para onde caminharia a Igreja?
  • 6. Em épocas tranquilas, a Igreja sentiu-se segura e recorreu a uma prova baseada no caráter ininterrupto e inalterável de sua Tradição4; em épocas modernas, este argumento perdeu sua força. Em momentos de transição, uma das posições da Igreja pode ser a de refugiar-se em si mesma ou voltar-se radicalmente às suas origens e assumir com resolução sua tarefa frente ao mundo. A Igreja do Concílio optou pela segunda postura. A consciência da Igreja comoveu-se ao encontrar-se em um mundo radicalmente transformado, que não era mais seu teto e seu solo: des- tetada e des-solada, a Igreja perguntou-se de seu firmamento e fundamento, o que é que a constitui e a diferencia, porque está no mundo e qual sua esperança. Ela re-descobriu o que é mutante através do permanente e a Tradição através da reforma. Tradição não é sinônimo de estagnação, mas abarca reforma, fidelidade e conversão, que não estão em contradição dentro da história do Espírito! Uma Igreja autêntica e genuína não se inquieta somente devido à agitação social à sua volta, mas leva esta inquietação em si mesma, por remeter-se ao Cristo e ao Espírito. Além das dimensões missionária e escatológica, outro aspecto muito caro ao Vaticano II foi o horizonte ecumênico, no qual a comunidade-Igreja perde seu caráter particularista. O caminho do movimento ecumênico foi claro: do anátema ao diálogo, do diálogo à cooperação na práxis e, da cooperação ao concílio. O viver ecumênico de modo conciliar não significou ausência de conflitos, mas deixar-se aconselhar pelas outras igrejas. 4 Cf. MORAES, E. A R. Um líquido precioso em vaso de barro: a Trindade presente na Igreja. Tese de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. 1999. P. 72s.
  • 7. Assim, o Vaticano II se distingue muito mais pelo novo espírito, que pelas novas explicitações da doutrina cristã5. O que foi especificamente novo foram: a atitude pastoral, ecumênica e missionária perante o mundo de hoje; o espírito de abertura a novos valores; a disposição em dialogar e até cooperar com os não católicos, os não cristãos e os não crentes; o clima de compreensão dos outros; a convicção de ser apenas o sinal, o instrumento ou o sacramento (= mysterium) do Senhor glorificado; o conhecimento de dever aparelhar-se para ser de fato o sacramento universal de salvação; a sua afirmação sobre os caminhos de salvação sobrenatural que só Deus conhece; a sua maior confiança na presença e na ação do Espírito Santo; o seu admirável cristocentrismo; a redescoberta da liturgia como principal meio de santificação; a ênfase com que busca uma vida cristã mais personalista e ao mesmo tempo comunitária que se realiza na caridade; o reconhecimento dos sinais dos tempos como manifestação da vontade de Deus; a consequente manifestação da vontade de Deus; a consequente valorização do existencial e das situações concretas; no seu novo conceito de unidade (que não é sinônimo de uniformidade) e catolicidade (que admite e deseja o pluralismo teológico, litúrgico, disciplinar e espiritual); a sua surpreendente humildade em reconhecer os próprios limites e sombras; o seu decidido propósito de renovar e purificar a face da Igreja; a sua intenção de identificar-se mais com Cristo e seu Evangelho; a sua maior compreensão da força da Palavra de Deus; a sua determinação para o serviço, sobretudo dos pobres e humildes; o abandono do juridicismo e do extrinsecismo; o seu comportamento menos triunfalista; o seu maior 5 Cf. Cf. MÖELLER, C. “O Fermento das Idéias na Elaboração da Constituição”. In: A Igreja do Vaticano II. Editora Vozes. 1965. P. 16-17.
  • 8. respeito à liberdade e aos direitos universais e inalienáveis do humano e da consciência reta; o seu reconhecimento de autonomias; a sua confiança no humano e em sua dignidade e seu senso de responsabilidade; o seu otimismo perante as realidades terrestres; a sua vontade de ajudar na construção da cidade temporal e no desenvolvimento dos povos; a sua disposição de desligar-se dos compromissos humanos; a sua renúncia ao fixismo e legalismo; a sua consciência de ser peregrina, essencialmente escatológica, sempre em marcha, inacabada, dinâmica, viva, colocada na história do presente, um mundo que passa, entre criaturas que gemem e sofrem, até que Ele volte... Por ser menos inibida e formalista, a Igreja do Vaticano II se tornou, na verdade, mais rica e espontânea, mais humana e cristã e, por ser menos legalista e juridicista (o que, evidentemente, não impede a existência de leis necessárias e estruturas), sobretudo por ser menos minuciosamente determinada e organizada, ela pode ser mais sinal e instrumento vivo do Espírito Santo6. As excessivas determinação e organização correm sempre o perigo de não deixar suficiente lugar ao Espírito Santo: o homem, mesmo o cristão, até o Papa, pode extinguir o Espírito – tudo irá bem, “contanto que os [hierarcas] se deixem instruir pelo Espírito de Cristo que os vivifica e guia” (PO 12c/1183). Para a Igreja cumprir sua missão, ela necessita, a todo momento, perscrutar os sinais dos tempos (GS 4a/205; 11a/232; 44b/340). [Apenas] Neste sentido, a Igreja (suas verdades e suas práticas) é, necessariamente, relativa e mutável – sem isto, ela não estaria em condições de cumprir sua missão pastoral, que é a mais importante. Houve, no Concílio, notável 6 Cf. ibidem. P. 18.
  • 9. transposição de acentos – entretanto, mudança de acento não significa nem implica alteração na doutrina: o acento é acidental, mas é precisamente o acidente que dá o colorido e o estilo. 2. O Concílio Vaticano II Não é possível entender o impacto e a novidade avassaladora que foi o Concílio Vaticano II, se não nos detivermos em seu pré-texto e con-texto. É o que buscaremos mostrar nesse primeiro item de reflexão. 2.1 – Pré-texto O Concílio Vaticano II encerrou a longa etapa da Contra- reforma e da neocristandade 7. Esse período se caracterizou por um modelo de Igreja que prevaleceu durante os séculos que se seguiram e que ficou conhecido como “a Igreja da Contra-reforma” 8. Ele valorizava a necessidade de se salvar a alma e evitar a condenação eterna, sendo o principal caminho para tal objetivo a prática sacramental. Além dos sacramentos, exigia-se, do fiel, professar e obedecer a doutrina da fé e da moral ensinada pelo magistério da Igreja. A identidade da Igreja se moldava pelo modelo de São Roberto Bellarmino 7 Cf. LIBÂNIO, João Batista. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=102. Texto publicado, inicialmente, pela Unisinos, em 2005. 8 O autor J. Delumeau nos ajuda a compreender essa figura de Igreja surgida depois da Reforma Protestante: ele considera um mito a ideia de uma massa cristã essencialmente rural na Idade Média; segundo ele, havia um grupo bem evangelizado de cristãos. O povo professava uma religiosidade voltada para as realidades deste mundo, por meio das devoções, promessas e ritos, mas voltados para resolver os problemas imediatos da vida cotidiana. Cf. DELUMEAU, J. Le catholicisme entre Luther et Voltaire. Paris: Presses Universitaires de France. 1971. P. 5. Apud ibidem.
  • 10. (1542-1621): o de uma Igreja como comunidade dos homens reunidos mediante a profissão da verdadeira fé, a comunhão dos mesmos sacramentos, sob o governo dos legítimos pastores, e, principalmente, do único vigário de Cristo sobre a terra, o Romano Pontífice. Não se exige nenhuma virtude interior: basta professar exteriormente a fé e participar visivelmente dos sacramentos... Enquanto a Igreja Católica reforçava mais e mais essa visibilidade sacramental, as Igrejas saídas da Reforma insistiam na fé fiducial (sola fide), na graça imputada (sola gratia) e no livre exame da Escritura (sola scriptura). Ao defrontar-se com a modernidade, a Igreja Católica acentuou ainda mais a visibilidade sacramental, a ortodoxia das verdades de fé e da moral, e a obediência à hierarquia em oposição à autonomia da razão científica e à liberdade dos sujeitos, tão afirmadas pela cultura moderna9. A teologia que embasava esse modelo eclesiológico nutria a obsessão das definições essenciais para exprimir a substância mesma das coisas, das verdades, da fé, do dogma – chamada de teologia dogmatista por Cl. Geffré. As respostas já vinham prontas dos catecismos e manuais, que permaneceram intocados durante séculos, visto que as modificações não afetavam realmente o conteúdo. Subjazia, a essa teologia, uma posição dualista da realidade humana: natureza/graça, ou, natural/sobrenatural... Este era o contexto eclesiástico principal que prevalecia na Igreja. No Concílio Vaticano I, foram firmadas as definições do Primado e da Infalibilidade do Magistério Pontifício, concentrando mais e mais a compreensão de 9 Cf. LIBÂNIO, João Batista. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=102.
  • 11. Igreja na pessoa do Papa. Muitos pensaram, por época do anúncio do Concílio Vaticano II, que este seria unicamente para reafirmar as verdades de Trento e do Vaticano I e denunciar os erros surgidos na modernidade mais recente. Fatores externos e internos da Igreja provocaram o desmoronamento dessa concepção de Igreja, abrindo o espaço para a novidade do Concílio Vaticano II... Assim, nas primeiras décadas do século XX, a Igreja se apresentava como uma sociedade organizada, constituída pelo exercício de poderes investidos no papa, nos bispos e nos sacerdotes – a eclesiologia consistia, quase que exclusivamente, em um tratado de direito público10. Yves Congar criou, em 1930, a palavra “hierarquiologia” para referir-se a esse modelo de Igreja; mas a Tradição católica nos dava outra ideia de Igreja: uma Tradição mais antiga e mais profunda que os esquemas jurídicos e puramente hierarquiológicos que prevaleceram na polêmica anticonciliarista, depois antiprotestante, na restauração da época de Gregório XVI e de Pio IX, e nos manuais apologéticos modernos... Portanto, esperava-se que o aggiornamento proposto pelo Concílio Vaticano II apresentasse um modo de ser, de falar e de se comprometer que respondesse às exigências de um pleno serviço evangélico do mundo. 2.2 – Con-texto Por volta do fim da guerra de 1939-1945 e no imediato pós-guerra, a necessidade da reforma na Igreja tomou uma magnitude e uma urgência novas: foi uma “explosão” de 10 Cf. CONGAR, Yves. Ministères et Communion Ecclésiale, ob. cit. P. 10-11.
  • 12. reformismo 11. O movimento litúrgico, por exemplo, não teria sido o que ele foi se não tivesse sido precedido pelo esforço dos pesquisadores; o mesmo com o movimento apostólico; a própria eclesiologia, que nada mais é do que o prolongamento ou a aplicação da pastoral... Em 1962-1963, eram exigências imperiosas para a Igreja: superar a antropologia da Escolástica, reintegrar a pneumatologia na concepção da Igreja, ir além da problemática Igreja-Estado e promover a unidade dos cristãos (sem uniformismos nem “retornos”)12. A ideia de Corpo místico (a qual muitos Padres do Concílio Vaticano I haviam preterido à ideia de sociedade) foi uma alegre redescoberta: apareceram, nos anos de 1920-1925, mais artigos sobre o Corpo místico do que nos vinte anos precedentes! Assim, este recentramento sobre o Cristo e o mistério cristão, alimentado pelo movimento litúrgico, seduzia! Algo somente explicado pelo novo contexto, uma reação ao estado anterior de coisas, quando o papa Pio X escrevera: “Somente na hierarquia residem o direito e a autoridade necessários para promover e dirigir todos os membros para o fim da sociedade. Quanto à multidão, ela não possui outro direito que aquele de se deixar conduzir e, docilmente, seguir seus pastores”13. No entanto, no pós- guerra dos anos 46-47, os leigos e as leigas não eram mais vistos assim: a questão do estatuto e do papel dos leigos na Igreja se impôs de uma maneira inteiramente nova14. 11 Cf. idem. Vraie et fausse reforme dans l’Église, ob. cit. P. 28; 9-12; 44-45. 12 Cf. ALBERIGO, G. (direção); BEOZZO, J. O. (coordenador da edição brasileira). História do Concílio Vaticano II, ob. Cit.. P. 516-519. 13 Encíclica Vehementer Nos, de 11/2/1906. ASS 39 (1906). Apud CONGAR, Yves. Ministères et Communion Ecclésiale. P. 12. 14 Cf. CONGAR, Yves. « Sacerdoce et laïcat dans l’Église ». In : Vie Intellectuelle 14 91946). P. 6-39 e em Masses Ouvrières 18 (1946). P. 19-56. Idem. I »Pour une théologie du laïcat ». In : Études, janeiro 1948, p. 42-54, e fevereiro 1948, p. 194-218. Apud ibidem. P. 13.
  • 13. Sinais preconizadores do Vaticano II foram, principalmente: a ultrapassagem de uma eclesiologia “hierarqueológica” e do juridicismo; o primado dado à ontologia da graça; o batismo, em conexão com as situações do Povo de Deus na sociedade e na Igreja; a concepção apostólica do sacerdote; o lugar da Palavra e da catequese; o reconhecimento dos carismas e dos ministérios. Não se discutia o adaptar, mas reformular as realidades cristãs, em resposta à contestação de um mundo do qual o homem se sentia o centro15. O Vaticano II foi movido pelos sinais do seu tempo... A Europa terminou a Segunda Guerra em ruínas materiais e espirituais, ainda sob o impacto dos inomináveis crimes cometidos pelo nazifascismo; surge uma crise de valores, de credibilidade, de verdade, de ética; início de um processo de reerguimento econômico jamais visto, principalmente com uma nova industrialização; triunfo da economia de mercado; por outro lado, pressão dos movimentos sociais e da Doutrina Social da Igreja; entre outros sintomas16... Convívio nebuloso de duas realidades paradoxais: de um lado, o abismo de miséria física e moral e, do outro, uma euforia de natureza materialista, de confiança no modelo econômico americano e na sua cultura, marcada por um regime democrático de separação Igreja/Estado. Aprofunda-se a descolonização na África e na Ásia: o Terceiro Mundo ascendia, reinando um clima libertário... Os sinais assinalavam que a modernidade se impunha fora do ambiente eclesiástico com força crescente: quatro sinais dos tempos da cultura moderna foram decisivos para 15 Cf. idem. Introdução ao Mistério da Igreja. P. 44. 16 Cf. LIBÂNIO, João Batista. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=102.
  • 14. modificar profundamente o contexto envolvente do Concílio. O primeiro forte sinal da modernidade, segundo João Batista Libânio, foram as ciências modernas, que desfizeram a imagem do mundo antigo – que já começara a desmoronar em séculos passados, com Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642) e Isaac Newton (1642-1727)17. No período próximo do Vaticano II, circulavam as teorias darwinianas do evolucionismo, apresentando um ser humano que se originava de ondas evolutivas, fato corroborado por diversas descobertas científicas. O segundo sinal se deu com a emergência da subjetividade: a tomada de consciência, por parte do sujeito moderno, de sua liberdade, autenticidade e autonomia. Este sinal era bem forte, se posto em contraste com a situação anterior do ser humano frente à história: a de dependência das forças da natureza, das tradições familiares, religiosas e culturais. O ser humano da segunda metade do século XX as fazia, agora, passar pelo crivo de sua própria experiência; verdades e valores que, antes, se impunham pela força da autoridade e das tradições, passavam a ser questionados pelas pessoas. O terceiro sinal foi a relativização dos conhecimentos, através do uso da metodologia histórica, que quebrou a rigidez escolástica; e, finalmente, um quarto sinal vinha da 2a Ilustração, que levantara a suspeita de alienação no agir das Igrejas, através da teoria marxista e sua categoria da “práxis”. Na Europa, antes do Vaticano II, começara a se gestar um pensamento crítico contra posições ideológicas conservadoras dos cristãos no campo da política – um dos fatores do surgimento de uma secularização das instâncias religiosas. 17 Cf. GUSDORF, G. A agonia da nossa civilização. São Paulo: Convívio. 1978. P. 32s. Apud ibidem.
  • 15. Desde o século XIX e, sobretudo, na primeira metade do século XX, explodiu, dentro da Igreja católica, uma série de movimentos que carregavam dentro de si essas e outras demandas. Frente a elas, ainda segundo João Batista Libânio, duas reações atravessavam a Igreja, no final da década de 50: uma nítida resistência aos embates da modernidade e um penetrar dela na Igreja pela via dos movimentos de renovação, que brotavam nos diversos campos da vida eclesial (especialmente, o movimento bíblico18, o movimento litúrgico19, o movimento ecumênico20, o movimento dos leigos21, o movimento teológico22 e o movimento social23). O Concílio Vaticano 18 Pio X aprovou medidas restritas nas investigações bíblicas, por meio de Declarações da Comissão Bíblica de Roma (DS 3505-3528), mas fundou o Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, que se entregou a investigações sérias no campo bíblico, trazendo avanços na compreensão da inspiração, da inerrância na Escritura, da redação dos livros bíblicos. Pio XII apoiou os trabalhos corajosos de exegetas do Pontifício Instituto Bíblico, que usavam métodos modernos. Cf. ibidem. 19 Ressaltava as reivindicações modernas da existencialidade (celebrações não distantes das experiências das pessoas), compreensibilidade do que se celebra e participação (subjetiva e intersubjetiva). Cf. ibidem. 20 O modelo tridentino, que abrira um embate com a Reforma e com a modernidade, era alimentado pelo espírito apologético. No início, a Igreja trabalhou com a imagem de ser ela o redil, que acolheria de volta as ovelhas que a Reforma afastou, mas o movimento ecumênico exigiu um espírito de diálogo e de respeito à verdade do outro. Cf. ibidem. 21 O modelo tridentino reforçava a estrutura clerical; diante dele, se afastaram da Igreja aqueles leigos que já não conseguiam articular os ensinamentos dogmáticos e morais oficiais com a sua mentalidade moderna; principalmente dois grupos se afastaram: o mundo operário e as classes ilustradas. Outros leigos permaneceram no interior da Igreja, seja por submissão, seja por uma profunda fé que não lhes permitiu se afastarem da Igreja. Um terceiro grupo – principalmente de operários e ilustrados liberais – constituiu movimentos de leigos, que buscavam o difícil equilíbrio entre a fidelidade e a crítica. A Ação Católica da década de 50 e 60 foi uma bela página dessa história. Neste contexto, emergiu a extraordinária figura do sacerdote belga J. Cardijn (1882-1967), que intuíra a importância de viver a fé inserida no próprio meio. A Ação Católica preparava o jovem para manter a dupla fidelidade à fé e o fazia evangelizador de seus companheiros jovens; os “padres operários” serviram de ponte para a modernidade operária e a Igreja. A Ação Católica formou um leigo autônomo, crítico, com iniciativas. O movimento leigo teve um reforço na teologia do laicato de Yves Congar e à influência de J. Maritain e E. Mounier. Cf. ibidem. 22 A teologia se confrontou com a modernidade. As primeiras tentativas de aproximação com o pensamento moderno aconteceram no século XIX, por meio da Escola de Tubinga. O movimento que mais marcou o contexto teológico anterior ao Concílio, chamou-se “Nova Teologia”, cuja plataforma de ação foi lançada por Jean Daniélou (cf. J. Daniélou. “Les orientations présentes de la pensée religieuse”. In: Études 249, 1946). No campo teológico, eram exigências da modernidade: a dimensão de sujeito, as experiências do homem moderno, a ciência, a história, a literatura, a filosofia e uma compreensão global da existência. Essa nova teologia usou os métodos crítico-históricos na interpretação da Escritura; valorizou, na concepção de Igreja, as dimensões de mistério, de comunidade e de participação; olhava as realidades terrestres com olhar otimista, percebendo nelas a presença e ação de Deus; buscava uma compreensão integrada das dimensões natural e sobrenatural; defendia uma intelecção processual e histórica das verdades de fé, em oposição ao fixismo e formalismo da letra; dialogou com a concepção evolucionista de Teilhard de Chardin; entre outras. Mesmo que uma intervenção romana lhe tenha bloqueado o avanço explícito, já estavam aí os germes do que o Concilio assumiria. Cf. ibidem.
  • 16. II não fugiu dos desafios trazidos pelos sinais de seu tempo: assumiu reinterpretar verdades de fé no novo horizonte das ciências modernas e rompeu com a concepção estática das formulações das verdades dogmáticas e morais. 2.3 – Desenvolvimento Pelo relato dos especialistas, percebemos o quanto o Concílio Vaticano II precisou ser construído! E há muitos eclesiólogos que analisam os fatos do Concílio Vaticano II; escolhemos João Batista Libânio24, que apresenta alguns fatores que foram decisivos para o sucesso do Concílio. Primeiramente, a personalidade do Papa João XXIII, não simplesmente pelo fato de ele ter convocado o Concílio, mas pelo clima que ele criou na Igreja em torno da convocação. A morte de seu antecessor, Pio XII, deixara enorme vazio, frente a um enorme desafio: o embate da cultura moderna a impor-se e a tradição tridentina resistindo. A Igreja do final do pontificado de Pio XII mostrava-se cansada, devido ao duro embate entre a defesa da verdade dogmática, moral e disciplina, e os ataques da modernidade. Para sucedê-lo, o colégio cardinalício escolheu um ancião de 77 anos, para oferecer à Igreja um tempo de transição e João XXIII parecia responder às expectativas para esse tempo de passagem; era um homem sábio, que tinha enfrentado situações 23 O Papa Leão XIII é considerado o pai da Doutrina Social da Igreja na sua forma atual, principalmente com sua Encíclica Rerum novarum (1891). Os Papas Pio XI e Pio XII continuaram a caminhada; depois, a Igreja se defrontou com os problemas da modernidade econômica, política e social. Cf. ibidem. 24 Cf. LIBÂNIO, João Batista. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=102. Texto publicado, inicialmente, pela Unisinos, em 2005.
  • 17. delicadas no tempo da guerra e pós-guerra, com enorme prudência e sagacidade. Tudo parecia muito previsto, mas o Espírito suscitou uma imprevisibilidade: geralmente, depois de um grande Papa, o seu sucessor corre o risco de ficar preso à sua sombra, mas não foi assim com João XXIII. Ele não buscou substituir Pio XII, nem lhe seguiu o modo de governar a Igreja: João XXIII apresentou uma maneira simples, humana e direta de viver e, com originalidade, decidiu-se pelo Concílio Vaticano II. O beato João XXIII unia sua enorme capacidade de discernimento, de sabedoria e de sagacidade à sua humildade corajosa; era muito tranquilo, revelava sadia psicologia, apoiada em piedosa e devota confiança em Deus. Foi um Papa ousado, com um conjunto humano de virtudes muito rico: simplicidade, sabedoria, experiência plural, sagacidade, tranquilidade,..., frutos de profunda fé e confiança em Deus. Desde o início, mostrou enorme interesse ecumênico; olhava o mundo de sua época e perscrutava os sinais dos tempos, para entender neles o significado do agir de Deus. Para ele, a comunhão nos ideais humanos e cristãos pesavam muito mais do que as divergências dogmáticas e políticas – por exemplo, é surpreendente sua abertura para o mundo comunista: pela primeira vez, depois da Revolução de 1917, os soviéticos batiam à porta do Papa e a encontraram aberta, e, nela, um papa com enorme sensibilidade humana. João XXIII tomou algumas decisões que construíram o ambiente de abertura do Concílio: criou, em 1960, o Secretariado para a União dos Cristãos; impulsionou a abertura à modernidade social, política e econômica, por meio das duas luminosas encíclicas Mater et magistra
  • 18. (1961) e Pacem in terris (1963); diante das tensões, das correntes opostas, das forças antagônicas, que atravessavam toda a Igreja, renunciou tomar posição a partir unicamente do centro romano e convocou o Concílio. No Vaticano II, se deu o embate de duas visões de realidade, dois paradigmas, que penetravam as estruturas da Igreja, o conteúdo dogmático do magistério, o comportamento dos hierarcas, as práticas religiosas do cristão comum, o agir moral e a disciplina eclesiástica. Pio XII abriu algumas janelas para a modernidade, mas as que ele queria; João XXIII usou outra pedagogia, ao permitir que toda a Igreja participasse – noutras palavras, o conteúdo e a forma de proceder de João XXIII foram modernos. Com olhos do final do pontificado de Pio XII, a convocação de um Concílio era improvável e mesmo imprevisível. Depois das definições do Primado e do magistério infalível do Romano Pontífice, promulgadas pelo Concílio Vaticano I, julgava-se que o Papa e seus auxiliares imediatos poderiam resolver os problemas da Igreja universal. Mas, ao encerrar a Semana da Unidade, a 25 de janeiro de 1959, diante de cardeais da Cúria, João XXIII anunciou o desejo de convocar um Concílio. A repercussão foi paradoxal: na publicidade, choveram vozes entusiastas, mas, nos bastidores, ouviam- se opiniões temerosas25. Os temores vinham tanto dos conservadores como dos progressistas: os primeiros temiam que a tranquila ordem da Igreja fosse abalada e, os 25 SOUZA, N. “Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II”. In: GONÇALVES, P. S. Lopes; BOMBONATTO, V. I. (org.). Concílio Vaticano II. Análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas. 2004. P. 27. Apud ibidem.
  • 19. progressistas, temiam que se firmassem os sinais de fechamento na Igreja (precedidos, por exemplo, pelas decisões do Sínodo romano, pela insistência da Constituição apostólica Veterum sapientia (1962) quanto ao ensino na língua latina [e não vernácula] da filosofia e teologia nas instituições eclesiásticas, pelas punições de exegetas devido novas pesquisas, entre outras). Quando a preparação do Concílio se pôs em movimento, os prognósticos pareciam ainda mais escuros: as presidências das comissões preparatórias do Concílio foram confiadas à Cúria romana, que era, na época, oposta às mudanças; para a presidência da Comissão Teológica (que iria supervisionar a teologia conciliar), foi designado o temido Cardeal A. Ottaviani. Havia, porém, sinais de abertura, que vinham, sobretudo, de discursos e gestos proféticos de João XXIII, que estabeleceu normas importantes sobre a relação entre o Concílio e a Cúria: insistiu em que os órgãos do Concílio eram autônomos em relação à Cúria, constituídos por ampla representatividade do episcopado mundial, sob a direção do próprio Papa26. Logo no início da preparação, era desejo do Papa ouvir, de toda a Igreja, quais seriam as questões importantes a serem trabalhadas no Concílio; foi organizado um questionário longo e minucioso e enviado a todos os que tinham direito de vir ao Concílio, segundo o Direito Canônico27. Essa iniciativa modificava bastante o clima da preparação e marcava a enorme diferença em relação ao Concílio Vaticano I, quando somente trinta e cinco bispos foram consultados28. Quanto ao conteúdo das 26 Cf. ZIZOLA, G. A utopia do Papa João. São Paulo: Loyola. 1983. P. 306. Apud ibidem. 27 Cf. BEOZZO, J. O. “O Concílio Vaticano II: Etapa preparatória”. In: Vida Pastoral 46 (2005), n. 243, p. 5. Apud ibidem. 28 Cf. ZIZOLA, G., op. cit., p. 304. Apud ibidem.
  • 20. respostas, elas refletiam a mente de bispos desabituados a serem consultados... No discurso de Inauguração, João XXIII traçou a orientação fundamental para o Concílio, mostrou-se esperançoso nos sinais que percebia no mundo e na Igreja. Para ele, o Concílio não deveria repetir e proclamar o que já era conhecido, mas oferecer “um progresso na penetração doutrinal e na formação das consciências”, articulando “fidelidade à doutrina autêntica” e “indagação e formulação literária do pensamento moderno”29. Diferentemente dos concílios anteriores, o Vaticano II não pretendeu tomar posições dogmáticas condenatórias, mas intensificar o diálogo com o homem e a mulher de hoje, em nítido contraste com as posições conservadoras de Gregório XVI (1831-1846) e Pio IX (1846-1878), que conflitavam fortemente com a modernidade30. João XXIII marcou nitidamente as características ecumênica, pastoral e de atualização do Concílio, usando a palavra italiana “aggiornamento” (= atualização)31. João XXIII tinha bem nítida a ideia de que a Igreja devia atualizar-se, responder ao mundo moderno e caminhar na linha da paz, da unidade da humanidade. Entretanto, uma leitura sintética descobre o confronto de duas teologias básicas, no Concílio Vaticano II, marcando embates fundamentais nos campos teológico, bíblico, litúrgico, sociocultural e institucional. De um lado, a teologia dogmatista, centrada na afirmação clara das 29 João XXIII. “O Programático Discurso de Abertura”. In: KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. V.II: Primeira Sessão (set.- dez. 1962). Petrópolis: Vozes. 1963. P. 308. Apud ibidem. 30 Entre as sentenças condenadas do Syllabus de Pio IX consta essa afirmação: "O Pontífice Romano pode e deve reconciliar-se e transigir com o progresso, com o liberalismo e com a recente civilização": DS 2980. Cf. ibidem. 31 RUGGIERI, G. “Foi et histoire”. In: ALBERIGO, G.; JOSSUA, J.-P. La réception de Vatican II. Paris: Éditions du Cerf. 1985. P. 136-141. Apud ibidem.
  • 21. verdades universais e imutáveis e, de outro, a teologia hermenêutica, que pretende interpretar para o mundo de hoje a revelação de Deus. Esse choque se deu especialmente na discussão sobre as “Fontes da Revelação” (Constituição Dogmática Dei Verbum), onde houve um deslocamento: de uma interpretação “especular” (a modo de espelho), para uma interpretação histórico-existencial (marcada pela história, pela subjetividade, pela experiência, pela intersubjetividade, como mediações interpretativas fundamentais). Ela herdou, do movimento bíblico, a articulação da dimensão de Revelação com as regras de interpretação textual e a relação entre Escritura, Tradição e Magistério. Sua redação veio cheia de cuidados, para criar o consenso com os conservadores. A discussão sobre a Liturgia girou em torno de duas concepções fundamentais a respeito do mistério eucarístico: a centralização no ato cúltico sacerdotal (de modo que os fiéis se compreendiam como receptores dos frutos do sacrifício celebrado) e a contribuição do movimento litúrgico, que valorizava a assembleia litúrgica como o sujeito da celebração. Como consequências práticas, surgiram: a importância da participação pessoal e comunitária, e a maior transparência dos ritos, para que os fiéis percebessem mais claramente o seu significado. No campo religioso, o debate sociocultural se travou em torno de dois universos: a liberdade religiosa e a concepção da relação Igreja-mundo moderno. Subjacente ao debate, estavam as concepções conflituosas de modernidade e pré-modernidade. Os acordos mostraram a predominância do pensar moderno, que superou a defesa
  • 22. agressiva da verdade e a consciência de que só a Igreja católica possuía toda a verdade. Quebrar essa espinha dorsal da pré-modernidade custou muito sofrimento e discussão ao Concílio32. Ainda no campo sociocultural, foram debatidos temas como: o pluralismo religioso, o respeito à liberdade de opinião e de consciência e o direito de existência pública de qualquer religião. A posição conservadora se manifestou, mas o Concílio aceitou a liberdade religiosa, desde a perspectiva da dignidade e liberdade da pessoa humana, nos diversos campos da pesquisa, da associação, da comunicação, das finanças, do testemunho público, do culto e dos costumes, desde que não conflitem com a paz comum33. Na mesma linha de ideias, os temas do ecumenismo, do diálogo inter-religioso e com os humanistas ateus reafirmavam a existência da verdade fora dos redutos da Igreja católica, a historicidade de toda expressão religiosa, a pluralidade cultural e religiosa como expressão de riqueza e não de desvio ou erro. No campo eclesiológico, também foi árdua a polêmica: alguns padres conciliares encarnavam mais a Instituição central, enquanto outros refletiam a problemática local, seja sob o enfoque da modernidade, seja no da pré- modernidade... Eram duas sensibilidades distintas, que tiveram que trabalhar consensos, com renúncia de pontos de vista, em prol do bem maior da Igreja. Em relação a si mesma, a Igreja, no Vaticano II, pensou a si mesma (Constituição Dogmática Lumen gentium), na clarificação de sua mensagem (Constituição Dogmática Dei Verbum), 32 HÄRING, B. “Minha participação no Concílio Vaticano II”. In: Revista Eclesiástica Brasileira 54 (1994). P. 394. Apud ibidem. 33 BURTCHAELL, J. T. “Religious freedom (Dignitatis humanae)”. In: HASTINGS, A. Ed.: Modern Catholicism. Vatican II and After, London/New York: SPCK/Oxford Univesity Press. 1991. P. 118-125. Apud ibidem.
  • 23. na sua relação cúltica (Constituição Sacrosanctum concilium), nos seus ministérios episcopal e presbiteral (Decretos Christus Dominus e Presbyterorum ordinis), na vida e formação de seus membros religiosos (Decreto Perfectae caritatis), seminaristas (Decreto Optatam totius), leigos (Decreto Apostolicam actuositatem) e na crucial questão da Educação (Declaração Gravissimum educationis). No campo fora de si, a Igreja (latina), no Vaticano II, refletiu suas relações com as denominações cristãs (Decreto Unitatis redintegratio), com as Igrejas orientais católicas e ortodoxas (Decreto Orientalium ecclesiarum), com a sua vocação missionária (Decreto Ad gentes), com as religiões não-cristãs (Declaração Nostra aetate), com o direito à liberdade religiosa (Declaração Dignitatis humanae), com os meios de comunicação (Inter mirifica) e com o Mundo de hoje (Constituição pastoral Gaudium et spes). Com a morte de João XXIII, ao iniciar a 2ª Sessão do Concílio, o novo Papa Paulo VI destacou quatro pontos do trabalho conciliar: “a consciência da Igreja, sua renovação, o restabelecimento da unidade de todos os cristãos e o diálogo da Igreja com os homens de hoje”; o Papa insistiu que o tema principal da Segunda Sessão do Concílio fosse a Igreja, sua natureza íntima, sua autodefinição, sua constituição real e fundamental e os múltiplos aspectos da sua missão salvadora34. Os textos oficiais propostos deixavam a desejar; os “observadores” (ortodoxos, protestantes, anglicanos) reprovaram a falta da pneumatologia nos textos... Aos poucos, nos textos oficiais, nas discussões e preparações 34 Paulo VI. “O Discurso de Abertura da II Sessão”. In: KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. V.III: Segunda Sessão (set.- dez. 1963). Petrópolis: Vozes. 1964. P. 512-513. Apud ibidem.
  • 24. das propostas de textos, foi-se observando duas eclesiologias de fundo: uma, jurídico-societária, e, outra, mais atenta ao mistério que a Igreja é. O texto De ecclesia (LG) provocou uma “revolução”, uma reviravolta decisiva para o futuro do Concílio: quando este se apossou de si, de sua natureza e finalidade, entrando em sintonia com o papa João XXIII35. Mas muitos que dele participaram testemunharam o quanto ele foi ecumênico, no sentido canônico-dogmático da palavra – embora tenham ficado intactas as questões dos “concílios ecumênicos” e da restauração da plena comunhão com os Ortodoxos 36. O Concílio foi ecumênico no convite, na presença e na colaboração dos Observadores de diversas Comunhões cristãs – evidentemente, nem tudo é adquirido com o simples voto de um texto, mas o ecumenismo recebeu, do Concílio, uma carta aberta para o futuro. Teve imensa importância, na época, a criação, em Roma, de cinco novos Secretariados, saídos do Concílio: Unidade dos Cristãos, Religiões Não-Cristãs, Não-Crentes, Conselho dos Leigos e Comissão Pontifical “Justiça e Paz” – órgãos de diálogo e de relação entre a Igreja e os “diferentes”. PARTE II: O REENCANTAMENTO PELO VATICANO II 1. Os ganhos irreversíveis do Vaticano II O Concílio Vaticano II terminou no dia 08 de dezembro de 1965 e pertence já à história – lembra-nos o Pe. João 35 Cf. G. ALBERIGO. J. O. BEOZZO, ob. cit. P. 221. 36 Cf. CONGAR, Yves. Une passion: l’unité. Réflexions et souvenirs 1929-1973. P. 90-92.
  • 25. Batista Libânio37. Seus textos estão entregues a todo o Povo de Deus, que podem dele se apropriar para estudar, aplicar, rezar, enfim, viver! O Vaticano II ainda não foi completamente assimilado e encarnado: ainda estamos em tempos de recepção do Concílio38! O Concílio criou instituições específicas, gerou um espírito renovado, capacitou a teologia para dialogar com os desafios abertos pela Reforma protestante, pelas ciências modernas, pelo novo espírito de autonomia trazido pela modernidade, pela situação de opressão e marginalização no 3o Mundo e por todo o clima cultural que se acentuou depois da 2a Guerra Mundial39. O Vaticano II provocou o nascimento ou o amadurecimento da teologia moderna europeia e da teologia da libertação; provocou profunda renovação na pregação, na catequese, no ensino dos Institutos de Teologia e na pastoral; prolongou a reforma da liturgia; impulsionou o diálogo ecumênico e inter-religioso e com os não crentes. Um ganho indiscutível do Vaticano II para a Igreja como um todo foi a consciência do “colégio episcopal”: as Igrejas particulares se perceberam verdadeiras igrejas40. Passou-se da ordem meramente jurídica para a simbólica: cada Igreja local possui sua relevância, sua originalidade e sua real autonomia no colégio episcopal e na comunhão com a Igreja de Roma. A colegialidade se estendeu a todas 37 Cf. LIBÂNIO, João Batista. “A quarenta anos do final do Concílio”. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=98 . Texto originalmente publicado no Jornal de Opinião, em abril de 2005. 38 Cf. ALBERIGO, G.; POSSUA, J.-P. La réception de Vatican II. Paris: Éditions du Cerf. 1985. 39 Cf. LIBÂNIO, João Batista. “A quarenta anos do final do Concílio”. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=98 . 40 Cf., por exemplo, LÉCUYER, J. Etudes sur la collégialité épiscopale. Le Puy, Xavier Mappus, 1964. ALMEIDA, Antônio J. Igrejas locais e colegialidade episcopal. São Paulo: Paulus. 2001. Apud ibidem.
  • 26. as estruturas da Igreja: nem monarquia, nem democracia, mas colegialidade. A comunhão entre os bispos conciliares trouxe suas vantagens, pois, juntos, sentiam-se fortes para defenderem as ideias necessárias ao avanço da Igreja; sabemos que o regulamento do Concílio não levou em consideração as Conferências Episcopais. Aliás, Congar preconizava que o significado mais promissor e seguro do Vaticano II seria a articulação do episcopado: afinal, um Concílio é, essencialmente, assembleia de bispos 41! Entretanto, isto teve que ser construído42. As conferências episcopais eram “pauta de agenda”, do ponto de vista legislativo e teológico – um dos problemas mais importantes deste Concílio, e ligado ao da colegialidade episcopal. Os bispos de todas as partes do mundo, quando foram convocados por João XXIII, estavam inseguros: era um corpo episcopal muito vasto e não acostumado a trabalhar colegialmente. Mas emociona-nos, ao ler Congar: “Jamais me senti tão imenso na Igreja de Deus como hoje: a presença do papa, de todo ou quase todo o Sacro Colégio, dos bispos de todo o mundo, em torno do altar que estava no centro e sobre o qual se celebrou antes o Sacrifício, depois se colocou no trono o evangelho; o olhar do mundo inteiro fixo no acontecimento, como se tornava evidente pela presença das delegações de tantas nações e pela presença das Igrejas separadas...; tudo isso fazia sentir a vitalidade da Igreja, sua unidade e variedade ao mesmo tempo; sua humanidade e divindade...”43. 41 Cf. Journal Y. M.-J. Congar. 15/10/1962, ob. cit. P. 76. Apud ibidem. P. 49. 42 Cf. ibidem. P. 23-25; 41-52; 184. 43 LERCARO, G. Lettere dal concilio.Bolonha.1980(11/10/1962).Apud ibidem. Nota no.28 da p. 31.
  • 27. Porém, as Conferências Episcopais (intermédios entre as dioceses e a Igreja universal) surgiram como que por geração espontânea e, antes do Concílio, estavam privadas de sólido fundamento teológico44. Com o advento desse, algo importante se dá: todos os bispos participaram e, durante o mesmo, suas reuniões (inclusive enquanto Conferências) tornaram-se mais freqüentes. Além disso, eles fizeram a experiência da colegialidade (que não veio por mandato). Além das Conferências Episcopais, pôde-se notar no Concílio a formação de grupos para além das fronteiras nacionais, como o da “Igreja dos Pobres”, o do “Bloco centro-europeu”, o da “Conferência de Delegados” (ou “Comitê internacional”, “Comitê dos vinte oito” ou “Interconferência”), o Francês, o Latino-Americano, o dos Superiores Religiosos, o dos Bispos Religiosos, o dos Bispos Missionários e o “Área curial”. Em nossa análise, percebemos que os Bispos, ali, estavam aprendendo a se organizar enquanto estrutura, enquanto grupo e, assim, estruturaram melhor a comunhão. O Vaticano II trouxe várias mutações nas relações dos bispos: entre si e pessoais (a renovação teórica na aula conciliar em Roma levou a uma renovação prática em sua própria Igreja local: abertura aos leigos, fraternidade para com os padres e colegialidade nas conferências episcopais – embora outros bispos, ao retornarem, voltassem a sofrer o peso de seu aparelho administrativo). Outro fruto foi a relação entre o papa e os bispos: João XXIII representou o ponto de referência para os trabalhos iniciais do Vaticano II45: João XXIII acreditava no Concílio e na função que 44 Cf. ALBERIGO, G. ; BEOZZO, J. O., ob. cit. P. 195-207, inclusive nota nº 113 da p. 197. 45 Sabemos a enorme importância de seu sucessor, papa Paulo VI, e que mereceria aqui muitas páginas; entretanto, devido à exiguidade desse nosso trabalho, nos limitaremos a enfocar o papa João XXIII.
  • 28. os bispos do mundo podiam desenvolver junto ao papa, na dinâmica das Assembleias – para isso, ofereceu uma orientação profunda e criou condições para os padres se exprimirem livremente; o papa tinha algumas ideias e aspirações, mas acreditava que se devia deixar a execução dos trabalhos aos bispos. A dinâmica de João XXIII era: deixar fazer, dar para fazer e fazer fazer. Sua linha era ser ele mesmo quem mais deveria calar-se no Concílio. Ele compreendeu que, entre os padres, havia ideias, problemas, perspectivas, conflitos e experiências que deviam vir à tona; acreditava que os bispos também deviam conhecer-se entre si (aliás, os diários dos padres da época são ricos sinais disto). O Concílio Vaticano II, assim, ensaiava seus primeiros passos para uma vivência da refontalização teórico-teológica que fazia, que nada mais era que a redescoberta da comunidade como o fundamento das estruturas da Igreja. A questão não é quem governa, ensina e santifica na Igreja, mas o como. A autoridade não deve verter-se em autoritarismo; a eclesiologia, em eclesiocentrismo; a hierarquia, em hierarquismo ou hierarquiologia,... O mundo aprofundou as grandes transformações já iniciadas antes do Vaticano II46. Ela tem feito muitos esforços, desde e a partir do Concílio Vaticano II, para dialogar com o mundo pós-moderno; a teologia tem tentado responder às questões, discernindo a voz de Deus. É incomensurável o serviço que uma boa teologia pode prestar à Igreja – como, por exemplo, no evento do Concílio Vaticano II47. Este, realmente, abriu (ou 46 Cf. HOBSBAWM, E. Era dos Extremos. O breve século XX (1914-1991). São Paulo, 19972. Apud E. MORAES. “Um líquido precioso em vaso de barro: a Trindade presente na Igreja”. Tese de Mestrado em Teologia, pela Puc-Rio. 1999. P. 7-8. 47 Cf. Journal Y. M.-J. Congar. Paris. 4 de novembro de 1962. Apud ALBERIGO, G;. BEOZZO, J. O., ob. cit. P. 80-88; 91-92; 94-97; 167-168; notas nn. 30 e 37.
  • 29. ampliou) uma perspectiva ímpar à pluralidade teológica. Alguns se posicionam contra os novos paradigmas teológicos, argumentando (erroneamente) com a fidelidade à Tradição. A teologia atual deverá ser – como, aliás, a de todos os tempos – segura de seus fundamentos e humilde com respeito às suas traduções históricas; deverá atrever- se a experimentar e a equivocar-se, próprio de toda tarefa humana. Após o Concílio, percebemos um avanço na reflexão teológica, com as teologias política, da libertação, feminista e, enfim, das exclusões. A Teologia da Libertação foi um aporte eminentemente latino-americano dado à Igreja universal. Ela nasceu antes do Vaticano II (história que requer um pouco mais de tempo para contar do que esse nosso aqui), mas foi profundamente alicerçada e confirmada por ele. Muitos alegam que a Teologia da Libertação morreu; mas ela está viva. Está cuidando de outros itens importantes da agenda atual de mundo. Alfonso Garcia Rubio nos acrescenta as seguintes sugestões, no campo epistemológico da teologia da libertação48: o esforço ainda indispensável para a superação da visão dicotômica do ser humano, a vigilância crítica ao neoliberalismo e elaboração de projetos alternativos, “desideologizar” a própria teologia, a pastoral e toda a vida da Igreja, a valorização do afetivo e ruptura da epistemologia racionalista, redescoberta da íntima relação entre teologia e espiritualidade, a relação entre teologia e subjetividade aberta, a mulher como sujeito da teologia, teologia e sexualidade humanizante, teologia e cura, teologia ecológica, teologia inculturada, teologia e diálogo inter- 48 Cf. “Prática da Teologia em novos paradigmas”. In: Teologia..., ob. cit. P. 223-261.
  • 30. religioso, o horizonte escatológico e, finalmente, o desafio do mal e do pecado. No campo pastoral, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ganharam força na América Latina, principalmente. Esta experiência foi embasada pelo vaticano II, que mostrou que a base primeira da Igreja é a condição “laical” e colegial49. O termo “laical” possui origem etimológica na palavra “laos” (= povo): todos os membros da Igreja são, antes de tudo, “Povo de Deus”, chamado por Deus e marcado pelo batismo. A categoria “Povo de Deus” lança suas raízes na experiência de Israel, que se constitui povo pela força do chamado de Deus, do cativeiro para a terra da liberdade, entrando em jogo as experiências de dominação e libertação, a consciência coletiva de ser povo e sua construção num percurso histórico, sob a certeza da presença de Deus, numa perspectiva escatológica, na vivência da dialética do “já” e do “ainda não”. A categoria Povo de Deus permite uma compreensão da Igreja sempre a caminho na história: já não cabe entendê-la como uma sociedade perfeita, acabada – é, antes, um mistério, que se revela em múltiplas formas e expressões, segundo os tempos e espaços. As CEBs encarnaram muito bem essa dimensão de “Povo de Deus” do Vaticano II. Segundo Luiz Alberto Gómez de Souza 50, as CEBs estão bem. Na vida eclesial concreta, elas continuam a ser determinantes, segundo informações das próprias Igrejas particulares; elas continuam nos lembrando que a transformação da sociedade não se faz de 49 Cf. LIBÂNIO, J. Batista. “Concílio Vaticano II: abordagem pastoral”. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=97 . 50 Cf. SOUSA, Luiz Alberto Gómez. Do Vaticano II a um novo concílio? O olhar de um cristão leigo sobre a Igreja. São Paulo. Edições Loyola/CERIS/Editora Rede da Paz. P. 131-147.
  • 31. cima para baixo, mas se prepara dentro dela. A caminhada das CEBs, certamente, é uma contribuição importante no processo de construção amplo da Igreja latino-americana – uma rede de experiências eclesiais diversificadas, respondendo com criatividade aos desafios da história. As CEBs são “novos jeitos de ser Igreja”, no plural sim, uma pluralidade na unidade, na comunhão com toda a Igreja. As CEBs continuam vitais, porque experimentais, ágeis e pluriformes; são a Igreja que se experimenta na base, sem perder sua identidade de fé cristã católica, com práticas que procuram seus caminhos. Segundo ainda Luiz Alberto, novos horizontes se descortinam para as CEBs – temas de gênero, de subjetividade, de raça, do corpo e do prazer, da ecologia. Mas segundo Comblin, outro resgate necessário deverá ser o dos intelectuais, que deverão somar-se à pastoral, através de um trabalho de verdadeira inculturação, visto que o modo de pensar e o linguajar populares são diferentes dos desenvolvidos nas escolas e universidades; o mesmo trabalho intelectual importante deverá ser encontrado nos Institutos e Faculdades Teológicas, incluindo, evidentemente, a teologia voltada para e feita pelos leigos e leigas. Na América Latina, uma teologia própria é fundamental, visto que não encontramos entre nós um ateísmo que requer nova evangelização, mas cristãos que se encontram oprimidos, onde a teologia é chamada a continuar sua contribuição. 2. As lacunas (ou desafios?) existentes frente aos avanços provocados pelo Vaticano II
  • 32. a) Volta do autoritarismo e do juridicismo Além dos avanços trazidos pelo Concílio, abateram-se também ondas conservadoras, provocando retornos a aspectos tradicionalistas da teologia e da pastoral em alguns setores da Igreja e em algumas Igrejas locais. Alguns autores nos ajudam a entender esse processo. Segundo J. B. Libânio51, já no Sínodo dos Bispos, começamos a perceber esses sinais: este Sínodo foi a principal instituição eclesiástica pós-conciliar, mas não foi o que se esperava: ele não ultrapassou o nível da consulta, não adquiriu autonomia e poder próprio. Os dois pontífices que foram a “alma” do Vaticano II – João XXIII e Paulo VI – foram sucedidos por João Paulo II, que marcou a Igreja com suas características próprias, mas nem sempre na onda principal de renovação desencadeada pelo Concílio. Uma longa entrevista do então Cardeal Ratzinger sobre o pós-Concílio revela uma ala interpretativa (outrora minoritária) de que o Concílio foi desvirtuado na sua implantação e que se impunha uma restauração de seus primeiros ideais (lembremos da abertura desse pequeno artigo com a fala do atual Papa Bento XVI, valorizando os frutos do Vaticano II...). A comunhão das igrejas particulares entre si e com o bispo de Roma tem enfrentado desafios: o Papa João Paulo II já havia percebido a inadequação do atual exercício do ministério petrino... No período após o Vaticano II, tem se registrado um enorme desconforto em pontos importantes, como, por exemplo, a nomeação de bispos, o funcionamento das conferências episcopais, o controle 51 Cf. LIBÂNIO, João Batista. “A quarenta anos do final do Concílio”. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=98 . Texto originalmente publicado no Jornal de Opinião, em abril de 2005.
  • 33. doutrinal, as questões referentes ao ministério ordenado, e muitas outras. Outro desafio nesse campo tem sofrido a riquíssima categoria bíblico-teológica “Povo de Deus”, que teve dois destinos opostos, na Igreja pós-Concílio: um silêncio crescente na teologia oficial e uma valorização insistente por parte da teologia da libertação52. O Povo de Deus sintoniza com a opção pelos pobres53. Muitos autores advertem a necessidade de articular a Igreja “do Espírito” (das fontes bíblicas) com a “visível” (estruturada). A dificuldade neste campo ainda é fundante de “velhas” práticas em nossa Igreja, como o rigorismo, de um lado, e a irresponsabilidade de outro. Outros autores acrescentariam: absolutização de uma doutrina, ou de uma forma cultual, ou de um modo de distribuir o poder; ausência de espírito crítico, de criatividade; presença de falsas seguranças, sufocamento de tensões, repressão,... O que mais falta é uma reforma profunda das instituições de poder da Igreja, possibilitando maior e melhor concretização do espírito que ele gerou. Segundo Queiruga, hoje, o que constitui o núcleo mais determinante e o dinamismo mais irreversível do processo moderno é a progressiva autonomia alcançada por distintos estratos ou âmbitos da realidade54 - algo praticamente adquirido; entretanto, ainda subsistem, por 52 Cf. SEMMELROTH, O. “A Igreja, novo Povo de Deus”. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes. 1965. P. 471-485. Apud LIBÂNIO, J. Batista. “Concílio Vaticano II: abordagem pastoral”. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=97 . 53 Cf. COMBLIN, J. O povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002. Apud ibidem. 54 Cf. J. B. VICO. Scienza nuova. 1725. Cf. CONGAR, Y.. El Espíritu Santo. P. 161. Apud ibidem. P. 22-25.
  • 34. um lado, conservadorismo eclesiástico e teológico e, de outro, crítica secularista e atéia – necessitamos urgentemente de um equilíbrio! b) Proliferação de novos movimentos religiosos No campo religioso, subsiste a questão da proliferação de novas religiosidades, cristãs e não-cristãs, cujas causas muitos autores nos ajudam hoje a refletir, sendo quase unânime o pensamento de que o fenômeno busca responder a uma insatisfação religiosa generalizada55. Essa insatisfação possui suas explicações, segundo o autor Andrés Torres Queiruga; uma delas poderia ser o fato do cristianismo ter reagido apologeticamente à Modernidade e à Pós-Modernidade, embora ambas tenham cometido seus excessos56. No novo processo cultural que emergiu no mundo ocidental depois do Vaticano II, se enraízam duas valências fundamentais: uma negativa, como renúncia a toda utopia e esperança de renovar o mundo e a sociedade, e, outra, positiva, na percepção de novos valores, seja no âmbito individual (revalorização do pequeno, tolerância para com o diferente, desabsolutização do estabelecido, apreço do corpo, revitalização da experiência,...), seja no coletivo (captação e vivência de uma nova universalidade, expressa numa espiritualidade centrada na harmonia com a natureza e o cosmos, e numa fraternidade humana sem exclusivismos). Alguns autores passaram a defender a tese de que a era da religião estruturada está terminada, mas não como cultura: a religião perdeu sua função social, mas não sua 55 Cf. QUEIRUGA, Andrés Torres. Fim do cristianismo pré-moderno. Paulus. 2003. P. 107-111. 56 Cf. THEODOR W. ADORNO e MAX HORKHEIMER La dialéctica de la Ilustración. Madri. 1994. Apud QUEIRUGA, A. T. Ob. cit. P. 111-112.
  • 35. força subjetiva57. Decepcionada com alguns frutos negativos da modernidade ocidental, marcada uma boa parte pelo materialismo consumista, a humanidade busca novas formas de expressão do religioso. Exercem uma grande sedução sobre a nova população as novas seitas, magia, astrologia, pentecostalismos, entre outras: um mundo pluri-religioso, como bens de consumo oferecidos em um supermercado... As religiões passaram a ser buscadas por muitas pessoas segundo as necessidades em momentos precisos da vida individual. Ao nascer de um descontentamento ou de uma falta de conexão com as ofertas religiosas tradicionais, a tendência geral das pessoas é renová-las ou recriá-las de outra forma. A reação cristã só será crível se conseguir acolher o que de genuíno há nestas chamadas do novo e de mostrar-se capaz de integrá-lo, dinamizá-lo e enriquecê-lo. A reação apologética extremada seria um caminho equivocado (Comblin diria um suicídio58). Não há motivo para o medo ou o acanhamento da fé (a oligopistia): fiel à sua origem, o cristianismo é uma religião profética e de resposta à crise, a exemplo mesmo de seu próprio Fundador. É preciso buscar hoje aqueles vetores que, desde sua própria entranha, se mostram capazes de enfrentar criativamente o novo desafio. Iniciativas foram tomadas frente à Modernidade59 e à Pós-Modernidade60; entretanto, hoje, se exige um passo a mais. 57 Cf. ibidem. P. 29-32. 58 Cf. COMBLIN, J. O Espírito Santo e a libertação. Petrópolis: Vozes. P. 36. 59 Cf. HANS URS VON BALTHASAR. Teologia y santidad”, em Verbum Caro. Madri. 1964. P. 235- 268; G. EBELING. “Die Klage über das Erfahrungsdefizit in der Theologie als Frage nach ihrer Sache”, em Wort und Wahrheit III. Tübingen. 1975. P. 3-28. Cf. G. GUTIÉRREZ (Beber en su próprio pozo. Salamanca. 1983; J. B. METZ (Las ordenes religiosas. Barcelona. 1988; El clamor de la tierra. El problema dramático de la Teodicea. Estella. 1996. Cf. ANDRÉS TORRES QUEIRUGA. P. 119. 60 Cf. Las nuevas formas de la religion. Estella. 1994. P. 177; Postmodernidad y cristianismo. El desafio del fragmento. Santander. 1988. L. KOLAKOWSKI. Cristianos sem iglesia. Madri. 1982. L. FORSLER (Hrsg.). Religiös ohne Kirche. Mainz. 1977. Apud ibidem. P. 119-121;17-21.
  • 36. Não estaríamos enfrentando, então, uma crise de fé, mas uma crise das instituições religiosas. “O religioso é, de agora em diante, um componente essencial da cena geopolítica mundial”61 – essa frase não é tão surpreendente, se observarmos o cenário das últimas décadas... As características históricas que explicam o atual fenômeno do ressurgimento do religioso se reportam ao Iluminismo, que anunciou o desaparecimento de qualquer fenômeno religioso na humanidade. Tal onda cresceu após a Segunda Guerra Mundial, que mexeu profundamente com os valores da cultura europeia, afetando diretamente a prática religiosa. Contribuíram significativamente para o desgaste das instituições religiosas o avanço espetacular da tecnologia e o bem- estar social promovido pelos “milagres econômicos”. Várias vozes prenunciaram a “volta do Sagrado”, como a de Karl Rahner: “Já se disse que o cristão do futuro ou será um místico ou não o será. (...) Desde que não se entendam por mística, fenômenos parapsicológicos raros, mas uma experiência de Deus autêntica que brota do interior da existência...”62. Além de Rahner, outros preconizaram o ressurgimento do fenômeno religioso em tempos contemporâneos; entre eles, por exemplo, o literato francês A. Malraux: ele percebeu que o século XX entrara em uma terrível crise espiritual e propôs, para o século XXI, o tempo religioso63. Além de Malraux, nos inícios da década de 1990, dois autores americanos 61 CLÉVENOT, M. L´état das religions dans le monde. Paris: La Découverte. 1987. P. 4. Apud ibidem. P. 11-15. 62 RAHNER, K. “Elemente der Spiritualität in der Kirche der Zukunft”. In: SchzTh. Einsiedeln. Ed. Bezinger. 1980. Volume 14. P. 375s. Apud ibidem. P. 21. 63 Cf. MOTA, L. Dantas. Malraux. No caminho das tentações. São Paulo. Ed. Brasiliense. 1982. P. 99- 101. Apud ibidem. P. 22.
  • 37. esboçavam as dez principais tendências do próximo século, com o redespertar religioso sendo uma delas... O padre Mário França Miranda64 apresenta quatro características, ao analisar o quadro religioso atual brasileiro: uma irrupção ambígua, um pluralismo inédito, um desenraizamento perigoso e um sincretismo desafiante. É preciso, segundo ele, definir, em primeiro lugar, o novo religioso cristão, que emerge desse cenário. Nos lembra que a fé precisa de um encontro prévio com Deus, uma experiência de salvação, que implica, para o homem e a mulher de hoje, resposta para seus anseios mais profundos. Na atualidade, portanto, para o cristianismo, não basta ter o religioso – que não significa, a priori e imediatamente, crescimento do Reino de Deus: é necessária a fé cristã, que se propaga pela vivência da práxis de Jesus Cristo. c) Os radicalismos religiosos A ideologia marxista se tornou, para muitos, uma religião, com seus próprios dogmas, ritos, liturgia, hierarquia, etc65... O desmoronamento repentino da ideologia marxista – nitidamente simbolizada pela “queda do muro de Berlim”, em 1989 – deixou um vazio. O neoliberalismo seguiu adiante, sem contraponto de esquerda forte o suficiente que lhe pudesse ameaçar. Os Estados Unidos visibilizavam e simbolizavam, em grau máximo, a vitória e o senhorio do neoliberalismo... Mas o ataque terrorista religioso abalou o mundo e o Papa João Paulo II assim se manifestou: “O terrorismo transformou-se numa rede 64 Cf. MIRANDA, Mario Franca. Um Catolicismo desafiado. Igreja e pluralismo religioso no Brasil. São Paulo. Ed. Paulinas. 1996. P. 10-17. 65 Cf. ibidem. P. 23.
  • 38. sofisticada de conluios políticos, técnicos e econômicos, que ultrapassa as fronteiras nacionais e se estende até abranger o mundo inteiro. Trata-se de verdadeiras organizações, dotadas frequentemente de enormes recursos financeiros, que elaboram estratégias em vasta escala, atingindo pessoas inocentes, de forma alguma envolvidas nos objetivos que se propõem os terroristas”66. Desde o final da década de 1970, com a revolução religiosa islâmica do aiatolá Imam Khomeini, o fundamentalismo vem crescendo e ganhando força nos países muçulmanos67. A resposta dos Estados Unidos – ou melhor, do Presidente Bush – se revestiu também de um colorido religioso, para enfrentar o terrorismo: os discursos do presidente americano apelavam para a “justiça infinita” de Deus e convocou a humanidade para uma guerra que ele define como a do bem contra o mal... d) Ameaça do secularismo O auge do fenômeno da secularização foi na década de 1960 e 1970. A propagada “morte de Deus” vinha de todas as ciências – as naturais, a antropologia, a psicologia, a sociologia política, entre outras; vinha, também, da prática das pessoas (= ateísmo prático e indiferentismo) e das cosmovisões circulantes, para reduzir a religião ao silêncio e, Deus, a um retiro afastado de nossa realidade... A secularização impunha-se como evidência68. Como já se expressava Marx: A abolição da religião enquanto 66 Mensagem do Papa JOÃO PAULO II para a Celebração do Dia Mundial da Paz, 1o. de Janeiro de 2002. Nº 2. Apud ibidem. P. 23. 67 Cf. ibidem. P. 24. 68 Cf. ibidem. P. 17.
  • 39. felicidade ilusória do povo é necessária para sua felicidade real69. Diante desse quadro, uma vasta literatura teológica tomou posição. Duas linhas fundamentais demarcaram os extremos das interpretações70: uma, de cunho apologético, que identificava secularização com o secularismo e o ateísmo – a modernidade manifestava-se absolutamente irreconciliável com qualquer religião e fé cristã. A outra, tomou distância dos juízos desconfiados da secularização: F. Gogarten e outros teólogos, numa atitude positiva frente à secularização, introduziram uma distinção fundamental entre secularização e secularismo – onde este último seria uma degeneração da primeira. A secularização seria um valor positivo, uma autonomia do mundo frente aos “deuses”... Segundo ainda esses autores, as atitudes de Jesus em conflito crescente com os poderes religiosos de sua época inspiram um cristianismo a- religioso: o cristianismo se torna a “a religião da saída da religião”71. Nessa onda, embarcaram muitos teólogos católicos, invocando o espírito do Concílio Vaticano II: “Desta maneira, orientados pelo Concílio Vaticano II, (...) temos agora em nossas mãos os elementos necessários para entender e tentar viver o ideal de um ´cristão secularizado´, ao mesmo tempo fiel a Deus e Seu Reino e aos homens e sua Cidade...”72. P. Berger, em seu livro The Sacred Canopy73, exprimia bem o clima 69 MARX, Karl. “Contribuición a la crítica de la filosofia Del derecho de Hegel”.In: MARX, K. ENGELS, F. Sobre la religión. Ed. Por ASSMANN, Hugo., MATE, Reyes. Salamanca. Ed. Sigueme. 19792. P. 94s. Apud ibidem. 70 Cf. ibidem. P. 17-18. 71 GAUCHET, M. Le désenchantement du monde. Une histoire politique de la religion. Paris. Gallimard. 1985. P. 133. Apud ibidem. 72 KLOPPENBURG. Bruno. O cristão secularizado. Petrópolis: Vozes. 19712. P. 279. Apud ibidem. P. 18-19. 73 BERGER, Paul. The Sacred Canopy. Elements of a Sociological Theory of Religion. New York. Anchor Books. 1969. Ou, na versão brasileira: O Dossel Sagrado. São Paulo. Paulinas. 1985. Apud ibidem. P. 19.
  • 40. desse momento histórico – soava como “um tratado sobre o ateísmo”74, conjugando a tese de que houve uma “evasão do sobrenatural do mundo moderno”, mas que persistiam rumores de Deus no mundo... Tais rumores aumentaram nas décadas seguintes, a ponto de tornarem-se um gigantesco clamor religioso! Os principais teólogos do “Movimento da Morte de Deus” foram, entre outros, Th. Altizer, W. Hamilton, G. Vahanian, P. van Buren75. Em 1963, o bispo anglicano J. Robinson estava na lista dos mais vendidos com seu livro Honest to God76, uma espécie de abertura da nova sinfonia teológica da secularização – que teve adeptos de peso teológico, como Paul Tillich, F. Gogarten, R. Bultmann, entre outros. Quase quarenta anos depois, um outro bispo anglicano, J. Shelby Spong, proclamou-se discípulo e continuador de J. Robinson e prosseguiu, numa postura mais radical, a linha de desmitização da secularização. Ele continua essa linha, visto duas de suas obras contemporâneas: Why Christianity Must Change or Die: A Bishop Speaks to Believers in Exile, 1998 (“Por que o Cristianismo deve mudar ou morrer: um bispo fala a fieis no exílio”), e, mais recentemente, A New Christianity for a New York (“Um novo cristianismo para um novo mundo”). e) Crise da Modernidade O mundo ocidental vive um momento que só é compreensível dentro da trajetória maior de um 74 BERGER, Paul. Um rumor de anjos. Petrópolis. Vozes. 1973. P. 7. Apud ibidem. P. 19. 75 Cf. BENT, Ch. O movimento da morte de Deus. Lisboa/Rio de Janeiro. Livraria Moraes. 1968. Apud ibidem. 76 ROBINSON, J. Honest to God. Bloombury. SCM Press. 196313. Ou, em português: Um Deus diferente. Lisboa. Livraria Moraes. 1967. Apud ibidem. P. 19-20.
  • 41. processo 77. Esse processo toma, hoje, a forma de crise de modelos, paradigmas, valores: é a chamada crise da modernidade. Modernidade, culturalmente, é o período de secularização total das artes e das ciências. Economicamente, o período marcado pelo primado da produtividade, da intensificação exacerbada do trabalho humano (que hoje se degenerou em uma civilização do consumo, da obsolescência imediata e rápida, e do lazer como impune fruição). Politicamente, pela transcendência abstrata do estado, marcado por traços como a institucionalização do individualismo, da propriedade privada. Cronológica e temporalmente, uma nova concepção e vivência do tempo, cronométrico, linear e histórico – não se pensa mais miticamente, mas historicamente, nem se deixa reger por parâmetros religiosos, mas por uma nova visão de mundo que não pretende conhecer absolutos. O progresso era compreendido como caminhar para frente, avançar, conquistar, dominar o mundo através da ciência e da técnica. Na modernidade, o ser humano – antropocêntrico – divorciou-se da natureza e de sua relação com o meio ambiente, colocou-se à parte de toda e qualquer aliança e verdadeira relação – não apenas com as coisas, mas também com os outros seres humanos78. Um claro sintoma disso são os perversos frutos do antropocentrismo moderno, entre eles o racismo, o etnocentrismo e o machismo. O ser humano moderno sentiu dolorosamente uma falência de sentido e, falindo o sentido da existência, 77 Cf. BINGEMER, Maria Clara Luchetti. Alteridade, Vulnerabilidade. Experiência de Deus e pluralismo religioso no moderno em crise. São Paulo: Ed. Loyola. 1993. P. 13-17. 78 Cf. MIRANDA, Mário França. Um Catolicismo desafiado. Igreja e pluralismo religioso no Brasil. São Paulo. Ed. Paulinas. 1996. P. 19-27.
  • 42. o ser humano faliu a si mesmo! Feito para a relação, o ser humano moderno não consegue relacionar-se com nada nem ninguém; profundamente emancipado, encontra-se acorrentado e escravizado em si mesmo, no seu próprio ego... A razão se tornou a grande companheira do ser humano moderno: ela foi compartimentando o saber, o conhecer, e, por conseguinte, o viver da pessoa humana na modernidade. Ela, com sua visão diferenciada em subsistemas, substituiu a visão tradicional, que entendia o mundo como unidade cósmica integrada. Com isso, o sagrado e o religioso foram excluídos, caracterizados como pré-científicos e pré-modernos: as respostas para a humanidade se encontrariam na razão e, não mais, no sagrado e no transcendente. Entretanto, o primado da razão instrumental não se mostrou homogêneo e sem conflitos: os valores existenciais, como o desejo, a afetividade, o poético, a gratuidade, a relacionalidade, entre outros, começaram a questioná-lo... Delineia-se, em várias partes do Ocidente contemporâneo, uma retomada ou uma nova visibilização do interesse pela religião, pela transcendência, obrigando a modernidade a confrontar-se com seu próprio modelo! Nossos tempos atuais não são mais os mesmos da época do Vaticano II: alguns contextos da modernidade foram mudados, outros foram aprofundados. Um neoliberalismo excludente ocupa o espaço econômico, revelando a face desumana do capitalismo; a democracia mostra sinais de inércia, corrupção, com o triste quadro de políticos sem ética e sem comprometimento social; a cultura pós- moderna parece dissolver valores cristãos permanentes; entre outros sintomas desafiadores à fé cristã.
  • 43. f) Uma ainda não compreensão do que seja a salvação Trata-se da pertinência salvífica das religiões não cristãs, principalmente, no Brasil, as de origem indígena e africana. Segundo Mário França de Miranda, a fé cristã testemunha um Deus que quer a salvação de todas as pessoas, mas ligamos esta salvação à história e à pessoa de Jesus Cristo. Hoje, a consciência da fé cristã já reconhece a possibilidade de certa manifestação de Deus em outras religiões. Exige-se, como critério, o coração sincero e os ditames da consciência. Essas religiões são, para o cristianismo, uma adesão implícita à oferta salvífica de Jesus Cristo – ou seja: a resposta à proposta salvífica de Deus ao ser humano pode acontecer diversamente, devido aos diferentes contextos socioculturais e às várias tradições religiosas. Aqui entra a importância do diálogo inter-religioso. Entretanto, uma experiência só é salvífica para o individuo se for vivida como tal, no contexto concreto em que se encontra. Isso levou a Igreja a repensar a questão da inculturação da fé: o que, geralmente, leva as pessoas a buscarem em outras religiões o que não encontram na sua é o divórcio entre, de um lado, o contexto sociocultural onde vivem e, de outro, as expressões e práticas desta fé. Mesmo o cristianismo não existe em estado puro, mas expresso no interior de uma cultura; neste caso, a embalagem pode esconder o conteúdo, se a fé que ele professa nada disser para homens e mulheres da outra cultura! O processo de inculturação da fé e longo e difícil, mas muito necessário; segundo o Papa João Paulo II: Uma fé que não se faz cultura é uma fé que não foi plenamente recebida, não inteiramente
  • 44. pensada , não fielmente vivida79. O agente da inculturação é a própria comunidade cristã, comprometida com o Evangelho. A ação salvífica de Deus dá-se no contexto sócio-cultural: a fé é sempre inculturada. A história da fé cristã pode ser estudada a partir da perspectiva do relacionamento entre a vivência cristã e o seu respectivo contexto. A GS n. 53 oferece a definição de cultura: “Pela maneira diversa de utilizar as coisas, de trabalhar e de se exprimir, de praticar a religião e formar os costumes, de estabelecer as leis e as instituições jurídicas, de favorecer as ciências e artes e de cultivar o belo, surgem diversas condições de vida em comum e formas diversas de dispor os bens da vida...”. Portanto, a inculturação da fé cristã, nesse nosso contexto pós-Vaticano II, desafia a Igreja. Para Clodovis Boff80, ela necessitará ser mística: pneumática e não somente cristológica, mais sopro que eficiência, mais inspiração que instituição. Deverá ser orante e adorante. Uma Igreja amorosa, de comunhão e alegria. Uma Igreja mistagógica, catecumenal, que caminhe sempre para o encontro vivo com Cristo. Uma Igreja profética, dialetizando espiritual e social. A Igreja deverá ser querigmática: apresentar o anúncio evangélico de Cristo, que nos revelou o Rosto e o Reino do Pai – um falar de Cristo ardoroso, entusiasmado e radiante – o que não significa, sem mais, proselitismo religioso e marketing da fé! A Igreja deverá ser hospitaleira: que acolha as diferenças, aberta, magnânima e generosa. Uma Igreja que deverá estar em diálogo com a dimensão feminina, com as demais Igrejas cristãs e com as 79 Apud ibidem. P. 23. 80 Cf. BOFF, Clodovis. Uma Igreja para o próximo milênio. São Paulo: Paulus. 1998.
  • 45. outras religiões e com as culturas. E, finalmente, deverá ser a Igreja da misericórdia, especialmente com o sofredor, o excluído, o perdido e o inimigo! A misericórdia está na raiz da bíblica “opção pelos pobres”, que requer compromisso com a justiça e com a dignidade da pessoa humana e seu lar, o Universo. g) Ecumenismo e diálogo inter-religioso O ecumenismo e o diálogo inter-religioso, incentivado pelo Concílio, esbarraram em impasses estruturais, jurídicos e canônicos, que impedem a plena comunhão ou criam desconforto – como, por exemplo, a Declaração Dominus Iesus 81 -, apesar das esperanças provocadas pelos Encontros do Papa com líderes religiosos de todo o mundo em Assis (1986 e 2002). Torna-se difícil falar em diálogo inter-religioso, tendo em vista a realidade de violência que pontua o cenário contemporâneo82. Vivemos tempos de acirramento das identidades e de radicalização etnocêntrica. O horizonte do pluralismo cultural e religioso nem sempre é acolhido na sua positividade. O pluralismo provoca uma crise nas estruturas de plausibilidade que asseguram o nomos das identidades singulares e das comunidades de sentido. Sua incidência sobre os sistemas de crença suscita insegurança intelectual e afetiva, na medida em que rompe os diques de proteção territorial e convoca ao alargamento das fronteiras. 81 Cf. Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração Dominus Jesus: sobre a unidade e universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja. São Paulo: Loyola. 2000. Apud CLIBÂNIO, João Batista. “A quarenta anos do final do Concílio”. In: http://www.jblibanio.com.br/modules/mastop_publish/?tac=98 . Texto originalmente publicado no Jornal de Opinião, em abril de 2005. 82 Cf. SUSIN, Luis Carlos (org). Sarça Ardente: Teologia na América Latina: Prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2000. P.415-434. Texto original de FAUSTINO TEIXEIRA, mas, infelizmente, não temos a fonte do texto...
  • 46. As religiões, de fato, são marcadas por ambigüidades: ativaram muitas vezes violências, mas também favoreceram o crescimento, a generosidade e a convivialidade. A intolerância não pertence à natureza da religião: traduz sua desfiguração ou abuso prático e teórico, o que atraiçoa "o dinamismo mais profundo da relação com o Absoluto"83. Neste limiar do terceiro milênio, o diálogo inter-religioso aparece como um dos desafios mais fundamentais para a humanidade. Apesar da presença crescente da exclusão e violência, constata-se o crescimento de uma nova sensibilidade: a nova consciência da unidade da família humana, a abertura ao mútuo enriquecimento e cooperação entre as culturas e religiões em favor da afirmação de vida no mundo. No campo católico, o Concílio Vaticano II teve uma importância decisiva nessa abertura dialogal. Essa nova sensibilidade de comunhão inter-religiosa vem hoje expressa de formas diversificadas; na América Latina, a expressão mais importante tem sido o 84 macroecumenismo . O diálogo inter-religioso constitui um dos âmbitos de realização do diálogo: ele diz respeito ao "conjunto de relações inter-religiosas, positivas e construtivas, com pessoas e comunidades de outros credos para um conhecimento mútuo e um recíproco enriquecimento"85. 83 Cf. SCHILLEBEECKX, Edward. Religião e violência. Concilium, 272 (4): 170-171, 1997. Ver também: MENEZES, Paulo. Tolerância e religiões. In: TEIXEIRA, Faustino, org. O diálogo inter-religioso como afirmação da vida. São Paulo, Paulinas, 1997. P. 49-50; GEFFRÉ, Claude. Profession théologien: quelle pensée chrétienne pour le XXIe siècle. Paris, Albin Michel, 1999, pp. 33-35. Cf. DALAI LAMA & CUTLER, Howard. A arte da felicidade. São Paulo, Martins Fontes, 2000. P. 63-70. 84 Cf. MANIFESTO do I Encontro da Assembléia do Povo de Deus (Quito/Equador., 1992). In: TEIXEIRA. O diálogo inter-religioso como afirmação da vida. P. 147-151. 85 SECRETARIADO PARA OS NÃO-CRENTES. O Cristianismo e as outras religiões. Sedoc, 17(176): 387, 1984 (n.3). Esse Documento vem conhecido como Diálogo e Missão. Ver também: PONTÍFICIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Diálogo e anúncio. Petrópolis, Vozes, 1991, n. 9. Ver ainda: Theological Advisory Commission of the Federation of Asian Bishops Conferences
  • 47. No profundo respeito à singularidade de cada interlocutor, esse diálogo possibilita um compartilhar de vida, de experiência e de fé, captar o trabalho e a presença do Espírito. Os outros com os quais se dialoga deixam de ser estrangeiros ou estranhos, e passam a ser os "nossos amigos"; navega-se na certeza da universalidade da graça, na dinâmica do mistério do Deus que é surpresa permanente86. O diálogo inter-religioso acontece em vários níveis; é diálogo de vida, de colaboração em projetos comuns, de partilha teológica e comunhão espiritual, mas é, antes de tudo, um estilo de ação, uma atitude e um espírito87. Essa dimensão de corresponsabilidade do diálogo tem sido bem enfatizada por muitos teólogos das religiões, entre os quais pode ser mencionado Paul Knitter: para este autor, as religiões devem assumir a responsabilidade global contra o sofrimento humano e a destruição das águas e da terra88. A emergência de uma nova sensibilidade macroecumênica constitui uma das grandes novidades da reflexão teológica latino-americana nestes últimos anos, em particular a partir da década de 1990. A primeira incidência dessa temática ocorreu a partir dos autores que trabalhavam com a questão indígena. A nova reflexão ajudou a ampliar a visão da Teologia da Libertação, que em sua fase inicial concentrava-se na questão da classe, do pobre, da luta social e da política, abrindo espaço, então, para a percepção (FABC). Theses on Interreligeous Dialogue. FABC Papers (48): 10, 1987 (Thesis 4). Esse Documento foi igualmente publicado no Brasil: Sedoc, 33(281): 51-73, 2000. 86 Cf. FÉDÉRATION DES CONFÉRENCES ÉPISCOPALES D’ASIE. Ce que l’Esprit dit aux Églises. La Documentation Catholique, n. 2217, 2 janvier 2000, p. 41. Documento igualmente publicado no Brasil: Sedoc, 33 (281): 38-50, 2000. 87 Secretariado para os Não-Crentes, art. cit., pp. 387-399, 1984 (em particular nn. 29, 31, 33 e 35). 88 Cf. KNITTER, Paul. Uma terra molte religioni:dialogo interreligioso e responsabilità globale. Assis, Cittadella, 1998. Cf. TEIXEIRA, Fautino. “O diálogo inter-religioso face ao desafio da responsabilidade global”. In: Numen, 2(1): 155-170, 1999.
  • 48. da especificidade étnica89. Xavier Albó sublinhara: "O problema de ajudar os pobres em sua luta para que cheguem a superar a pobreza é algo muito diverso da luta para ajudar o distinto a ser respeitado como distinto. Está havendo hoje um processo de reflexão sobre o que quer dizer este ser distinto"90. Em sintonia com a reflexão sobre a questão indígena, outros teólogos introduziam na reflexão teológica latino- americana a problemática da inculturação. Vale lembrar o papel pioneiro de Marcello Azevedo: a singularidade de sua reflexão foi mostrar a importância da dimensão cultural para a reflexão teológica e a necessidade de conjugação da evangelização da sociedade com a evangelização da cultura91. Na mesma trilha aberta pelos teólogos que trabalhavam a questão indígena e da inculturação, pode ser mencionado também o aporte trazido pelos teólogos que desenvolveram a problemática da teologia das religiões afro no Brasil. Já no final dos anos 70 e início dos anos 80, despontam os primeiros estudos92. O padre François de l'Espinay inaugurou uma experiência singular de solidariedade integral com os fiéis do candomblé na cidade de Salvador (Bahia)93; ele faz uma crítica radical ao exclusivismo católico, apontando a riqueza multifacetada da experiência do Deus que fala sob 89 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Panorama da Teologia da América Latina nos últimos 20 anos. Perspectiva Teológica (63): 173-175, 1992: BOFF, Leonardo & BOFF, Clodovis. Como fazer Teologia da Libertação. Petrópolis, Vozes, 1986. pp. 46-48. Cf. SUESS, Paulo. Culturas indígenas e evangelização – pressupostos para uma pastoral inculturada da libertação. REB, 41 (162): 211. 1981. 90 Cf. TEIXEIRA, Faustino (org). Teologia da Libertação: Novos desafios. São Paulo: Paulinas, 1991. P. 104. Cf. VV. AA. O rosto índio de Deus. Petrópolis: Vozes, 1989. 91 Cf. AZEVEDO, Marcello. Comunidades eclesiais de base e inculturação da fé. São Paulo: Loyola, 1986. P. 257-258. 92 Duas teses aparecem sobre o tema nos anos 80: Valdeli Carvalho da Costa. Umbanda. Os “seres superiores” e os Orixás/santos: um estudo sobre a fenomenologia do sincretismo umbandístico na perspectiva da teologia católica (São Paulo, Loyola, 1983); Franziska C. Rehbein. Candomblé e salvação: a salvação na religião nagô à luz da teologia cristã. São Paulo: Loyola. 1985. 93 Cf. L’ESPINAY, François de. A religião dos orixás, outra palavra do Deus único? REB, 47 (187)): 639-650, 1987.
  • 49. formas muito diversas. O verdadeiro diálogo implica a acolhida da alteridade que se manifesta nas religiões afro94. Na trajetória das CEBs no Brasil, verifica-se de forma bem nítida esse progressivo processo de abertura ecumênica e inter-religiosa. No início da experiência, nos anos 60 e 70, a temática sociolibertadora ocupava todo o repertório das comunidades. Nessa etapa inicial a sensibilidade para essa temática era bem menos definida. As resistências à temática da religião popular e das festas populares obstruíam um caminho mais promissor de dinâmica dialogal, mas, paulatinamente, essa sensibilidade foi se firmando, reforçada pela abertura ecumênica, que pontuou a história das comunidades desde os primeiros Intereclesiais nos anos 70. Como sublinha Jether Ramalho, o compromisso em favor da luta pela justiça coloca em segundo plano as divisões confessionais95. O aprofundamento da experiência ecumênica e dialogal foi sendo reforçado ao longo da experiência das CEBs, ganhando uma expressão mais decisiva no final dos anos 80 e inícios dos anos 90. A participação dos evangélicos, indígenas e membros das tradições afro foram ganhando densidade nos Intereclesiais. O Concílio Vaticano II reconheceu, no Decreto sobre o ecumenismo (Unitatis redintegratio), ao falar sobre a índole própria da teologia dos orientais, a singularidade de métodos e modos diferentes para conhecer e exprimir os mistérios divinos. O documento sublinha que "alguns aspectos do mistério revelado" podem ser "captados mais 94 Cf. FRISOTTI, Heitor. Passos no diálogo: Igreja católica e religiões afro-brasileiras. São Paulo: Paulus, 1986. Pp. 57-69. 95 Cf. RAMALHO, Jether Pereira. Ecumenismo brotando da base. Sedoc, 11 (118): 842-845, 1979.
  • 50. congruamente e postos em melhor luz por um que por outro" (n. 17). Nesse sentido, pode-se afirmar que a plenitude do mistério de Deus não se esgota numa experiência revelacional particular. Estas reflexões favorecem a tomada de tons, ciência da presença de um pluralismo de princípio ou de direito, que vem reconhecido como uma riqueza, um sinal da livre criatividade de Deus. A Igreja vem convocada a valorizar "todas as riquezas da sabedoria infinita e multiforme de Deus" 96. h) Desafios éticos e morais As questões da moral, tocantes ao campo da vida, da sexualidade, da família, da ordem político-econômica parecem chagas expostas. O pano de fundo para a análise das questões éticas e morais é o da relação. O ser humano, somente saindo de si permanece em si, somente dando recebe: a pessoa é uma substância relacionada (“quem quiser reter a sua vida....” – Mt 16,24-25). Mas toda relação corre riscos; um perigo é o de se valorizar a relação, sem ter em conta a pessoa que se relaciona. A verdadeira relação é sempre um êxodo – buscar e ir ao “tu” do outro, por cima dos próprios interesses ou, até, contra eles. Isto é se autotranscender, que só é possível pela relação que se estabelece com o Absoluto, presente nas relações interpessoais sustentadas pelo bem e pelo amor. A experiência da transcendência nas relações abre-se ao infinito: realmente, ao meu desejo 96 Diálogo e Missão, n. 41. Para a fundamentação desta questão cf.: GEFFRÉ, Claude. Profession Théologien: quelle pensée chrétienne pour le XXI e siècle. Paris, Albin Michel, 1999. P. 138-139; DUPUIS, Jacques. Rumo a uma Teologia cristã do pluralismo religioso. São Paulo: Paulinas, 1999. P. 526-528.
  • 51. de comunhão e de diálogo, de amor e de superação,...,não encontramos resposta na experiência de cada dia – nesta experiência de finitude se faz presente a infinitude. Este núcleo pessoal existente, que entra em relação, carece da relação com Deus. Sabemos que a graça feita a nosso mundo, em sua universalidade e de modo definitivo, veio por Jesus Cristo (cf. Jo 1,17) e ela entrou para sempre no mundo sob uma forma corporal97. Salvos por Jesus Cristo, somos membros de seu Corpo Místico. De tais afirmações, advêm algumas consequências: o criado, o todo, possuem um corpo, uma “carne” - somos corpos que se relacionam na afetividade. Muitos autores reconhecem, hoje, uma vigência da afetividade nas relações interpessoais98. Primeiramente, a afetividade é integradora da unidade da pessoa – um princípio psicológico, e, ao mesmo tempo, espiritual; devemos lutar contra um dualismo que destrói a pessoa humana, do mesmo modo que urge uma integração dos elementos que se apresentam, na pessoa, como díspares. Em segundo lugar, é imprescindível não dissociar a afetividade da caridade: ela é amor afetuoso. Em terceiro lugar, devemos estabelecer a insuficiência do compromisso sem a gratuidade – ambos são essenciais, mas geram desequilíbrios quando desarticulados. O quarto ponto é a relação cristianismo & ética – devemos superar o mero cumprimento em atitudes segundo o Evangelho. Devemos tabular uma nova relação com Deus, com afetividade, inclusive na oração. A quinta observação refere-se à insuficiência da vivência do cristianismo como mero cumprimento de práticas, ou seja, não devemos 97 Cf. CONGAR, Y. Cette Église que j´aime, ob. cit. P. 45-46. 98 Cf. GAMARRA, S. Teologia espiritual. Sapientia Fidei – Serie de Manuales de Teologia. Biblioteca de Autores Cristianos. Madrid. 1997. P. 146-148.
  • 52. seguir a Jesus para fazer-nos filhos, mas devemos fazê-lo sendo já, n’Ele, filhos. É insuficiente, igualmente, o conhecimento racional sem a afetividade – somos um todo: para o conhecimento profundo das pessoas e de Deus, é de todo necessário o amor; entretanto, o amor, que deve procurar o bem da pessoa, deve perguntar-se pelo bem objetivo dela, porque, mesmo com muito boa vontade e com muita afetividade, pode-se prestar um des-serviço à pessoa amada. A caridade, o amor, a afetividade são o que estruturam a pessoa humana. Uma das formas mais sublimes de amor é o toque. Buscamos, aqui, resgatar a questão do corpo, tão em voga e, ao mesmo tempo, tão carente de referenciais profundos, que suplantem um dualismo nocivo e desintegrador de nossas relações. O cristianismo foi moldado, entre outros dogmas de fé, pela crença na ressurreição do corpo: os cristãos esperavam que o corpo, em vez de ser abandonado no momento da morte, seria transformado naquilo que São Paulo chamou de “corpo espiritual” (1Cor 15,42-44)99, equivalente ao da primeira criação (cf. Gn 3,21), desfigurado em finitude através da queda, mas capaz de eliminar estas expressões finitas através de rigores ascéticos. Reconhecemos que é uma brevíssima exposição, mas suficiente para que percebamos que não é o corpo finito que o cristianismo valorizou, mas sua capacidade de ser purificado de todos os limites finitos. Com R. Ruether, refletimos que o mundo medieval valorizou o material- corporal e os corpos virginais e martirizados dos santos, mas, apenas, como manifestações que apontam para um corpo transformado, liberto da “escória” mortal. A Renascença, a Reforma e o início da ciência moderna 99 Cf. RUETHER, R. R., “Refletindo sobre criação e destruição – Reavaliação do corpo no ecofeminismo”. In: Concilium 295 – 2002/2. Petrópolis: Vozes. P. 44[180]-54[190].
  • 53. representam uma série de mudanças nesta visão, constituindo, ao mesmo tempo, uma recuperação do mundo da natureza como esfera humana de poder e controle e a perda da noção de corpo sacramental. A primeira ciência moderna, a princípio, exorcizou da natureza as forças demoníacas; mas, no século XVII, as tradições mais animistas dos “mágicos da natureza” foram desbancadas por um dualismo entre intelecto transcendente e matéria morta. Este processo de controle sobre a natureza através da aplicação tecnológica do conhecimento científico, começou a trazer grandes lucros na revolução industrial dos séculos XVIII-XIX, precedidos desde o século XVI pela abertura, pelo colonialismo, de novas e amplas fontes de riqueza das Américas, Ásia e África, reduzindo suas populações à escravidão. O que aconteceu num breve período de 3/4 de século de progresso infinito já o sabemos bem; vários teólogos atualmente preocupam-se claramente com tais efeitos sobre as relações. R. Ruether nos alerta que, repensar nossa relação com o corpo e com a natureza, implica também repensar as relações com aqueles grupos de pessoas que, segundo nossa visão estereotipada, são identificadas com ele (e, não, com a mente): as mulheres, os negros e indígenas, a classe trabalhadora e os pobres. Urge uma nova ética de reciprocidade, que orientará as relações entre nós mesmos, como também nossa relação com nosso corpo e com o mundo corpóreo de plantas e animais, terra, ar e solo, que sustenta a nossa vida. Afinal de contas, este mundo nosso é, metaforicamente, corpo de Deus, como nos oferece a reflexão de S. McFague100: se a 100 Cf. MC FAGUE, Sallie. “O mundo como corpo de Deus”. In: Concilium 295-2002/2. Petrópolis: Vozes. P. 55[191]-62[198].