O documento discute a necessidade de uma "faxina moral e institucional" na política brasileira para eliminar a corrupção e a incompetência. A autora argumenta que termos como "elite" são usados de forma vazia e que pactos secretos entre políticos não podem mais ser tolerados. Ela adverte que o Brasil está em risco de "naufragar" se não houver consequências para os crimes revelados e uma renovação das lideranças e instituições políticas.
1. “A RepúblicA dos
RAbos pResos”
lyA luft
Imagens do artista plástico catarinense - Willy Alfredo Zumblick
Formatação: Christina Meirelles Neves
2. Pau de arara
Andamos falando demais, e mal;
usamos frivolamente termos
perigosos e abusamos das
palavras de respeito;
a chamada língua-mãe está demais rebaixada, e olha que
nunca fui purista, pois sou apaixonada por palavras.
3. Exageramos nos clichês e nos rótulos, geralmente burros
e pobres, embora às vezes necessários – como tantas
coisas pobres e burras que é preciso suportar neste mundo.
Arrastão
4. Engraxate
Sanfoneiros
Usar o termo “elite”,
por exemplo, requer
muito cuidado.
É temerário empregá-lo
como se falássemos de
uma entidade abstrata,
bicho-papão pra assustar
– não criancinhas, mas
os desavisados.
5. Ceramista
Usamos a palavra sem sequer
a definir direito.
O conceito “elite” significa “o
melhor, os melhores”, o que não
envolve necessariamente
dinheiro nem sede de poder,
muito menos arrogância, mas
decência, por exemplo.
Honradez, pudor e consciência, por exemplo.
Boa educação e cortesia também,
não vamos esquecer.
6. Esperando o peixe
Nada disso é privilégio de
ricos e poderosos.
O que deve assustar é o
predomínio de um tipo de ralé:
a da hipocrisia, da ambição e
do cinismo, que passa por
cima do cadáver – não da
mãe, mas do povo
e da pátria.
Não somos tão bobos assim.
7. Tropeiros
Ceifando o trigo
Falas delirantes,
acusações falsas e
autoelogios pueris
enganarão cada vez
menos os mais pobres
e menos informados.
Eles começam a querer
coisa melhor.
Paira no ar uma – espero
que passageira – sensação
de que tudo poderá se
resolver nos velhos moldes
do grande PIB, o Partido do
Interesse Próprio.
8. Baiana
Estabelecem-se pactos dos
quais nós comuns mortais
em outros tempos
nada saberíamos.
Com parte da imprensa avisando, e alguns políticos honrados
reclamando, ninguém mais vai poder dizer:
eu não sabia.
9. Pedinte
Ceramista
E à medida que os crimes
forem comprovados,
que sejam varridos os
elementos maus de todos
os lados,
eliminados de seus cargos os corruptos,
os incompetentes, e os omissos –
que são seus cúmplices.
10. A anunciada investigação de dinheiros mal ganhos, mal
aplicados e malvistos, acabando com a tolerância com os
malfeitores, não pode acabar numa ciranda geral,
Esperando a vida passar
em que
os enganadores
dançam
segurando o rabo
do vizinho.
11. Ou afundaremos todos juntos num mar morno e de odor
suspeito, de onde não se retorna fácil.
Mulheres e conversa Na batida do pilão
12. Retrato
Se as consequências de tudo
isso que vemos não forem
tiradas, vamos naufragar,
cúmplices do cinismo que vai
recobrir esta boa terra –
13. Trio nordestino
– enquanto o povo trabalha
com salários indecentes mas
paga impostos, acredita em
promessas mas morre nas
filas, e nossos jovens deixam
um país que não lhes dá
estímulo, para eventualmente
vegetar em terra estrangeira.
14. Não é hora de falar de esquerda, direita, centro, elite ou
povão, termos caducos e mofados, mas da faxina moral
e institucional sem a qual seremos meros sobreviventes:
Festa do Divino
15. todos nós, os enganados e os enganadores, humilhados
habitantes da República dos Rabos Presos.
A espera da bica d’água
Lya Luft