O documento descreve um projeto de casa sustentável localizado em Atibaia, São Paulo. O projeto utiliza técnicas de construção ecológicas como taipa de pilão, adobe e bambu, além de sistemas de captação de água da chuva, tratamento de esgoto e energia solar. O projeto também promove a capacitação de trabalhadores e o resgate da cultura local.
Com base na imagem apresentada e em seus conhecimentos sobre a implementação ...
Terra Brasil 2014 - Artigo - Michel Habib Ghattas
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PROJETO CASA RESPONSÁVEL
Michel Habib Ghattas
1. O PROJETO
O projeto da casa responsável foi idealizado e está sendo executado com base nas
premissas da bioarquitetura, utilizando conceitos e sistemas construtivos ecologicamente
corretos, culturalmente ricos e com atitudes socialmente justas.
O cliente é um casal jovem com uma criança de 11 anos e planos para mais um filho,
junto com seus animais de estimação (dois gatos, dois cachorros e uma tartaruga). O
programa de necessidades proposto contempla uma residência térrea, com 02 suítes, 01
banheiro para atender a 02 quartos, 01 lavabo, sala de estar, sala de jantar, home theater,
área de serviço, despensa, cozinha integrada, varanda gourmet, mezanino, Home Office e
garagem para 02 carros.
O casal deu total liberdade ao profissional para a implantação de sistemas
construtivos não convencionais. O partido arquitetônico propõe combinar o estilo caipira das
fazendas da região com novas técnicas e tecnologias disponíveis atualmente. Como é
cultural na região, as residências eram construídas em sua maioria de taipa de pilão, taipa
de mão e ou adobes, coberta com telhado de madeira coberto com telhas cerâmicas.
Somado a esses elementos, foram contemplados novos elementos que utilizam tecnologias
atuais como sistemas de energia fotovoltaica, sistemas de tratamento das águas servidas,
captação e reuso de águas pluviais, caixilhos de PVC e madeiras com certificação.
2. O TERRENO
O terreno de 512,00m² (16,00m x 32,00m), localizado em um loteamento urbano rico
em áreas verdes, no município de Atibaia, foi mapeado em sua topografia, insolação e
riquezas naturais. Foi identificada uma moita de bambu (Dendrocalamus giganteus), como
riqueza natural à ser utilizada no sistema construtivo da casa e como elemento paisagístico.
Fig. 01 - Planta do pavimento térreo
2. Na implantação da residência, aproveitou-se o desnível transversal de dois metros
do terreno para incluir o pavimento inferior que abriga um depósito e o reservatório de
captação e reuso das águas pluviais e águas cinzas. No pavimento térreo foram distribuídos
todos os cômodos, restando apenas no pavimento superior um mezanino com acesso à laje
jardim (fig. 01).
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3. SISTEMAS CONSTRUTIVOS
O sistema construtivo que melhor atenderia esse projeto seria aquele que
aproveitasse os recursos naturais locais ou aqueles de menor impacto ambiental, portanto,
foram estipuladas técnicas de construção com terra para as alvenarias, laje pré moldada de
cimento produzida in loco para a execução de jardins suspensos, estruturas e telhados de
madeira, sistemas integrados de saneamento, entre outros sistemas para a conservação ou
geração de recursos como a implantação do sistema fotovoltaico e sistemas cíclicos que
reduzam o consumo de recursos, como exemplo os sistema aplicados para as águas
servidas, pluviais e produtivo com o jardim funcional comestível para subsistência (fig. 02).
Sempre que um projeto de bioarquitetura é discutido, certos questionamentos
sempre vêm à tona: economia de recursos financeiros, extenso tempo de execução e
durabilidade da construção. Para responder a essas questões, estão sendo traçados
durante o período de construção, perfis comparativos entre os sistemas utilizados e os
sistemas tradicionais a serem concluídos ao final da construção.
Fig. 02 - Sistemas ecológicos e materiais adotados
3.1. Fundação
Para segurança e qualidade da construção, após analise de sondagem a fundação
determinada foi bloco sobre estaca escavada e viga baldrame. As estacas foram escavadas
mecanicamente com profundidades de 5,00 a 7,00 metros e diâmetro de 25 cm, os blocos
de distribuição de carga foram dimensionados 50x50x50cm e os baldrames foram com
35x40cm para suportar a carga das alvenarias de taipa de pilão e 20x40cm para as
alvenarias executadas em adobe e técnica mista. O dimensionamento estrutural foi feito por
engenheiro capacitado.
3. O baldrame e o embasamento foram executados acima do nível do solo e
impermeabilizados com hidroasfalto a base d´água. O enchimento de base foi feito com
material proveniente dos aterros de resíduos sólidos do município. O subproduto gerado é
separado em agregados cimentícios de maior granulometria que são utilizados em correção
de ruas não pavimentadas e agregados cerâmicos de menor granulometria como cacos de
azulejo, telhas e tijolos maciços cerâmicos que desagregados adquirem plasticidade quando
entram em contato com água, tornando-se inapropriada para o uso em correção de
pavimentações e sem uso para a prefeitura, mas de grande valia para o isolamento de base
da construção, pois após compactado e curado se mostrou um material coeso e de baixa
absorção capilar, fato esse observado nas poças de água estaqueadas após as chuvas.
Para esse serviço foram utilizados 90,00m³ desse material.
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3.2. Alvenarias
Com o intuito de resgatar a cultura local e suas técnicas construtivas, os
trabalhadores foram capacitados, aprendendo a caracterizar e estabilizar o barro disponível
para a execução das misturas a serem utilizadas na taipa de pilão, adobes e tapa de mão.
Por cima de todas as alvenarias, foi executada uma cinta de amarração de concreto
armado de 15 cm para melhoras a distribuição das cargas das coberturas nas alvenarias.
3.2.1. Taipa de pilão
O taipal foi executado todo em madeira, utilizando chapas de madeirite plastificado
de 16 mm com travamento executado com madeiras reaproveitadas das caixarias dos
baldrames e outras recuperadas em caçambas.
Após calcular o volume necessário, a terra recebida foi submetida a ensaios
empíricos de caracterização do solo para definir um traço padrão à ser utilizado. O solo
apresentou uma característica argilo-arenosa, porém com proporções equilibradas de 60%
argila e 40% areia. Para a
estabilização desse solo, foi
adicionado areia, cimento e
cal em proporções variadas
para trabalhar principal-mente
a coloração da terra.
Como ponto de partida,
estabilizou-se fisicamente a
terra com adição de areia,
atingindo uma proporção de
65% areia e 35% argila,
essa mistura foi homoge-neizada
e estocada para ser
utilizada até o final do
processo de execução da
alvenaria. Os aglomerantes
minerais, cal e cimento,
foram adicionados em
proporção de 10% ao traço
inicialmente adotado, com o
intuito de ser misturados e
homogeneizados no momento da hidratação e compactação do traço final (fig. 03).
Fig. 03 - Taipal de madeira e estabilização do solo.
Seguindo esse mesmo procedimento, foram executadas três alvenarias, que formam
a espinha estrutural para apoio do telhado central e laje, somando 16,00m de taipa de pilão
com 2,70m de altura.
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3.2.2. Adobe
O barro utilizado na confecção dos adobes foi um solo estabilizado com areia e
esterco de cavalo, atingindo uma proporção granulométrica de 70% areia e 30% argila,
somando 1/4 do seu volume em esterco. Essa mistura foi hidratada e descansou por cinco
dias para melhor homogeneização de seus componentes.
Os adobes foram utilizados em alvenarias de fechamento e foram executados em
dois formatos, trapezoidais 10x20x20x14cm (base menor, base maior, altura e espessura) e
prismáticos 28x14x11 (comprimento x largura x altura). Para essas alvenarias, foram feitos
300 adobes trapezoidais e 500 prismáticos (fig. 04).
Fig. 04 - Alvenarias de adobe e taipa de pilão
As alvenarias estão localizadas em pontos estratégicos da casa, servindo como
empena decorativa para a sala de estar, sendo executada com acabamento de adobe
aparente sem reboco.
3.2.3. Taipa de mão
Fig. 05 - Barro processado mecanicamente.
5. O processo construtivo da técnica mista foi adotado principalmente pela abundancia
e disponibilidade do material local para executar do entramado. As estruturas dos pórticos
foram executadas com a madeira peroba do norte (Goupia glabra) proveniente de
reflorestamento em bitolas de 5x11cm verticalmente nas esquinas e caibros de pinus (Pinus
elliotti) na bitola 6x6cm verticalmente a cada 1,00m. Com o manejo da moita de bambu
(Dendrocalamus giganteus), as 85 varas foram cortadas, estocadas e utilizadas depois de
seca em todo o ripamento de suporte para a aplicação do barro.
Para o barreado dos 240,00m² dessa técnica, foram calculados 20,00m³ de barro já
processado, equivalendo a 45,00m² de material bruto processados mecanicamente em uma
pipa de olaria, entregue na obra no ponto de aplicação. Essa mescla foi mantida hidratada
por dois meses até ser consumida totalmente (fig. 05).
No momento do preparo desse
barro, o solo foi caracterizado argilo-arenoso,
portanto foi estabilizado, na
proporção 3:5:2 (areia:terra:esterco),
visando uma mistura areno-argilosa.
Nesse momento, foi ensaiado o mesmo
traço sem o uso do esterco, mas foi
adotado seu uso em função da visível
melhora na plasticidade da mistura.
No preenchimento do
entramado, o barro foi misturado com
palha seca, que trouxe grande melhora
no processo de retração do barro, uma
vez que a superfície não apresentou
rachaduras após sua secagem. Para
acertar o prumo e regularizar a
superfície da parede, foi aplicada uma
capa de barro arenoso sarrafeado. As
fissuras provenientes da secagem e
retração foram fechadas e
regularizadas com uma capa de reboco
de 3:1 (areia e cal), não necessitando
pintura (fig. 05).
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Fig. 05 - Processos de execução da taipa de mão.
3.3. Coberturas
A residência dispõe de dois sistemas de cobertura, lajes pré-moldadas de argamassa
armada de cimento e areia e telhados com telhas cerâmicas sobre estrutura de madeira.
Ambas estão apoiadas sobre uma viga de concreto armado com quinze centímetros de
altura para melhor distribuição das cargas nas alvenarias de terra.
3.3.1. Laje jardim
O sistema construtivo adotado para as lajes foram painéis pré-moldados de
argamassa armada de cimento e areia. Esses painéis foram produzidos na obra e foram
adotados pelo seu baixo consumo de material (cimento e ferro). Essa laje foi dimensionada
para suportar a carga de uma lamina de 15 cm de terra para o plantio de espécies rasteiras.
Após o apoio dos painéis, foi feito um recheio de argila expandida para dar o
caimento necessário para a drenagem do teto jardim e posteriormente aplicada uma
camada de concreto de 4 cm armada com tela eletrossoldada Q61 da Gerdau.
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3.3.2. Telhado sobre estrutura de madeira
O telhado foi todo
executado sobre estrutura de
eucalipto (Corymbia citriodora)
tratado autoclavado. Sua
execução conta com todos os
itens necessários para uma boa
execução e conforto térmico
como forro e manta de
subcobertura. O forro foi
executado com chapas de OSB
(Oriented Strand Board)
aparente por cima dos caibros,
essa decisão se deu por
estética e por demonstrar a
melhor opção custo beneficio
(fig. 06). As telhas cerâmicas
utilizadas são provenientes da
demolição de uma residência
dos anos 80.
4. TECNICAS ECOLÓGICAS
Fig. 06 - Vista da estrutura de madeira e alvenarias em terra.
Em paralelo aos sistemas construtivos adotados, foram aplicadas outras técnicas,
alinhadas ao pensamento ecológico, visando sistemas de baixo impacto ambiental como a
reutilização de resíduos sólidos como o exemplo dos muros de arrimo executado com 700
pneus resgatados no município, preenchidos com terra e compactados, sistemas de
saneamento com o tratamento rizosférico das águas servidas, captação, armazenamento e
reutilização das águas pluviais, sistemas passivos insolação e ventilação para controle e
conforto térmico, sistema de aquecimento solar da água e de geração de energia
fotovoltaica, além de práticas agroecológicas com jardins comestíveis.
Finalizando, em sintonia com o tripé da bioarquitetura, em todos os sistemas
relacionados, sempre foram levadas em consideração questões sociais de resgate da
cultura local, capacitação da mão de obra desqualificada e valorização do oficio.
8. CONCLUSÃO
Em resumo, essa residência esta sendo de grande valia para todos os envolvidos,
atuando como um diminuidor de impacto com a absorção de resíduos sólidos do município,
canteiro experimental de técnicas pouco utilizadas na construção civil atual, centro de
capacitação de mão de obra em técnicas construtivas vernaculares e de baixo impacto
ambiental, ponto de referência para novos empreendimentos que buscam a bioarquitetura
como nicho de mercado e por fim, uma moradia saudável para seus usuários que viverão
em harmonia e de forma responsável e integrados à natureza.
9. CURRICULO DO AUTOR
Michel Habib Ghattas, arquiteto graduado pela FAAP e Bioarquiteto pelo Instituto
TIBÁ, atua profissionalmente na área da bioarquitetura e ecologia como transferidor do
conhecimento teórico e prático em cursos, workshops e palestras para estudantes e
profissionais, difundindo técnicas e sistemas de baixo impacto ambiental. Atualmente
desenvolve projetos e atividades em parceria com universidades, institutos e empresas.