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Alabastro: ISSN 2318-3179
São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013
Comissão Editorial
CORPO EDITORIAL / EDITORS:
Prof. Dr. Rafael de Paula Aguiar Araújo: Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP (2009) e Coordenador de Curso da Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (raraujo@fespsp.org.br)
Rafael Balseiro Zin: Bacharel em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo (rafaelbzin@hotmail.com)
EDITORES ASSISTENTES / ASSISTANT EDITORS:
Alessandra Felix de Almeida: Graduanda em Sociologia e Política pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (dona@alealmeida.com)
Caterina de Castro Rino: Graduada em Sociologia e Política pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (caterinarino@gmail.com)
Evandro Finardi Sabóia: Graduando em Sociologia e Política pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (evandrofsaboia@gmail.com)
Lívia de Souza Lima: Graduanda em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia
e Política de São Paulo (livdesouzalima@gmail.com)
Ricardo Vianna: Graduando em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo (ric_vianna@yahoo.com.br)
Thiago Duarte de Oliveira: Graduando em Sociologia e Política pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (prof.thiduarte@gmail.com)
Thiago Henrique Desenzi: Graduando em Sociologia e Política pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo (thiago.desenzi@gmail.com)
DIAGRAMAÇÃO / DIAGRAMMING:
Alessandra Felix de Almeida (dona@alealmeida.com)

A Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo
tem por escopo a publicação científica de artigos acadêmicos. Os artigos são de responsabilidade
dos respectivos autores, não refletindo necessariamente a opinião da Comissão Editorial acerca do
conteúdo dos mesmos.

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Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013.

1
ISSN 2318-3179
São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013

Sumário
Nota dos Editores

4-5

Rafael de Paula Aguiar Araújo e Rafael Balseiro Zin

Apresentação
Darcy Ribeiro
Irene Maria Ferreira Barbosa

7 -8

Convidado Especial
O exílio interior ou onde cala o sabiá
Flávio Aguiar

9-18

Dossiê Darcy Ribeiro
Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento
legal dos índios
Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior

19-27

Darcy Ribeiro: antropólogo, educador e político
Karina Lima

28- 34

Sexualidade, erotismo e proibição em Maíra
Risoleta Pacola e Cecílio Henrique

35-42

Maíra: a liturgia do sacrifício indígena
Ednilson Esmério Toledo da Silva e Tabata Pastore Tesser

43-49

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013.

2
O Mal-Estar na Civilização em Maíra
Evandro Arruda Carneiro da Silva

50-58

Os rios profundos e Maíra: a utopia de integração harmoniosa a partir da
proposta de Ángel Rama
Elise Aparecida de Souza e Anelito de Oliveira

59-73

Artigos
O Sol é para Todos: uma reflexão a partir do III Plano Nacional de Direitos Humanos
Larissa Rodrigues Vacari de Arruda

74- 83

A liberdade de informação e suas questões polêmicas
Maria Cristina Barboza

84-93

Dilma e o subproletariado: uma análise sobre a corrida presidencial de 2014
Camila Camargo

94-101

Descrição do atendimento prestado por Instituições Socias de cuidados
a saúde do Idoso
Juliana F. Cecato, José Maria Montiel, Daniel Bartholomeu e José Eduardo Martinelli

102-109

Discussões no Conselho: da cultura de Estado à cultura de Mercado – Um estudo
sobre a ação do Conselho Federal de Cultura (1974 - 1990)
Renata Duarte

110-123

Ocupar e Resistir
Anderson Alves de Medeiros, Cláudio Dias Bezerra, Luciana Nunes Rotondi e
Steff Cordeiro de Oliveira

124-136

Uma interpretação dos ritos fúnebres da Assembleia de Deus
Carlos Jose Jesus Freire de Sá

137-152

Ensaios
Democracia ou ditadura na Europa?
Uma contribuição à discussão sobre democracia
Christoph Hess

153-156

Sartre: a consciência de ser visto
Rafael Trindade

157-168

Tradução
Por que a política da competição é mais acirrada entre os super-ricos,
George Monbiot
Lívia de Souza Lima

169-171

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013.

3
Nota dos Editores

É com satisfação que oferecemos a vocês, leitores, o segundo
número da ALABASTRO – Revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia
e Política de São Paulo. Dando continuidade às comemorações dos 80 anos
da FESPSP, nesta edição, preparamos um Dossiê temático com alguns
trabalhos que versam sobre aspectos da vida e obra do antropólogo,
escritor e político brasileiro Darcy Ribeiro (1922-1997), ex-aluno da
Escola de Sociologia e Política, formado em 1946, e que ficou conhecido
internacionalmente por sua militância em relação às populações indígenas
e ao contexto da educação no Brasil. Os documentos que compõem
essa primeira parte tomam como arrancada para a reflexão a obra Maíra,
publicada, originalmente, em 1976. Os trabalhos contam, também, com
um texto de apresentação de Irene Maria Ferreira Barbosa, docente de
Antropologia no curso de Sociologia e Política da FESPSP, e com o
ensaio de Flávio Wolf de Aguiar, pesquisador e docente de Literatura
Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo. A segunda parte da Revista, por sua vez, é
composta por demais trabalhos, tais como artigos, ensaios e tradução
de texto, que abordam variadas questões referentes ao eixo de pesquisas
sobre Estado e desenvolvimento no Brasil.
Além disso, informamos que o processo editorial desta segunda
edição traz algumas novidades, que julgamos por bem compartilhar.
A principal delas é a atribuição do registro ISSN (International Standard

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 4-5.

4
Serial Number) à ALABASTRO, sigla em inglês para Número Internacional
Normalizado para Publicações Seriadas. Essa identificação é de suma
importância para a visibilidade e o reconhecimento da Revista, pois torna
o título da publicação único e definitivo. Ao mesmo tempo, o uso do
ISSN confere vantagens ao processo editorial, uma vez que possibilita
rapidez, produtividade, qualidade e precisão na identificação e controle
da publicação seriada nas etapas da cadeia produtiva editorial. A outra
novidade é que esta edição é fruto de uma renovação da Comissão
Editorial, que dispõe, agora, de novos integrantes. Vale frisar que a
realização de um projeto editorial como este, de cunho pedagógico, e
que objetiva estimular e tornar pública a produção de conhecimento
feita por jovens pesquisadores, de diferentes instituições universitárias
do país, somente se torna possível graças ao empenho e dedicação de
todos os envolvidos no processo. Por esse motivo, registramos aqui os
nossos agradecimentos e as boas vindas aos novos membros.
Com vocês, leitores, dividimos a alegria desta experiência.
Boa leitura!
Rafael de Paula Aguiar Araújo
Rafael Balseiro Zin

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 4-5.

5
Apresentação

Darcy Ribeiro
por Irene Maria Ferreira Barbosa
Docente de Antropologia, no curso de
Sociologia e Política, da Fundação Escola
de Sociologia e Política de São Paulo

Escrever sobre Darcy Ribeiro não é tarefa
fácil, pois ele mesmo já escreveu quase tudo a seu
próprio respeito. Sua “personalidade trepidante”,
como diz Antonio Candido, declara que gosta
muito de escrever e falar sobre si mesmo, como
pode ser observado nas obras: Confissões (1997),
Testemunho (1990), Diários Índios (1996) e em alguns
romances em que suas próprias experiências
parecem fazer parte do cenário, como em O Mulo
(1981) e Utopia Selvagem (1982), obras com as quais
nos deliciamos com as narrativas exuberantes de
suas interessantes peripécias.
A riqueza do personagem é imensa!
Para nós, hoje, na Escola de Sociologia
e Política, temos algumas razões para nos
lembrarmos de um dos mais brilhantes alunos
desta casa, quer seja pela comemoração de seus 80
anos de fundação, ou pelas atividades decorrentes
da leitura de uma de suas obras de literatura não
científica mais preciosa: Maíra (1976).
Para mim, especialmente, trata-se de
uma obra prima, carregada de conhecimentos
antropológicos magistralmente construídos
num cenário de ficção muito verossímil, uma
vez que as experiências científicas do autor lhe
permitiram uma certeza a respeito do pano
de fundo de onde a obra foi construída. Os
cuidados científicos e políticos envolvidos nas
relações entre índios e colonizadores e a grande
tragédia da colonização, ficam nitidamente aqui
traçados por Darcy Ribeiro. Esses aspectos foram
muito explorados por várias escolas literárias,

mas nenhuma produziu o impacto de despertar
nos alunos deste atual primeiro ano, ainda com
poucos conhecimentos teóricos de Antropologia,
tanto interesse na leitura e compreensão de uma
obra considerada difícil, como um todo, rica de
aspectos nem sempre tão óbvios em uma leitura
apressada, mas que exigem grande empenho e
interesse.
A dedicação e a seriedade com que a
leitura do livro foi feita pelos nossos alunos
provocaram discussões e debates nos corredores
e intervalos de aula. Com isso, um grande
número de textos sobre etnologia indígena foi
mobilizado como leitura complementar, para
ajudar o aproveitamento da leitura da obra. Daí o
surpreendente resultado dos trabalhos que estão
aí publicados para serem conhecidos.
Maíra, como experiência literária, traz ao
nosso conhecimento as enormes dificuldades
impostas pelo processo colonizador e, de certa
forma, a falta de perspectiva das populações
indígenas, a despeito das entidades que foram
criadas para sua preservação. Darcy Ribeiro lida
com um aspecto “do sagrado” e nos mostra como
sua preservação é indispensável para a integridade
indígena. A leitura de Maíra, portanto, constituiu
uma experiência única para iniciar um curso de
Antropologia.
A outra grande razão para incluir o
nome de Darcy Ribeiro neste momento está na
importância que a Escola, com seus 80 anos,
representou para sua formação. Ele mesmo se

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 7-8.

7
Apresentação

Darcy Ribeiro
Irene Maria Ferreira Barbosa

orgulhava em dizer que teve a melhor formação
possível no seu tempo, pois teve em São Paulo
o melhor ambiente e as orientações mais
competentes que se podia ter na área de Ciências
Humanas, até então.
Darcy Ribeiro sempre mostrou muito
orgulho de ter estudado na então Escola Livre
de Sociologia e Política, considerando que,
naquele momento, São Paulo contava com os
melhores pensadores e cientistas sociais. Em
suas Confissões, ele nos conta que conheceu
Donald Pierson em Belo Horizonte, enquanto
membro do movimento estudantil no Diretório
Central de Minas, e teve a oportunidade de
convidar personalidades para dar conferências
aos estudantes. Assim, Pierson passou vários dias
com ele visitando de modo encantado as cidades
históricas de Minas, que não encontravam nada
parecido nos Estados Unidos. Dessa amizade,
Pierson convida Darcy para conhecer São Paulo
e recruta outro grande aluno para recebê-lo e
acompanhá-lo: Oracy Nogueira, personalidade
tão diferente de Darcy, mas com quem manteve
uma amizade sólida e duradoura.
Mais tarde Darcy conheceu nomes
importantes da vida cultural paulistana, alguns
comunistas ativos que influíram muito em sua
formação e nos rumos de sua trajetória política e
acadêmica. No entanto, entre todos eles, recorda
com carinho especial de Donald Pierson, pois
com o americano, além de ter aprendido as
técnicas de pesquisa de campo, reconhecia-o
como um professor sistemático, disciplinado e
que fazia tudo de maneira muito séria: “(...) tinha
encantamentos por estudos urbanos e estudos
de comunidade e principalmente pela grande
novidade da época que era a ecologia”.
a

alemães, todos antinazistas, coisa raríssima!
Entre eles estavam Émille Willems, “que dava
aulas elegantíssimas de Antropologia”. O
melhor professor que teve, porém, foi o poeta
prussiano Herbert Baltus, apaixonado por índios
brasileiros, com quem frequentou seminários de
pós-graduação em etnologia brasileira por três
anos, oportunidade em que discutiu a monografia
de Egon Schaden sobre a mitologia heroica
dos Guarani e o ensaio fantástico de Florestan
Fernandes sobre a organização dos Tupinambá.
“Com Baltus aprendi muito, sobretudo a fazer meu
seu ideal científico de estudar a natureza humana
pela observação dos modos de ser, de viver e de
pensar dos índios do Brasil”. É, portanto, nada
menos que admirável a transfiguração do menino,
que, destinado a boiadeiro em Montes Claros,
abraçou um ideal científico desse porte.
Há, ainda, muitas outras histórias
interessantes que nos ajudam a compreender
a grande paixão de Darcy por tudo o que fazia.
Além delas, suas obras estão aí, a nos desafiar
e nos deleitar, e a continuar a despertar nos
jovens pesquisadores, que pouco sabem de sua
trajetória, uma curiosidade saudável, conveniente
e apaixonante.
É, assim, um prazer muito grande
apresentar os trabalhos temáticos feitos pelos
alunos de primeiro ano a partir da leitura de Maíra
de Darcy Ribeiro. Porque recupera a vitalidade
literária e o conhecimento erudito de uma
realidade que, como imaginava ele, ainda está aí a
desafiar índios sobreviventes.

Ainda na Escola Livre, Darcy reconhecia
importância dos excelentes professores

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 7-8.

8
Convidado
Especial

	

O exílio interior ou onde cala o sabiá
Flávio Aguiar

Flávio Wolf de Aguiar (Porto Alegre,
1947) foi professor de Literatura Brasileira
da USP (1973-2006), tendo orientado
mais de quarenta teses e dissertações de
doutorado e mestrado, e tem mais de trinta
livros publicados, como autor, coautor
ou organizador. Atualmente é editor da
TV Carta Maior e vive em Berlim, onde é
correspondente de publicações brasileiras.

Los dioses no mueren de repente.
(Fernando Ortiz)
Maíra, de Darcy Ribeiro, é o romance
de um encontro fortuito e de muitas errâncias
trágicas. Narrado a partir de diferentes pontos
de vista, ele se desdobra na construção de
solilóquios, monólogos, diálogos, pregações,
pensamentos, na recompilação de notas,
relatórios, e até na intervenção de uma terceira
pessoa onisciente que no capítulo “Egosum”
se revela a mais precária das personas narradoras.
O espaço fundamental da narrativa é o da vida
tribal dos mairuns, uma tribo ficcionalmente
criada pelo autor, onde se condensam, segundo
seu próprio depoimento, crenças, mitologias e
cosmogonias de diferentes culturas nativas do
território brasileiro, às margens do rio Iparanã,
na floresta amazônica vista como última fronteira
ou fronteira última do avanço predador de uma
civilização desembestada, herdeira de todos
os prejuízos do empreendimento colonial e
promotora de todos os aspectos de barbárie
do capitalismo. Os mairuns, entretanto, não
comparecem ao romance como um tipo genérico
de tribo; conforme se desvelam para o leitor sua

mitologia, suas crenças, a voz mesma de seus
espíritos, de seu criador, eles tornam-se uma
tribo particular, um povo ameaçado, embora ali
estejam como personagens de um drama que não
é só o deles, mas de todos os povos da América
na mesma condição. O que quero dizer com
isso de se tornarem uma tribo é que o autor
não os reduz à condição genérica de tipos, mas
ao contrário, os individualiza e com eles dialoga
de igual para igual, evitando os escolhos das
diferenças de linguagem que caracterizaram muito
do regionalismo brasileiro, ou da representação
pitoresca, que também caracterizou, na literatura,
muitos comparecimentos, às suas páginas, das
classes populares ou de populações remotas em
relação aos centros urbanos.
Maíra, o personagem que dá o título ao
romance, é parte do mundo criado a partir de
um deus velho, e na criação ele é uma espécie
de força vital que anima os homens, chegando a
coabitar com seus corpos, corações e mentes. Os
mairuns são o povo de Maíra, e a presença desse
deus-espírito num homem é um momento único
para ambos, que assim se revelam mutuamente,
se encaixam no mesmo plano da existência. Esse
momento separa a mitologia mairum da cristã,

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 9-18.

9
Convidado Especial

O exílio interior ou onde cala o sabiá
Flávio Aguiar

pois nesta, se o seu deus se encarna no plano da
existência humana, ele, supostamente, permanece
com um pé no céu. O homem corre o risco de
destruição; o deus cristão não, pois é eterno. Mas
os deuses e os espíritos mairuns desaparecerão,
se os mairuns desaparecerem, e estes são seres
fadados à essa desaparição. Assim Maíra atinge
um plano mitológico, narrando também uma
história de deuses, do ponto de vista de sua
agonia. Essa narração se situa na linha divisória de
um confronto terminal de culturas e de religiões,
simbolizada na evocação litúrgica da estrutura
de Maíra. O próprio Darcy Ribeiro declarou
que o romance lembrava uma missa. Ora, a
missa cristã tem dois núcleos fundamentais: a
liturgia da palavra e a da eucaristia. Na missa, a
liturgia da palavra é composta pela evocação do
Verbo divino, pelo sermão, pela lembrança dos
mortos e dos vivos. Já no romance a liturgia da
palavra é a da narrativa, que combate a letargia
da consciência, num escritor que segue a tradição
de empenho da literatura brasileira com os
aspectos civilizados da civilização e contra sua
barbárie consentida e potenciada. A liturgia da
eucaristia, na missa, centraliza a rememoração e
revivescência de um sacrifício, que se imprime
na consciência, renovando-a pela memória. Mas
na liturgia do romance o ser divino que morre
é o do outro; ou pelo menos ele agoniza, com
a consciência de sua provável morte, como no
capítulo “Maírañee”:

desaparecimento do outro, quando então a treva
retornaria e os poderes infernais engolfariam
a existência. Interpretações mais ousadas da
cosmogonia cristã também apontam uma
reciprocidade entre Criador, Criação e Criatura,
mas ela não pertence ao dogma canônico. De
certo modo aquele processo agônico já começou,
mas tragicamente os mairuns não têm outra
possibilidade a não ser a de estarem agora em
oposição a um mundo terrível que, entre outras
barbaridades, dispôs a sua capital no altiplano
(Brasília) que encerra a boca do inferno e da treva.
A chegada da civilização põe este povo - pelo
menos na consciência ilustrada de seu profeta, o
Avá/Isaías, à beira da aniquilação absoluta, do fim
da história. Essa chegada da civilização, com seus
novos dominadores e dominados, é a chegada
do Brasil a seus confins. Se o Brasil é a terra das
palmeiras, onde canta o sabiá, imagem que é a
contra-facção do próprio poeta que canta a sua
terra, aqui, neste confim, ele ameaça perder a
voz, porque se é verdade que os destruídos serão
os mairuns, isso significa que essa civilizaçãoBrasil perdeu a sua alma (nome, aliás, de uma
personagem que morre no romance) e está,
portanto, mais que morta, reduzida à condição de
alma penada, fantasma de si mesma, corpo sem
ñee, ou seja, portadora de uma palavra destituída
do seu espírito. O romance, portanto, morde a
cauda, e o drama mairum é o drama universal,
de um ser humano que talvez tenha chegado ao
limite de sua existência.

“Um mundo despovoado de mairummairuns não estará, coitado, de mim
também despojado?”

Para a consciência mairum, com que
dialoga o ponto de vista do romancista, a
trajetória do protagonista humano (porque há
o protagonista divino, Maíra, acompanhado de
seu irmão Micura, o gambá noturno) que é esse
Avá/Isaías, é também um sinal dessas enormes
mudanças que deverão ocorrer no plano universal.
Os padres da missão enviaram Avá a Goiás e a

Portanto, na consciência mairum
construída no romance há reciprocidade entre
os planos humano e divino; um não existe sem
o outro, e o desaparecimento de um acarreta o

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 9-18.

10
Convidado Especial

O exílio interior ou onde cala o sabiá
Flávio Aguiar

Roma para ele fazer-se padre; depois de uma
ausência de uma dezena e meia de anos ele volta
a seu lugar de mairum, movido pela dúvida sobre
sua vocação e sua identidade. Nesse meio tempo
Brasília cresceu, sobreveio a ditadura, o mundoBrasil mudou inteiramente. Ele não é mais Avá,
mas não é inteiramente Isaías, seu nome de
batismo; é Avá/Isaías, prisioneiro da passagem,
condenado a uma espécie de exílio interior, alma
errante de ambos os lados do espelho. Ele não
é um aculturado no entanto; é um transculturado,
destinado a ser algo além das culturas cujo confronto
desigual lhe deu origem, o símbolo da contradição
entre os dois mundos em que viveu, mas onde
não vive mais. Numa delas, é o ex-tuxaua que não
é mais, e faz assim deslocar-se o eixo sucessório
no reino mairum, prenúncio de desgraças tanto
quanto a morte de Alma, no parto, e dos gêmeos
que dera à luz, um símbolo vivo de que o mundo
vai perdendo sua substância. Do outro lado é o
ex-futuro-padre, símbolo de uma conversão que
não se completa, sinal de que o mundo já perdeu
a sua substância. Neste outro mundo, espaço
intermediário que é o seu, Avá/Isaías é o sinal da
cruz: um mundo não pode subsistir sem o outro,
embora o mais forte possa aniquilar o mais fraco.
O da civilização que avança parece indestrutível
perante o maírum; mas a destruição deste é o
sinal de que o primeiro, como já disse, perdeu a
alma, morreu antes de matar.
Façamos uma pausa, para discutir o que é
esse símbolo transculturado. O termo vem do livro
Cuntrapunteo cubano del tabaco y el azúcar, publicado
em 1940 pelo sociólogo cubano Fernando Ortiz,
e procura descrever o processo de construção de
um novo perfil da sociedade ocidental, em Cuba,
a partir da transposição da cultura do tabaco para
o plano da produção mercantil, e da implantação
na ilha da cultura do açúcar, trazida pelos
europeus junto com a escravidão. Diz o sociólogo

então que houve neste jogo uma transculturação
do tabaco, que, além de sair da ilha e da América
para o resto do mundo, deixou o plano religioso
em que era preferencialmente consumido para
tornar-se saboreado enquanto hábito refinado
de consumo. Mas esta transculturação aponta
para outra, pois a sociedade ocidental que operou
a transculturação do tabaco já não é mais a
mesma que iniciou o processo; os europeus que
ocuparam as Américas tornaram-se “outros”,
se desgarraram de sua cultura original. E neste
processo complexo formou-se algo que não
existia antes, não coincidente com os termos que
lhe deram origem. Por isso Ortiz cria o termo
transculturación, que se opõe ao de aculturation,
então muito em voga nos Estados Unidos, onde
ele se encontrava. Para ele este último termo
está carregado de etnocentrismo, supondo
uma cultura “superior” que absorve elementos
de outra “inferior”, modificando-os sem se
modificar. Transculturação supõe, sem negar as
desigualdades de condição, como a existência
de culturas dominantes e de outras dominadas,
uma troca, e modificações no interior mesmo da
dominante.
Algumas décadas mais tarde o
crítico uruguaio Ángel Rama retomará o
termo, ampliando o seu uso. Ao retomá-lo,
particularmente em seu livro Transculturación
narrativa en América Latina, escrito a partir de
meados da década de 70, Rama faz um reparo
a seu emprego pelo sociólogo, Diz o primeiro
que este tem uma compreensão demasiadamente
mecânica do processo, como se este fora o
resultado apenas de transposições inevitáveis e
inconscientes. Rama acentua então, ao situá-lo na
literatura, os aspectos seletivos da transculturação,
afirmando que esta se opera num processo
complexo que envolve tanto a aceitação como a
rejeição, e que, portanto, pode ser mais volitiva do

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 9-18.

11
Convidado Especial

O exílio interior ou onde cala o sabiá
Flávio Aguiar

que parece à primeira vista. E estende o uso do
conceito para caracterizar também os processos
de modernização que, em diferentes projetos
econômicos, políticos, ideológicos e culturais,
caracterizam a vida das sociedades latinoamericanas a partir sobretudo da segunda metade
do século XIX. Esses projetos, de que muitos
escritores foram pontas-de-lança ou críticos, ou
ambos, operariam seus aportes a partir da visão
de duas civilizações em confronto: a moderna e a
atrasada. E procurariam desenhar uma outra via,
pelo menos os mais criativos, trasnsculturando
elementos de uma e outra, de modo a garantir
a prevalência da primeira sem perder de todo a
identidade construída na segunda.
Se observarmos a obra de Darcy Ribeiro
de encontro a esta moldura, podemos pensá-la
como construída a partir da consciência trágica de
uma transculturação emperrada, pelo menos em
seu plano humano. Como já repetiu em algumas
de suas obras, inclusive em sua última, O povo
brasileiro, Darcy Ribeiro vê a constituição do Brasil,
inicialmente, nos primeiros tempos coloniais,
como fruto de uma intensa e extensa mestiçagem,
que deu origem ao mameluco (de que Juca, o
regatão, é símbolo no romance, e este sim, um
tanto quanto estereotipado, a meu ver, um pouco
distante da vivacidade que caracteriza outros)1.
Porém, passado este primeiro momento, que se
distribuiu desigualmente, no tempo, ao longo do
território do futuro Brasil (antes no litoral do que
mais a dentro; antes mais ao norte do que mais ao
sul, por exemplo) divisões irremediáveis voltaram
a se implantar. O Brasil assim construído, e depois
de tornado mais complexo com a mestiçagem do
negro e dos demais imigrantes, não aceita mais o
índio; e o imenso cortejo de culturas diferenciadas,
agora reduzidas à condição de indígenas, não têm
outro remédio senão nela permanecerem como
uma espécie de fantasmas de si mesmas. Um

índio, portanto, jamais deixará de sê-lo: não se
integra nem se entrega. Pode, eventualmente, se
desagregar, pela bebida, prostituição, ou outra
maldição qualquer que a civilização lhe traga. Ao
mesmo tempo o brasileiro, do outro lado, jamais
chegará a virar índio, além de não querê-lo,
quase sempre. Alma, a companheira fraternal de
Isaías, que com ele vai ao território do Iparanã,
em busca de uma nova existência, e que se torna
uma espécie de fornicadora livre e sagrada para
os mairuns, encontra ali a morte, e a de sua prole,
por não saber nem poder ser índia na hora do parto.
Ninguém a ajuda, ninguém grita por ela, ninguém
segura seus cabelos, nem mesmo Avá que, de
certo modo, é de fato responsável por sua morte.
De um lado e doutro das divisas culturais, para
quem ouse atravessá-las, só há, ao fim e ao cabo,
o desamparo.
Por que então, mais acima, falei de
Avá/Isaías como um transculturado? Porque
não estamos, aqui, falando sobre o plano da
existência. Tudo isto poderá ser a expressão
mais lídima da verdade para o personagem
real, evocado no mesmo romance, o “Avá
que era Bororo e se chamava Tiago”, naquele
capítulo autobiográfico “Egosum”, e que teria
inspirado o personagem fictício. Mas no plano
da fabulação romanesca Avá/Isaías de fato viaja
entre os dois mundos, embora no plano da ação
do romance ele permaneça como um símbolo
da impossibilidade. A sociedade brasileira
empurrou os primitivos habitantes dessas terras
para o exílio em sua própria pátria: fê-los índios.
Fantasmáticamente, eles agora nos visitam na
literatura, como símbolos constantes do nosso
próprio desencontro conosco mesmos e mais
ainda: frequentemente como símbolos aceitos
da própria sociedade nacional. A sociedade que
aceita um índio como símbolo de si mesma não é
mais a mesma do ponto de partida. Por um lado,

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 9-18.

12
Convidado Especial

O exílio interior ou onde cala o sabiá
Flávio Aguiar

é mais perversa, pois aceita em efígie o que recusa
em carne e osso; de outro, reconhece, graças à sua
própria literatura, ainda que às vezes tenuamente,
seu próprio malestar2.
Digamos que descrevi até aqui a ação do
romance vista pelo ângulo mairum. Poderíamos
vê-la pelo outro lado, pelo lado brasileiro. Uma
conclusão é a de que ela se torna bem mais
prosaica, mas não menos interessante. Temos
aí um romance histórico e político, além de
uma história de amor que não se completa, e
por isso traz a morte para uma das personagens
envolvidas. Do lado brasileiro, vê-se a história
descrita por um escritor agnóstico, da ocupação
predatória dos espaços da floresta, com sua
fauna, sua flora, suas águas, suas terras e seus
povos. Essa ocupação se exprime numa polifonia
exasperada (expressão já usada por Walnice
Nogueira Galvão em relação a Os sertões) de
vozes, tonalidades e modalidades desencontradas:
a raivosa do regatão, a exaltada do beato Xisto,
o flautim das namoradas, a perplexa de Alma, a
estranha de Isaías, a alegórica dos personagensdeuses, a fria dos relatórios, e sobre todas paira
o silêncio impune e criminoso do Senador
Andorinha, artífice da ocupação predatória. No
tempo da ditadura, sonhava-se em transformar a
floresta em pastagem; ainda hoje este sonho nos
persegue e nele somos nós, os brasileiros, o gado
de corte. Enquanto o mito mairum construído
evoca a agonia dos deuses, o romance brasileiro
que o enquadra denuncia a destruição criminosa
das culturas para a implantação de um sistema
mais eficaz de exploração do homem pelo
homem. Há, neste plano romanesco, uma visão
irônica de um processo efetivo de transculturação:
dos Epexãs, povo irredutível da região, só ficará
o nome, escolhido pelo Senador para batizar
aquelas terras. De uma cultura para a outra gente
vira lugar: índio é paisagem.

Nas muitas vezes em que os índios vieram
em socorro da literatura brasileira, predominaram
por vezes as tonalidades da idealização (entre os
românticos, por exemplo), ou da ironia (entre
os modernistas, por exemplo). A idealização
promovida pelos românticos vinha do ardor em
construir uma imagem-símbolo da sociedade
nacional. Redefiniam, eles, estimulados por
seus pares europeus coevos, os passos dados
por alguns árcades, como Basílio da Gama, n’O
Uraguay, que idealizaram o índio, mantendo-o
como estranho ao processo civilizatório, só
passível de incorporar-se a este se vencido ou
reduzido. Estão neste panteão nacional às avessas
Cepé e Cacambo, mais aquele do que este, entre
os primeiros dos índios levados à condição
de exilados em sua própria terra. Cacambo
de certo modo é o sinal da contradição: ao
parlamentar com Gomes Freire, no poema de
Basílio, argumenta que a troca do Sacramento
pelas Missões é prejudicial aos portugueses,
pois os índios deverão deixar as terras outrora
ocupadas, e estas sem eles e o seu trabalho de
nada vale. Ao contrário de Cepé, guarani detido
em sua certeza da guerra, Cacambo é índio,
mas dá lição ilustrada de economia e argumenta
como uma burguesa sensatez de espírito. Foi ele,
assim, talvez, o nosso primeiro Isaías/Avá bem
acabado, agitando-se sem saída entre as duas
culturas em confronto, pelo menos no plano da
fabulação. Há algo de árcade em Maíra, vendo o
índio diante da civilização; há o fato novo de que
ao tempo de Basílio não havia nada parecido
com uma nova sociedade nacional brasileira, a
não ser talvez em embrião, nem o fato de que a
literatura dessa sociedade emergente tomaria o
índio como símbolo de sua diferença. Nesse novo
deslocamento do índio para fora dos contornos
da sociedade brasileira há também a retomada e a
extensão de uma contribuição de raiz modernista,

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O exílio interior ou onde cala o sabiá
Flávio Aguiar

pois se Macunaíma permanece o símbolo álacre
de uma sociedade sem caráter definido, sua
viagem o conduz, afinal, de volta para os confins
e mesmo para o além dessa sociedade. Do final da
Segunda Guerra para cá se acentua o traço desse
sentimento de que o índio, se não representa
o Brasil, mas a ele confronta, o seu drama de
excluído sim representa o conjunto de dramas
da sociedade brasileira, cujo eixo construtivo foi
a permanente exclusão de suas benesses dos que
são recrutados para a construção dessas mesmas
benesses. Deste sentimento o conto Meu tio, o
iauaretê, de Guimarães Rosa, publicado em 1961
na revista Senhor seria um dos primeiros frutos
literários. Retomando a linha do monólogo
dialogante explorada em Grande Sertão: veredas, o
conto o situa num plano de exasperação onde não
há espaço para a carga de evocação lírica presente
naquele romance. Não há qualquer esperança
para o narrador-personagem de Meu tio…, que é
um caboclo mestiço, sem lugar na sociedade tribal
de sua mãe e de impossível aceitação por parte da
sociedade brasileira de seu pai. E a consciência do
antropólogo Darcy Ribeiro estaria também entre
as que exprimem este malestar fundacional que
medrou em nossa cultura.
Estas últimas linhas querem ressaltar
que, se Maíra se prende muito de perto à
consciência militante do antropólogo e político
Darcy Ribeiro, e a seu empreendimento de
historiador da causa índia no Brasil e alhures,
este romance também está solidamente ancorado
na experiência literária corrente no Brasil. E
ressalte-se que não só quanto à questão do tema
indigenista; também quanto à questão do ponto
de vista. Em suas confissões sobre o romance.
Darcy afirma que o escreveu em dois exílios e
uma prisão. Ou seja, os limites desse romance
são o golpe de 64, pois Darcy diz que a primeira
versão nasceu em seu primeiro exílio no Uruguai;

o exílio em seu próprio país a que a população
se viu condenada pelo regime oriundo do golpe;
o novo exílio provocado pelo prolongamento
da ditadura, que leva o autor a Lima, no Peru,
quando a versão definitiva teria encontrado sua
forma; e o declínio da própria ditadura, pois o
romance é publicado em 76, quando já medra a
política da “distensão lenta, segura e gradual” do
governo Geisel, e as oposições começam a luta
pela anistia. Entre os momentos das sucessivas
gestações do romance, pois Darcy diz que a cada
exílio ou prisão o reescreveu sem a posse das
versões prévias, e sua publicação, se processa
uma desilusão da intelectualidade brasileira e
uma disfunção penetra suas narrativas, ou talvez
um novo corpo de funções desagregadoras.
Entre a geração de 30 e essas lindes do golpe de
64, afirmou-se uma narrativa de grandes angulares
no romance que tinha por estro medir-se com a
história brasileira, fosse numa visão nacional ou
regional. São exemplos dessa inclinação romances
tão díspares como o já mencionado Grande Sertão
ou O tempo e o vento. A pluralidade de vozes, se
existe, como é o caso do último, converge para
uma permanente consciência ou esforço de
construção de um ponto de vista integrador que
constantemente se afirma: O tempo e o vento é um
romance solidamente escrito a partir de um ponto
de vista que afirma, apesar de tudo, o avanço da
história humana ainda que numa visão cética,
irônica e desencantada. Grande Sertão é narrado
por uma voz desdobrada que se detém sempre
no avesso da dúvida; mas dela emana, sempre, o
grande poder evocativo da palavra humana que
resgata, para um plano superior da memória,
aquilo que se perdeu no labirinto da existência.
Celebra, assim, positivamente, o mistério dessa
e nessa mesma existência. O último rebento
dessa grande angular de vocação integradora
talvez tenha sido Quarup, onde as hesitações do

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Flávio Aguiar

protagonista e a evocação do rito indígena, se já
evidenciam as irremovíveis distâncias implantadas
na sociedade brasileira e a crise das utopias que
logo vão eclodir nos projetos ideológicos, ainda
desembocam numa espécie de esteira cujo
destino é resgatar o passado em direção ao futuro
afirmativo. Este passo se consolida na visão final
do Nando encourado, que parte para a luta armada
como se fora armado cavaleiro, levando consigo a
esperança do encoberto, em seu nome de guerra que
evoca o companheiro desaparecido, amor mítico
de Francisca que ele, Nando, substituiu no plano
da existência: o Levindo desaparecido, aquele que,
parodiando Fernando Pessoa, não veio e por isso
mesmo foi vindo à nossa memória e nos criou,
também espelho do recorrente sebastianismo de
que somos herdeiros.
Se tomarmos o caso de Callado, autor de
Quarup, vemos que há um oceano de diferenças
entre este caudal histórico que ainda comparece
às páginas desse romance e a progressiva
fragmentação do ponto de vista narrativo que vai
se alastrando em seus outros romances, sobretudo
em Reflexos do Baile, que é do ano de 1973. Não
há apenas uma fragmentação técnica da voz
narrativa; mas há um dilaceramento da consciência
do narrador, que não dá mais conta da profusão
divergente de pontos de vista expressos nos
documentos, notas, bilhetes e tantos outros meios
expressivos que compõem a colcha de retalhos em
que se transformou o tecido da narração. Muito
da narrativa brasileira se fez tecendo-se com a
história, empenhando-se na construção de uma
literatura e de uma sociedade nacional civilizada.
A barbárie implantada no coração do Estado, e
assim exposta sem pudores, levou este empenho
às lindes do desespero. Construir a sociedade
nacional era também construir uma possível
monstruosidade. Do casamento deste sentimento
de ceticismo em relação à tradição de nossas letras

com técnicas de desconstrução do ponto de vista,
tidas como características da narrativa polifônica
moderna, nasceu um livro como Reflexos do Baile. E
outro como Maíra.
Este nasceu, portanto, também como
resultado de uma transculturação, como a via
ou lia Ángel Rama que, aliás, dedicou seu livro
aqui mencionado a dois antropólogos, sendo um
deles Darcy Ribeiro, e nele analisa longamente
o romance de um terceiro, José Maria Arguedas.
Vendo a impossibilidade de diálogo eficiente
entre os universos culturais em confronto, o que
condena um à disparição e o outro, o sobrevivente,
à contínua perversão, fazendo-o permanecer
numa espécie de inferno anômico onde vale tudo,
o narrador entrega, por assim dizer, esse diálogo
à sorte ou ao azar do confronto entre estruturas
míticas antevistas desde a presença humana em
ambas as culturas. Por isso a estrutura litúrgica da
missa ao mesmo tempo contém e dialoga com a
evocação dos mitos mairuns reconstruídos, como
se dessas estruturas que evocam tempos arcaicos
e seus sacrifícios pudesse emanar, para além das
consciências dos personagens e a do narrador,
que navega entre as deles, alguma esperança
de salvação e de porto ou, pelo menos, âncora,
que pudesse servir de ponto de referência. No
já referido capítulo “Egosum”, o antropólogo
Darcy, transformado em personagem do narrador
Darcy, pratica algo semelhante, que pode ilustrar
o que quero dizer. Conta ele como, transgredindo
todas as normas, as suas, de antropólogo, e as da
comunidade que o hospedava, ficou na taba para
ver o inharon, ou seja, o índio furioso, pela perda
de um ente querido, e que se torna uma ameaça
para todos, pois tem o direito de destruir o que
quiser. Darcy conta como, ao deparar-se então,
frente a frente, com o índio enfurecido, ficaram
ambos pasmos e cristalizados pelo espanto,
naquele momento absolutamente não previsto

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O exílio interior ou onde cala o sabiá
Flávio Aguiar

de completa nudez de um diante do outro e de
uma cultura diante da outra. Ao invés de agredilo, o inharon nada fez, até que ele, Darcy, voltasse
ao mato e desaparecesse, quando retomou o
seu papel de furioso. E ele, Darcy, por sua vez,
retomasse o seu papel de antropólogo. O ato
herético do antropólogo e hóspede espelha a
dupla heresia do narrador agnóstico, que toma da
missa para elaborar sua narrativa; e mais, toma da
missa cristã para evocar a morte do outro deus.
Quem sabe, assim, devolvendo a missa e o mito
cristão a uma de suas raízes, que é a de absorver
mitos e ritos criados a partir de uma adoração
solar sacrificial, e de relê-los num contexto de
substituição simbólica. Mas o narrador Darcy
impõe uma operação transculturadora também na
estrutura da missa evocada, pois aqui o emprego
da liturgia religiosa não se destina a absorver a
cultura do outro, mas sim a construir a voz do
deus agonizante. Estamos longe, portanto, das
operações de incorporação de elementos da
cultura indígena promovidos, por exemplo, pelos
jesuítas em seus serviços e autos nos primeiros
tempos da colonização. Ou mesmo do casamento
idealizado de mitos promovido por Alencar no
alto da palmeira onde Peri e Ceci partejam o
Brasil, conjugando o mito de Tamandaré com o
de Noé, embora a operação de Darcy esteja mais
próxima desta do cearense do que daquela dos
jesuítas. Mas o que importa sublinhar é que é com
toda esta tradição que Darcy dialoga, na tentativa
de manter o empenho humanista da literatura
de uma sociedade cujos agentes se compraziam
na potenciação da barbárie no âmago da mesma
civilização que construíam.
Todas estas tantas linhas do romance
convergem para o personagem que, nele, espelha
o romancista: o contraditório Avá, imagem de
uma transculturação empreendida no plano da
fábula e emperrada no plano da existência. Não

mais um mairum, mas um índio; não mais um
futuro chefe, mas um aprendiz de feiticeiro; não
mais um seminarista, mas um fantasma de cristão,
Avá entrega-se, no final, a um empreendimento
que espelha o do escritor, suas contradições,
dificuldades e heresias. Está ele reescrevendo a
Bíblia em mairum, o que, de certo modo, lembra
essa reescrição da liturgia sacrificial católica pelo
antropólogo-narrador. Sua companheira de
empreendimento, esposa do pastor protestante
que disputa com a missão católica e o beato Xisto
a safra local de almas, reclama que ele enxerta
demasiadas contribuições mairuns no texto
sagrado. Precariamente, como o escritor, Avá
planta com e nas palavras um novo tempo: o tempo
da escrita para a língua mairum; um tempo mairum
para a palavra cristã. Assim o livro termina,
entre tantos outros dizeres de seu capítulo final,
escrito numa polifonia de consciências narradoras
em que estas se sucedem sem interrupção por
parágrafos, por um encontro, não mais fortuito,
mas precário, entre línguas, entre oralidade e
escrita, que tenta resumir e reescrever, por assim
dizer, a errância trágica dos personagens. É uma
nota tênue de esperança, de uma espera: só que
não se sabe muito bem do quê: a espera por uma
esperança, no fim de contas e de contares.
Nota pessoal
Queria concluir este esboço com uma
nota estritamente pessoal, uma heresia do ponto
de vista acadêmico, mas pertinente, do ponto
de vista de um ensaio. As observações sobre
a liturgia da missa que aqui faço me foram
inspiradas, além de pelo romance, pela visita que
fiz à Catedral de Abidjan, na Costa do Marfim,
em 1996. É uma catedral extraordinária, cuja
estrutura lembra, de fora, a imagem da virgem,
de braços abertos sobre a cidade, com seu manto

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cadente por detrás, que são, respectivamente a
torre e o corpo da igreja. Ao mesmo tempo, visto
de certo ângulo, esta virgem de braços abertos
aparece como a imagem de um elefante de
corpo e tromba erguidos, numa atitude de solene
desafio diante da civilização que o extinguiu naqueles arredores - ou o confinou em reservas.
Assisti ali a uma missa com casamento. O noivo e
a noiva, em trajes ocidentais, desapareciam diante
da profusão de cores das vestimentas tradicionais
dos chefes e parentes das aldeias presentes; as
damas de companhia da noiva eram adolescentes
nuas e pintadas da cintura para cima. E o coro
da igreja desencadeou uma chuva de cantochão,
barroco, jazz e músicas tradicionais africanas,
cada uma com seu espaço e individualidade,
naquele meio em que, reunindo-se três africanos,
tem-se um coral de Capela Sixtina. Essa visita
coroou, de certo modo, a sensação que carreguei
comigo das diferenças e semelhanças entre esses
dois lados do Atlântico. Percebera vagamente
a diferença na culinária, saboreando os cozidos
de lá, que misturam de tudo, peixe, camarão e
lagostim com carne, charque, verduras e inhames
daqui levados, mas onde cada ingrediente
conserva sua mais absoluta individualidade para
o paladar. Vira depois que as estruturas políticas
e funcionais locais guardavam um modus vivendi
com a estrutura das aldeias, lá chamadas de
villages, onde muitas coisas da macropolítica
eram debatidas e até mesmo decididas. Com
isso, contemplando um dos extensos quartéis
onde ficam permanentemente estacionadas duas
divisões do exército francês, dei-me conta de que
ao contrário daqui, onde houve essa miscigenação
ao mesmo tempo absorvente e excludente, lá
houvera uma espécie de superposição, colocandose as estruturas de raiz ocidental sobre as
estruturas familiares tradicionais, sem, no entanto,
desmanchá-las ou absorvê-las completamente.

A muitos brasileiros foi dado redescobrir
o Brasil, por contraste, do alto da Torre Eiffel,
ou da solenidade de alguma ruína europeia,
ou de algum quadro outonal dos tempos préimpressionistas. A mim foi dada a oportunidade
- encontro fortuito nas errâncias - de relê-lo
desde dentro da Catedral de Abidjan. E pude ver
então que só poderíamos mesmo nos tornar o
país do churrasco (hoje um prato nacional), que
reuniu à grelhada ibérica o hábito indiático de
comer grandes nacos frescos, mal e mal passados
na brasa, em meio às correrias de perseguição e
fuga, com a gordura e o sangue suavizados pela
farinha de mandioca; da feijoada, onde o restolho
vira iguaria; e do futebol, onde pontapé se dá com
sutileza.

Notas:
1

Penso que o mundo “brasileiro civilizado” se retrata em
Maíra de modo bem mais esquemático do que o indígena.
Personagens como o regatão, seu Elias da Funai, o Major
Nonato, e outros são um tanto tipificados e caricaturais,
não têm a mesma vivacidade e independência de um Avá,
um Jaguar, Maíra, Micura e outros. A exceção é Alma,
cujas complexidades e vai-vens são exuberantes.

2

Este mesmo processo atingiu, por exemplo, o jagunço de
Canudos. Vivo, era um inimigo; morto, mas entronizado
na literatura expiatória, é a própria “rocha viva da
nacionalidade”. Que se pense também nos gaúchos
platinos, perseguidos na pampa, mas imortalizados na
gauchesca como símbolo da literatura nacional. Quanto à
diferença entre “plano da ação” e “plano da fabulação”,
estabeleço-a porque pode, de fato, haver diferença de
sentido entre ambos os planos. Pelo primeiro entendo
aquele do destino dos personagens enquanto ficções que
imitam seres vivos; pelo segundo, entendo o seu papel
na construção do mito, ou seja, na construção do enredo
vista como a construção de uma estrutura em que os
elementos se relacionam uns aos outros e podem ser lidos
em molduras éticas, metafísicas, simbólicas. Nem sempre
o destino do personagem num plano coincide com sua
situação no outro. Por exemplo: n’Os sertões, no plano
da ação os jagunços morrem e o Exército vence. Mas no

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O exílio interior ou onde cala o sabiá
Flávio Aguiar

plano da fabulação acontece o contrário: o que permanece
é a integridade do jagunço; o que se condena, e portanto
se perde, se exclui, é a violência das Forças Armadas.
Ninguém falará do livro de Euclides como o construtor
do “mito do soldado”, mas sim do “mito do jagunço”.
No plano da ação, Peri e Ceci desaparecem na linha do
horizonte, antes que suas almas compareçam perante o
Criador, como diz a jovem, mais realista do que o nativo;
no plano da fabulação, dão origem a toda uma nação: não
morrem, mas mudam o sentido da história. Nesse plano,
quem tem razão é Peri: “Ceci viverá”. O que é verdade,
pois antes de Alencar não havia Cecis, havia só Cecílias; e
hoje em dia quase toda família brasileira tem pelo menos
uma tia ou vó Ceci. (E talvez um cão chamado Tupi). A
literatura pode, assim, transculturar aquilo que na vida real
não o é, ou, ao criar a imagem de um impasse na vida
do personagem, romper esse mesmo impasse no plano
da fabulação. Isaías é um índio perdido fora e dentro
de si mesmo. Não será ele, em sua diferença, um pouco
a imagem de todos nós, e do próprio escritor? Como o
espelho, a literatura se desdobra em avessos. Isso não a faz
menos realista, mas sim a faz mais interessante.

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 9-18.

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Dossiê Darcy Ribeiro

Maíra sob a perspectiva estatal:
a visão institucional e o tratamento
legal dos índios
Paulo Mendes de Carvalho Guedes
Marcos Veríssimo de Souza Junior
Estudantes de graduação no curso
de Sociologia e Política, da Escola de
Sociologia e Política de São Paulo

Introdução
Isaias: “Este é o único mandado de
Deus que me comove todo: o de que
cada povo permaneça ele mesmo, com
a cara que Ele lhe deu, custe o que
custar. Nosso dever, nossa sina, não sei,
é resistir, como resistem os judeus, os
ciganos, os bascos e tantos mais. Todos
inviáveis, mas presentes. Cada um de
nós, povos inviáveis, é uma face de
Deus. Com sua língua própria que muda
no tempo, mas que só muda dentro de
uma pauta. Com seus costumes e modos
peculiares, que também mudam, mas
mudam por igual, dentro do seu próprio
espírito”. (RIBEIRO, 2007, p. 44).

O livro Maíra de Darcy Ribeiro escrito
em 1977 trata da questão indígena e da complexa
relação com o dito homem branco ou do povo
brasileiro. Maíra termina a sua história sem uma
resposta contundente sobre a morte de uma de
suas personagens principais, Alma, que, segundo
o livro, foi encontrada morta na praia com dois
fetos sobre o corpo. O livro de Darcy Ribeiro não
trata profundamente de como o estado lida com
estas questões jurídicas e institucionais do índio,
mas nos dias de hoje a questão é latente e da
mesma forma do livro um pouco longe de estar
completamente fechada.

Durante a narrativa da história o texto
levanta diversas questões que não são respondidas.
Boa parte delas é direcionada a relação entre
o Estado brasileiro e o povo indígena. Dentro
destes questionamentos três tópicos reais se
destacam ao decorrer do romance. Seriam eles: a
instituição FUNAI, o órgão Ministério Público e o
ordenamento jurídico brasileiro. Podemos extrair
nos diálogos entre os personagens perguntas
acerca da morte da personagem Alma e de como
eles deveriam agir ou como o estado iria agir
nesta situação, principalmente se o culpado fosse
um índio, estes diálogos passam por comentários
sobre estes três tópicos, que não são claros no
texto ou que, devido às atualizações legislativas,
mudaram no contexto atual. Considerando estas
lacunas faz-se necessária uma investigação mais
aprofundada do tema proposto neste trabalho.
Esta investigação procura, nos tópicos a
seguir, conceituar a atuação da instituição federal
Funai (Fundação Nacional do Índio), do órgão
Ministério Público, que é o responsável por tratar
das questões indígenas no âmbito jurídico, e pelo
o ordenamento jurídico brasileiro relacionado ao
índio e a sua atuação na sociedade, exemplificados
na atuação das leis como Estatuto do Índio (lei
federal nº 6001/1973), Constituição Federal de

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 19-27.

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Dossiê Darcy Ribeiro

Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios
Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior

1988, Código Civil atual (2002) e antigo código
civil (1916), código penal e as normas da OIT
(organização internacional do trabalho) da qual
o estado brasileiro é signatário, que versam sobre
povos e tribos indígenas. Considerando também,
o projeto de lei que versa sobre o novo estatuto
do índio, que ainda não está em vigor, tramitando
nas casas legislativas do congresso nacional desde
1991. A atuação do estado através destas três
esferas é motivo de dúvidas, críticas e elogios no
contexto social, politico, antropológico e jurídico,
que em situações dos dias atuais tem se resumido
em noticias breves e superficiais, principalmente
no meio midiático. Este trabalho propõe, enfim,
colaborar para o debate utilizando o controverso
romance de Darcy Ribeiro, Maíra, e as suas
interrogações.
O Ministério Público e os índios
No futuro, depois de demarcas e
registradas as glebas da faixa do Iparanã,
a partir do limite seco delas, o senador
requererá outra faixa no interior
e continuará assim, mata adentro,
colonizando a mataria, até o fundo do
Brasil. (RIBEIRO, 2007, p. 282)
É verdade que há poucos índios,
mas que diferença! Estes marcham
para a civilização, sem romantismos
rondonianos: vestidos, calçados, limpos.
As meninas têm até certa graça, apesar
das carinhas obtusas, silvestres. E se são
poucos aqui, ainda menos são no Posto.
Numerosos eles só são mesmo na aldeia,
que se mantém tão-só pela obstinação
da Funai e pelo jogo de interesses
recíprocos quem sabe inconscientes,
entre protegidos e protetores. Jogo no
qual estes últimos são os verdadeiros
beneficiários. (RIBEIRO, 2007, p. 307)

	 Ministério Público, diferentemente do
O
que muitos têm por certo, não é um órgão do
Poder Judiciário. Muito embora funcione junto
a este, prestando-lhe colaborações, atuando

como representante da lei e dos interesses
coletivos e difusos (de terceira geração), não está
subordinado a nenhum dos órgãos desse Poder,
nem do Legislativo ou Executivo. Além de órgão
de defesa da sociedade, atua também na defesa de
interesses estatais. É o legítimo órgão promotor
da justiça e da defesa social, cuja função precípua
é tornar efetivo o direito de punir os infratores
da lei penal, apesar de subsidiariamente atuar em
outras searas das mais diversas maneiras. Tais
funções estão previstas nos artigos 127 e 130
da Constituição Federal de forma genérica, o
legislador optou por versar mais detidamente em
outros textos legislativos as especificidades dessas
funções, textos aos quais faremos referência neste
trabalho.
	os inúmeros excertos extraídos do
D
livro Maíra que abordam a questão da proteção
dos povos indígenas, dos quais transcrevemos
apenas alguns, podemos observar que a proteção
dos índios não se trata de um problema de fácil
solução. Tal afirmação é corroborada pelas
recorrentes reportagens veiculadas pelas mídias
que envolvem as questões indígenas, a exemplo
do afamado caso da Reserva Raposa Serra do
Sol, julgado pelo STF. É importante ressaltar que
o Ministério Público não atua exclusivamente na
proteção dos povos indígenas, tutela também
interesses de outras populações consideradas
hipossuficientes, tais como as comunidades
extrativistas, ribeirinhas, ciganas e quilombolas.
	 o caso emblemático da Reserva Raposa
N
Serra do Sol, podemos observar a atuação de
diversos órgãos e entidades do governo. Primeiro,
a reserva foi demarcada pelo Ministério da Justiça
por meio da Portaria nº 820/98 (reformada pela
Portaria 543/2005), homologada pela Presidência
da República. Muito se discute, em Maíra,
sobre o papel do Ministro da Justiça, ao qual o
investigador desejava enviar o caso, a fim de livrar-

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 19-27.

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Dossiê Darcy Ribeiro

Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios
Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior

se da intrincada e trabalhosa apuração dos fatos.
As terras da reserva são ocupadas pelos índios
Pemons e Capons, de origem brasileira, guianesa
e venezuelana, e estende-se aos territórios dos
três países, o que torna a celeuma concernente
à demarcação extremamente dificultosa. Ainda,
produtores de arroz da região disputam as terras
com os índios e invasores de propriedade. A
desocupação da reserva, que tem base legal no
Decreto nº 1.775/96, foi determinada em 2007
pelo Supremo Tribunal Federal e, em 2008, a
Polícia Federal perpetrou a Operação Upatakon
II, efetiva retirada dos não indígenas da região,
à qual se seguiram enfrentamentos que até hoje
se estendem, sendo considerada a região ainda
instável.

órgão. Com efeito, o discurso oficial superestima
a qualidade de sua atuação, o modo como vem
exercendo suas atribuições, afinal, a despeito de
não ser órgão vinculado a um dos três poderes,
é componente do quadro oficial do Estado
brasileiro. É de grande interesse exibir sua atuação
de forma romanceada, sob um prisma político
e propagandístico. É também conveniente aos
partidos políticos governistas omitir seus gargalos,
as falhas na atuação, o que prejudica grandemente
o desenvolvimento desse órgão. A propósito,
medidas atentatórias aos seus poderes vêm
sendo editadas, como observamos pela PEC 37,
recém-vetada, que visava a desautorizar o órgão
a investigar na condição de polícia judiciária,
tolhendo suas atribuições.

	 papel do Ministério Público se destaca
O
em casos como esses, já que o escopo do órgão
é assegurar aos referidos povos demarcação,
titulação das terras, bem como saúde e educação,
registro civil, autossustentação, preservação
cultural e a tão cara autodeterminação, positivada
no artigo 4º, inciso III, da CF, cuja tutela é feita com
observância das características antropológicas e
consuetudinárias dos povos. Ademais, atua o MP
na promoção do desenvolvimento sustentável. A
atuação se dá primordialmente por meio de ações
civis públicas, termos de ajustamento de conduta
e recomendações a órgãos governamentais
(FUNAI, FUNASA, INCRA).

	 omo enunciado pelo sociólogo Peter
C
Berger, a visão estatal da realidade (oficial) é apenas
uma dentre as inúmeras oriundas de diversos
segmentos da sociedade, cada qual dotado de
um sistema interpretativo próprio. Sendo assim,
não é sensato restringirmo-nos à visão oficial,
devemos buscar em outros segmentos sociais,
mesmo nos “submundos”, como preconizavam
os sociólogos da Escola de Chicago, as muitas
leituras sociais para desenvolver uma noção mais
próxima da realidade. Esse processo de aquisição
de consciência sociológica deve então passar pelo
crivo de três dimensões: a desmitificação, a nãorespeitabilidade e a relativização de valores. Com
efeito, é isso que devemos fazer apontar que a
relação entre índios e MP nunca foi pacífica.
A morosidade dos órgãos públicos, problema
inerente aos serviços públicos brasileiros, agrava
conflitos entre índios, posseiros e empreiteiras,
por exemplo. Apenas quando se torna assunto de
interesse eleitoreiro, ou seja, quando noticiadas
pela grande mídia, são prestadas assistências
antropológica, militar, judicial, social e sanitária
aos povos em conflito, fato ilustrado pela questão

	 o âmbito das políticas públicas, o
N
MP tem também autuação bastante intensa. É
o responsável pela proposição de políticas de
educação e saúde (garantia do atendimento pelo
SUS) para as comunidades, pela mediação de
conflitos de posse de terras etc.
	 eveladas as características, áreas e meios
R
de atuação do MP, depreendemos uma visão
ampla, porém acrítica e descontextualizada desse

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 19-27.

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Dossiê Darcy Ribeiro

Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios
Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior

da construção da Usina Belo Monte. Acresçase a isso o meandroso jogo político brasileiro,
assolado pela interferência de interesses privados
emanados de toda sorte de políticos e agentes
investidos em cargos públicos, os quais atentam
contra a celeridade e a idoneidade das decisões
estatais, como observamos no trecho referente
aos interesses de um senador na demarcação de
terras indígenas.
	 nfim, feitas as devidas considerações
E
quanto às condições de atuação do MP, bem
como a oposição à limitação ao discurso oficial,
revelemos a mais importante concernente ao
livro Maíra; trata-se da função de tornar efetivo
o direito de punir do Estado, porquanto o MP é
órgão de acusação dos violadores da lei penal. De
acordo com os artigos 56 e 57 da Lei nº 6.001,
de 1973, que regula as normas penais atinentes
aos povos indígenas, na hipótese de condenação
de índio por infração penal, a pena deverá ser
atenuada e o Juiz aferirá o grau de integração
do silvícola antes de cominá-la, assunto que será
aprofundado em outro tópico deste trabalho.
A atuação da Funai
Pelo que vejo a coisa está muito bem
urdida e justificada para que os índios
fiquem na aldeia como índios e os
agentes nos Postos como seus remotos
tutores. O resultado é que eles jamais
se integrarão nos usos e costumes
da civilização. Mas é também que os
funcionários da Funai não perderão seus
empregos de burocratas-afazendados à
custa da Fazenda nacional. (RIBEIRO,
2007, p. 27)
Agora as únicas presenças civilizadoras
em toda esta imensa zona são, em
primeiríssimo lugar, o senhor Oliveira e
os trabalhadores por ele contratados que
tiram daqui anualmente e exportam uma
produção avaliada em vários milhões.
Num segundo lugar muito medíocre,

seu Elias, que aqui representa o governo
federal através da Funai e cuja ação
já apreciamos no seu justo valor. Em
terceiro lugar, mas numa posição de
honra, vem a missão Católica de Nossa
Senhora do Ó, que labuta há quarenta
anos para catequisar os mairuns e outros
selvagens, e tem colhido bons frutos.
(RIBEIRO, 2007, p. 176)

Outra entidade de proeminente vulto na
intermediação entre sociedades civil e indígenas é
a Fundação Nacional do índio (Funai), constituída
pela Lei nº 5.371, de 1967. A Funai é um ente da
administração indireta, uma fundação, cujo regime
jurídico é feito pelo Decreto-lei 200/67. Neste
texto legislativo, em seu art. 5º, IV, encontramos a
qualificação da FUNAI: trata-se de uma fundação
pública dotada de personalidade jurídica de direito
privado, por meio de uma autorização legislativa
(Lei nº 5.371), com o escopo de desenvolver
atividades que não exijam execução por órgãos de
direito público. Goza de autonomia administrativa
e patrimonial, tem seu funcionamento custeado
por recursos da União – porquanto é entidade
vinculada à tutela administrativa do poder federal
– e é hierarquicamente organizada, contando com
um quadro pessoal próprio.
Essa entidade tem competência para
promover a educação básica dos índios, demarcar,
assegurar e proteger suas terras, estimular o
desenvolvimento de estudos e levantamentos dos
povos. Além disso, é responsável por defender
as comunidades indígenas, como observamos
no recente episódio da retirada dos índios que
ocuparam fazendas em Sidrolândia, a 70 km de
Campo Grande; a Justiça anulou a liminar que
determinou a retirada da comunidade porque
nem o Ministério Público nem a Funai foram
consultados.
Apesar do nobre propósito a que se
destina, qual seja, a proteção das terras, da

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Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios
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população e da cultura indígena, a Funai,
bem como o MP, não está isenta de críticas. O
comentário da página 27 do livro (“Mas é também
que os funcionários da Funai não perderão seus empregos
de burocratas-afazendados à custa da Fazenda nacional”)
é endossado por recorrentes e inúmeros ataques à
instituição. Os mais pertinentes são os que versam
sobre a falta de credibilidade da entidade e de seus
funcionários, tidos muitas vezes como parasitas
do Estado brasileiro. Há diversas denúncias
atinentes a improbidade administrativa, desvio
de recursos e cooptação de lideranças indígenas,
o que vem degradando paulatinamente a imagem
dessa instituição.
Sem embargo, a Funai é ainda fundamental
para a proteção das comunidades indígenas,
seja atuando ao lado do MP no resguardo dos
interesses dos índios, seja participando dos
julgamentos das cortes na qualidade de amicus
curiae. Darcy Ribeiro aponta para a sobressalente
importância do papel da Funai em diversos
momentos de Maíra, como no excerto transcrito,
do qual inferimos ser tal entidade muitas vezes
a única representação do governo brasileiro no
território dos índios, “Num segundo lugar muito
medíocre, seu Elias, que aqui representa o governo federal
através da Funai e cuja ação já apreciamos no seu justo
valor.”
Ordenamento jurídico brasileiro e a questão
indígena
Se alguém matou essa mulher – e se não
foi o tal Isaías –, seria um deles. E se
for um deles, é como se ela não tivesse
morrido, porque, conforme fui advertido,
os selvagens são irresponsáveis perante a
lei civil. Mas estará na mesma condição
o tal Isaías, que resolveu regressar do
estrangeiro quando estava a ponto de
tomar ordem? O senhor Elias acha
que a incapacidade jurídica dos índios
não é total, mas relativa. Tanto que

podem ser julgados e castigados por
seus crimes. Mas adverte que os juízes
são sempre inspetores da Funai e que
a punição se cumpre obrigatoriamente
num Posto Indígena, mantido para isso.
Será verdade? Não me parece razoável,
nem crível. Sobretudo aplicado esse
código esdrúxulo ao tal Isaías. Ele se
converteria, nesse caso, num brasileiro
privilegiado. Com regalias de cometer
quaisquer crimes ou atropelos sem que
o braço e o rigor da lei se lhe aplicassem
como é devido. (RIBEIRO, 2007, p. 98)

O tratamento legal dado às comunidades
indígenas no Brasil é algo nebuloso e bastante
segmentado. O romance, Maíra, relata esta
falta de clareza em diversos trechos. Um deles,
reproduzido acima, traz consigo algumas dúvidas
sobre o aspecto legal do indígena, e suscita
outras questões, além das escritas, sobre o tema.
A primeira questão a ser respondida é sobre a
capacidade civil do indígena. Será realmente que
os índios são irresponsáveis perante o código civil
brasileiro?
Para responder esta questão, vale salientar
que a época em que a obra foi escrita o código
civil vigente era de 1916, que sofreu alterações
e atualizações em 2002 (atual em vigência no
país). A diferença é que a redação do código
civil de 1916 tratava o chamado “silvícola” (povo
que vive na floresta, selvagem ou índio) como
relativamente incapaz, ou seja, para determinados
atos o índio precisaria ser tutelado, esta tutela seria
especificada em outras leis assim como os atos
a serem tutelados. O atual código não avançou
muito sobre o assunto, porém retirou esta parte,
da incapacidade do índio, e acrescentou que uma
lei específica tratará sobre o assunto (Parágrafo
único do artigo 4ª do código civil atual). A
resposta à questão trazida pelo texto, sobre a
responsabilidade civil do indígena, é: depende.
Depende de outras leis especificas, como estatuto

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Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios
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do índio, por exemplo.
O estatuto do índio é uma lei federal,
com 68 artigos, de 1973, que funciona para
tratar das mais diversas questões correlacionadas
com o povo indígena. Esta lei especifica, traz
conceitos como as definições de índio para o
estado brasileiro, questão territorial, trabalhista,
penal e outras conexas a esta realidade. É
importante salientar que para o legislador do
estatuto, o índio era uma espécie de homem em
evolução ou em progressão que precisava ser
integrado a civilização, como mostra o artigo
primeiro do estatuto: “Art. 1º Esta Lei regula
a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das
comunidades indígenas, com o propósito de
preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e
harmoniosamente, à comunhão nacional”.
Partindo deste pressuposto fica mais fácil
entender as demais questões do estatuto, como
a divisão em fases da integração do índio. No
estatuto o índio é dividido em três momentos de
integração, o primeiro é o isolado, ou seja, aquele
que não tem nenhum ou apenas pouco contato
com a dita “comunhão nacional”, o segundo é
o chamado “em vias de integração”, que, como
o nome já diz, estão se integrando a cultura da
civilização e dependendo dela aos poucos e o
terceiro é o integrado, que, ainda conservando
parte da cultura indígena, está totalmente
integrado a cultura do país podendo reconhecer
todos os atos da vida civil.
Considerando
estas
informações,
conseguimos responder com maior tranquilidade
a duas questões trazidas no trecho, transcrito
acima, do livro Maíra. Podemos responder que
o índio não é irresponsável perante a lei civil,
porém esta responsabilidade será medida levando
em consideração a fase de integração em que
o índio se encontra, adaptando ou excluindo

uma possível consequência legal de um ato civil
relacionado com indígenas. Conseguimos dar
uma resposta à indagação do major Nonato no
trecho: - Mas estará na mesma condição o tal Isaías,
que resolveu regressar do estrangeiro quando estava a
ponto de tomar ordem? Segundo o entendimento
do estatuto, a resposta é não, pois Isaias, como
mostra o enredo, está totalmente integrado à
civilização, portanto capaz de exercitar e entender
todos os atos da vida civil. Logicamente, esta
questão na realidade deverá ser avaliada por um
Juiz competente caso a caso.
Outro ponto importante é com relação
à questão penal do índio, ou seja, como ele
será tratado caso cometa algum ato que seja
considerado ilícito. Em outra passagem do livro
vemos um questionamento sobre isto:
Ramiro: Era só o que faltava... Que é que
eles têm a ver com isto? Ou você pensa
que os índios mataram a gringa e depois
caíram naquele berreiro pagão só para
impressionar o suíço? Nada disso! Vou
mandar é pro ministro da Justiça, general
Cipriano Catapreta. Faço um serviço
limpo e ponho a morta na mão de
quem é competente para apurar. Apurar,
inclusive, se os índios foram os culpados.
Só o general-ministro pode sair desta.
O Código Civil declara que os índios
são pródigos – como os menores, os
alienados e as mulheres casadas –, quer
dizer, irresponsáveis perante a lei; quer
dizer: inocentes. (RIBEIRO, 2007, p. 36)

Como dito anteriormente, este texto
tem que ser analisado com base na mudança do
código civil, porém, como o assunto do trecho diz
respeito a um crime, a aplicação ideal está disposta
no código penal brasileiro. Pelo menos deveria,
pois o código penal não trata da questão indígena
especificamente. Uma passagem importante da
lei penal esta no artigo 26 que diz que: caso o
autor da ação seja “inteiramente incapaz de entender o

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Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios
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caráter ilícito do fato” ele será isento de punição, esta
passagem do código penal, por vezes, é utilizada
para tratar da questão do índio, mas não encerra
o problema, fazendo com que a leitura de outras
leis seja necessária, como, novamente, o estatuto
do índio e outras normas.
Os artigos 56 e 57 do estatuto do índio
tratam da questão criminal do indígena. O texto
da lei mostra que, caso se comprove que um
indígena foi o autor de um ato ilegal (que tenha
consequências penais), um Juiz competente
irá decidir a aplicação da punição, levando em
consideração o grau de integração (isolado, em
vias de integração ou integrado) do indígena.
Portanto, voltando ao texto de Maíra descrito
acima, os índios não são inocentes perante a lei,
porém o Juiz, competente, é quem vai determinar
a capacidade de entendimento do caráter ilegal do
ato que um índio, possivelmente, possa cometer,
assim determinando a punição ou o isentando
dela.
Caso o indígena seja condenado o
estatuto também prevê que, na medida da
possibilidade, a pena será cumprida em regime
de semiliberdade em local de funcionamento de
um órgão federal de auxílio ao índio, ou seja, a
FUNAI (já conceituada em tópicos anteriores). O
que responde a indagação do trecho trazido no
inicio deste tópico: “Mas adverte que os juízes são
sempre inspetores da Funai e que a punição se cumpre
obrigatoriamente num Posto Indígena, mantido para
isso. Será verdade?”. Sim é verdade, esclarecendo
somente que o termo usado na lei não é
“obrigatoriamente” e sim “se possível” e que
o Juiz não será um inspetor da FUNAI, como
diz o trecho, e sim membro do poder judiciário
constituído e competente na ação. No artigo 57,
porém, o legislador traz a possibilidade do Juiz
considerar a punição dada pela tribo, ao ato ilícito,
como suficiente, proibindo nestes casos penas

cruéis ou de morte.
Com relação ao aspecto criminal outras
polêmicas surgem, como a noticia que em algumas
tribos do Brasil existe ainda a cultura de matar ou
negar cuidados a crianças gêmeas ou com alguma
espécie de deficiência, chegando até a enterrar
recém-nascidos vivos devido à crença, destas
tribos, que acreditam ser vitimas de maldição,
portanto não devem conviver com a comunidade
da tribo. A polêmica se dá justamente pelas
questões acima apresentadas, ou seja, até que
ponto um índio ou uma tribo pode agir conforme
o seu entendimento de ilicitude baseado em sua
cultura local ou, ainda, temos direito de intervir
em outra cultura e impor nossas leis? Na última
parte do trecho transcrito, no inicio deste tópico,
uma questão fica aberta: Ele se converteria, nesse
caso, num brasileiro privilegiado. Com regalias de cometer
quaisquer crimes ou atropelos sem que o braço e o rigor da
lei se lhe aplicassem como é devido?
Para dar uma resposta, precisamos
recorrer às normas da OIT (organização
internacional do trabalho), que é uma convenção
internacional que versa sobre direitos humanos
cujo Brasil é signatário. A convenção da OIT
de numero 169 trata sobre povos indígenas e
foi aprovada no ordenamento jurídico brasileiro
após um decreto lei de 2004. Esta convenção
traz no seu artigo oitavo que os povos indígenas
terão direito de exercer a sua cultura, costumes
e instituições próprias desde que nenhum destes
atos afete os direitos fundamentais do país ou
os direitos humanos internacionais. Com esta
redação respondemos o embate, juridicamente,
esclarecendo que não há um privilégio com
relação à cultura indígena, existe uma limitação
imposta pelos direitos fundamentais do país e dos
direitos humanos internacionais que precisam ser
respeitados, pois são considerados maiores do que
qualquer manifestação cultural de determinado

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povo. Assim, dando o direito ao estado de
intervir caso abusos contra estes princípios forem
cometidos, logicamente, levando em consideração
todos os demais direitos dos indígenas e a busca
da solução legal da situação apurada.
Com a intenção de atualizar o estatuto do
índio escrito em 1973 e dar conta destas questões
apresentadas, vários outros projetos de lei para o
novo estatuto foram apresentados, principalmente
após a promulgação da constituição federal
de 1988. Em 1991 o então deputado Aloizio
Mercadante, junto com outros dois parlamentares,
entregou o projeto do novo estatuto do índio, este
projeto foi compilado em 1994 juntando outras
propostas do novo estatuto, porém desde então o
congresso não discutiu mais sobre o assunto. No
decorrer destes 22 anos apenas algumas emendas
ao projeto e ao estatuto foram apresentadas, mas
nada de caráter definitivo.
Dentro destas novas propostas temos
sugestões que podem melhorar a situação jurídica
do índio. Como, por exemplo, a obrigação
de relatório antropológico em processos que
envolvam índios, tanto no âmbito civil quanto
penal e outras relacionados com povos indígenas.
E situações controversas como a sugestão de
impedimento de atuação do estado em tribos
totalmente isoladas ou que não tiveram contato
com a sociedade civilizada. Todas estas questões
ainda estão em debate, portanto não servem de
base para uma possível atuação na realidade,
mas que desde já interessa para um olhar mais
aprofundado na questão e das suas melhorias.
Esperamos, apenas, que estas melhorias e
questões não levem mais 22 anos para serem
discutidas por nossos parlamentares e nem pela
sociedade de modo geral.

Conclusão
Concluímos que a atuação do estado
perante o índio tem sido até aqui uma relação
distante e superficial. Não existe por parte do
governo um projeto contundente e determinado
com relação aos povos indígenas, existe apenas
o relacionamento através de braços dispersos. É
necessária uma organização mais estruturada e
competente para tratar do assunto indígena mais
de perto. Esta organização precisa conter leis ou
lei especifica conclusiva, condições e autonomia
para agir em conflitos e situações cotidianas nas
tribos e apoio governamental para funcionar.
Assim, como abertura e transparência nas ações
realizadas.
É nesse contexto que urge a tomada de
medidas políticas que criem novas entidades para
intermediar as relações entre Estado e índio, ou
que fortaleçam os órgãos já instituídos para tal
finalidade. De fato, é imperioso o incentivo legal
ao Ministério Público, legítimo órgão promotor
da justiça e da defesa social, a fim de implementar
com maior eficiência a demarcação e titulação das
terras indígenas e a defesa desse segmento social
em todos os âmbitos, por meio, por exemplo,
de políticas públicas de saúde, educação e
preservação cultural.
Da mesma forma, há de ser valorizada
a atuação da Funai, entidade que, como já
mencionado, atua nos mesmos segmentos do
Ministério Público, mas de forma mais próxima
às comunidades indígenas, possibilitando um
conhecimento de causa muito mais complexo.
Contudo, antes da ampliação do papel dessa
entidade, é necessária sua reformulação,
porquanto estão patentes a ineficiência e as
brechas a corrupções internas nos moldes como
desenvolve suas funções hodiernamente. Assim, a
falta de credibilidade e de confiança da sociedade

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civil em relação a essa entidade tem de ser
extirpadas a fim de que o Estado brasileiro tenha
respaldo social para destinar-lhe maiores recursos.
Vimos no livro de Darcy Ribeiro uma
forma romanceada de suscitar debates com
relação aos povos indígenas e o seu espaço
na sociedade. Personagens com problemas
reais, diferentes dos criados por outros autores
indianistas e situações que versam com a temática
do dia a dia nas comunidades indígenas. Desta
forma, este livro mostra, mesmo que de forma
romanceada e, por vezes, idealizada com relação
à pureza dos atos culturais, que a sociedade
precisa conhecer e respeitar os povos que aqui já
existiam antes da colonização, entender as suas
peculiaridades sem um olhar de superioridade e
por fim contribuir para uma relação harmônica e
colaborativa com as populações da floresta.

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Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 19-27.

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Dossiê Darcy Ribeiro

Darcy Ribeiro: antropólogo,
educador e político1
Karina Lima
Bacharel em Sociologia e Política formada pela
Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Contato: karina_lima@hotmail.com.br

Darcy Ribeiro, não foi somente um
antropólogo brasileiro, mineiro, natural de
Montes Claros, quis ser médico, mas instigado a
entender as coisas do mundo, virou antropólogo.
Nasceu em 26 de outubro de 1922, e morreu no
dia 17 de fevereiro de 1997, nestes 74 anos, viveu
intensamente sua busca em entender o Brasil e os
brasileiros.
Antropólogo de formação e profissão
foi também militante assumido, trazendo por
vezes dificuldades para saber onde começa um
ou termina o outro. Sendo assim, no mundo
do antropólogo um militante e no universo da
militância um antropólogo.
Sua carreira acadêmica teve início em
São Paulo, quando se formou em antropologia,
em 1946, com 24 anos, na Escola de Sociologia e
Política de São Paulo, na época ainda denominada
de Escola Livre de Sociologia e Política, e mudouse para o Rio de Janeiro onde passou a trabalhar
como naturalista do Serviço de Proteção ao Índio
– SPI, se dedicando a estudos indígenas, de 1947
a 1956.
Nos anos seguintes, volta sua atenção
à educação primária e de ensino superior,
encabeçando diversos projetos, entre eles a
Universidade de Brasília (UNB), na qual se tornou

o primeiro reitor. Em seguida, entra na esfera
política, tornando-se Ministro da Educação,
deixando o cargo para ser Ministro da Casa Civil,
ambos no governo de João Goulart, o que lhe
rendeu seu primeiro exílio no Uruguai, com o
golpe militar de 1964.
Neste período além de começar escrever
seus primeiros romances Maíra e O Mulato,
termina sua primeira versão de O Povo Brasileiro:
A formação e o sentido do Brasil. Em busca de revisar
sua obra, escreve os cinco primeiros volumes
de seus Estudos de Antropologia da Civilização1, de
acordo com o autor: “A necessidade de uma teoria
do Brasil, que nos situasse na história humana,
me levou à ousadia de propor toda uma teoria da
história” (RIBEIRO, 2010, p. 13).
Em 1976 volta ao Brasil, dedicando-se
a educação e a política nas quais tem diversas
participações com seu trabalho, dentro e fora do
país, sendo eleito em 1982, vice-governador do
Rio de Janeiro.
Em 1991, elege-se Senador da República
pelo estado do Rio de Janeiro, no qual elabora a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
(contudo esta só foi sancionada em 1996,
pelo então presidente da República Fernando
Henrique Cardoso). Com grande interesse pela

A primeira versão deste artigo foi apresentada no III Seminário de Iniciação Científica da Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo, em 2011, sendo esta uma versão revisada.
1

Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 28-34.

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Dossiê Darcy Ribeiro

Darcy Ribeiro: antropólogo, educador e político
Karina Lima

educação participou de diversos projetos, entre
eles, a criação da Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF), concomitante a várias
publicações de seus livros, como Utopia Selvagem;
Migo; Aos Trancos e Barrancos; entre outros. Sendo
que em 1993, é eleito membro da Academia
Brasileira de Letras.
Em 1995, já acometido por um câncer,
termina a terceira e última versão de O Povo
Brasileiro2, que segundo o autor “(...) além de um
texto antropológico explicativo, é, e quer ser,
um gesto meu para uma nova luta por um Brasil
decente”. (RIBEIRO, 2010, p. 16)
Sua última grande obra foi a Fundação
Darcy Ribeiro, instituída em 1996, que tem por
objetivo manter sua produção e elaborar projetos
nas áreas educacional e cultural. Em 17 de
fevereiro de 1997, Darcy Ribeiro morre, deixando
seu legado, tanto na área educacional, como na
perspectiva de pensar o Brasil.
Este artigo de caráter ensaístico tem por
finalidade discutir um pouco mais sobre esse
autor de importância impar para analisar o Brasil,
bem como seu povo, que trabalhou em diferentes
áreas, discutindo diversos assuntos. Antropólogo,
educador, romancista, político, entre outros,
Darcy Ribeiro foi um autor de seu tempo, fazendo
com que sua obra tenha grande relevância para o
Brasil.
Antropologia
Quando se formou em antropologia,
Darcy tinha vários caminhos a seguir3, contudo
escolheu trabalhar na Secretaria de Proteção
ao Índio (SPI) com o Marechal Rondon, sendo
que ele foi o primeiro no Brasil a ser contratado
como etnólogo, passou dez anos de sua vida,
que segundo o mesmo, foram os melhores desta,
estudando e trabalhando com os índios, o que lhe

rendeu não apenas prestígio internacional, como
também uma vasta bibliografia.
(...). Não procurei fazer uma tesezinha,
uma pesquisinha, e sim dedicar minha
vida ao estudo das populações indígenas,
na seção de Estudos que o Rondon
havia criado na SPI. Então foi aí que
comecei fazer pesquisas, passando
meses e meses com os índios e o meu
interesse era puramente científico. Ir lá,
numa expedição, apreender dos índios
o que eles podiam me ensinar e me
dar, para fazer minhas teses doutorais
e universitárias. Cheguei a ter um nome
internacional publicando artigos sobre
mitologia, sobre parentesco, sobre
arte indígena, coisas que eram muito
apreciadas lá fora e interessavam à
ciência internacional. (Darcy Ribeiro
entrevistado por Edilson Martins, 1979)

Segundo Darcy Ribeiro, quando este foi
para tribo é que ele aprendeu a ser etnólogo,
aprendeu a observá-los, e à medida que os
estudava ia se refazendo também:
(...). E comecei a perceber que os
problemas da aculturação, da integração
eram muito mais importantes do que
o parentesco, do que a arte, do que a
mitologia. Então comecei a alterar a
minha antropologia. (Darcy Ribeiro
entrevistado por Edilson Martins, 1979)

Ainda neste sentido:
Bom, então, tem aí mais ou menos o
ciclo de como eu me formei, de como eu
me fiz cientista e de como eu me desfiz
como cientista. Desfazer, para mim,
é aquele momento em que deixo de
realizar pesquisas como chupim de índio,
como gigolô de índio, e passo a estudar
a temática que interessava ao índio. Quer
dizer, o índio começa a me interessar
como gente, como ser humano, como
destino. E eu, então, desenvolvi toda
uma Antropologia, que mais tarde muita
gente passou a fazer também era que
a ênfase fundamental é o destino dos

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Dossiê Darcy Ribeiro

Darcy Ribeiro: antropólogo, educador e político
Karina Lima

índios, o que está sucedendo com eles.
(RIBEIRO4, 2010, p. 14)

Em 1952, Darcy criou, junto com o
Marechal Rondon e o sertanista Orlando Vilas
Boas, o projeto para o Parque Indígena do Xingu,
lugar que concentra várias tribos de diferentes
linhagens, e que busca a preservação da cultura
indígena. E em 1953 inaugura o Museu do Índio,
no Rio de Janeiro, que passou a servir como
centro de estudos sobre a questão indígena.
Em 1955, com a ajuda de Eduardo
Galvão e o patrocínio da CAPES, Darcy Ribeiro
organizou o curso de Pós Graduação em
Antropologia Cultural, sediado no Museu do
Índio. Contudo em 1956, com a mudança do
governo e concomitantemente a direção do SPI,
Darcy, desvincula-se da mesma e ingressa como
professor da cadeira de Etnologia e Língua Tupi
na Faculdade de Filosofia da Universidade do
Brasil.
(...) Darcy Ribeiro, na antropologia,
extrapola o meio acadêmico e inaugura
outros espaços e ambientes de atuação
profissional para o antropólogo.
Atuou
na
pesquisa
etnológica,
atuou na formação acadêmica de
novos antropólogos, mostrou que
o conhecimento especializado era
fundamental na orientação da política
indigenista, apresentou o índio à
sociedade nacional com dignidade e
exigindo respeito. (MOREIRA, 2009, p.
136 /137)

Darcy trabalhava com a antropologia
dialética, influenciado pelo seu posicionamento
marxista, tanto quanto por sua formação
culturalista americana.
(GOMES,
2000).
Acreditava em uma antropologia de esquerda,
interventora, disposta a transformar, de mudar,
incomodar.
Segundo

Helena

Bomeny,

Darcy

“(...) como antropólogo, não perdoa seus
companheiros de geração pela reverência aos
modelos teóricos exógenos, de todo impróprios, a
seu juízo, para interpretar o que não nos deixamos
conhecer, o próprio país”. (BOMENY, 2001, p.
54). Dessa maneira, fora deixado de lado pela
academia, sendo considerado um antropólogo
tendencioso e enviesado, suas teorias foram
postas de lado. No entanto, seu reconhecimento
internacional como antropólogo se tornou maior
que o nacional e seus livros traduzidos em vários
idiomas; são adotados como leitura obrigatória
para aqueles que buscam entender minimamente
os problemas da América Latina e seus povos.
Educação
Darcy foi trabalhar com educação “pelas
mãos” de Anísio Teixeira (1900-1971), importante
intelectual da área de educação, que o fascinou
com sua luta pela escola pública de qualidade,
se tornando assim seus discípulo e colaborador.
“(...) Anísio me ensinou a duvidar e a pensar.”
(RIBEIRO, 1997, p. 223). Convidado, em 1957,
a codirigir o Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais (CEPE), por Anísio Teixeira, Darcy
foi ficou responsável por um programa nacional
de estudos sobre o rural e interiorano. E assim
começou sua carreira no campo da educação.
Transferiu o programa de pós-graduação para
a formação de pesquisadores que mantinha no
Museu do Índio e começou a ganhar notoriedade
nesta área.
Essa notoriedade veio concomitante
a elaboração do projeto da Universidade de
Brasília (UNB), papel que desempenhou com
prazer, junto com seu mentor Anísio Teixeira, a
pedido do então presidente Juscelino Kubitschek.
A UNB foi concebida para ser um modelo de
funcionamento para as universidades brasileiras:

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Dossiê Darcy Ribeiro

Darcy Ribeiro: antropólogo, educador e político
Karina Lima

Repito: o Brasil não pode passar sem
uma universidade que tenha o inteiro
domínio do saber humano e que cultive
não como um ato de fruição erudita
ou de vaidade acadêmica, mas com o
objetivo de, montada nesse saber, pensar
o Brasil como problema. Esta é a tarefa
da Universidade de Brasília. Para isso ela
foi concebida e criada. Este é o desafio
que hoje, agora e sempre ela enfrentará.
(RIBEIRO, 1995, p. 274)

Darcy se tornou o primeiro reitor da UNB,
cargo que exerceu até ser convidado para ser
Ministro da Educação do governo João Goulart.
“Foi na campanha por uma lei democrática para
educação e na luta para criar a Universidade de
Brasília que comecei a me tornar visível no Brasil
como educador.” (RIBEIRO, 1997, p. 225) Nesta
época, Darcy, em parceria com Anísio, também
participou da elaboração da formulação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, a LDB, que foi
votado em 1963, quando Darcy já era Ministro da
Educação. Contudo, o projeto original dessa lei
se arrastara por anos pelo Congresso, flutuando
à mercê da disputa política da época. (GOMES,
2000, p. 39). Sendo de fato aprovada e sancionada
pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em
1996, reformulada por Darcy,
(...) sua intenção era estabelecer
uma legislação enxuta e flexível para
regulamentar o processo educacional
através da qual o governo federal, os
estados e os municípios formulassem
as linhas gerais e os estabelecimentos de
ensino pudessem realizar os programas
que melhor lhes aprouvessem. (GOMES,
2000, pg. 40)

Com o primeiro exílio político, Darcy
foi trabalhar na América Latina, com prestígio
educacional que a UNB lhe proporcionou, e o
destaque que obteve como Ministro da Educação
e posteriormente Ministro da Casa Civil, foi
convidado primeiramente a trabalhar no Uruguai,

como professor em tempo integral, colaborou
no planejamento e na realização da Enciclopédia
Cultural Uruguaia e dirigiu o Seminário da reforma
da Universidade do Uruguai. Nos doze anos
seguintes, trabalhou na Venezuela, no Chile, Peru,
na Argélia e na Costa Rica, dirigindo seminários
de reformas universitárias e elaborando planos de
reestruturação. Voltando em 1976 para o Brasil.
A obra educacional de que Darcy mais
se orgulhava de ter concebido e concretizado,
foram os CIEPs (Centro Integrados de
Educação Pública), programa iniciado em 1984,
e inaugurado em 1985. Sua proposta era de escola
em tempo integral, com refeições diurnas, banho
e atividades pedagógicas normais e tuteladas.
(GOMES, 2000, p. 44)
Darcy criou diversos centros culturais;
idealizou a Biblioteca Pública Estadual do Rio
de Janeiro, a Casa França - Brasil, Casa Laura
Alvin, Centro Infantil de Cultura de Ipanema,
Sambódromo, o Monumento a Zumbi dos
Palmares, o Memorial da América Latina, entre
outros. Sua última grande obra foi a Fundação
Darcy Ribeiro, instituída em 1996, que tem por
objetivo manter sua obra e elaborar projetos nas
áreas educacional e cultural.
Política
O papel de Darcy como político sempre
esteve entrelaçado em seus outros papéis. Apesar
de ter sido um entusiasmado militante comunista,
ingressou na vida política ao aceitar o cargo de
Ministro da Educação (1962-1963) e depois
Chefe da Casa Civil do governo de João Goulart
(1963-1964).
Darcy entrou de corpo e alma no
governo Goulart. Foi responsável
pela coordenação dos dois projetos
que considerava os mais importantes
daquele governo, e que no seu entender

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Revista Alabastro, ano 1, v. 1, n. 2, 2013

  • 1. Alabastro: ISSN 2318-3179 São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013
  • 2. Comissão Editorial CORPO EDITORIAL / EDITORS: Prof. Dr. Rafael de Paula Aguiar Araújo: Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP (2009) e Coordenador de Curso da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (raraujo@fespsp.org.br) Rafael Balseiro Zin: Bacharel em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (rafaelbzin@hotmail.com) EDITORES ASSISTENTES / ASSISTANT EDITORS: Alessandra Felix de Almeida: Graduanda em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (dona@alealmeida.com) Caterina de Castro Rino: Graduada em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (caterinarino@gmail.com) Evandro Finardi Sabóia: Graduando em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (evandrofsaboia@gmail.com) Lívia de Souza Lima: Graduanda em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (livdesouzalima@gmail.com) Ricardo Vianna: Graduando em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (ric_vianna@yahoo.com.br) Thiago Duarte de Oliveira: Graduando em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (prof.thiduarte@gmail.com) Thiago Henrique Desenzi: Graduando em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (thiago.desenzi@gmail.com) DIAGRAMAÇÃO / DIAGRAMMING: Alessandra Felix de Almeida (dona@alealmeida.com) A Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo tem por escopo a publicação científica de artigos acadêmicos. Os artigos são de responsabilidade dos respectivos autores, não refletindo necessariamente a opinião da Comissão Editorial acerca do conteúdo dos mesmos. Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Attribution 3.0 . Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013. 1
  • 3. ISSN 2318-3179 São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 Sumário Nota dos Editores 4-5 Rafael de Paula Aguiar Araújo e Rafael Balseiro Zin Apresentação Darcy Ribeiro Irene Maria Ferreira Barbosa 7 -8 Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar 9-18 Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior 19-27 Darcy Ribeiro: antropólogo, educador e político Karina Lima 28- 34 Sexualidade, erotismo e proibição em Maíra Risoleta Pacola e Cecílio Henrique 35-42 Maíra: a liturgia do sacrifício indígena Ednilson Esmério Toledo da Silva e Tabata Pastore Tesser 43-49 Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013. 2
  • 4. O Mal-Estar na Civilização em Maíra Evandro Arruda Carneiro da Silva 50-58 Os rios profundos e Maíra: a utopia de integração harmoniosa a partir da proposta de Ángel Rama Elise Aparecida de Souza e Anelito de Oliveira 59-73 Artigos O Sol é para Todos: uma reflexão a partir do III Plano Nacional de Direitos Humanos Larissa Rodrigues Vacari de Arruda 74- 83 A liberdade de informação e suas questões polêmicas Maria Cristina Barboza 84-93 Dilma e o subproletariado: uma análise sobre a corrida presidencial de 2014 Camila Camargo 94-101 Descrição do atendimento prestado por Instituições Socias de cuidados a saúde do Idoso Juliana F. Cecato, José Maria Montiel, Daniel Bartholomeu e José Eduardo Martinelli 102-109 Discussões no Conselho: da cultura de Estado à cultura de Mercado – Um estudo sobre a ação do Conselho Federal de Cultura (1974 - 1990) Renata Duarte 110-123 Ocupar e Resistir Anderson Alves de Medeiros, Cláudio Dias Bezerra, Luciana Nunes Rotondi e Steff Cordeiro de Oliveira 124-136 Uma interpretação dos ritos fúnebres da Assembleia de Deus Carlos Jose Jesus Freire de Sá 137-152 Ensaios Democracia ou ditadura na Europa? Uma contribuição à discussão sobre democracia Christoph Hess 153-156 Sartre: a consciência de ser visto Rafael Trindade 157-168 Tradução Por que a política da competição é mais acirrada entre os super-ricos, George Monbiot Lívia de Souza Lima 169-171 Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013. 3
  • 5. Nota dos Editores É com satisfação que oferecemos a vocês, leitores, o segundo número da ALABASTRO – Revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Dando continuidade às comemorações dos 80 anos da FESPSP, nesta edição, preparamos um Dossiê temático com alguns trabalhos que versam sobre aspectos da vida e obra do antropólogo, escritor e político brasileiro Darcy Ribeiro (1922-1997), ex-aluno da Escola de Sociologia e Política, formado em 1946, e que ficou conhecido internacionalmente por sua militância em relação às populações indígenas e ao contexto da educação no Brasil. Os documentos que compõem essa primeira parte tomam como arrancada para a reflexão a obra Maíra, publicada, originalmente, em 1976. Os trabalhos contam, também, com um texto de apresentação de Irene Maria Ferreira Barbosa, docente de Antropologia no curso de Sociologia e Política da FESPSP, e com o ensaio de Flávio Wolf de Aguiar, pesquisador e docente de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. A segunda parte da Revista, por sua vez, é composta por demais trabalhos, tais como artigos, ensaios e tradução de texto, que abordam variadas questões referentes ao eixo de pesquisas sobre Estado e desenvolvimento no Brasil. Além disso, informamos que o processo editorial desta segunda edição traz algumas novidades, que julgamos por bem compartilhar. A principal delas é a atribuição do registro ISSN (International Standard Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 4-5. 4
  • 6. Serial Number) à ALABASTRO, sigla em inglês para Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas. Essa identificação é de suma importância para a visibilidade e o reconhecimento da Revista, pois torna o título da publicação único e definitivo. Ao mesmo tempo, o uso do ISSN confere vantagens ao processo editorial, uma vez que possibilita rapidez, produtividade, qualidade e precisão na identificação e controle da publicação seriada nas etapas da cadeia produtiva editorial. A outra novidade é que esta edição é fruto de uma renovação da Comissão Editorial, que dispõe, agora, de novos integrantes. Vale frisar que a realização de um projeto editorial como este, de cunho pedagógico, e que objetiva estimular e tornar pública a produção de conhecimento feita por jovens pesquisadores, de diferentes instituições universitárias do país, somente se torna possível graças ao empenho e dedicação de todos os envolvidos no processo. Por esse motivo, registramos aqui os nossos agradecimentos e as boas vindas aos novos membros. Com vocês, leitores, dividimos a alegria desta experiência. Boa leitura! Rafael de Paula Aguiar Araújo Rafael Balseiro Zin Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 4-5. 5
  • 7.
  • 8. Apresentação Darcy Ribeiro por Irene Maria Ferreira Barbosa Docente de Antropologia, no curso de Sociologia e Política, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Escrever sobre Darcy Ribeiro não é tarefa fácil, pois ele mesmo já escreveu quase tudo a seu próprio respeito. Sua “personalidade trepidante”, como diz Antonio Candido, declara que gosta muito de escrever e falar sobre si mesmo, como pode ser observado nas obras: Confissões (1997), Testemunho (1990), Diários Índios (1996) e em alguns romances em que suas próprias experiências parecem fazer parte do cenário, como em O Mulo (1981) e Utopia Selvagem (1982), obras com as quais nos deliciamos com as narrativas exuberantes de suas interessantes peripécias. A riqueza do personagem é imensa! Para nós, hoje, na Escola de Sociologia e Política, temos algumas razões para nos lembrarmos de um dos mais brilhantes alunos desta casa, quer seja pela comemoração de seus 80 anos de fundação, ou pelas atividades decorrentes da leitura de uma de suas obras de literatura não científica mais preciosa: Maíra (1976). Para mim, especialmente, trata-se de uma obra prima, carregada de conhecimentos antropológicos magistralmente construídos num cenário de ficção muito verossímil, uma vez que as experiências científicas do autor lhe permitiram uma certeza a respeito do pano de fundo de onde a obra foi construída. Os cuidados científicos e políticos envolvidos nas relações entre índios e colonizadores e a grande tragédia da colonização, ficam nitidamente aqui traçados por Darcy Ribeiro. Esses aspectos foram muito explorados por várias escolas literárias, mas nenhuma produziu o impacto de despertar nos alunos deste atual primeiro ano, ainda com poucos conhecimentos teóricos de Antropologia, tanto interesse na leitura e compreensão de uma obra considerada difícil, como um todo, rica de aspectos nem sempre tão óbvios em uma leitura apressada, mas que exigem grande empenho e interesse. A dedicação e a seriedade com que a leitura do livro foi feita pelos nossos alunos provocaram discussões e debates nos corredores e intervalos de aula. Com isso, um grande número de textos sobre etnologia indígena foi mobilizado como leitura complementar, para ajudar o aproveitamento da leitura da obra. Daí o surpreendente resultado dos trabalhos que estão aí publicados para serem conhecidos. Maíra, como experiência literária, traz ao nosso conhecimento as enormes dificuldades impostas pelo processo colonizador e, de certa forma, a falta de perspectiva das populações indígenas, a despeito das entidades que foram criadas para sua preservação. Darcy Ribeiro lida com um aspecto “do sagrado” e nos mostra como sua preservação é indispensável para a integridade indígena. A leitura de Maíra, portanto, constituiu uma experiência única para iniciar um curso de Antropologia. A outra grande razão para incluir o nome de Darcy Ribeiro neste momento está na importância que a Escola, com seus 80 anos, representou para sua formação. Ele mesmo se Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 7-8. 7
  • 9. Apresentação Darcy Ribeiro Irene Maria Ferreira Barbosa orgulhava em dizer que teve a melhor formação possível no seu tempo, pois teve em São Paulo o melhor ambiente e as orientações mais competentes que se podia ter na área de Ciências Humanas, até então. Darcy Ribeiro sempre mostrou muito orgulho de ter estudado na então Escola Livre de Sociologia e Política, considerando que, naquele momento, São Paulo contava com os melhores pensadores e cientistas sociais. Em suas Confissões, ele nos conta que conheceu Donald Pierson em Belo Horizonte, enquanto membro do movimento estudantil no Diretório Central de Minas, e teve a oportunidade de convidar personalidades para dar conferências aos estudantes. Assim, Pierson passou vários dias com ele visitando de modo encantado as cidades históricas de Minas, que não encontravam nada parecido nos Estados Unidos. Dessa amizade, Pierson convida Darcy para conhecer São Paulo e recruta outro grande aluno para recebê-lo e acompanhá-lo: Oracy Nogueira, personalidade tão diferente de Darcy, mas com quem manteve uma amizade sólida e duradoura. Mais tarde Darcy conheceu nomes importantes da vida cultural paulistana, alguns comunistas ativos que influíram muito em sua formação e nos rumos de sua trajetória política e acadêmica. No entanto, entre todos eles, recorda com carinho especial de Donald Pierson, pois com o americano, além de ter aprendido as técnicas de pesquisa de campo, reconhecia-o como um professor sistemático, disciplinado e que fazia tudo de maneira muito séria: “(...) tinha encantamentos por estudos urbanos e estudos de comunidade e principalmente pela grande novidade da época que era a ecologia”. a alemães, todos antinazistas, coisa raríssima! Entre eles estavam Émille Willems, “que dava aulas elegantíssimas de Antropologia”. O melhor professor que teve, porém, foi o poeta prussiano Herbert Baltus, apaixonado por índios brasileiros, com quem frequentou seminários de pós-graduação em etnologia brasileira por três anos, oportunidade em que discutiu a monografia de Egon Schaden sobre a mitologia heroica dos Guarani e o ensaio fantástico de Florestan Fernandes sobre a organização dos Tupinambá. “Com Baltus aprendi muito, sobretudo a fazer meu seu ideal científico de estudar a natureza humana pela observação dos modos de ser, de viver e de pensar dos índios do Brasil”. É, portanto, nada menos que admirável a transfiguração do menino, que, destinado a boiadeiro em Montes Claros, abraçou um ideal científico desse porte. Há, ainda, muitas outras histórias interessantes que nos ajudam a compreender a grande paixão de Darcy por tudo o que fazia. Além delas, suas obras estão aí, a nos desafiar e nos deleitar, e a continuar a despertar nos jovens pesquisadores, que pouco sabem de sua trajetória, uma curiosidade saudável, conveniente e apaixonante. É, assim, um prazer muito grande apresentar os trabalhos temáticos feitos pelos alunos de primeiro ano a partir da leitura de Maíra de Darcy Ribeiro. Porque recupera a vitalidade literária e o conhecimento erudito de uma realidade que, como imaginava ele, ainda está aí a desafiar índios sobreviventes. Ainda na Escola Livre, Darcy reconhecia importância dos excelentes professores Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 7-8. 8
  • 10. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar Flávio Wolf de Aguiar (Porto Alegre, 1947) foi professor de Literatura Brasileira da USP (1973-2006), tendo orientado mais de quarenta teses e dissertações de doutorado e mestrado, e tem mais de trinta livros publicados, como autor, coautor ou organizador. Atualmente é editor da TV Carta Maior e vive em Berlim, onde é correspondente de publicações brasileiras. Los dioses no mueren de repente. (Fernando Ortiz) Maíra, de Darcy Ribeiro, é o romance de um encontro fortuito e de muitas errâncias trágicas. Narrado a partir de diferentes pontos de vista, ele se desdobra na construção de solilóquios, monólogos, diálogos, pregações, pensamentos, na recompilação de notas, relatórios, e até na intervenção de uma terceira pessoa onisciente que no capítulo “Egosum” se revela a mais precária das personas narradoras. O espaço fundamental da narrativa é o da vida tribal dos mairuns, uma tribo ficcionalmente criada pelo autor, onde se condensam, segundo seu próprio depoimento, crenças, mitologias e cosmogonias de diferentes culturas nativas do território brasileiro, às margens do rio Iparanã, na floresta amazônica vista como última fronteira ou fronteira última do avanço predador de uma civilização desembestada, herdeira de todos os prejuízos do empreendimento colonial e promotora de todos os aspectos de barbárie do capitalismo. Os mairuns, entretanto, não comparecem ao romance como um tipo genérico de tribo; conforme se desvelam para o leitor sua mitologia, suas crenças, a voz mesma de seus espíritos, de seu criador, eles tornam-se uma tribo particular, um povo ameaçado, embora ali estejam como personagens de um drama que não é só o deles, mas de todos os povos da América na mesma condição. O que quero dizer com isso de se tornarem uma tribo é que o autor não os reduz à condição genérica de tipos, mas ao contrário, os individualiza e com eles dialoga de igual para igual, evitando os escolhos das diferenças de linguagem que caracterizaram muito do regionalismo brasileiro, ou da representação pitoresca, que também caracterizou, na literatura, muitos comparecimentos, às suas páginas, das classes populares ou de populações remotas em relação aos centros urbanos. Maíra, o personagem que dá o título ao romance, é parte do mundo criado a partir de um deus velho, e na criação ele é uma espécie de força vital que anima os homens, chegando a coabitar com seus corpos, corações e mentes. Os mairuns são o povo de Maíra, e a presença desse deus-espírito num homem é um momento único para ambos, que assim se revelam mutuamente, se encaixam no mesmo plano da existência. Esse momento separa a mitologia mairum da cristã, Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 9-18. 9
  • 11. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar pois nesta, se o seu deus se encarna no plano da existência humana, ele, supostamente, permanece com um pé no céu. O homem corre o risco de destruição; o deus cristão não, pois é eterno. Mas os deuses e os espíritos mairuns desaparecerão, se os mairuns desaparecerem, e estes são seres fadados à essa desaparição. Assim Maíra atinge um plano mitológico, narrando também uma história de deuses, do ponto de vista de sua agonia. Essa narração se situa na linha divisória de um confronto terminal de culturas e de religiões, simbolizada na evocação litúrgica da estrutura de Maíra. O próprio Darcy Ribeiro declarou que o romance lembrava uma missa. Ora, a missa cristã tem dois núcleos fundamentais: a liturgia da palavra e a da eucaristia. Na missa, a liturgia da palavra é composta pela evocação do Verbo divino, pelo sermão, pela lembrança dos mortos e dos vivos. Já no romance a liturgia da palavra é a da narrativa, que combate a letargia da consciência, num escritor que segue a tradição de empenho da literatura brasileira com os aspectos civilizados da civilização e contra sua barbárie consentida e potenciada. A liturgia da eucaristia, na missa, centraliza a rememoração e revivescência de um sacrifício, que se imprime na consciência, renovando-a pela memória. Mas na liturgia do romance o ser divino que morre é o do outro; ou pelo menos ele agoniza, com a consciência de sua provável morte, como no capítulo “Maírañee”: desaparecimento do outro, quando então a treva retornaria e os poderes infernais engolfariam a existência. Interpretações mais ousadas da cosmogonia cristã também apontam uma reciprocidade entre Criador, Criação e Criatura, mas ela não pertence ao dogma canônico. De certo modo aquele processo agônico já começou, mas tragicamente os mairuns não têm outra possibilidade a não ser a de estarem agora em oposição a um mundo terrível que, entre outras barbaridades, dispôs a sua capital no altiplano (Brasília) que encerra a boca do inferno e da treva. A chegada da civilização põe este povo - pelo menos na consciência ilustrada de seu profeta, o Avá/Isaías, à beira da aniquilação absoluta, do fim da história. Essa chegada da civilização, com seus novos dominadores e dominados, é a chegada do Brasil a seus confins. Se o Brasil é a terra das palmeiras, onde canta o sabiá, imagem que é a contra-facção do próprio poeta que canta a sua terra, aqui, neste confim, ele ameaça perder a voz, porque se é verdade que os destruídos serão os mairuns, isso significa que essa civilizaçãoBrasil perdeu a sua alma (nome, aliás, de uma personagem que morre no romance) e está, portanto, mais que morta, reduzida à condição de alma penada, fantasma de si mesma, corpo sem ñee, ou seja, portadora de uma palavra destituída do seu espírito. O romance, portanto, morde a cauda, e o drama mairum é o drama universal, de um ser humano que talvez tenha chegado ao limite de sua existência. “Um mundo despovoado de mairummairuns não estará, coitado, de mim também despojado?” Para a consciência mairum, com que dialoga o ponto de vista do romancista, a trajetória do protagonista humano (porque há o protagonista divino, Maíra, acompanhado de seu irmão Micura, o gambá noturno) que é esse Avá/Isaías, é também um sinal dessas enormes mudanças que deverão ocorrer no plano universal. Os padres da missão enviaram Avá a Goiás e a Portanto, na consciência mairum construída no romance há reciprocidade entre os planos humano e divino; um não existe sem o outro, e o desaparecimento de um acarreta o Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 9-18. 10
  • 12. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar Roma para ele fazer-se padre; depois de uma ausência de uma dezena e meia de anos ele volta a seu lugar de mairum, movido pela dúvida sobre sua vocação e sua identidade. Nesse meio tempo Brasília cresceu, sobreveio a ditadura, o mundoBrasil mudou inteiramente. Ele não é mais Avá, mas não é inteiramente Isaías, seu nome de batismo; é Avá/Isaías, prisioneiro da passagem, condenado a uma espécie de exílio interior, alma errante de ambos os lados do espelho. Ele não é um aculturado no entanto; é um transculturado, destinado a ser algo além das culturas cujo confronto desigual lhe deu origem, o símbolo da contradição entre os dois mundos em que viveu, mas onde não vive mais. Numa delas, é o ex-tuxaua que não é mais, e faz assim deslocar-se o eixo sucessório no reino mairum, prenúncio de desgraças tanto quanto a morte de Alma, no parto, e dos gêmeos que dera à luz, um símbolo vivo de que o mundo vai perdendo sua substância. Do outro lado é o ex-futuro-padre, símbolo de uma conversão que não se completa, sinal de que o mundo já perdeu a sua substância. Neste outro mundo, espaço intermediário que é o seu, Avá/Isaías é o sinal da cruz: um mundo não pode subsistir sem o outro, embora o mais forte possa aniquilar o mais fraco. O da civilização que avança parece indestrutível perante o maírum; mas a destruição deste é o sinal de que o primeiro, como já disse, perdeu a alma, morreu antes de matar. Façamos uma pausa, para discutir o que é esse símbolo transculturado. O termo vem do livro Cuntrapunteo cubano del tabaco y el azúcar, publicado em 1940 pelo sociólogo cubano Fernando Ortiz, e procura descrever o processo de construção de um novo perfil da sociedade ocidental, em Cuba, a partir da transposição da cultura do tabaco para o plano da produção mercantil, e da implantação na ilha da cultura do açúcar, trazida pelos europeus junto com a escravidão. Diz o sociólogo então que houve neste jogo uma transculturação do tabaco, que, além de sair da ilha e da América para o resto do mundo, deixou o plano religioso em que era preferencialmente consumido para tornar-se saboreado enquanto hábito refinado de consumo. Mas esta transculturação aponta para outra, pois a sociedade ocidental que operou a transculturação do tabaco já não é mais a mesma que iniciou o processo; os europeus que ocuparam as Américas tornaram-se “outros”, se desgarraram de sua cultura original. E neste processo complexo formou-se algo que não existia antes, não coincidente com os termos que lhe deram origem. Por isso Ortiz cria o termo transculturación, que se opõe ao de aculturation, então muito em voga nos Estados Unidos, onde ele se encontrava. Para ele este último termo está carregado de etnocentrismo, supondo uma cultura “superior” que absorve elementos de outra “inferior”, modificando-os sem se modificar. Transculturação supõe, sem negar as desigualdades de condição, como a existência de culturas dominantes e de outras dominadas, uma troca, e modificações no interior mesmo da dominante. Algumas décadas mais tarde o crítico uruguaio Ángel Rama retomará o termo, ampliando o seu uso. Ao retomá-lo, particularmente em seu livro Transculturación narrativa en América Latina, escrito a partir de meados da década de 70, Rama faz um reparo a seu emprego pelo sociólogo, Diz o primeiro que este tem uma compreensão demasiadamente mecânica do processo, como se este fora o resultado apenas de transposições inevitáveis e inconscientes. Rama acentua então, ao situá-lo na literatura, os aspectos seletivos da transculturação, afirmando que esta se opera num processo complexo que envolve tanto a aceitação como a rejeição, e que, portanto, pode ser mais volitiva do Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 9-18. 11
  • 13. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar que parece à primeira vista. E estende o uso do conceito para caracterizar também os processos de modernização que, em diferentes projetos econômicos, políticos, ideológicos e culturais, caracterizam a vida das sociedades latinoamericanas a partir sobretudo da segunda metade do século XIX. Esses projetos, de que muitos escritores foram pontas-de-lança ou críticos, ou ambos, operariam seus aportes a partir da visão de duas civilizações em confronto: a moderna e a atrasada. E procurariam desenhar uma outra via, pelo menos os mais criativos, trasnsculturando elementos de uma e outra, de modo a garantir a prevalência da primeira sem perder de todo a identidade construída na segunda. Se observarmos a obra de Darcy Ribeiro de encontro a esta moldura, podemos pensá-la como construída a partir da consciência trágica de uma transculturação emperrada, pelo menos em seu plano humano. Como já repetiu em algumas de suas obras, inclusive em sua última, O povo brasileiro, Darcy Ribeiro vê a constituição do Brasil, inicialmente, nos primeiros tempos coloniais, como fruto de uma intensa e extensa mestiçagem, que deu origem ao mameluco (de que Juca, o regatão, é símbolo no romance, e este sim, um tanto quanto estereotipado, a meu ver, um pouco distante da vivacidade que caracteriza outros)1. Porém, passado este primeiro momento, que se distribuiu desigualmente, no tempo, ao longo do território do futuro Brasil (antes no litoral do que mais a dentro; antes mais ao norte do que mais ao sul, por exemplo) divisões irremediáveis voltaram a se implantar. O Brasil assim construído, e depois de tornado mais complexo com a mestiçagem do negro e dos demais imigrantes, não aceita mais o índio; e o imenso cortejo de culturas diferenciadas, agora reduzidas à condição de indígenas, não têm outro remédio senão nela permanecerem como uma espécie de fantasmas de si mesmas. Um índio, portanto, jamais deixará de sê-lo: não se integra nem se entrega. Pode, eventualmente, se desagregar, pela bebida, prostituição, ou outra maldição qualquer que a civilização lhe traga. Ao mesmo tempo o brasileiro, do outro lado, jamais chegará a virar índio, além de não querê-lo, quase sempre. Alma, a companheira fraternal de Isaías, que com ele vai ao território do Iparanã, em busca de uma nova existência, e que se torna uma espécie de fornicadora livre e sagrada para os mairuns, encontra ali a morte, e a de sua prole, por não saber nem poder ser índia na hora do parto. Ninguém a ajuda, ninguém grita por ela, ninguém segura seus cabelos, nem mesmo Avá que, de certo modo, é de fato responsável por sua morte. De um lado e doutro das divisas culturais, para quem ouse atravessá-las, só há, ao fim e ao cabo, o desamparo. Por que então, mais acima, falei de Avá/Isaías como um transculturado? Porque não estamos, aqui, falando sobre o plano da existência. Tudo isto poderá ser a expressão mais lídima da verdade para o personagem real, evocado no mesmo romance, o “Avá que era Bororo e se chamava Tiago”, naquele capítulo autobiográfico “Egosum”, e que teria inspirado o personagem fictício. Mas no plano da fabulação romanesca Avá/Isaías de fato viaja entre os dois mundos, embora no plano da ação do romance ele permaneça como um símbolo da impossibilidade. A sociedade brasileira empurrou os primitivos habitantes dessas terras para o exílio em sua própria pátria: fê-los índios. Fantasmáticamente, eles agora nos visitam na literatura, como símbolos constantes do nosso próprio desencontro conosco mesmos e mais ainda: frequentemente como símbolos aceitos da própria sociedade nacional. A sociedade que aceita um índio como símbolo de si mesma não é mais a mesma do ponto de partida. Por um lado, Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 9-18. 12
  • 14. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar é mais perversa, pois aceita em efígie o que recusa em carne e osso; de outro, reconhece, graças à sua própria literatura, ainda que às vezes tenuamente, seu próprio malestar2. Digamos que descrevi até aqui a ação do romance vista pelo ângulo mairum. Poderíamos vê-la pelo outro lado, pelo lado brasileiro. Uma conclusão é a de que ela se torna bem mais prosaica, mas não menos interessante. Temos aí um romance histórico e político, além de uma história de amor que não se completa, e por isso traz a morte para uma das personagens envolvidas. Do lado brasileiro, vê-se a história descrita por um escritor agnóstico, da ocupação predatória dos espaços da floresta, com sua fauna, sua flora, suas águas, suas terras e seus povos. Essa ocupação se exprime numa polifonia exasperada (expressão já usada por Walnice Nogueira Galvão em relação a Os sertões) de vozes, tonalidades e modalidades desencontradas: a raivosa do regatão, a exaltada do beato Xisto, o flautim das namoradas, a perplexa de Alma, a estranha de Isaías, a alegórica dos personagensdeuses, a fria dos relatórios, e sobre todas paira o silêncio impune e criminoso do Senador Andorinha, artífice da ocupação predatória. No tempo da ditadura, sonhava-se em transformar a floresta em pastagem; ainda hoje este sonho nos persegue e nele somos nós, os brasileiros, o gado de corte. Enquanto o mito mairum construído evoca a agonia dos deuses, o romance brasileiro que o enquadra denuncia a destruição criminosa das culturas para a implantação de um sistema mais eficaz de exploração do homem pelo homem. Há, neste plano romanesco, uma visão irônica de um processo efetivo de transculturação: dos Epexãs, povo irredutível da região, só ficará o nome, escolhido pelo Senador para batizar aquelas terras. De uma cultura para a outra gente vira lugar: índio é paisagem. Nas muitas vezes em que os índios vieram em socorro da literatura brasileira, predominaram por vezes as tonalidades da idealização (entre os românticos, por exemplo), ou da ironia (entre os modernistas, por exemplo). A idealização promovida pelos românticos vinha do ardor em construir uma imagem-símbolo da sociedade nacional. Redefiniam, eles, estimulados por seus pares europeus coevos, os passos dados por alguns árcades, como Basílio da Gama, n’O Uraguay, que idealizaram o índio, mantendo-o como estranho ao processo civilizatório, só passível de incorporar-se a este se vencido ou reduzido. Estão neste panteão nacional às avessas Cepé e Cacambo, mais aquele do que este, entre os primeiros dos índios levados à condição de exilados em sua própria terra. Cacambo de certo modo é o sinal da contradição: ao parlamentar com Gomes Freire, no poema de Basílio, argumenta que a troca do Sacramento pelas Missões é prejudicial aos portugueses, pois os índios deverão deixar as terras outrora ocupadas, e estas sem eles e o seu trabalho de nada vale. Ao contrário de Cepé, guarani detido em sua certeza da guerra, Cacambo é índio, mas dá lição ilustrada de economia e argumenta como uma burguesa sensatez de espírito. Foi ele, assim, talvez, o nosso primeiro Isaías/Avá bem acabado, agitando-se sem saída entre as duas culturas em confronto, pelo menos no plano da fabulação. Há algo de árcade em Maíra, vendo o índio diante da civilização; há o fato novo de que ao tempo de Basílio não havia nada parecido com uma nova sociedade nacional brasileira, a não ser talvez em embrião, nem o fato de que a literatura dessa sociedade emergente tomaria o índio como símbolo de sua diferença. Nesse novo deslocamento do índio para fora dos contornos da sociedade brasileira há também a retomada e a extensão de uma contribuição de raiz modernista, Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 9-18. 13
  • 15. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar pois se Macunaíma permanece o símbolo álacre de uma sociedade sem caráter definido, sua viagem o conduz, afinal, de volta para os confins e mesmo para o além dessa sociedade. Do final da Segunda Guerra para cá se acentua o traço desse sentimento de que o índio, se não representa o Brasil, mas a ele confronta, o seu drama de excluído sim representa o conjunto de dramas da sociedade brasileira, cujo eixo construtivo foi a permanente exclusão de suas benesses dos que são recrutados para a construção dessas mesmas benesses. Deste sentimento o conto Meu tio, o iauaretê, de Guimarães Rosa, publicado em 1961 na revista Senhor seria um dos primeiros frutos literários. Retomando a linha do monólogo dialogante explorada em Grande Sertão: veredas, o conto o situa num plano de exasperação onde não há espaço para a carga de evocação lírica presente naquele romance. Não há qualquer esperança para o narrador-personagem de Meu tio…, que é um caboclo mestiço, sem lugar na sociedade tribal de sua mãe e de impossível aceitação por parte da sociedade brasileira de seu pai. E a consciência do antropólogo Darcy Ribeiro estaria também entre as que exprimem este malestar fundacional que medrou em nossa cultura. Estas últimas linhas querem ressaltar que, se Maíra se prende muito de perto à consciência militante do antropólogo e político Darcy Ribeiro, e a seu empreendimento de historiador da causa índia no Brasil e alhures, este romance também está solidamente ancorado na experiência literária corrente no Brasil. E ressalte-se que não só quanto à questão do tema indigenista; também quanto à questão do ponto de vista. Em suas confissões sobre o romance. Darcy afirma que o escreveu em dois exílios e uma prisão. Ou seja, os limites desse romance são o golpe de 64, pois Darcy diz que a primeira versão nasceu em seu primeiro exílio no Uruguai; o exílio em seu próprio país a que a população se viu condenada pelo regime oriundo do golpe; o novo exílio provocado pelo prolongamento da ditadura, que leva o autor a Lima, no Peru, quando a versão definitiva teria encontrado sua forma; e o declínio da própria ditadura, pois o romance é publicado em 76, quando já medra a política da “distensão lenta, segura e gradual” do governo Geisel, e as oposições começam a luta pela anistia. Entre os momentos das sucessivas gestações do romance, pois Darcy diz que a cada exílio ou prisão o reescreveu sem a posse das versões prévias, e sua publicação, se processa uma desilusão da intelectualidade brasileira e uma disfunção penetra suas narrativas, ou talvez um novo corpo de funções desagregadoras. Entre a geração de 30 e essas lindes do golpe de 64, afirmou-se uma narrativa de grandes angulares no romance que tinha por estro medir-se com a história brasileira, fosse numa visão nacional ou regional. São exemplos dessa inclinação romances tão díspares como o já mencionado Grande Sertão ou O tempo e o vento. A pluralidade de vozes, se existe, como é o caso do último, converge para uma permanente consciência ou esforço de construção de um ponto de vista integrador que constantemente se afirma: O tempo e o vento é um romance solidamente escrito a partir de um ponto de vista que afirma, apesar de tudo, o avanço da história humana ainda que numa visão cética, irônica e desencantada. Grande Sertão é narrado por uma voz desdobrada que se detém sempre no avesso da dúvida; mas dela emana, sempre, o grande poder evocativo da palavra humana que resgata, para um plano superior da memória, aquilo que se perdeu no labirinto da existência. Celebra, assim, positivamente, o mistério dessa e nessa mesma existência. O último rebento dessa grande angular de vocação integradora talvez tenha sido Quarup, onde as hesitações do Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 9-18. 14
  • 16. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar protagonista e a evocação do rito indígena, se já evidenciam as irremovíveis distâncias implantadas na sociedade brasileira e a crise das utopias que logo vão eclodir nos projetos ideológicos, ainda desembocam numa espécie de esteira cujo destino é resgatar o passado em direção ao futuro afirmativo. Este passo se consolida na visão final do Nando encourado, que parte para a luta armada como se fora armado cavaleiro, levando consigo a esperança do encoberto, em seu nome de guerra que evoca o companheiro desaparecido, amor mítico de Francisca que ele, Nando, substituiu no plano da existência: o Levindo desaparecido, aquele que, parodiando Fernando Pessoa, não veio e por isso mesmo foi vindo à nossa memória e nos criou, também espelho do recorrente sebastianismo de que somos herdeiros. Se tomarmos o caso de Callado, autor de Quarup, vemos que há um oceano de diferenças entre este caudal histórico que ainda comparece às páginas desse romance e a progressiva fragmentação do ponto de vista narrativo que vai se alastrando em seus outros romances, sobretudo em Reflexos do Baile, que é do ano de 1973. Não há apenas uma fragmentação técnica da voz narrativa; mas há um dilaceramento da consciência do narrador, que não dá mais conta da profusão divergente de pontos de vista expressos nos documentos, notas, bilhetes e tantos outros meios expressivos que compõem a colcha de retalhos em que se transformou o tecido da narração. Muito da narrativa brasileira se fez tecendo-se com a história, empenhando-se na construção de uma literatura e de uma sociedade nacional civilizada. A barbárie implantada no coração do Estado, e assim exposta sem pudores, levou este empenho às lindes do desespero. Construir a sociedade nacional era também construir uma possível monstruosidade. Do casamento deste sentimento de ceticismo em relação à tradição de nossas letras com técnicas de desconstrução do ponto de vista, tidas como características da narrativa polifônica moderna, nasceu um livro como Reflexos do Baile. E outro como Maíra. Este nasceu, portanto, também como resultado de uma transculturação, como a via ou lia Ángel Rama que, aliás, dedicou seu livro aqui mencionado a dois antropólogos, sendo um deles Darcy Ribeiro, e nele analisa longamente o romance de um terceiro, José Maria Arguedas. Vendo a impossibilidade de diálogo eficiente entre os universos culturais em confronto, o que condena um à disparição e o outro, o sobrevivente, à contínua perversão, fazendo-o permanecer numa espécie de inferno anômico onde vale tudo, o narrador entrega, por assim dizer, esse diálogo à sorte ou ao azar do confronto entre estruturas míticas antevistas desde a presença humana em ambas as culturas. Por isso a estrutura litúrgica da missa ao mesmo tempo contém e dialoga com a evocação dos mitos mairuns reconstruídos, como se dessas estruturas que evocam tempos arcaicos e seus sacrifícios pudesse emanar, para além das consciências dos personagens e a do narrador, que navega entre as deles, alguma esperança de salvação e de porto ou, pelo menos, âncora, que pudesse servir de ponto de referência. No já referido capítulo “Egosum”, o antropólogo Darcy, transformado em personagem do narrador Darcy, pratica algo semelhante, que pode ilustrar o que quero dizer. Conta ele como, transgredindo todas as normas, as suas, de antropólogo, e as da comunidade que o hospedava, ficou na taba para ver o inharon, ou seja, o índio furioso, pela perda de um ente querido, e que se torna uma ameaça para todos, pois tem o direito de destruir o que quiser. Darcy conta como, ao deparar-se então, frente a frente, com o índio enfurecido, ficaram ambos pasmos e cristalizados pelo espanto, naquele momento absolutamente não previsto Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 9-18. 15
  • 17. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar de completa nudez de um diante do outro e de uma cultura diante da outra. Ao invés de agredilo, o inharon nada fez, até que ele, Darcy, voltasse ao mato e desaparecesse, quando retomou o seu papel de furioso. E ele, Darcy, por sua vez, retomasse o seu papel de antropólogo. O ato herético do antropólogo e hóspede espelha a dupla heresia do narrador agnóstico, que toma da missa para elaborar sua narrativa; e mais, toma da missa cristã para evocar a morte do outro deus. Quem sabe, assim, devolvendo a missa e o mito cristão a uma de suas raízes, que é a de absorver mitos e ritos criados a partir de uma adoração solar sacrificial, e de relê-los num contexto de substituição simbólica. Mas o narrador Darcy impõe uma operação transculturadora também na estrutura da missa evocada, pois aqui o emprego da liturgia religiosa não se destina a absorver a cultura do outro, mas sim a construir a voz do deus agonizante. Estamos longe, portanto, das operações de incorporação de elementos da cultura indígena promovidos, por exemplo, pelos jesuítas em seus serviços e autos nos primeiros tempos da colonização. Ou mesmo do casamento idealizado de mitos promovido por Alencar no alto da palmeira onde Peri e Ceci partejam o Brasil, conjugando o mito de Tamandaré com o de Noé, embora a operação de Darcy esteja mais próxima desta do cearense do que daquela dos jesuítas. Mas o que importa sublinhar é que é com toda esta tradição que Darcy dialoga, na tentativa de manter o empenho humanista da literatura de uma sociedade cujos agentes se compraziam na potenciação da barbárie no âmago da mesma civilização que construíam. Todas estas tantas linhas do romance convergem para o personagem que, nele, espelha o romancista: o contraditório Avá, imagem de uma transculturação empreendida no plano da fábula e emperrada no plano da existência. Não mais um mairum, mas um índio; não mais um futuro chefe, mas um aprendiz de feiticeiro; não mais um seminarista, mas um fantasma de cristão, Avá entrega-se, no final, a um empreendimento que espelha o do escritor, suas contradições, dificuldades e heresias. Está ele reescrevendo a Bíblia em mairum, o que, de certo modo, lembra essa reescrição da liturgia sacrificial católica pelo antropólogo-narrador. Sua companheira de empreendimento, esposa do pastor protestante que disputa com a missão católica e o beato Xisto a safra local de almas, reclama que ele enxerta demasiadas contribuições mairuns no texto sagrado. Precariamente, como o escritor, Avá planta com e nas palavras um novo tempo: o tempo da escrita para a língua mairum; um tempo mairum para a palavra cristã. Assim o livro termina, entre tantos outros dizeres de seu capítulo final, escrito numa polifonia de consciências narradoras em que estas se sucedem sem interrupção por parágrafos, por um encontro, não mais fortuito, mas precário, entre línguas, entre oralidade e escrita, que tenta resumir e reescrever, por assim dizer, a errância trágica dos personagens. É uma nota tênue de esperança, de uma espera: só que não se sabe muito bem do quê: a espera por uma esperança, no fim de contas e de contares. Nota pessoal Queria concluir este esboço com uma nota estritamente pessoal, uma heresia do ponto de vista acadêmico, mas pertinente, do ponto de vista de um ensaio. As observações sobre a liturgia da missa que aqui faço me foram inspiradas, além de pelo romance, pela visita que fiz à Catedral de Abidjan, na Costa do Marfim, em 1996. É uma catedral extraordinária, cuja estrutura lembra, de fora, a imagem da virgem, de braços abertos sobre a cidade, com seu manto Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 9-18. 16
  • 18. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar cadente por detrás, que são, respectivamente a torre e o corpo da igreja. Ao mesmo tempo, visto de certo ângulo, esta virgem de braços abertos aparece como a imagem de um elefante de corpo e tromba erguidos, numa atitude de solene desafio diante da civilização que o extinguiu naqueles arredores - ou o confinou em reservas. Assisti ali a uma missa com casamento. O noivo e a noiva, em trajes ocidentais, desapareciam diante da profusão de cores das vestimentas tradicionais dos chefes e parentes das aldeias presentes; as damas de companhia da noiva eram adolescentes nuas e pintadas da cintura para cima. E o coro da igreja desencadeou uma chuva de cantochão, barroco, jazz e músicas tradicionais africanas, cada uma com seu espaço e individualidade, naquele meio em que, reunindo-se três africanos, tem-se um coral de Capela Sixtina. Essa visita coroou, de certo modo, a sensação que carreguei comigo das diferenças e semelhanças entre esses dois lados do Atlântico. Percebera vagamente a diferença na culinária, saboreando os cozidos de lá, que misturam de tudo, peixe, camarão e lagostim com carne, charque, verduras e inhames daqui levados, mas onde cada ingrediente conserva sua mais absoluta individualidade para o paladar. Vira depois que as estruturas políticas e funcionais locais guardavam um modus vivendi com a estrutura das aldeias, lá chamadas de villages, onde muitas coisas da macropolítica eram debatidas e até mesmo decididas. Com isso, contemplando um dos extensos quartéis onde ficam permanentemente estacionadas duas divisões do exército francês, dei-me conta de que ao contrário daqui, onde houve essa miscigenação ao mesmo tempo absorvente e excludente, lá houvera uma espécie de superposição, colocandose as estruturas de raiz ocidental sobre as estruturas familiares tradicionais, sem, no entanto, desmanchá-las ou absorvê-las completamente. A muitos brasileiros foi dado redescobrir o Brasil, por contraste, do alto da Torre Eiffel, ou da solenidade de alguma ruína europeia, ou de algum quadro outonal dos tempos préimpressionistas. A mim foi dada a oportunidade - encontro fortuito nas errâncias - de relê-lo desde dentro da Catedral de Abidjan. E pude ver então que só poderíamos mesmo nos tornar o país do churrasco (hoje um prato nacional), que reuniu à grelhada ibérica o hábito indiático de comer grandes nacos frescos, mal e mal passados na brasa, em meio às correrias de perseguição e fuga, com a gordura e o sangue suavizados pela farinha de mandioca; da feijoada, onde o restolho vira iguaria; e do futebol, onde pontapé se dá com sutileza. Notas: 1 Penso que o mundo “brasileiro civilizado” se retrata em Maíra de modo bem mais esquemático do que o indígena. Personagens como o regatão, seu Elias da Funai, o Major Nonato, e outros são um tanto tipificados e caricaturais, não têm a mesma vivacidade e independência de um Avá, um Jaguar, Maíra, Micura e outros. A exceção é Alma, cujas complexidades e vai-vens são exuberantes. 2 Este mesmo processo atingiu, por exemplo, o jagunço de Canudos. Vivo, era um inimigo; morto, mas entronizado na literatura expiatória, é a própria “rocha viva da nacionalidade”. Que se pense também nos gaúchos platinos, perseguidos na pampa, mas imortalizados na gauchesca como símbolo da literatura nacional. Quanto à diferença entre “plano da ação” e “plano da fabulação”, estabeleço-a porque pode, de fato, haver diferença de sentido entre ambos os planos. Pelo primeiro entendo aquele do destino dos personagens enquanto ficções que imitam seres vivos; pelo segundo, entendo o seu papel na construção do mito, ou seja, na construção do enredo vista como a construção de uma estrutura em que os elementos se relacionam uns aos outros e podem ser lidos em molduras éticas, metafísicas, simbólicas. Nem sempre o destino do personagem num plano coincide com sua situação no outro. Por exemplo: n’Os sertões, no plano da ação os jagunços morrem e o Exército vence. Mas no Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 9-18. 17
  • 19. Convidado Especial O exílio interior ou onde cala o sabiá Flávio Aguiar plano da fabulação acontece o contrário: o que permanece é a integridade do jagunço; o que se condena, e portanto se perde, se exclui, é a violência das Forças Armadas. Ninguém falará do livro de Euclides como o construtor do “mito do soldado”, mas sim do “mito do jagunço”. No plano da ação, Peri e Ceci desaparecem na linha do horizonte, antes que suas almas compareçam perante o Criador, como diz a jovem, mais realista do que o nativo; no plano da fabulação, dão origem a toda uma nação: não morrem, mas mudam o sentido da história. Nesse plano, quem tem razão é Peri: “Ceci viverá”. O que é verdade, pois antes de Alencar não havia Cecis, havia só Cecílias; e hoje em dia quase toda família brasileira tem pelo menos uma tia ou vó Ceci. (E talvez um cão chamado Tupi). A literatura pode, assim, transculturar aquilo que na vida real não o é, ou, ao criar a imagem de um impasse na vida do personagem, romper esse mesmo impasse no plano da fabulação. Isaías é um índio perdido fora e dentro de si mesmo. Não será ele, em sua diferença, um pouco a imagem de todos nós, e do próprio escritor? Como o espelho, a literatura se desdobra em avessos. Isso não a faz menos realista, mas sim a faz mais interessante. Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 9-18. 18
  • 20. Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes Marcos Veríssimo de Souza Junior Estudantes de graduação no curso de Sociologia e Política, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo Introdução Isaias: “Este é o único mandado de Deus que me comove todo: o de que cada povo permaneça ele mesmo, com a cara que Ele lhe deu, custe o que custar. Nosso dever, nossa sina, não sei, é resistir, como resistem os judeus, os ciganos, os bascos e tantos mais. Todos inviáveis, mas presentes. Cada um de nós, povos inviáveis, é uma face de Deus. Com sua língua própria que muda no tempo, mas que só muda dentro de uma pauta. Com seus costumes e modos peculiares, que também mudam, mas mudam por igual, dentro do seu próprio espírito”. (RIBEIRO, 2007, p. 44). O livro Maíra de Darcy Ribeiro escrito em 1977 trata da questão indígena e da complexa relação com o dito homem branco ou do povo brasileiro. Maíra termina a sua história sem uma resposta contundente sobre a morte de uma de suas personagens principais, Alma, que, segundo o livro, foi encontrada morta na praia com dois fetos sobre o corpo. O livro de Darcy Ribeiro não trata profundamente de como o estado lida com estas questões jurídicas e institucionais do índio, mas nos dias de hoje a questão é latente e da mesma forma do livro um pouco longe de estar completamente fechada. Durante a narrativa da história o texto levanta diversas questões que não são respondidas. Boa parte delas é direcionada a relação entre o Estado brasileiro e o povo indígena. Dentro destes questionamentos três tópicos reais se destacam ao decorrer do romance. Seriam eles: a instituição FUNAI, o órgão Ministério Público e o ordenamento jurídico brasileiro. Podemos extrair nos diálogos entre os personagens perguntas acerca da morte da personagem Alma e de como eles deveriam agir ou como o estado iria agir nesta situação, principalmente se o culpado fosse um índio, estes diálogos passam por comentários sobre estes três tópicos, que não são claros no texto ou que, devido às atualizações legislativas, mudaram no contexto atual. Considerando estas lacunas faz-se necessária uma investigação mais aprofundada do tema proposto neste trabalho. Esta investigação procura, nos tópicos a seguir, conceituar a atuação da instituição federal Funai (Fundação Nacional do Índio), do órgão Ministério Público, que é o responsável por tratar das questões indígenas no âmbito jurídico, e pelo o ordenamento jurídico brasileiro relacionado ao índio e a sua atuação na sociedade, exemplificados na atuação das leis como Estatuto do Índio (lei federal nº 6001/1973), Constituição Federal de Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 19-27. 19
  • 21. Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior 1988, Código Civil atual (2002) e antigo código civil (1916), código penal e as normas da OIT (organização internacional do trabalho) da qual o estado brasileiro é signatário, que versam sobre povos e tribos indígenas. Considerando também, o projeto de lei que versa sobre o novo estatuto do índio, que ainda não está em vigor, tramitando nas casas legislativas do congresso nacional desde 1991. A atuação do estado através destas três esferas é motivo de dúvidas, críticas e elogios no contexto social, politico, antropológico e jurídico, que em situações dos dias atuais tem se resumido em noticias breves e superficiais, principalmente no meio midiático. Este trabalho propõe, enfim, colaborar para o debate utilizando o controverso romance de Darcy Ribeiro, Maíra, e as suas interrogações. O Ministério Público e os índios No futuro, depois de demarcas e registradas as glebas da faixa do Iparanã, a partir do limite seco delas, o senador requererá outra faixa no interior e continuará assim, mata adentro, colonizando a mataria, até o fundo do Brasil. (RIBEIRO, 2007, p. 282) É verdade que há poucos índios, mas que diferença! Estes marcham para a civilização, sem romantismos rondonianos: vestidos, calçados, limpos. As meninas têm até certa graça, apesar das carinhas obtusas, silvestres. E se são poucos aqui, ainda menos são no Posto. Numerosos eles só são mesmo na aldeia, que se mantém tão-só pela obstinação da Funai e pelo jogo de interesses recíprocos quem sabe inconscientes, entre protegidos e protetores. Jogo no qual estes últimos são os verdadeiros beneficiários. (RIBEIRO, 2007, p. 307) Ministério Público, diferentemente do O que muitos têm por certo, não é um órgão do Poder Judiciário. Muito embora funcione junto a este, prestando-lhe colaborações, atuando como representante da lei e dos interesses coletivos e difusos (de terceira geração), não está subordinado a nenhum dos órgãos desse Poder, nem do Legislativo ou Executivo. Além de órgão de defesa da sociedade, atua também na defesa de interesses estatais. É o legítimo órgão promotor da justiça e da defesa social, cuja função precípua é tornar efetivo o direito de punir os infratores da lei penal, apesar de subsidiariamente atuar em outras searas das mais diversas maneiras. Tais funções estão previstas nos artigos 127 e 130 da Constituição Federal de forma genérica, o legislador optou por versar mais detidamente em outros textos legislativos as especificidades dessas funções, textos aos quais faremos referência neste trabalho. os inúmeros excertos extraídos do D livro Maíra que abordam a questão da proteção dos povos indígenas, dos quais transcrevemos apenas alguns, podemos observar que a proteção dos índios não se trata de um problema de fácil solução. Tal afirmação é corroborada pelas recorrentes reportagens veiculadas pelas mídias que envolvem as questões indígenas, a exemplo do afamado caso da Reserva Raposa Serra do Sol, julgado pelo STF. É importante ressaltar que o Ministério Público não atua exclusivamente na proteção dos povos indígenas, tutela também interesses de outras populações consideradas hipossuficientes, tais como as comunidades extrativistas, ribeirinhas, ciganas e quilombolas. o caso emblemático da Reserva Raposa N Serra do Sol, podemos observar a atuação de diversos órgãos e entidades do governo. Primeiro, a reserva foi demarcada pelo Ministério da Justiça por meio da Portaria nº 820/98 (reformada pela Portaria 543/2005), homologada pela Presidência da República. Muito se discute, em Maíra, sobre o papel do Ministro da Justiça, ao qual o investigador desejava enviar o caso, a fim de livrar- Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 19-27. 20
  • 22. Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior se da intrincada e trabalhosa apuração dos fatos. As terras da reserva são ocupadas pelos índios Pemons e Capons, de origem brasileira, guianesa e venezuelana, e estende-se aos territórios dos três países, o que torna a celeuma concernente à demarcação extremamente dificultosa. Ainda, produtores de arroz da região disputam as terras com os índios e invasores de propriedade. A desocupação da reserva, que tem base legal no Decreto nº 1.775/96, foi determinada em 2007 pelo Supremo Tribunal Federal e, em 2008, a Polícia Federal perpetrou a Operação Upatakon II, efetiva retirada dos não indígenas da região, à qual se seguiram enfrentamentos que até hoje se estendem, sendo considerada a região ainda instável. órgão. Com efeito, o discurso oficial superestima a qualidade de sua atuação, o modo como vem exercendo suas atribuições, afinal, a despeito de não ser órgão vinculado a um dos três poderes, é componente do quadro oficial do Estado brasileiro. É de grande interesse exibir sua atuação de forma romanceada, sob um prisma político e propagandístico. É também conveniente aos partidos políticos governistas omitir seus gargalos, as falhas na atuação, o que prejudica grandemente o desenvolvimento desse órgão. A propósito, medidas atentatórias aos seus poderes vêm sendo editadas, como observamos pela PEC 37, recém-vetada, que visava a desautorizar o órgão a investigar na condição de polícia judiciária, tolhendo suas atribuições. papel do Ministério Público se destaca O em casos como esses, já que o escopo do órgão é assegurar aos referidos povos demarcação, titulação das terras, bem como saúde e educação, registro civil, autossustentação, preservação cultural e a tão cara autodeterminação, positivada no artigo 4º, inciso III, da CF, cuja tutela é feita com observância das características antropológicas e consuetudinárias dos povos. Ademais, atua o MP na promoção do desenvolvimento sustentável. A atuação se dá primordialmente por meio de ações civis públicas, termos de ajustamento de conduta e recomendações a órgãos governamentais (FUNAI, FUNASA, INCRA). omo enunciado pelo sociólogo Peter C Berger, a visão estatal da realidade (oficial) é apenas uma dentre as inúmeras oriundas de diversos segmentos da sociedade, cada qual dotado de um sistema interpretativo próprio. Sendo assim, não é sensato restringirmo-nos à visão oficial, devemos buscar em outros segmentos sociais, mesmo nos “submundos”, como preconizavam os sociólogos da Escola de Chicago, as muitas leituras sociais para desenvolver uma noção mais próxima da realidade. Esse processo de aquisição de consciência sociológica deve então passar pelo crivo de três dimensões: a desmitificação, a nãorespeitabilidade e a relativização de valores. Com efeito, é isso que devemos fazer apontar que a relação entre índios e MP nunca foi pacífica. A morosidade dos órgãos públicos, problema inerente aos serviços públicos brasileiros, agrava conflitos entre índios, posseiros e empreiteiras, por exemplo. Apenas quando se torna assunto de interesse eleitoreiro, ou seja, quando noticiadas pela grande mídia, são prestadas assistências antropológica, militar, judicial, social e sanitária aos povos em conflito, fato ilustrado pela questão o âmbito das políticas públicas, o N MP tem também autuação bastante intensa. É o responsável pela proposição de políticas de educação e saúde (garantia do atendimento pelo SUS) para as comunidades, pela mediação de conflitos de posse de terras etc. eveladas as características, áreas e meios R de atuação do MP, depreendemos uma visão ampla, porém acrítica e descontextualizada desse Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 19-27. 21
  • 23. Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior da construção da Usina Belo Monte. Acresçase a isso o meandroso jogo político brasileiro, assolado pela interferência de interesses privados emanados de toda sorte de políticos e agentes investidos em cargos públicos, os quais atentam contra a celeridade e a idoneidade das decisões estatais, como observamos no trecho referente aos interesses de um senador na demarcação de terras indígenas. nfim, feitas as devidas considerações E quanto às condições de atuação do MP, bem como a oposição à limitação ao discurso oficial, revelemos a mais importante concernente ao livro Maíra; trata-se da função de tornar efetivo o direito de punir do Estado, porquanto o MP é órgão de acusação dos violadores da lei penal. De acordo com os artigos 56 e 57 da Lei nº 6.001, de 1973, que regula as normas penais atinentes aos povos indígenas, na hipótese de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e o Juiz aferirá o grau de integração do silvícola antes de cominá-la, assunto que será aprofundado em outro tópico deste trabalho. A atuação da Funai Pelo que vejo a coisa está muito bem urdida e justificada para que os índios fiquem na aldeia como índios e os agentes nos Postos como seus remotos tutores. O resultado é que eles jamais se integrarão nos usos e costumes da civilização. Mas é também que os funcionários da Funai não perderão seus empregos de burocratas-afazendados à custa da Fazenda nacional. (RIBEIRO, 2007, p. 27) Agora as únicas presenças civilizadoras em toda esta imensa zona são, em primeiríssimo lugar, o senhor Oliveira e os trabalhadores por ele contratados que tiram daqui anualmente e exportam uma produção avaliada em vários milhões. Num segundo lugar muito medíocre, seu Elias, que aqui representa o governo federal através da Funai e cuja ação já apreciamos no seu justo valor. Em terceiro lugar, mas numa posição de honra, vem a missão Católica de Nossa Senhora do Ó, que labuta há quarenta anos para catequisar os mairuns e outros selvagens, e tem colhido bons frutos. (RIBEIRO, 2007, p. 176) Outra entidade de proeminente vulto na intermediação entre sociedades civil e indígenas é a Fundação Nacional do índio (Funai), constituída pela Lei nº 5.371, de 1967. A Funai é um ente da administração indireta, uma fundação, cujo regime jurídico é feito pelo Decreto-lei 200/67. Neste texto legislativo, em seu art. 5º, IV, encontramos a qualificação da FUNAI: trata-se de uma fundação pública dotada de personalidade jurídica de direito privado, por meio de uma autorização legislativa (Lei nº 5.371), com o escopo de desenvolver atividades que não exijam execução por órgãos de direito público. Goza de autonomia administrativa e patrimonial, tem seu funcionamento custeado por recursos da União – porquanto é entidade vinculada à tutela administrativa do poder federal – e é hierarquicamente organizada, contando com um quadro pessoal próprio. Essa entidade tem competência para promover a educação básica dos índios, demarcar, assegurar e proteger suas terras, estimular o desenvolvimento de estudos e levantamentos dos povos. Além disso, é responsável por defender as comunidades indígenas, como observamos no recente episódio da retirada dos índios que ocuparam fazendas em Sidrolândia, a 70 km de Campo Grande; a Justiça anulou a liminar que determinou a retirada da comunidade porque nem o Ministério Público nem a Funai foram consultados. Apesar do nobre propósito a que se destina, qual seja, a proteção das terras, da Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 19-27. 22
  • 24. Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior população e da cultura indígena, a Funai, bem como o MP, não está isenta de críticas. O comentário da página 27 do livro (“Mas é também que os funcionários da Funai não perderão seus empregos de burocratas-afazendados à custa da Fazenda nacional”) é endossado por recorrentes e inúmeros ataques à instituição. Os mais pertinentes são os que versam sobre a falta de credibilidade da entidade e de seus funcionários, tidos muitas vezes como parasitas do Estado brasileiro. Há diversas denúncias atinentes a improbidade administrativa, desvio de recursos e cooptação de lideranças indígenas, o que vem degradando paulatinamente a imagem dessa instituição. Sem embargo, a Funai é ainda fundamental para a proteção das comunidades indígenas, seja atuando ao lado do MP no resguardo dos interesses dos índios, seja participando dos julgamentos das cortes na qualidade de amicus curiae. Darcy Ribeiro aponta para a sobressalente importância do papel da Funai em diversos momentos de Maíra, como no excerto transcrito, do qual inferimos ser tal entidade muitas vezes a única representação do governo brasileiro no território dos índios, “Num segundo lugar muito medíocre, seu Elias, que aqui representa o governo federal através da Funai e cuja ação já apreciamos no seu justo valor.” Ordenamento jurídico brasileiro e a questão indígena Se alguém matou essa mulher – e se não foi o tal Isaías –, seria um deles. E se for um deles, é como se ela não tivesse morrido, porque, conforme fui advertido, os selvagens são irresponsáveis perante a lei civil. Mas estará na mesma condição o tal Isaías, que resolveu regressar do estrangeiro quando estava a ponto de tomar ordem? O senhor Elias acha que a incapacidade jurídica dos índios não é total, mas relativa. Tanto que podem ser julgados e castigados por seus crimes. Mas adverte que os juízes são sempre inspetores da Funai e que a punição se cumpre obrigatoriamente num Posto Indígena, mantido para isso. Será verdade? Não me parece razoável, nem crível. Sobretudo aplicado esse código esdrúxulo ao tal Isaías. Ele se converteria, nesse caso, num brasileiro privilegiado. Com regalias de cometer quaisquer crimes ou atropelos sem que o braço e o rigor da lei se lhe aplicassem como é devido. (RIBEIRO, 2007, p. 98) O tratamento legal dado às comunidades indígenas no Brasil é algo nebuloso e bastante segmentado. O romance, Maíra, relata esta falta de clareza em diversos trechos. Um deles, reproduzido acima, traz consigo algumas dúvidas sobre o aspecto legal do indígena, e suscita outras questões, além das escritas, sobre o tema. A primeira questão a ser respondida é sobre a capacidade civil do indígena. Será realmente que os índios são irresponsáveis perante o código civil brasileiro? Para responder esta questão, vale salientar que a época em que a obra foi escrita o código civil vigente era de 1916, que sofreu alterações e atualizações em 2002 (atual em vigência no país). A diferença é que a redação do código civil de 1916 tratava o chamado “silvícola” (povo que vive na floresta, selvagem ou índio) como relativamente incapaz, ou seja, para determinados atos o índio precisaria ser tutelado, esta tutela seria especificada em outras leis assim como os atos a serem tutelados. O atual código não avançou muito sobre o assunto, porém retirou esta parte, da incapacidade do índio, e acrescentou que uma lei específica tratará sobre o assunto (Parágrafo único do artigo 4ª do código civil atual). A resposta à questão trazida pelo texto, sobre a responsabilidade civil do indígena, é: depende. Depende de outras leis especificas, como estatuto Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 19-27. 23
  • 25. Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior do índio, por exemplo. O estatuto do índio é uma lei federal, com 68 artigos, de 1973, que funciona para tratar das mais diversas questões correlacionadas com o povo indígena. Esta lei especifica, traz conceitos como as definições de índio para o estado brasileiro, questão territorial, trabalhista, penal e outras conexas a esta realidade. É importante salientar que para o legislador do estatuto, o índio era uma espécie de homem em evolução ou em progressão que precisava ser integrado a civilização, como mostra o artigo primeiro do estatuto: “Art. 1º Esta Lei regula a situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas, com o propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva e harmoniosamente, à comunhão nacional”. Partindo deste pressuposto fica mais fácil entender as demais questões do estatuto, como a divisão em fases da integração do índio. No estatuto o índio é dividido em três momentos de integração, o primeiro é o isolado, ou seja, aquele que não tem nenhum ou apenas pouco contato com a dita “comunhão nacional”, o segundo é o chamado “em vias de integração”, que, como o nome já diz, estão se integrando a cultura da civilização e dependendo dela aos poucos e o terceiro é o integrado, que, ainda conservando parte da cultura indígena, está totalmente integrado a cultura do país podendo reconhecer todos os atos da vida civil. Considerando estas informações, conseguimos responder com maior tranquilidade a duas questões trazidas no trecho, transcrito acima, do livro Maíra. Podemos responder que o índio não é irresponsável perante a lei civil, porém esta responsabilidade será medida levando em consideração a fase de integração em que o índio se encontra, adaptando ou excluindo uma possível consequência legal de um ato civil relacionado com indígenas. Conseguimos dar uma resposta à indagação do major Nonato no trecho: - Mas estará na mesma condição o tal Isaías, que resolveu regressar do estrangeiro quando estava a ponto de tomar ordem? Segundo o entendimento do estatuto, a resposta é não, pois Isaias, como mostra o enredo, está totalmente integrado à civilização, portanto capaz de exercitar e entender todos os atos da vida civil. Logicamente, esta questão na realidade deverá ser avaliada por um Juiz competente caso a caso. Outro ponto importante é com relação à questão penal do índio, ou seja, como ele será tratado caso cometa algum ato que seja considerado ilícito. Em outra passagem do livro vemos um questionamento sobre isto: Ramiro: Era só o que faltava... Que é que eles têm a ver com isto? Ou você pensa que os índios mataram a gringa e depois caíram naquele berreiro pagão só para impressionar o suíço? Nada disso! Vou mandar é pro ministro da Justiça, general Cipriano Catapreta. Faço um serviço limpo e ponho a morta na mão de quem é competente para apurar. Apurar, inclusive, se os índios foram os culpados. Só o general-ministro pode sair desta. O Código Civil declara que os índios são pródigos – como os menores, os alienados e as mulheres casadas –, quer dizer, irresponsáveis perante a lei; quer dizer: inocentes. (RIBEIRO, 2007, p. 36) Como dito anteriormente, este texto tem que ser analisado com base na mudança do código civil, porém, como o assunto do trecho diz respeito a um crime, a aplicação ideal está disposta no código penal brasileiro. Pelo menos deveria, pois o código penal não trata da questão indígena especificamente. Uma passagem importante da lei penal esta no artigo 26 que diz que: caso o autor da ação seja “inteiramente incapaz de entender o Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 19-27. 24
  • 26. Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior caráter ilícito do fato” ele será isento de punição, esta passagem do código penal, por vezes, é utilizada para tratar da questão do índio, mas não encerra o problema, fazendo com que a leitura de outras leis seja necessária, como, novamente, o estatuto do índio e outras normas. Os artigos 56 e 57 do estatuto do índio tratam da questão criminal do indígena. O texto da lei mostra que, caso se comprove que um indígena foi o autor de um ato ilegal (que tenha consequências penais), um Juiz competente irá decidir a aplicação da punição, levando em consideração o grau de integração (isolado, em vias de integração ou integrado) do indígena. Portanto, voltando ao texto de Maíra descrito acima, os índios não são inocentes perante a lei, porém o Juiz, competente, é quem vai determinar a capacidade de entendimento do caráter ilegal do ato que um índio, possivelmente, possa cometer, assim determinando a punição ou o isentando dela. Caso o indígena seja condenado o estatuto também prevê que, na medida da possibilidade, a pena será cumprida em regime de semiliberdade em local de funcionamento de um órgão federal de auxílio ao índio, ou seja, a FUNAI (já conceituada em tópicos anteriores). O que responde a indagação do trecho trazido no inicio deste tópico: “Mas adverte que os juízes são sempre inspetores da Funai e que a punição se cumpre obrigatoriamente num Posto Indígena, mantido para isso. Será verdade?”. Sim é verdade, esclarecendo somente que o termo usado na lei não é “obrigatoriamente” e sim “se possível” e que o Juiz não será um inspetor da FUNAI, como diz o trecho, e sim membro do poder judiciário constituído e competente na ação. No artigo 57, porém, o legislador traz a possibilidade do Juiz considerar a punição dada pela tribo, ao ato ilícito, como suficiente, proibindo nestes casos penas cruéis ou de morte. Com relação ao aspecto criminal outras polêmicas surgem, como a noticia que em algumas tribos do Brasil existe ainda a cultura de matar ou negar cuidados a crianças gêmeas ou com alguma espécie de deficiência, chegando até a enterrar recém-nascidos vivos devido à crença, destas tribos, que acreditam ser vitimas de maldição, portanto não devem conviver com a comunidade da tribo. A polêmica se dá justamente pelas questões acima apresentadas, ou seja, até que ponto um índio ou uma tribo pode agir conforme o seu entendimento de ilicitude baseado em sua cultura local ou, ainda, temos direito de intervir em outra cultura e impor nossas leis? Na última parte do trecho transcrito, no inicio deste tópico, uma questão fica aberta: Ele se converteria, nesse caso, num brasileiro privilegiado. Com regalias de cometer quaisquer crimes ou atropelos sem que o braço e o rigor da lei se lhe aplicassem como é devido? Para dar uma resposta, precisamos recorrer às normas da OIT (organização internacional do trabalho), que é uma convenção internacional que versa sobre direitos humanos cujo Brasil é signatário. A convenção da OIT de numero 169 trata sobre povos indígenas e foi aprovada no ordenamento jurídico brasileiro após um decreto lei de 2004. Esta convenção traz no seu artigo oitavo que os povos indígenas terão direito de exercer a sua cultura, costumes e instituições próprias desde que nenhum destes atos afete os direitos fundamentais do país ou os direitos humanos internacionais. Com esta redação respondemos o embate, juridicamente, esclarecendo que não há um privilégio com relação à cultura indígena, existe uma limitação imposta pelos direitos fundamentais do país e dos direitos humanos internacionais que precisam ser respeitados, pois são considerados maiores do que qualquer manifestação cultural de determinado Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 19-27. 25
  • 27. Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior povo. Assim, dando o direito ao estado de intervir caso abusos contra estes princípios forem cometidos, logicamente, levando em consideração todos os demais direitos dos indígenas e a busca da solução legal da situação apurada. Com a intenção de atualizar o estatuto do índio escrito em 1973 e dar conta destas questões apresentadas, vários outros projetos de lei para o novo estatuto foram apresentados, principalmente após a promulgação da constituição federal de 1988. Em 1991 o então deputado Aloizio Mercadante, junto com outros dois parlamentares, entregou o projeto do novo estatuto do índio, este projeto foi compilado em 1994 juntando outras propostas do novo estatuto, porém desde então o congresso não discutiu mais sobre o assunto. No decorrer destes 22 anos apenas algumas emendas ao projeto e ao estatuto foram apresentadas, mas nada de caráter definitivo. Dentro destas novas propostas temos sugestões que podem melhorar a situação jurídica do índio. Como, por exemplo, a obrigação de relatório antropológico em processos que envolvam índios, tanto no âmbito civil quanto penal e outras relacionados com povos indígenas. E situações controversas como a sugestão de impedimento de atuação do estado em tribos totalmente isoladas ou que não tiveram contato com a sociedade civilizada. Todas estas questões ainda estão em debate, portanto não servem de base para uma possível atuação na realidade, mas que desde já interessa para um olhar mais aprofundado na questão e das suas melhorias. Esperamos, apenas, que estas melhorias e questões não levem mais 22 anos para serem discutidas por nossos parlamentares e nem pela sociedade de modo geral. Conclusão Concluímos que a atuação do estado perante o índio tem sido até aqui uma relação distante e superficial. Não existe por parte do governo um projeto contundente e determinado com relação aos povos indígenas, existe apenas o relacionamento através de braços dispersos. É necessária uma organização mais estruturada e competente para tratar do assunto indígena mais de perto. Esta organização precisa conter leis ou lei especifica conclusiva, condições e autonomia para agir em conflitos e situações cotidianas nas tribos e apoio governamental para funcionar. Assim, como abertura e transparência nas ações realizadas. É nesse contexto que urge a tomada de medidas políticas que criem novas entidades para intermediar as relações entre Estado e índio, ou que fortaleçam os órgãos já instituídos para tal finalidade. De fato, é imperioso o incentivo legal ao Ministério Público, legítimo órgão promotor da justiça e da defesa social, a fim de implementar com maior eficiência a demarcação e titulação das terras indígenas e a defesa desse segmento social em todos os âmbitos, por meio, por exemplo, de políticas públicas de saúde, educação e preservação cultural. Da mesma forma, há de ser valorizada a atuação da Funai, entidade que, como já mencionado, atua nos mesmos segmentos do Ministério Público, mas de forma mais próxima às comunidades indígenas, possibilitando um conhecimento de causa muito mais complexo. Contudo, antes da ampliação do papel dessa entidade, é necessária sua reformulação, porquanto estão patentes a ineficiência e as brechas a corrupções internas nos moldes como desenvolve suas funções hodiernamente. Assim, a falta de credibilidade e de confiança da sociedade Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 19-27. 26
  • 28. Dossiê Darcy Ribeiro Maíra sob a perspectiva estatal: a visão institucional e o tratamento legal dos índios Paulo Mendes de Carvalho Guedes e Marcos Veríssimo de Souza Junior civil em relação a essa entidade tem de ser extirpadas a fim de que o Estado brasileiro tenha respaldo social para destinar-lhe maiores recursos. Vimos no livro de Darcy Ribeiro uma forma romanceada de suscitar debates com relação aos povos indígenas e o seu espaço na sociedade. Personagens com problemas reais, diferentes dos criados por outros autores indianistas e situações que versam com a temática do dia a dia nas comunidades indígenas. Desta forma, este livro mostra, mesmo que de forma romanceada e, por vezes, idealizada com relação à pureza dos atos culturais, que a sociedade precisa conhecer e respeitar os povos que aqui já existiam antes da colonização, entender as suas peculiaridades sem um olhar de superioridade e por fim contribuir para uma relação harmônica e colaborativa com as populações da floresta. Referências Bibliográficas: AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 1998. BADARÓ, Gustavo. Processo Penal. São Paulo: Campus Jurídico, 2012. BERGER, Peter. Perspectivas Sociológicas. Petrópolis: Vozes, 2004. BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 04 jun.2013. www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2004/decreto/d5051.htm. Acesso em: 05 jun.2013. DECRETO-LEI No 28.48/1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 05 jun.2013. LEI Nº 6001/1973. Estatuto do Índio. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/l6001.htm. Acesso em: 05 jun.2013. LEI No 10.406/2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 06 jun.2013. LEI No 3.071/1916. Antigo Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/l3071.htm. Acesso em: 06 jun.2013. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. PLANETA SUSTENTÁVEL. Novo Estatuto do Índio sai, mesmo?. Disponível em: http:// planetasustentavel.abril.com.br/blog/blog-daredacao/161524/. Acesso em: 05 jun.2013. PROJETO DE LEI Nº 2.057/91. Novo Estatuto do Índio. Disponível em: http://www.funai.gov. br/pptal/novoestatuto.htm. Acesso em: 11 jun.2013. RIBEIRO, Darcy. Maíra. São Paulo: Record, 2007. DECRETO No 5.051/2004. Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais. Disponível em: http:// Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013 , p. 19-27. 27
  • 29. Dossiê Darcy Ribeiro Darcy Ribeiro: antropólogo, educador e político1 Karina Lima Bacharel em Sociologia e Política formada pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Contato: karina_lima@hotmail.com.br Darcy Ribeiro, não foi somente um antropólogo brasileiro, mineiro, natural de Montes Claros, quis ser médico, mas instigado a entender as coisas do mundo, virou antropólogo. Nasceu em 26 de outubro de 1922, e morreu no dia 17 de fevereiro de 1997, nestes 74 anos, viveu intensamente sua busca em entender o Brasil e os brasileiros. Antropólogo de formação e profissão foi também militante assumido, trazendo por vezes dificuldades para saber onde começa um ou termina o outro. Sendo assim, no mundo do antropólogo um militante e no universo da militância um antropólogo. Sua carreira acadêmica teve início em São Paulo, quando se formou em antropologia, em 1946, com 24 anos, na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, na época ainda denominada de Escola Livre de Sociologia e Política, e mudouse para o Rio de Janeiro onde passou a trabalhar como naturalista do Serviço de Proteção ao Índio – SPI, se dedicando a estudos indígenas, de 1947 a 1956. Nos anos seguintes, volta sua atenção à educação primária e de ensino superior, encabeçando diversos projetos, entre eles a Universidade de Brasília (UNB), na qual se tornou o primeiro reitor. Em seguida, entra na esfera política, tornando-se Ministro da Educação, deixando o cargo para ser Ministro da Casa Civil, ambos no governo de João Goulart, o que lhe rendeu seu primeiro exílio no Uruguai, com o golpe militar de 1964. Neste período além de começar escrever seus primeiros romances Maíra e O Mulato, termina sua primeira versão de O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. Em busca de revisar sua obra, escreve os cinco primeiros volumes de seus Estudos de Antropologia da Civilização1, de acordo com o autor: “A necessidade de uma teoria do Brasil, que nos situasse na história humana, me levou à ousadia de propor toda uma teoria da história” (RIBEIRO, 2010, p. 13). Em 1976 volta ao Brasil, dedicando-se a educação e a política nas quais tem diversas participações com seu trabalho, dentro e fora do país, sendo eleito em 1982, vice-governador do Rio de Janeiro. Em 1991, elege-se Senador da República pelo estado do Rio de Janeiro, no qual elabora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, (contudo esta só foi sancionada em 1996, pelo então presidente da República Fernando Henrique Cardoso). Com grande interesse pela A primeira versão deste artigo foi apresentada no III Seminário de Iniciação Científica da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 2011, sendo esta uma versão revisada. 1 Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 28-34. 28
  • 30. Dossiê Darcy Ribeiro Darcy Ribeiro: antropólogo, educador e político Karina Lima educação participou de diversos projetos, entre eles, a criação da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), concomitante a várias publicações de seus livros, como Utopia Selvagem; Migo; Aos Trancos e Barrancos; entre outros. Sendo que em 1993, é eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Em 1995, já acometido por um câncer, termina a terceira e última versão de O Povo Brasileiro2, que segundo o autor “(...) além de um texto antropológico explicativo, é, e quer ser, um gesto meu para uma nova luta por um Brasil decente”. (RIBEIRO, 2010, p. 16) Sua última grande obra foi a Fundação Darcy Ribeiro, instituída em 1996, que tem por objetivo manter sua produção e elaborar projetos nas áreas educacional e cultural. Em 17 de fevereiro de 1997, Darcy Ribeiro morre, deixando seu legado, tanto na área educacional, como na perspectiva de pensar o Brasil. Este artigo de caráter ensaístico tem por finalidade discutir um pouco mais sobre esse autor de importância impar para analisar o Brasil, bem como seu povo, que trabalhou em diferentes áreas, discutindo diversos assuntos. Antropólogo, educador, romancista, político, entre outros, Darcy Ribeiro foi um autor de seu tempo, fazendo com que sua obra tenha grande relevância para o Brasil. Antropologia Quando se formou em antropologia, Darcy tinha vários caminhos a seguir3, contudo escolheu trabalhar na Secretaria de Proteção ao Índio (SPI) com o Marechal Rondon, sendo que ele foi o primeiro no Brasil a ser contratado como etnólogo, passou dez anos de sua vida, que segundo o mesmo, foram os melhores desta, estudando e trabalhando com os índios, o que lhe rendeu não apenas prestígio internacional, como também uma vasta bibliografia. (...). Não procurei fazer uma tesezinha, uma pesquisinha, e sim dedicar minha vida ao estudo das populações indígenas, na seção de Estudos que o Rondon havia criado na SPI. Então foi aí que comecei fazer pesquisas, passando meses e meses com os índios e o meu interesse era puramente científico. Ir lá, numa expedição, apreender dos índios o que eles podiam me ensinar e me dar, para fazer minhas teses doutorais e universitárias. Cheguei a ter um nome internacional publicando artigos sobre mitologia, sobre parentesco, sobre arte indígena, coisas que eram muito apreciadas lá fora e interessavam à ciência internacional. (Darcy Ribeiro entrevistado por Edilson Martins, 1979) Segundo Darcy Ribeiro, quando este foi para tribo é que ele aprendeu a ser etnólogo, aprendeu a observá-los, e à medida que os estudava ia se refazendo também: (...). E comecei a perceber que os problemas da aculturação, da integração eram muito mais importantes do que o parentesco, do que a arte, do que a mitologia. Então comecei a alterar a minha antropologia. (Darcy Ribeiro entrevistado por Edilson Martins, 1979) Ainda neste sentido: Bom, então, tem aí mais ou menos o ciclo de como eu me formei, de como eu me fiz cientista e de como eu me desfiz como cientista. Desfazer, para mim, é aquele momento em que deixo de realizar pesquisas como chupim de índio, como gigolô de índio, e passo a estudar a temática que interessava ao índio. Quer dizer, o índio começa a me interessar como gente, como ser humano, como destino. E eu, então, desenvolvi toda uma Antropologia, que mais tarde muita gente passou a fazer também era que a ênfase fundamental é o destino dos Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 28-34. 29
  • 31. Dossiê Darcy Ribeiro Darcy Ribeiro: antropólogo, educador e político Karina Lima índios, o que está sucedendo com eles. (RIBEIRO4, 2010, p. 14) Em 1952, Darcy criou, junto com o Marechal Rondon e o sertanista Orlando Vilas Boas, o projeto para o Parque Indígena do Xingu, lugar que concentra várias tribos de diferentes linhagens, e que busca a preservação da cultura indígena. E em 1953 inaugura o Museu do Índio, no Rio de Janeiro, que passou a servir como centro de estudos sobre a questão indígena. Em 1955, com a ajuda de Eduardo Galvão e o patrocínio da CAPES, Darcy Ribeiro organizou o curso de Pós Graduação em Antropologia Cultural, sediado no Museu do Índio. Contudo em 1956, com a mudança do governo e concomitantemente a direção do SPI, Darcy, desvincula-se da mesma e ingressa como professor da cadeira de Etnologia e Língua Tupi na Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil. (...) Darcy Ribeiro, na antropologia, extrapola o meio acadêmico e inaugura outros espaços e ambientes de atuação profissional para o antropólogo. Atuou na pesquisa etnológica, atuou na formação acadêmica de novos antropólogos, mostrou que o conhecimento especializado era fundamental na orientação da política indigenista, apresentou o índio à sociedade nacional com dignidade e exigindo respeito. (MOREIRA, 2009, p. 136 /137) Darcy trabalhava com a antropologia dialética, influenciado pelo seu posicionamento marxista, tanto quanto por sua formação culturalista americana. (GOMES, 2000). Acreditava em uma antropologia de esquerda, interventora, disposta a transformar, de mudar, incomodar. Segundo Helena Bomeny, Darcy “(...) como antropólogo, não perdoa seus companheiros de geração pela reverência aos modelos teóricos exógenos, de todo impróprios, a seu juízo, para interpretar o que não nos deixamos conhecer, o próprio país”. (BOMENY, 2001, p. 54). Dessa maneira, fora deixado de lado pela academia, sendo considerado um antropólogo tendencioso e enviesado, suas teorias foram postas de lado. No entanto, seu reconhecimento internacional como antropólogo se tornou maior que o nacional e seus livros traduzidos em vários idiomas; são adotados como leitura obrigatória para aqueles que buscam entender minimamente os problemas da América Latina e seus povos. Educação Darcy foi trabalhar com educação “pelas mãos” de Anísio Teixeira (1900-1971), importante intelectual da área de educação, que o fascinou com sua luta pela escola pública de qualidade, se tornando assim seus discípulo e colaborador. “(...) Anísio me ensinou a duvidar e a pensar.” (RIBEIRO, 1997, p. 223). Convidado, em 1957, a codirigir o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CEPE), por Anísio Teixeira, Darcy foi ficou responsável por um programa nacional de estudos sobre o rural e interiorano. E assim começou sua carreira no campo da educação. Transferiu o programa de pós-graduação para a formação de pesquisadores que mantinha no Museu do Índio e começou a ganhar notoriedade nesta área. Essa notoriedade veio concomitante a elaboração do projeto da Universidade de Brasília (UNB), papel que desempenhou com prazer, junto com seu mentor Anísio Teixeira, a pedido do então presidente Juscelino Kubitschek. A UNB foi concebida para ser um modelo de funcionamento para as universidades brasileiras: Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 28-34. 30
  • 32. Dossiê Darcy Ribeiro Darcy Ribeiro: antropólogo, educador e político Karina Lima Repito: o Brasil não pode passar sem uma universidade que tenha o inteiro domínio do saber humano e que cultive não como um ato de fruição erudita ou de vaidade acadêmica, mas com o objetivo de, montada nesse saber, pensar o Brasil como problema. Esta é a tarefa da Universidade de Brasília. Para isso ela foi concebida e criada. Este é o desafio que hoje, agora e sempre ela enfrentará. (RIBEIRO, 1995, p. 274) Darcy se tornou o primeiro reitor da UNB, cargo que exerceu até ser convidado para ser Ministro da Educação do governo João Goulart. “Foi na campanha por uma lei democrática para educação e na luta para criar a Universidade de Brasília que comecei a me tornar visível no Brasil como educador.” (RIBEIRO, 1997, p. 225) Nesta época, Darcy, em parceria com Anísio, também participou da elaboração da formulação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB, que foi votado em 1963, quando Darcy já era Ministro da Educação. Contudo, o projeto original dessa lei se arrastara por anos pelo Congresso, flutuando à mercê da disputa política da época. (GOMES, 2000, p. 39). Sendo de fato aprovada e sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso em 1996, reformulada por Darcy, (...) sua intenção era estabelecer uma legislação enxuta e flexível para regulamentar o processo educacional através da qual o governo federal, os estados e os municípios formulassem as linhas gerais e os estabelecimentos de ensino pudessem realizar os programas que melhor lhes aprouvessem. (GOMES, 2000, pg. 40) Com o primeiro exílio político, Darcy foi trabalhar na América Latina, com prestígio educacional que a UNB lhe proporcionou, e o destaque que obteve como Ministro da Educação e posteriormente Ministro da Casa Civil, foi convidado primeiramente a trabalhar no Uruguai, como professor em tempo integral, colaborou no planejamento e na realização da Enciclopédia Cultural Uruguaia e dirigiu o Seminário da reforma da Universidade do Uruguai. Nos doze anos seguintes, trabalhou na Venezuela, no Chile, Peru, na Argélia e na Costa Rica, dirigindo seminários de reformas universitárias e elaborando planos de reestruturação. Voltando em 1976 para o Brasil. A obra educacional de que Darcy mais se orgulhava de ter concebido e concretizado, foram os CIEPs (Centro Integrados de Educação Pública), programa iniciado em 1984, e inaugurado em 1985. Sua proposta era de escola em tempo integral, com refeições diurnas, banho e atividades pedagógicas normais e tuteladas. (GOMES, 2000, p. 44) Darcy criou diversos centros culturais; idealizou a Biblioteca Pública Estadual do Rio de Janeiro, a Casa França - Brasil, Casa Laura Alvin, Centro Infantil de Cultura de Ipanema, Sambódromo, o Monumento a Zumbi dos Palmares, o Memorial da América Latina, entre outros. Sua última grande obra foi a Fundação Darcy Ribeiro, instituída em 1996, que tem por objetivo manter sua obra e elaborar projetos nas áreas educacional e cultural. Política O papel de Darcy como político sempre esteve entrelaçado em seus outros papéis. Apesar de ter sido um entusiasmado militante comunista, ingressou na vida política ao aceitar o cargo de Ministro da Educação (1962-1963) e depois Chefe da Casa Civil do governo de João Goulart (1963-1964). Darcy entrou de corpo e alma no governo Goulart. Foi responsável pela coordenação dos dois projetos que considerava os mais importantes daquele governo, e que no seu entender Alabastro: revista eletrônica dos alunos da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, São Paulo, ano 1, v. 1, n. 2, 2013, p. 28-34. 31