O documento discute as concepções de infância no Brasil ao longo da história, desde o período colonial até o Império. Na Colônia, as crianças indígenas e órfãs portuguesas eram educadas pelos jesuítas para abandonar sua cultura, enquanto as crianças das elites recebiam pouca afetividade. Na escravidão, as crianças negras passavam por duas fases de infância antes de se tornarem adultas. No Império, os higienistas defendiam a infância branca e ab
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História Social da Infância no Brasil
1. Concepções da Infância e História
Social das Crianças no Brasil.
Contextos individuais, familiares,
sociais e políticos.
Prof.ª Dr.ª Sônia M. Gomes Sousa
2. História Social e Concepções
de Infância
Formação multicultural da sociedade brasileira e a pluralidade étnica da
população leva a diferentes concepções de infância.
Bibliografia ainda não contempla estudos sobre a forma como índios, negros e
caboclos educavam/educam suas crianças e concebem a infância.
Teorias sobre a infância:
Ótica do adulto
Idealizada
Visão fragmentária
Perdem a dimensão dos conflitos, crises e tensões vividos pelas
crianças em seu processo de desenvolvimento.
3. Problemática infantil tem uma identidade que perpassa todas as
classes sociais: a posição que a criança ocupa no mundo produtivo
adulto.
• Profundas diferenças no vir-a-ser de uma criança da burguesia ou
das camadas populares.
4. Infância
Infante (origem latina) ausência de fala
“Por não falar, a infância não se fala e não se falando, não ocupa a
primeira pessoa nos discursos que dela se ocupam. (...) Por isso é
sempre definida por fora”. (Lajolo, 1997, p.226)
ECA – Art. 2o “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a
pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela
entre doze e dezoito anos de idade”.
5. Infância (Santos, 1996)
Período do ciclo da vida que têm dimensões biológicas e culturais
Vai do nascimento até a puberdade (0 a 12 anos ECA)
Mudanças anatômicas, fisiológicas, psíquicas e sociais.
Desenvolvimento biológico é universal, mas o recorte desse
continuum obedece às diferenças do ritmo fisiológico e varia de
indivíduo para indivíduo e de acordo com o sexo.
Idade cronológica não constitui critério válido de maturação física
(tempo de duração porta conotações diferentes em diferentes
sociedades e culturas)
Mais apropriado “infâncias”
6. Os Estudos de Philippe Ariès
Ariès – Historiador francês ainda vivo
História social da criança e da família (1960)
Traça um quadro da criança/família em lenta transformação (velhos
diários, testamentos, igrejas, e túmulos, pinturas)
7. Século XI: crianças são adultos em
miniatura (expressões faciais, roupas e
forma do corpo)
Século XII (+/-): a arte medieval “desconhecia” a infância
O sentimento de infância surge na sensibilidade ocidental entre os
séculos XIII e XVIII e é através de temas metafísicos e religiosos
que a infância se introduz na iconografia medieval.
Século XIII – não existem crianças caracterizadas por uma
expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido
8. Surgimento de algumas figurações de
crianças
o Menino Jesus ou Nossa Senhora
Anjo
a criança morta
9. Da iconografia religiosa da infância, surgiu uma
iconografia leiga nos séculos XV e XVI (criança
ainda não estava sozinha: idades da vida,
estações, sentidos etc.)
Cenas de gênero:
3. Na vida quotidiana as crianças estavam misturadas com os
adultos (trabalho, passeio, jogo)
5. Os pintores gostavam especialmente de representar a criança por
sua graça ou por seu pitoresco e se compraziam em sublinhar a
presença da criança dentro do grupo ou da multidão.
10. Século XV – o retrato e o puto
Século XVI – retrato da criança morta (sair do anonimato)
Século XVII:
Multiplicam os retratos de crianças vivas;
Nasce o sentimento de infância;
Início do interesse pela criança;
Retratos de crianças sozinhas e retratos de família em que a
criança era o centro;
Registro da linguagem infantil.
11. Teses de Àries
Criança/família passam a ocupar lugar central nas chamadas
sociedades industriais
Ausência do sentimento de infância na Idade Média
12. Críticas
Sua concepção de História e de mudança social
Os fundamentos de suas evidências
Metodologia empregada
Tese da inexistência de uma consciência da natureza particular da
infância nas sociedades medievais
Olhando o mundo da infância medieval com os olhos da
contemporaneidade e que não havia uma ausência do sentimento
de infância, mas uma compreensão própria, e portanto diferente, da
nossa visão contemporânea.
14. Crianças indígenas e órfãos portugueses
“Também andava por lá uma outra mulher, ela também nova, com um
menino ou uma menina atada com um pano – não sei é de que – aos
peitos, e no resto de seu corpo, não havia pano algum”. (Carta de
Pero Vaz de Caminha)
Imagem fragmentada da criança (“só pernas”)
Surge, assim, encoberta e incompreendida, a primeira personagem
infantil da nossa história
Perspectiva adulta (não americano)
Apagamento da sexualidade (Lajolo, 1997, p. 230)
15. Representação infantil: criança mística
Criança ser cheio de graça, inocência, beleza (olhar piedoso)
Forte disciplina da Companhia de Jesus (o “muito mimo” devia ser
repudiado)
16. Crianças indígenas (órfãos portugueses)
Retiradas do convívio dos seus e levadas a morar com os jesuítas nos colégios
Sedução para romper com a cultura indígena
“Meninos-língua”
Tinham vida de adultos
“Papel blanco”
No lazer e festas a cultura indígena se impunha
Enquanto pequenas se submetiam, maiores rompiam com os ensinamentos e
fugiam
Puberdade (ruptura entre o ideal jesuítico e as realidades coloniais)
17. Fala dos Jesuítas sobre educação e
política
Fortemente arraigada na psicologia de fundamento moral e religioso
Autos-sacramentais alegóricos
“Gosto de sangue”
Não adaptação do índio à escravidão contribuiu para que o
negro fosse trazido da África para ser escravo nas terras
brasileiras.
18. Crianças das camadas médias e altas da
população
Direito do pai, morte dos filhos
até o século XIX permaneceu prisioneira do papel social do filho
a família colonial ignorava-a ou subestimava-a e privou-a de toda
expressão de afeição
em uma estrutura social que favorecia o passado e o saber
acumulado que dera certo a criança sem ter vivido o bastante para
entender o passado e sem responsabilidade suficiente para
respeitar a experiência, o “párvulo” não merecia a mesma
consideração do adulto.
19. Do ponto de vista da propriedade, a criança era um acessório
supérfluo, por isso o fenômeno da adultização precoce.
O filho-criança, segundo o catolicismo colonial, era o resultado
inevitável da concupiscência humana (a criança enquanto ser
biológico e sentimental era desprezada pela religião)
A mentalidade religiosa colonial colocou em segundo plano a vida
concreta e material das crianças, enquanto a vida sobrenatural era
valorizada: criança morta e anjo.
20. Filho
Posição instrumental dentro da família.
Posto à serviço do poder paterno.
Passividade frente ao poder despótico dos pais.
Castigos físicos extremamente brutais os faziam não duvidar da
prepotência paterna (Ex.: Infância – Graciliano Ramos)
21. Causas da mortalidade infantil
Um grande número deve-se a imprudência dos adultos:
Escravas cuidavam das crianças
As mães eram assistidas por parteiras inábeis
Crianças eram levadas tardiamente aos médicos
Vestiam-se mal e se alimentavam pior
Prática de casamentos consangüíneos
Atados a superstições e arcaísmos religiosos julgavam uma “felicidade” a morte
dos filhos
Devido em grande parte ao afrouxamento dos laços afetivos entre pais e filhos
22. Casa dos Enjeitados, Casa da Roda, Casa
dos Expostos ou Roda
Criada em 1738 por Romão Mattos Duarte
Objetivo caritativo-assistencial de recolher as crianças
abandonadas e transformar a população pobre em classe
trabalhadora e afastá-la da perigosa camada envolvida na
prostituição e na vadiagem
Fundada para proteger a honra da família colonial e a vida da
infância, obteve um efeito oposto, pois as pessoas puderam contar
com apoio seguro para as suas transgressões sexuais.
Quem deixava as crianças na Roda: pessoas pobres , mulheres da
elite e senhores que abandonavam crianças escravas e alugavam
suas mães como amas-de-leite
23. índice de mortalidade de 50% a 70%.
as crianças permaneciam de um a dois meses até serem enviadas
a ‘criadeiras’ pagas pela Santa Casa.
ficavam com as ‘criadeiras’ até sete anos e seriam encaminhados
para instituições onde ficariam até mais ou menos a idade de
quatorze anos.
essa prática generalizou o aluguel e a compra de escravas para
amamentarem os filhos das famílias brancas.
Apesar das discussões sobre a imoralidade e a alta mortalidade
dos internados, no caso de São Paulo, a Roda sobreviveu até
1948.
24. Crítica dos higienistas
Preocupavam-se com a conduta das famílias abastadas
A estrutura sócio-econômica da família, o papel da mulher na casa
e a atitude do casal diante da vida dos filhos.
Comportamento sexual do patriarca (prostituição doméstica e altos
índices de mortalidade infantil)
Aluguel de escravas como amas de leite
26. O lugar da criança negra no Brasil
escravocrata
Testemunha silenciosa de seu tempo:
Quando escravo: fala pela rebelião, pela fuga, pelo suicídio, pelo
crime
Quando libertável ou liberto, o ex-escravo fala: através daqueles
documentos que lhe restituíam a liberdade
Analfabeto por vontade expressa da sociedade dominante
27. Duas idades de infância para escravos
0 a 7, 8 anos (crioulinho, pardinho... geralmente sem desempenho de
atividades de tipo econômico)
Nascido o escrava nenê é batizado sem muita demora
Olhado como escravo em redução
Aquisição das artimanhas que vão lhe permitir, o mais rápido possível,
tornar-se aquele escravo útil que dele se espera
Iniciação aos comportamentos sociais no seu relacionamento com a
sociedade dos senhores e com a comunidade escrava
O senhor forma idéia sobre as capacidades e caráter da criança
Vai perceber o que são os castigos corporais
28. 7, 8 anos a 12 anos (deixam de ser crianças para entrar no mundo
dos adultos, mas na qualidade de aprendiz: moleque/moleca)
Não terá mais o direito de acompanhar (brincando) sua mãe
Se dá conta de sua condição inferior em relação principalmente às
crianças livres brancas
Deverá prestar serviços regulares para fazer jus às despesas que
ocasiona a seu senhor
As exigências dos senhores tornam-se precisas, indiscutíveis
(obediência, não mais à mãe, mas a seu senhor)
29. 1850 – (decretado em 1831) o fim do tráfico anunciava o declínio da escravidão como
sistema de trabalho no Brasil.
1871 – Lei do ventre livre (28 de setembro de 1871)
“Destruiu” a possibilidade de perpetuação do regime escravocrata através da
reprodução interna da população escrava
trouxe um aumento no número do abandono de crianças negras (RJ)
artigo 1o.
não impede a reescravização dos filhos de escravos
O efeitos da libertação dos naciturnos foi praticamente nula para a transformação do
sistema escravista no Brasil
1888 – Libertação dos escravos
30. Higienistas: protetores da infância branca
e abastada
A apropriação médica da infância fez-se à revelia dos pais
A idéia de nocividade do meio familiar pode ser tomada como o
grande trunfo médico na luta pela hegemonia educativa das
crianças.
31. A família nefasta
Essa imagem começou a difundir-se no século XIX através da
higiene
Chegou a ser preconizado o afastamento da criança da família,
pois a má influência do clima doméstico prejudicaria os benéficos
esforços da higiene (internatos e suas regras para visitas e convívio
familiar).
A idéia de nocividade familiar teve seu apogeu nas teses sobre
alienação mental (família = loucura = isolamento).
Na família higiênica, pais e filhos vão aprender a conservar a vida
para poder colocá-la a serviço da nação.
32. O cultivo da infância
Concepção de criança = entidade físico - moral amorfa.
Educação higiênica: instalação de hábitos (disciplina/
domesticação)
Criança utilizada como instrumento de poder, contra os pais, em
favor do Estado
33. A infância “reduzida”
A higiene utilizou amplamente a tática de apropriar-se das crianças,
separando-as dos pais e, em seguida, devolveu-as às famílias convertidas
em soldados da saúde.
Semelhanças entre o aparelho disciplinar jesuítico e o dispositivo militar:
Valorização e culto do corpo
Promoção do desenvolvimento moral e espiritual através de exercícios
Ordem preventiva
Punição “terapêutica” (aceitação da culpa)
Subjetividades produzidas: conformista ou delinqüente.
34. Por que os higienistas preocupavam-se com as
elites? E por que surgiu precisamente naquele
momento histórico?
Necessidades intrínsecas ao próprio poder médico
Objetivos políticos do Estado:
questões populacionais
substituição da mão-de-obra escrava
incentivo a imigração
autodefesa das camadas dominantes (maior número de negros do
que de brancos)
36. 1889 (Proclamação da República)
Novos discursos e novas direções seriam trilhadas
Médicos e juristas colocaram-se à frente das batalhas em prol da
infância pobre
Um longo processo de transformação das crianças desvalidas e
abandonadas em menores abandonados e delinqüentes, iniciado
nos anos finais do Império, seria concretizado nos primeiros trinta
anos da República Velha.
37. Menor
Até o século XIX, a palavra menor – como sinônimo de criança,
adolescente ou jovem – era usada para assinalar os limites etários
que impediam as pessoas de ter direito à emancipação paterna ou
assumir responsabilidades civis ou canônicas
A partir de 1920 até hoje em dia a palavra passou a referir e indicar
a criança em relação à situação de abandono, marginalidade, além
de definir sua condição civil e jurídica e os direitos que lhe
correspondem
38. Não era o filho “de família” sujeito à autoridade paterna ou o órfão
devidamente tutelado, mas a criança/adolescente abandonado
tanto material como moralmente
Principais responsáveis: decomposição da família e dissolução do
poder paterno
Lugar natural era a rua (lugar do crime)
Vítima
A expressão “menor” já fazia parte do vocabulário judicial do
Império e também da mídia
39. Década de 1920
1921 – lei orçamentária 4.242 de 5/1 que autorizou o Serviço de
Assistência e Proteção à Infância Abandonada
1927 – código de Menores
Década de 1930
Constituição de 1934
40. Década de 1940
1940 – Decreto lei 2.848 - 18 anos como marco que separa a
menoridade da responsabilidade penal
1946 – Constituição: 18 anos para a aptidão ao trabalho noturno
Década de 1960
1964 – Política Nacional do Bem-Estar do Menor
1965 – Criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor e
FEBMs
41. Década de 1970
Enfrentamento da questão do Menor
1978 – Ano Internacional da Criança
Década de 1980
Articulação política de setores sociais sensibilizados com a questão
da infância brasileira
Criação do MNMMR
Década de 1990
Promulgação do ECA
42. Infância e a Cultura da
Contemporaneidade: encontros e
desencontros
43. Novos aspectos da nossa realidade social e material:
O consumo em massa
O viver em uma grande cidade
A solidão na multidão
A expansão da comunicação pela mídia
A tecnificação e a informatização do nosso cotidiano
44. Modificam-se:
As condições em que a criança convive com os outros e
constrói seu mundo interno e o mundo das suas
relações sociais
O modo como a criança é afetada pela realidade
material e social da contemporaneidade
45. Questões da Infância na
Contemporaneidade:
A criança parte de uma família. Mas de qual família?
Novos parâmetros para a relação entre adultos e crianças (relações
contraditórias)
Relações tradicionais – (educador e educando; experiente e não-
experiente; ser maduro e ser imaturo)
Relações atuais – crianças/adolescentes/adultos passam a circular
em espaços cada vez mais diferenciados e compartimentalizados
(novas socialidades: rua, casa, shopping)
46. Os novos tempos (outras condições de história e cultura) em que a
criança está inserida produzem uma infância diferente daquela do
início do século XX
Crescimento paralelo da mídia para crianças (livros, quadrinhos,
cinema e televisão) e da indústria de jogos e bonecas e de cadeias
de lojas especializadas em brinquedos infantis;
Marketing determina o “design” dos brinquedos e a repercussão
que esse fato tem sobre a atual forma da criança brincar;
47. Publicidade busca atingir amplas audiências infantis utilizando a TV
de forma absoluta e desenvolve assim novas abordagens
publicitárias (bonecos-personagens);
Como numa linha de produção, a criança desde muito cedo é
colocada num mercado ávido por consumo que a espera com
novidades sempre “mais recentes” (ética);
Brinquedos “fazem de tudo”, transformando a criança em
espectador passivo;
48. O espaço da “liberdade”, espontaneidade, descompromisso na
infância, parece cada vez se estreitando mais. A questão da
“competição” é forte e bem estimulada;
Cultura do regulamento: disciplinar e planejar as massas, acena
com normas a serem seguidas, que são devidamente reforçadas
pela intervenção da mídia, com suas promessas de bem-estar e
prazer.