Relação através da linguagem entre a educadora e as crianças do grupo
1. Relação através da linguagem entre a educadora e as crianças do grupo
Katalin Hevesi
Um conjunto de estudos que evidenciavam o retardo da linguagem de
crianças que viviam em uma instituição, em comparação com crianças educadas em
casa, incitou os observadores a estudar a relação verbal adulto-criança em
coletividade. Diversas pesquisas sobre a linguagem dos trabalhadores dos berçários
e das escolas infantis colocaram em evidência a sucessão de traços negativos na
linguagem dos auxiliares. Constamos que, na maioria das vezes, sua linguagem
consistia em ordens e proibições. Percebemos ainda que freqüentemente as
educadoras dão às crianças repostas impessoais, sem conteúdo, com um vocabulário
pobre. Tudo isso se manifesta, sobretudo com as crianças pequenas, justamente
quando começam a falar e com os recém-nascidos que ainda não falam.
E. Habinakova constatou que, em 10 berçários de Bratislava, as auxiliares
falavam com as crianças com frases de duas ou três palavras em média e aquilo que
diziam tinha ligação com ordens: esperar ou proibir uma conduta determinada.
Apenas em 1.72% dos casos as palavras expressavam sentimentos positivos.
B. Tizard e seus colaboradores, depois de analisarem a linguagem de
auxiliares que se ocupavam de crianças de 2 a 5 anos em orfanatos, também
descobriram que a parte mais importante de seus atos de fala tinha um caráter
imperativo: apenas uma pequena parte expressava uma informação, uma explicação
ou uma opinião. As auxiliares falavam menos com as crianças pequenas. Depois dos
três anos, aumentava consideravelmente a quantidade de atos de fala endereçados às
crianças.
I. Lezine verificou, em suas observações, duas situações opostas. Em um
berçário, durante 10 minutos, a auxiliar apressa as crianças 27 vezes enquanto
comem, repreende-as 10 vezes e apenas 2 vezes lhes dá ânimo ou as consola. Em
2. outro berçário, também durante 10 minutos, a auxiliar estimula e felicita as crianças
26 vezes e apenas 2 vezes as repreende.
A enorme diferença constatada entre as duas instituições demonstra que é
muito importante preocupar-se com a linguagem do pessoal.
Durante duas observações que realizamos nas escolas da infância húngaras
também pudemos ver muitos exemplos negativos. Entre outros, acontecia que as
palavras da auxiliar se tornavam insignificantes precisamente quando queria
expressar um sentimento positivo. Em grupos de crianças que tinham por volta de 2
anos, a auxiliar falava com amabilidade com as crianças que brincavam, mas quando
queria felicitar alguma delas, o fazia sem nenhuma distinção da criança nem da
causa pela qual a felicitava, falava sempre na terceira pessoal, sempre com o mesmo
tom, utilizando sempre as mesmas palavras: “bom menino”, “bonito”... nunca
pronunciava o nome das crianças.
Em nossa escola – que se conhece pelo nome de Lóczy – os educadores falam
ao recém-nascido, com a criança pequena, sobretudo nos momentos dos cuidados
(troca, alimentação e banho). Nessa situação, é mais fácil que a educadora
“converse” inclusive com um recém-nascido em lugar de falar-lhe mecanicamente.
Desta maneira a criança pode perceber que há momentos durante o dia nos
quais a educadora apenas está por conta dele, cuida especialmente dele. Fala com
ele, o escuta, espera a sua resposta e reage à sua resposta.
Dessa forma, a educadora que se acostuma a esta prática, considera natural
informar, inclusive a um recém-nascido de todas as coisas que o afetam e que
afetam a vida do grupo. Explica aquilo que faz com eles, por que o faz... e isso
também com crianças muito pequenas que ainda não obedecem instruções nem
proibições. Desde a primeira infância, as crianças necessitam que a educadora se
preocupe com elas, que lhes fale, não apenas nas horas dos cuidados, mas também
durante os outros momentos do dia. As crianças a procuram com o olhar, depois
3. com sinais cada vez mais variados de acordo com a idade: pedem a atenção da
educadora com a qual tenham uma relação pessoal durante o cuidado. Mas, para a
educadora, isso significa uma tarefa difícil, pois tem de dividir a sua atenção entre a
criança de quem está cuidando e as outras crianças do grupo.
Durante anos, muitos grupos de crianças no orfanato suscitaram problemas.
Refletindo sobre essas situações, começamos a nos dar conta de que os educadores
falam com as crianças do grupo, sobretudo quando algo “não funciona”: quando
choram, quando brigam entre si... Essa atitude é compreensível já que o adulto
sente, com razão, que tem de intervir e não cabe que se dirija às crianças que
brincam tranqüilamente. No entanto, nestas condições, as crianças se dão conta de
que, se fazem alguma coisa errada, podem ter a atenção do adulto. Desenvolve-se
implicitamente uma forma da criança demandar a atenção do adulto contra a qual os
próprios adultos lutam.
Quisemos mudar – ou melhor, prevenir – esta situação que se produz muito
facilmente. Queríamos:
• que os educadores buscassem e percebessem no próprio comportamento
das crianças em quais momentos as crianças querem que eles estejam por
elas, e os sinais que fazem para demonstrar isso;
• que os educadores encontrassem, enquanto as crianças se portam bem, um
momento que despertasse seu interesse, um momento que pudessem
comemorar ou do qual pudessem simplesmente falar.
Os resultados desse trabalho são os que expomos a seguir.
A pergunta que serviu de ponto de partida foi a seguinte: “quais formas de
comportamento das crianças fazem com que os educadores das instituições estejam
mais freqüentemente por elas e provoquem sua resposta verbal?”
Condições das observações
4. Observamos, uma por uma, quatro educadoras fixas de um mesmo grupo,
cada vez apenas uma educadora estava de serviço, e fizemos 10 observações no
total. No início das observações, o grupo era formado por 8 crianças, mais tarde por
7. A menor tinha 6 meses, as outras tinham entre 13 e 22 meses.
A observação acontecia em geral no início do almoço e do lanche da tarde. A
educadora atendia as crianças, uma após a outra. Atendê-las queria dizer: almoçar,
trocar fraldas, preparar para o sono, ou, se era depois do sono, trazê-las do jardim
(para o sono, os berços eram colocados em espaço aberto) e trocá-las antes de
merendar.
Enquanto isto, preparava tudo o que era necessário para dar de comer e vestir
à criança seguinte. Durante esse tempo, as outras crianças brincavam em parte da
sala que estava preparada para sua atividade. De tanto em tanto, a educadora entrava
no espaço de brincar das crianças organizava os brinquedos, às vezes lhes dava
outros, etc.
A duração de cada observação era de meia hora, repartida em segmentos de
tempo de 5 minutos. Nas 10 observações, que representam um total de 60 segmentos
de tempo, podemos distinguir:
• 35 segmentos durante os quais a educadora apenas se dedicava
exclusivamente a atender as crianças;
• 25 segmentos nos quais, por um lado, cuidava das crianças e, por outro
lado, fazia outras atividades. Duas vezes foi até o espaço de jogos das
crianças durante os cinco minutos do segmento.
As observações contêm:
• as palavras da educadora: as que direcionava às crianças no espaço de
brincar;
• as atividades das crianças: mencionadas pela educadora, atividades que as
fizeram reagir.
5. Resultados das observações
As educadoras dirigiram-se às crianças do grupo em uma média de 45 vezes
durante os 30 minutos:
• 57.7% dos casos eram reações a formas positivas de comportamento;
• 32.7% dos casos respondiam a formas negativas de comportamento;
• 9.9% dos casos diziam algo sem relação com o comportamento das
crianças.
Examinemos agora, detalhadamente, as respostas dadas aos comportamentos
positivos que classificamos em três grupos:
1. As palavras com que a educadora avisa as crianças que
se interessam pela atividade espontânea que estão
desenvolvendo (um movimento, uma brincadeira, um
barulho, um som...). Nesse caso a iniciativa de contato é
da educadora.
Uma criança chamada Zsolti golpeia com um cubo os ângulos de uma caixa
de brinquedos. A educadora: “Que barulho mais bonito, Zsolti!” Zsolti sorriu.
Nos exemplos que se seguem, a educadora não reage à atividade geral da
criança, mas, sim, a um momento preciso dessa atividade que achou que cabia
comentar ou reforçar.
O pequeno Csaba está esticado de bruços no parque, depois se põe de barriga
para cima com um brinquedo na mão. A educadora: “Ei, Csaba! Você se virou? Que
bom que você brinque com essa bola de vime. Quem sabe você será jogador de
handball!”
Duas crianças jogam os baldinhos para dentro de um cercado. Uma menina,
que se chamava Borika estende o braço e depois de fazer esforços durante alguns
6. minutos consegue pegar um deles através da grade. A educadora: “Vejo que você
conseguiu pegar o baldinho!”
2. As palavras que a educadora dirige à criança que
observa.
É uma transição entre as iniciativas da educadora e as da criança. A criança,
com seu olhar atento, “toma a iniciativa” do contato, chama a atenção da educadora.
Isso se nota sobretudo quando a criança observa a atividade da educadora por
alguma razão concreta.
É hora de Zsolti comer. Enquanto a educadora leva um companheiro seu ao
jardim para dormir, Zsolti se coloca na porta da sala de brinquedos; quando a
educadora entra, a criança a observa. A educadora: “Zsolti, você já está esperando?
Já preparo tudo, você vai comer e também vai dormir. Agora mesmo arrumo seu
saco de dormir.”
A educadora diz a Kati que lhe dará banho à tarde. Quando ouve a palavra
banho, Margo ouve e olha para a educadora. “Margo, você também tomará banho
esta tarde”, lhe diz a educadora.
A educadora coloca Csaba em um outro espaço de brinquedos. A pequena
Eszti vai até o corrimão que os separa, se debruça ali e fica olhando. A educadora:
“Trouxe o Csaba para cá, a partir de agora ele vai brincar aqui.”
3. As palavras da educadora em resposta a uma criança.
A iniciativa de contato é da criança: todos emitem sons ou palavras dirigindo-
se à educadora e ela lhes responde. É possível que apenas queiram chamar a atenção,
mas o que aqui é importante é que seja a criança que tome a iniciativa do contato
quando necessita que a educadora se volte para ela.
7. A pequena Kriszti chama risonha a educadora dizendo “egi”. “Estou vendo,
estou vendo Kriszti”, sorri a educadora respondendo para a criança.
A pequena Kati mostra a educadora um brinquedo que está em sua mão
dizendo duas sílabas “da-da”. A educadora: “o que você tens, Kati, um lenço
colorido? É verde e tem um pedaço vermelho, olhe!”
A busca de contato tem uma razão bem definida quando a criança pede ajuda
com sons ou com gestos.
A pequena Margo pede atenção da educadora dizendo “ti” e mostrando que
seu tênis está desamarrado. A educadora: “Eu vou amarrar para você, já sei que
havia prometido. Que bom que você me lembrou.”
Andris diz “hoppa” e mostra para a educadora sua boneca que caiu do outro
lado do corrimão. A educadora: “Você quer a boneca? Vou pegar para você quando
terminar de ajudar a Kriszti. Mas chegue mais perto e veja se você pode alcançá-la
através da grade.”
Freqüentemente, as crianças se dirigiam à educadora quando percebiam um
fato ou quando ao seu redor acontecia alguma coisa que queriam comunicar a ela.
Por exemplo, olhavam como a educadora se ocupava de seus companheiros:
Bori chama a atenção da educadora fazendo um som “tii”. Esta acaba de dar
de comer a uma criança. A educadora: “Csabika comeu muito bem, depois Zsolti vai
comer”. Borika aponta Zsolti. A educadora: “O Zsolti vai comer.”
Margo observa enquanto seu companheiro Andris come e diz “chá”. A
educadora: “Chá. Fiz este chá para Andris. Depois de lanchar, também vou dar um
chá para você.”
As crianças também se dirigiam à educadora quando encontravam um objeto
que lhes parecia interessante.
8. As crianças mostravam que de seu brinquedo – um cãozinho – caíam pedaços
de espuma. A educadora vai até lá e os recolhe. Esztike diz “pega”. A educadora:
“Vou pegá-los e jogá-los no cesto de lixo”.
Andris mostra para a educadora uma meia que tirou dizendo “sapato”. A
educadora: “Meia, Andris, vou vesti-la de novo em você. Veja que seu pé precisa
dela.”
Algumas vezes as crianças também reagiam às coisas que a educadora dizia
ao seu companheiro. Quando a educadora fala de desenho, Esztie aponta o seu
desenho pendurado na parede dizendo “este”. A educadora: “Sim, Esztie, esse que
você me mostra é o seu desenho.”
Desses exemplos podemos deduzir que, no momento da investigação, essas
crianças se expressavam, por um lado, com palavras (fragmentos de palavras), por
outro lado, com grupos de sons e com gestos. Uma vez que o tema deste estudo é a
relação entre a educadora e as crianças, não separamos, dentre as iniciativas das
crianças, as expressões verbais das expressões pré-verbais quando tinham função
similar.
Caberiam novas investigações para saber qual é a função, no
desenvolvimento da linguagem das crianças, do exercício intensivo dos meios de
expressão pré-verbais.
Nos processos verbais encontramos, com especial freqüência, respostas dadas
às crianças quando estas se dirigiam à educadora. Essas respostas significam 38.2%
do conjunto de palavras das educadoras e 66.6% das reações positivas a
comportamentos. Essa informação corrobora a impressão que havíamos formado
durante as observações: entre as formas positivas de comportamento das crianças, a
expressão de sons é a que mais faz com que a educadora fale com a criança quando
não está diretamente cuidando dela.
9. Se a educadora entende a importância desses pequenos diálogos, inclusive os
mais curtos, na vida das crianças, terá atenção em sua resposta e deixará de
responder apenas contra as formas negativas de comportamento como fazia antes.
Essa atitude da educadora repercute no comportamento das crianças do grupo:
confirma para as crianças as formas desejáveis de chamar a atenção e estimula o
desenvolvimento da relação verbal. Dando resposta à sua iniciativa, se oferece à
criança não apenas muitas informações e explicações gerais, mas também
informações ligadas ao fato para o qual elas apontam e no momento preciso em que
aquilo as preocupa.
HEVESI, K., Relação através da linguagem entre a educadora e as crianças do
grupo. In: FLAK, J. (org.). Educar os três primeiros anos: a experiência de Loczy.
Araraquara: Junqueira e Marin, 2004