SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
'Cidades como São Paulo são Frankenstein', afirma Lelé
NATALY COSTA - O Estado de S.Paulo - 14/03/13
SÃO PAULO - O arquiteto carioca João Filgueiras Lima, o Lelé,foi contemporâneo de Oscar
Niemeyere mudou-se para Brasília para ajudá-lo a projetar e construir a cidade no fim da
década de 1950.
JB Neto/AE
'O arquiteto deveria ser o clínico da cidade. Falta visão global'
Hoje morando em Salvador, esteve em São Paulo na terça-feira, 12, para divulgar seu
último livro, Uma experiênciana área da saúde, no Museu da Casa Brasileia, Lelé falou ao
Estado sobre o mau gosto na arquitetura de hoje e a falta de planejamento que piorou a
qualidade de vida nas metrópoles. "As cidades são um grande Frankenstein."
Como você enxerga o crescimento das cidade hoje?
Há um descontrole geral. Hoje em dia tudo é imagem, e os prédios e as cidades refletem
isso. A arquitetura privilegiaas fachadas, o prédio tem de ser diferente.Em Salvador tem
um shopping de cimento que resolveram simplesmente revestir de vidro. É essa coisa do
envelopamento que nasceu na Alemanha, para a Alemanha oriental se parecer com a
ocidental.
Você acha que os prédios novos estão ficando todos iguais?
Não sei se iguais,mas tem um mau gosto aí. Tem a questão da moda que cria essa
linguagem, até mesmo para os prédios. Eles têm de se vestir daquela forma, todos iguais,
para ficar na moda. E os arquitetos, para sobreviver, vão a reboque dessas pressões. Então
são indiretamente culpados. Mas a sociedade também manda. Estamos em um ciclo
vicioso.
Fala-se muito na pressão do mercado imobiliário, que se defende alegando que as
pessoas precisam ter onde morar...
Todo mundo quer morar onde convém e o mercado se aproveita disso para fazer um
adensamento descomprometido com a cidade. Você adensa áreas e cria problemas em
outras. Imagine um corpo humano, todos os órgãos têm de estar integrados. De repente
alguém diz 'ah, vamos fazer aqui um coração enorme!' Não adianta, o peito vai estourar
porque o coração é muito grande.
Mais planejamento urbano faria as cidade mais harmoniosas? Não tem mais como
planejar. Uma cidade é feita de relações, da integração entre prédios vizinhos, mas isso
não é mais prioridade. As cidades estão se desintegrando. O arquiteto pode até se
preocupar, mas a cidade não oferece mais solução. Vejaa Cidade do México, São Paulo.
São cidades insolúveis.Estão sempre tentando resolver problemas imediatos, que às vezes
duram um pouco, mas em sua maioria são soluções efêmeras.
As ações do poder público são fragmentadas?
Sim, cada um pensando na sua gaveta. Isso decorre de um mundo cada vez mais
especializado. Vejana medicina, a figura do clínico praticamente desapareceu. O arquiteto
deveria ser o clínico da cidade. No entanto, não tem uma visão global e as obras viram um
Frankenstein. A cidade é o maior Frankenstein de todos.
Também há uma diferença entre a cidade vista no centro e a cidade da periferia...
Sim, evidentemente,quando os gastos com imagem ficam proibitivos aí se revela outro
tipo de arquitetura, pobre, sem interesse tecnológico, desprovida de integração e beleza.
Quando a gente sai dos centros das cidades e vai para áreas mais pobres são dois mundos
diferentes,que convivem de uma maneira terrível.
O senhor vê alguma cidade brasileira que seja um modelo de crescimento?
Não, porque todas elas sofrem esse tipo de pressão do adensamento, feitapelo mercado
imobiliário.A questão do automóvel é que se tornou um problema sério. Curitiba, na
época do Jaime Lerner (arquiteto, ex-prefeitoda cidade), investiuem transporte público,
virou referência. Mas hoje já tem problemas. Vejo ações setorizadas que parecem
eficientes,como o BRT (Bus Rapid Transit) da Barra da Tijuca, no Rio. Mas só serve àquele
setor, não é uma coisa integrada.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

25.02.atividade.atualidades.2 a.32c.frenteverso
25.02.atividade.atualidades.2 a.32c.frenteverso25.02.atividade.atualidades.2 a.32c.frenteverso
25.02.atividade.atualidades.2 a.32c.frenteversoDouglasElaine Moraes
 
A circulação das idéias do urbanismo Aridson Andrade - 2011
A circulação das idéias do urbanismo   Aridson Andrade - 2011A circulação das idéias do urbanismo   Aridson Andrade - 2011
A circulação das idéias do urbanismo Aridson Andrade - 2011Aridson Andrade
 
Marina vasconcellos.dissertacaomestrado.uff
Marina vasconcellos.dissertacaomestrado.uffMarina vasconcellos.dissertacaomestrado.uff
Marina vasconcellos.dissertacaomestrado.uffMarina de Carvalho
 
Cma arte contemporânea
Cma arte contemporâneaCma arte contemporânea
Cma arte contemporâneaManuela Ruivo
 
Rem Koolhaas e a cidade genérica
Rem Koolhaas e a cidade genéricaRem Koolhaas e a cidade genérica
Rem Koolhaas e a cidade genéricaMarcia Rodrigues
 
Aula 7 THAU 1 Unip Introdução ao François Ascher
Aula 7 THAU 1 Unip Introdução ao François AscherAula 7 THAU 1 Unip Introdução ao François Ascher
Aula 7 THAU 1 Unip Introdução ao François AscherRaquelNery
 
vazios-urbanos-percursos-contemporaneos
vazios-urbanos-percursos-contemporaneosvazios-urbanos-percursos-contemporaneos
vazios-urbanos-percursos-contemporaneosricaFernanda5
 

Mais procurados (8)

25.02.atividade.atualidades.2 a.32c.frenteverso
25.02.atividade.atualidades.2 a.32c.frenteverso25.02.atividade.atualidades.2 a.32c.frenteverso
25.02.atividade.atualidades.2 a.32c.frenteverso
 
A circulação das idéias do urbanismo Aridson Andrade - 2011
A circulação das idéias do urbanismo   Aridson Andrade - 2011A circulação das idéias do urbanismo   Aridson Andrade - 2011
A circulação das idéias do urbanismo Aridson Andrade - 2011
 
Humanidades III
Humanidades IIIHumanidades III
Humanidades III
 
Marina vasconcellos.dissertacaomestrado.uff
Marina vasconcellos.dissertacaomestrado.uffMarina vasconcellos.dissertacaomestrado.uff
Marina vasconcellos.dissertacaomestrado.uff
 
Cma arte contemporânea
Cma arte contemporâneaCma arte contemporânea
Cma arte contemporânea
 
Rem Koolhaas e a cidade genérica
Rem Koolhaas e a cidade genéricaRem Koolhaas e a cidade genérica
Rem Koolhaas e a cidade genérica
 
Aula 7 THAU 1 Unip Introdução ao François Ascher
Aula 7 THAU 1 Unip Introdução ao François AscherAula 7 THAU 1 Unip Introdução ao François Ascher
Aula 7 THAU 1 Unip Introdução ao François Ascher
 
vazios-urbanos-percursos-contemporaneos
vazios-urbanos-percursos-contemporaneosvazios-urbanos-percursos-contemporaneos
vazios-urbanos-percursos-contemporaneos
 

Semelhante a Cidades como Frankenstein

As Cidades Como Atores Políticos.pdf
As Cidades Como Atores Políticos.pdfAs Cidades Como Atores Políticos.pdf
As Cidades Como Atores Políticos.pdfnicollyvaz1
 
maricato-e.-as-idc3a9ias-fora-do-lugar-e-o-lugar-fora-das-idc3a9ias.pdf
maricato-e.-as-idc3a9ias-fora-do-lugar-e-o-lugar-fora-das-idc3a9ias.pdfmaricato-e.-as-idc3a9ias-fora-do-lugar-e-o-lugar-fora-das-idc3a9ias.pdf
maricato-e.-as-idc3a9ias-fora-do-lugar-e-o-lugar-fora-das-idc3a9ias.pdfPedroYukas1
 
prova de geografia 2022.docx
prova de geografia 2022.docxprova de geografia 2022.docx
prova de geografia 2022.docxJosé Laurindo
 
O imperativo de cidades sustentáveis
O imperativo de cidades sustentáveisO imperativo de cidades sustentáveis
O imperativo de cidades sustentáveisFernando Alcoforado
 
A expansão urbana e os seus impactos para a mobilidade urbana
A expansão urbana e os seus impactos para a mobilidade urbanaA expansão urbana e os seus impactos para a mobilidade urbana
A expansão urbana e os seus impactos para a mobilidade urbanaPriscilla Costa
 
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011José Carlos Mota
 
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011cidadespelaretoma
 
Sociedades em rede, cidades globais, etc
Sociedades em rede, cidades globais, etcSociedades em rede, cidades globais, etc
Sociedades em rede, cidades globais, etcblogarlete
 
Capitulo 11- Territorialidade dos modos de transporte ativos
Capitulo 11-  Territorialidade dos modos de transporte ativosCapitulo 11-  Territorialidade dos modos de transporte ativos
Capitulo 11- Territorialidade dos modos de transporte ativosBrasil Não Motorizado
 
Tipos de Aglomeração Urbana (Urbanização - Aula 3)
Tipos de Aglomeração Urbana (Urbanização - Aula 3)Tipos de Aglomeração Urbana (Urbanização - Aula 3)
Tipos de Aglomeração Urbana (Urbanização - Aula 3)Luciano Pessanha
 
Pur ok a liberdade da cidade POR DAVID HARVEY
Pur ok  a liberdade da cidade POR DAVID HARVEYPur ok  a liberdade da cidade POR DAVID HARVEY
Pur ok a liberdade da cidade POR DAVID HARVEYTycillia Akane Tahara
 
Ferreira, j. e maricato, e. operação consorciada
Ferreira, j. e maricato, e. operação consorciadaFerreira, j. e maricato, e. operação consorciada
Ferreira, j. e maricato, e. operação consorciadaFilipe Carvalho
 
Cópia de APRESENTAÇÃO-3o ETAPA-SOTEPP-ENTREVISTA.pdf
Cópia de APRESENTAÇÃO-3o ETAPA-SOTEPP-ENTREVISTA.pdfCópia de APRESENTAÇÃO-3o ETAPA-SOTEPP-ENTREVISTA.pdf
Cópia de APRESENTAÇÃO-3o ETAPA-SOTEPP-ENTREVISTA.pdfWelltonLima2
 
Fundamentos de sociologia Unidade IV
Fundamentos de sociologia Unidade IVFundamentos de sociologia Unidade IV
Fundamentos de sociologia Unidade IVHarutchy
 

Semelhante a Cidades como Frankenstein (20)

As Cidades Como Atores Políticos.pdf
As Cidades Como Atores Políticos.pdfAs Cidades Como Atores Políticos.pdf
As Cidades Como Atores Políticos.pdf
 
maricato-e.-as-idc3a9ias-fora-do-lugar-e-o-lugar-fora-das-idc3a9ias.pdf
maricato-e.-as-idc3a9ias-fora-do-lugar-e-o-lugar-fora-das-idc3a9ias.pdfmaricato-e.-as-idc3a9ias-fora-do-lugar-e-o-lugar-fora-das-idc3a9ias.pdf
maricato-e.-as-idc3a9ias-fora-do-lugar-e-o-lugar-fora-das-idc3a9ias.pdf
 
prova de geografia 2022.docx
prova de geografia 2022.docxprova de geografia 2022.docx
prova de geografia 2022.docx
 
O imperativo de cidades sustentáveis
O imperativo de cidades sustentáveisO imperativo de cidades sustentáveis
O imperativo de cidades sustentáveis
 
A expansão urbana e os seus impactos para a mobilidade urbana
A expansão urbana e os seus impactos para a mobilidade urbanaA expansão urbana e os seus impactos para a mobilidade urbana
A expansão urbana e os seus impactos para a mobilidade urbana
 
Cidade: Meio, Mídia e Mediação
Cidade: Meio, Mídia e MediaçãoCidade: Meio, Mídia e Mediação
Cidade: Meio, Mídia e Mediação
 
Deborah lopespennachin
Deborah lopespennachinDeborah lopespennachin
Deborah lopespennachin
 
1264
12641264
1264
 
1264
12641264
1264
 
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
 
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
Saskia sassen público cidades 24 abril 2011
 
Sociedades em rede, cidades globais, etc
Sociedades em rede, cidades globais, etcSociedades em rede, cidades globais, etc
Sociedades em rede, cidades globais, etc
 
Koolhaas_Pensa?
Koolhaas_Pensa?Koolhaas_Pensa?
Koolhaas_Pensa?
 
Capitulo 11- Territorialidade dos modos de transporte ativos
Capitulo 11-  Territorialidade dos modos de transporte ativosCapitulo 11-  Territorialidade dos modos de transporte ativos
Capitulo 11- Territorialidade dos modos de transporte ativos
 
Tipos de Aglomeração Urbana (Urbanização - Aula 3)
Tipos de Aglomeração Urbana (Urbanização - Aula 3)Tipos de Aglomeração Urbana (Urbanização - Aula 3)
Tipos de Aglomeração Urbana (Urbanização - Aula 3)
 
Pur ok a liberdade da cidade POR DAVID HARVEY
Pur ok  a liberdade da cidade POR DAVID HARVEYPur ok  a liberdade da cidade POR DAVID HARVEY
Pur ok a liberdade da cidade POR DAVID HARVEY
 
Ferreira, j. e maricato, e. operação consorciada
Ferreira, j. e maricato, e. operação consorciadaFerreira, j. e maricato, e. operação consorciada
Ferreira, j. e maricato, e. operação consorciada
 
PROCESSO DE URBANIZAÇÃO
PROCESSO DE URBANIZAÇÃOPROCESSO DE URBANIZAÇÃO
PROCESSO DE URBANIZAÇÃO
 
Cópia de APRESENTAÇÃO-3o ETAPA-SOTEPP-ENTREVISTA.pdf
Cópia de APRESENTAÇÃO-3o ETAPA-SOTEPP-ENTREVISTA.pdfCópia de APRESENTAÇÃO-3o ETAPA-SOTEPP-ENTREVISTA.pdf
Cópia de APRESENTAÇÃO-3o ETAPA-SOTEPP-ENTREVISTA.pdf
 
Fundamentos de sociologia Unidade IV
Fundamentos de sociologia Unidade IVFundamentos de sociologia Unidade IV
Fundamentos de sociologia Unidade IV
 

Mais de Mayara Virgulino de Oliveira

CER – Centro Especializado em Reabilitação Física
CER – Centro Especializado em Reabilitação FísicaCER – Centro Especializado em Reabilitação Física
CER – Centro Especializado em Reabilitação FísicaMayara Virgulino de Oliveira
 

Mais de Mayara Virgulino de Oliveira (20)

Desenvolvimento do trabalho
Desenvolvimento do trabalhoDesenvolvimento do trabalho
Desenvolvimento do trabalho
 
CER – Centro Especializado em Reabilitação Física
CER – Centro Especializado em Reabilitação FísicaCER – Centro Especializado em Reabilitação Física
CER – Centro Especializado em Reabilitação Física
 
Caderno
CadernoCaderno
Caderno
 
Construções em alvenaria
Construções em alvenariaConstruções em alvenaria
Construções em alvenaria
 
Condomínio edifício santa catarina
Condomínio edifício santa catarinaCondomínio edifício santa catarina
Condomínio edifício santa catarina
 
Plano de pesquisa
Plano de pesquisaPlano de pesquisa
Plano de pesquisa
 
Principais tendencias europeias no pós guerra
Principais tendencias europeias no pós guerraPrincipais tendencias europeias no pós guerra
Principais tendencias europeias no pós guerra
 
O estilo internacional silvio colin
O estilo internacional silvio colinO estilo internacional silvio colin
O estilo internacional silvio colin
 
Nunca estou satisfeito com meus trabalhos
Nunca estou satisfeito com meus trabalhosNunca estou satisfeito com meus trabalhos
Nunca estou satisfeito com meus trabalhos
 
Estilo internacional 2013
Estilo internacional 2013Estilo internacional 2013
Estilo internacional 2013
 
Brutalismo
BrutalismoBrutalismo
Brutalismo
 
Frank o. gehry
Frank o. gehryFrank o. gehry
Frank o. gehry
 
Alvenarias
AlvenariasAlvenarias
Alvenarias
 
Alvenaria
AlvenariaAlvenaria
Alvenaria
 
Alvenaria
AlvenariaAlvenaria
Alvenaria
 
Abcp cimento portland
Abcp cimento portlandAbcp cimento portland
Abcp cimento portland
 
alvenaria estrutural
alvenaria estruturalalvenaria estrutural
alvenaria estrutural
 
Norm trab acad
Norm trab acadNorm trab acad
Norm trab acad
 
Sistemas estruturais
Sistemas estruturaisSistemas estruturais
Sistemas estruturais
 
Projeto elétrica
Projeto elétricaProjeto elétrica
Projeto elétrica
 

Cidades como Frankenstein

  • 1. 'Cidades como São Paulo são Frankenstein', afirma Lelé NATALY COSTA - O Estado de S.Paulo - 14/03/13 SÃO PAULO - O arquiteto carioca João Filgueiras Lima, o Lelé,foi contemporâneo de Oscar Niemeyere mudou-se para Brasília para ajudá-lo a projetar e construir a cidade no fim da década de 1950. JB Neto/AE 'O arquiteto deveria ser o clínico da cidade. Falta visão global' Hoje morando em Salvador, esteve em São Paulo na terça-feira, 12, para divulgar seu último livro, Uma experiênciana área da saúde, no Museu da Casa Brasileia, Lelé falou ao Estado sobre o mau gosto na arquitetura de hoje e a falta de planejamento que piorou a qualidade de vida nas metrópoles. "As cidades são um grande Frankenstein." Como você enxerga o crescimento das cidade hoje? Há um descontrole geral. Hoje em dia tudo é imagem, e os prédios e as cidades refletem isso. A arquitetura privilegiaas fachadas, o prédio tem de ser diferente.Em Salvador tem um shopping de cimento que resolveram simplesmente revestir de vidro. É essa coisa do envelopamento que nasceu na Alemanha, para a Alemanha oriental se parecer com a ocidental. Você acha que os prédios novos estão ficando todos iguais? Não sei se iguais,mas tem um mau gosto aí. Tem a questão da moda que cria essa linguagem, até mesmo para os prédios. Eles têm de se vestir daquela forma, todos iguais, para ficar na moda. E os arquitetos, para sobreviver, vão a reboque dessas pressões. Então são indiretamente culpados. Mas a sociedade também manda. Estamos em um ciclo vicioso. Fala-se muito na pressão do mercado imobiliário, que se defende alegando que as pessoas precisam ter onde morar... Todo mundo quer morar onde convém e o mercado se aproveita disso para fazer um adensamento descomprometido com a cidade. Você adensa áreas e cria problemas em outras. Imagine um corpo humano, todos os órgãos têm de estar integrados. De repente alguém diz 'ah, vamos fazer aqui um coração enorme!' Não adianta, o peito vai estourar porque o coração é muito grande.
  • 2. Mais planejamento urbano faria as cidade mais harmoniosas? Não tem mais como planejar. Uma cidade é feita de relações, da integração entre prédios vizinhos, mas isso não é mais prioridade. As cidades estão se desintegrando. O arquiteto pode até se preocupar, mas a cidade não oferece mais solução. Vejaa Cidade do México, São Paulo. São cidades insolúveis.Estão sempre tentando resolver problemas imediatos, que às vezes duram um pouco, mas em sua maioria são soluções efêmeras. As ações do poder público são fragmentadas? Sim, cada um pensando na sua gaveta. Isso decorre de um mundo cada vez mais especializado. Vejana medicina, a figura do clínico praticamente desapareceu. O arquiteto deveria ser o clínico da cidade. No entanto, não tem uma visão global e as obras viram um Frankenstein. A cidade é o maior Frankenstein de todos. Também há uma diferença entre a cidade vista no centro e a cidade da periferia... Sim, evidentemente,quando os gastos com imagem ficam proibitivos aí se revela outro tipo de arquitetura, pobre, sem interesse tecnológico, desprovida de integração e beleza. Quando a gente sai dos centros das cidades e vai para áreas mais pobres são dois mundos diferentes,que convivem de uma maneira terrível. O senhor vê alguma cidade brasileira que seja um modelo de crescimento? Não, porque todas elas sofrem esse tipo de pressão do adensamento, feitapelo mercado imobiliário.A questão do automóvel é que se tornou um problema sério. Curitiba, na época do Jaime Lerner (arquiteto, ex-prefeitoda cidade), investiuem transporte público, virou referência. Mas hoje já tem problemas. Vejo ações setorizadas que parecem eficientes,como o BRT (Bus Rapid Transit) da Barra da Tijuca, no Rio. Mas só serve àquele setor, não é uma coisa integrada.