O documento discute o julgamento do caso do "mensalão" no Supremo Tribunal Federal brasileiro. Em três frases:
1) O ministro Celso de Mello defendeu o direito de 12 réus a um novo julgamento sobre acusações de formação de quadrilha, o que pode invalidar a tese central do caso.
2) Há pressa de alguns ministros em aplicar penas mesmo antes do julgamento dos embargos infringentes, possivelmente para esquartejar a sentença.
3) Se a acusação de formação de quadril
3. ABr
Ponto de Vista
Celso de Mello: “Nunca presenciei
um comportamento tão ostensivo
dos meios de comunicação sociais
buscando, na verdade, pressionar
e virtualmente subjugar a
consciência de um juiz”
Depois dos embargos infringentes
Se cai a “quadrilha”, não há como manter de pé a teoria que sustenta o mensalão,
“o mais escandaloso e atrevido crime de corrupção política da história da República”
NÃO SE PODE ESQUECER, como
denunciado por dois procuradores-gerais
da República, Antônio Fernando de Souza
e Roberto Gurgel, como relatado pelo atual
ministro presidente do Supremo Tribunal
Federal (STF), Joaquim Barbosa, e como
aprovado, até agora, numa maratona de
cinco dúzias de sessões, na corte suprema
da Justiça brasileira, o mensalão é “o mais
escandaloso e atrevido crime de corrupção
da história política da República”. Ele não
é, dizem os construtores dessa espécie de
grife dos crimes políticos do País, um delito
comum, um mero crime de “caixa dois”,
uma distribuição clandestina de dinheiro
para políticos a partir de empréstimos
tomados pelo Partido dos Trabalhadores,
como dito pelo ex-presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva, em cujo governo
essa história aconteceu.
Na narrativa dos procuradores Souza e
Gurgel, do ministro-relator Barbosa e ain-
da de outros, como os ministros Luís Fux
e Gilmar Mendes – que o qualificaram,
respectivamente, como tendo dimensões
“oceânicas” e como um marco da descida
do País na ladeira abaixo da “escala das
degradações” –, o mensalão é um crime
sem par. Foi cometido por três quadrilhas:
uma, com a alta cúpula do PT – o presidente, o tesoureiro e o secretário-geral
do partido –; outra, de pessoas ligadas à
atividade publicitária, entre as quais um
cidadão chamado Marcos Valério, que
seria uma espécie de “gênio do mal”; e
a terceira, de banqueiros. Essa trinca de
bandos criminosos teria praticamente
assaltado o Banco do Brasil (BB), retirado
de seus cofres cerca de 74 milhões de reais,
“sabendo que não era para fazer serviço
algum”, como disse o ministro Mendes,
em espetacular performance numa das
sessões do STF. Teria também desviado
boa parte de um contrato com a Câmara
dos Deputados, para serviços no valor
de 9 milhões de reais, dos quais teria sido
realizado apenas 0,01%.
Pior ainda: o comandanteb geral desses três pelotões de malfeitores seria o
próprio chefe da Casa Civil da Presidência da República do governo Lula, José
Dirceu. Segundo o ministro Barbosa,
no acórdão do julgamento, o texto que
resumiu as condenações e as penas dos 25
culpados por diversos crimes, Dirceu era
a “posição de força no plano partidário,
político e administrativo” do governo, “foi
fundamental para a outorga de cobertura
política aos integrantes da quadrilha”, ele
“desempenhou papel proeminente na
condução das atividades”, não de um,
apenas, mas “de todos os réus”.
Retrato do Brasil tem insistido numa
série de investigações iniciada no segundo
semestre de 2011, e agora acrescida de
um vídeo, que essa história não resiste
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4. a um exame minimamente objetivo (o
vídeo está no YouTube, com narrativa
do jornalista e escritor Fernando Morais, autor de Olga e Os últimos soldados da
guerra fria). O pilar da tese do mensalão
é o desvio de dinheiro público. Mas RB
afirma que não existe o desvio. Quanto
ao desvio de dinheiro do BB, existem
abundantes provas, no geral e de detalhe,
de que todos os serviços de publicidade
correspondentes aos 73,8 milhões de reais
supostamente desviados do banco foram
realizados. RB apresentou um documento
da empresa que repassou os recursos ao
BB – a Companhia Brasileira de Meios
de Pagamento, cujo nome fantasia era
Visanet e hoje é Cielo – enviado à Receita
Federal, no qual ela lista, especificamente,
uma a uma de 99 ações de publicidade
feitas com o dinheiro e diz ter os recibos
e comprovantes de que todas elas foram
realizadas. Em mais de duas dezenas
de milhares de páginas dos autos da
própria Ação Penal 470 (AP 470) estão
documentos de detalhe na comprovação
dessas ações: um dos apensos mostra,
por exemplo, até mesmo a contagem das
vezes em que um anúncio de promoção
da venda de cartões de bandeira Visa pelo
BB foi veiculado no circuito de tevê de
determinado aeroporto em determinado
dia. Quanto ao desvio de dinheiro da Câmara que o ministro Barbosa diz, no seu
voto de condenação do então presidente
daquela casa legislativa, o petista João
Paulo Cunha, ter sido comprovado por
“três órgãos colegiados de auditoria” – a
Secretaria de Controle Interno da Câmara,
o Tribunal da Contas da União e o Instituto Nacional de Criminalística –, RB
provou que todas as três afirmações são,
simplesmente, falsas.
No dia 18 do mês passado, por seis
votos a cinco, com o desempate feito
pelo decano da corte, o ministro Celso
de Mello, o STF confirmou o direito,
existente no seu regimento interno, de
12 dos réus apresentarem os chamados
“embargos infringentes”, para um novo
julgamento de crimes pelos quais foram
condenados pela maioria dos juízes, mas
com divergência, pela absolvição, de pelo
menos quatro dos magistrados. Mello, ao
longo de duas horas, leu e interpretou um
voto corajoso. Ele queria votar já no dia
12, uma quinta-feira. Mas, numa manobra
protelatória, os ministros Marco Aurélio
de Mello e Gilmar Mendes esticaram a
sessão com votos esparramados e de pouca substância e, finalmente, o presidente
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Barbosa suspendeu o julgamento, convocando nova sessão para a quarta-feira
seguinte, a despeito de Celso de Mello ter
pedido para votar imediatamente.
A manobra visava pressionar o juiz,
no final de semana, através dos grandes
veículos da mídia, unanimemente contra
o voto pelo direito aos embargos infringentes. Em entrevista à jornalista Mônica
Bergamo, do diário Folha de S.Paulo, Mello
disse: “Eu imaginava que isso [a pressão
da mídia para que ele votasse contra o
pedido dos réus] pudesse ocorrer e não
me senti pressionado. Mas foi insólito esse
comportamento. Nada impede que você
critique ou expresse o seu pensamento.
O que não tem sentido é pressionar o
juiz.” Ele disse ainda: “Eu honestamente,
em 45 anos de atuação na área jurídica,
como membro do Ministério Público e
juiz do STF, nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de
comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a
consciência de um juiz.”
Na armação de sua
história, Barbosa teve
duas grandes vitórias:
uma em 2007 e outra
no ano passado. Mas,
hoje, algumas coisas
mudaram. E, como
se sabe, a mentira
tem pernas curtas
No seu voto, Mello não apenas aprovou o direito dos 12 réus a um novo
julgamento, em função da divergência
no veredito comprovada pela existência
de quatro votos contrários, como também defendeu, explicitamente, que o
Brasil tem compromisso assinado com
a Organização dos Estados Americanos
para garantir a todos – o que vale dizer,
no caso, também para os outros 13
condenados com menor divergência de
votos – o direito à chamada dupla jurisdição. Como se sabe, todos os réus foram
julgados diretamente no STF, portanto,
sem uma instância superior à qual apelar.
Eloisa Machado, professora de direito
da Fundação Getulio Vargas, disse em
entrevista ao diário O Estado de S.Paulo que
a aprovação dos embargos infringentes
para quem é julgado diretamente no STF
é apenas um remendo, não garante o
direito, que deveria ser amplo e universal,
de recorrer de uma sentença dada apenas
numa instância. Diz a professora: “O direito à revisão não pode ser dado apenas
a um ou outro aspecto de um julgamento;
precisa ser do caso como um todo, como
aceito pelo Brasil ao assinar a Convenção
Americana dos Direitos Humanos e o
Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos. É preciso incluir na revisão os
fatos, a valoração das provas e as penas;
e fazer isso por um tribunal diferente, de
hierarquia superior”.
O argumento é importante pelo fato
de que, muitos dos que se opunham aos
embargos infringentes, agora que eles
foram aprovados os consideram como
elementos importantes para provar, ao
final, que o julgamento terá sido justo.
Não é verdade. A apresentação desses
embargos pelos 12 réus, especialmente
pelos nove que foram condenados por
formação de quadrilha, pode servir para
provar a falsidade da teoria do mensalão.
Se uma nova maioria na corte suprema
decidir pela não existência do crime de
quadrilha, como pode subsistir o grande
crime do mensalão? A essência desse
suposto crime decorre exatamente da
unidade das três quadrilhas criminosas,
do fato de Dirceu ser, como a acusação
insistiu o tempo todo em dizer, o comandante supremo de todas elas, de ele estar
na Casa Civil da presidência da República,
com capacidade, portanto, de desviar
dinheiro público para realizar os diversos
crimes pelos quais todos os réus foram
penalizados. Se a quadrilha de Dirceu não
existe, como pode existir o mensalão?
O ministro Luís Fux foi escolhido por
sorteio eletrônico para ser o revisor do
caso nessa nova etapa, a ser realizada no
final deste ano ou no começo do próximo.
Segundo declarações que deu aos jornais,
não se tratará de um “rejulgamento” do
caso: “Os embargos infringentes são
adstritos à matéria objeto da divergência”,
afirma o ministro. Ou seja, julgar se houve
ou não formação de quadrilha é um aspecto isolado do caso, não tem a ver com
as outras condenações do julgamento.
Pelo menos Fux, o presidente Barbosa e
os ministros Mendes e Marco Aurélio de
Mello já deram também declarações aos
5. ABr
Janot: o atual procurador geral
da República não parece tão
apressado como seu antecessor,
que queria prender os réus no
final do ano passado
jornais no sentido de que as penas para
os outros 13 réus sem direito a embargos
infringentes e mesmo as penas para os 12
com direito a eles, mas decretadas com
menos de quatro votos de divergência,
poderiam ser aplicadas logo que o STF
publique o acórdão com as decisões sobre
os embargos declaratórios, ainda neste
mês de outubro, por exemplo.
Tome-se o caso de Dirceu. Ele foi condenado a dez anos e dez meses de prisão,
sendo sete anos e 11 meses por corrupção
ativa e dois anos e 11 meses por formação
de quadrilha. No entendimento de Barbosa,
Mendes e Marco Aurélio e, tudo indica,
também no de Fux, o STF, agora, com a
publicação dos embargos declaratórios
já julgados, poderia fatiar a sentença, no
sentido de apressá-la. Dar todas as penas
aplicadas pelo STF para as quais não cabem
os embargos infringentes como “transitadas
em julgado”, ou seja, de aplicação imediata.
Então, voltando ao exemplo: Dirceu deveria
ser preso imediatamente, restando apenas,
como disse Marco Aurélio, a definição do
regime de cumprimento da pena. No caso,
como a pena do ex-chefe da Casa Civil de
Lula cairia para sete anos e 11 meses, abaixo,
portanto, do piso de oito anos acima do
qual se exige a prisão em “regime fechado”,
Dirceu, então começaria a cumprir sua pena
já, embora, em regime semiaberto, com o dia
livre para trabalhar fora, sendo confinado à
prisão apenas à noite. Posteriormente, se
seus embargos infringentes contra a condenação por formação de quadrilha não
fossem aceitos, ele seria submetido, então,
ao regime fechado.
Qual o motivo para tanta pressa?
Quer-se esquartejar a sentença do mensalão, como já se esquartejou o julgamento?
Essa parece ser a ideia. Barbosa já tinha
esquartejado a história antes. Já a havia
fatiado e reestruturado no primeiro ato
do julgamento, em 2007, para conseguir
a aceitação da denúncia do então procurador Souza pelo STF, quando o inquérito
2425 foi transformado na AP 470. Souza
começava sua acusação, num texto mal
escrito e confuso, pelo crime de formação
de quadrilha e com um detalhamento das
ações de Dirceu, já então apresentado
como o todo-poderoso da história. O
fatiamento da história, para vendê-la sob
uma nova forma aos ministros “da bancada” – no jargão do STF, os que decidem
como votar a partir do voto do relator
e do revisor – foi a grande armação de
Barbosa. Como disse o semanário Veja,
que desde então o transformou em herói,
ele “subverteu” a ordem da argumentação
do procurador. Em primeiro lugar apresentou duas historinhas de corrupção,
de desvios de dinheiro público supostamente feitos por dois petistas, Henrique
Pizzolato e João Paulo Cunha, quando
dirigentes do Banco do Brasil e da Câmara
dos Deputados.
Barbosa completou sua obra quando apresentou sua sentença, em agosto
passado. Na denúncia foram apenas
cinco dias, 30 horas de debates. Na
sentença foram meses, cerca de 300
horas de julgamento, apresentado a
todo o País pela TV Justiça, com ele
no centro do palco. Na denúncia, ele
apresentou as fatias num prato só, de
uma sacada. Para a sentença, ele as
apresentou por partes, para julgamento
uma a uma. Houve protestos. O relator, Ricardo Lewandowski, disse que
a manobra era contra o regimento do
tribunal. O ministro Marco Aurélio
de Mello disse que, na condição de
ministros da bancada, “que não somos nem revisores nem relatores [da
AP 470] e temos inúmeros processos
para relatar”, “precisamos ter uma
visão abrangente”, principalmente por
tratar-se de “um caso em que atos e
fatos saltam aos olhos entrelaçados”.
Barbosa espera consumar sua obra
agora, com o esquartejamento das penas. Certas coisas mudaram, no entanto.
Há dois juízes novos na composição do
tribunal. O atual procurador-geral da
República, Rodrigo Janot, não parece
apressado como Gurgel, seu antecessor,
que já queria prender os réus no final do
ano passado. Há certo tempo para se contestar a armação feita. E, como se sabe, a
mentira tem pernas curtas.
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