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FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. O nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 32. ed.
Petrópolis: Vozes, 1987.
HAROLDO REIMER
A obra Vigiar e Punir de Michel Foucault brinda o leitor com uma análise histórico-filosófica
profunda sobre a estruturação organizativa do Ocidente nos últimos séculos. Essa análise é feita
tomando como foco o sistema punitivo-legal ao longo dos séculos. Com isso, o autor quer
demonstrar como na história recente se chega ao sistema do panoptismo como forma de
vigilância e controle sobre os corpos não só da população carcerária, mas também das brigadas
operárias nas fábricas e dos intermináveis contingentes nas escolas. Segundo o autor, a história
do Ocidente é uma história que pode ser reconstruída sob a ótica do binômio ‘vigiar e punir’.
Trata-se de uma temática que poderia ser demonstrada em qualquer âmbito do cotidiano
histórico, mas nesta obra está mais diretamente relacionada com a dimensão judiciária. O
próprio autor explicita o objetivo de seu livro: “uma história correlativa da alma moderna e de
um novo poder de julgar; uma genealogia do atual complexo científico-judiciário onde o poder de
punir se apóia, recebe suas justificações e suas regras, estende seus efeitos e mascara sua
exorbitante singularidade” (p.23).
O autor divide o seu livro em quatro partes principais. Em cada uma das partes, aborda
momentos históricos distintos, procurando detectar as formas próprias de punição e vigilância
em cada uma das épocas. É evidente que o binômio ‘vigiar e punir’ foi diferentemente
trabalhado em um destes momentos.
Na primeira parte, o autor trata do ‘suplício’. Aqui sua intenção é mostrar como desde a
Antiguidade, passando pela Idade Média e parte da Modernidade, o castigo do corpo do
transgressor era a forma evidente e pública da punição. Essa parte está dividida em dois
capítulos.
No primeiro capítulo, intitulado “O corpo dos condenados” (p. 9-29), Foucault busca mostrar
como o direito e a prática de punir descarrega no corpo dos condenados a sua fúria e vingança
social. Porém, não se trata somente do corpo, mas também da alma da pessoa condenada. A
‘alma’ é a interioridade da pessoa, é o centro nevrálgico que precisa ser atingido para que o
sistema punitivo e de vigilância tenha plena eficácia. “Esta alma real e incorpórea não é
absolutamente substância; é o elemento onde se articulam os efeitos de certo tipo de poder e a
referência de um saber, engrenagem pela qual as relações de um poder dão lugar a um saber
possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos do poder” (p. 28).
No segundo capítulo, “A ostentação dos suplícios” (p. 30-56), o autor procura mostrar como
desde a Antiguidade o recurso direto ao corpo na forma de suplícios públicos é uma forma de
demonstração de poder. Com o suplício das mas variadas formas de torturas físicas, busca-se a
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verdade do crime e ostentar publicamente a punição. “A tortura judiciária, no século XVIII,
funciona nessa estranha economia em que o ritual que produz a verdade caminha a par com o
ritual que impõe a punição” (p. 38). E mais: “o suplício judiciário deve ser compreendido
também como um ritual político. Faz parte, mesmo num modo menor, das cerimônias pelas
quais se manifesta o poder” (p. 41). “O suplício tem então uma função jurídico-política. É um
cerimonial para reconstituir a soberania lesada por um instante” (p. 42). “O suplício se inseriu
tão fortemente na prática judicial, porque é revelador da verdade e agente do poder. Ele
promove a articulação do escrito com o oral, do secreto com o público, do processo de inquérito
com a operação de confissão; permite que o crime seja reproduzido e voltado contra o corpo
visível do criminoso; faz com que o crime, no mesmo horror, se manifeste e se anule. Faz
também do corpo do condenado o local de aplicação da vindita soberana, o ponto sobre o qual
se manifesta o poder, a ocasião de afirmar a dissimetria das forças” (p. 47). Ao final do capítulo,
contudo, o autor indica criticamente que em não raros momentos da história, a histórias
trágicas dos grandes criminosos tornaram-se objeto de admiração, o que ensejava
necessariamente uma alteração na forma da punição.
Na segunda parte, “Punição” (p. 63-198), o autor trata de mostrar com a partir do século XVIII
se dá uma virada para uma punição generalizada.
Isso é objeto do primeiro dos capítulos desta parte, que trata justamente da “punição
generalizada” (p. 63- 86). O objetivo maior desta mudança está dado com o espírito iluminista e
ilustrado presente a partir do século XVII, o qual impunha a máxima de que “é preciso que
justiça criminal puna em vez de se vingar” (p. 63). “Mas, nessa época da Luzes, não é como
tema de um saber positivo que o homem é posto como objeção contra a barbárie dos suplícios,
mas como limite de direito, como fronteira legítima do poder de punir” (p. 64). A partir daquele
momento não se tratava mais de ostentar toda a possível vingança do poder absoluto do
soberano sobre o corpo do condenado, mas a punição deveria ser alcançada “à custa de
múltiplas intervenções” (p. 64). A mudança na base econômica, com a estabilização da
burguesia, certo bem-estar social mais amplamente distribuído leva a uma nova postura em
relação à arte e à política de punir. Isso levou a uma reforma do sistema. “A reforma do direito
criminal deve ser lida como uma estratégia para o remanejamento do poder de punir, de acordo
com modalidade que o tornam mais regular, mais eficaz, mais constante e mais bem detalhado
em seus efeitos; enfim, que aumentem os efeitos diminuindo o custo econômico (ou seja,
dissociando-o do sistema da propriedade, das compras e vendas, da venalidade tantos dos
ofícios quanto das próprias decisões) e seu custo político (dissociando-o do arbítrio do poder
monárquico” (p. 69). Houve, assim, um gradual deslocamento da punição “da vingança do
soberano à defesa da sociedade” (p. 76).
Isso o autor trata de demonstrar no capítulo II da segunda parte, quando trata da “mitigação
das penas” (p. 87-109). Ele vai mostrando como, ao longo do século XVIII, há várias
modalidades punitivas e chega, ao final capítulo a dizer que no final deste século nos
encontramos diante de três maneiras de organizar o poder de punir. “A primeira é a que ainda
estava funcionando e se apoiava no velho direito monárquico. As outras se referem, ambas, a
uma concepção preventiva, utilitária, corretiva de um direito de punir que pertenceria à
sociedade inteira; mas são muito diferentes entre si, ao nível dos dispositivos que esboçam.
Esquematizando muito, poderíamos dizer que, no direito monárquico, a punição é um
cerimonial de soberania; ela utiliza as marcas rituais da vingança que aplica sobre o corpo do
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condenado; e estende sob os olhos dos expectadores um efeito de terror ainda mais intenso por
se descontínuo, irregular e sempre acima de suas próprias leis, a presença física do soberano e
de seu poder. No projeto dos juristas reformadores, a punição é um processo para requalificar
os indivíduos como sujeitos de direito; utiliza, não marcas, mas sinais, conjuntos codificados de
representações, cuja circulação deve ser realizada o mais rapidamente possível pela cena do
castigo, e aceitação deve ser a mais universal possível. Enfim no projeto de instituição carcerária
que se elabora, a punição é uma técnica de coerção dos indivíduos; ela utiliza processos de
treinamento do corpo – não sinais – com os traços que deixa, sob a forma de hábitos, no
comportamento” (p. 107-8).
A terceira parte do livro intitulada de “Disciplina” (p. 117-187) constitui por assim dizer o
coração da demonstração do novo sistema punitivo engendrado a partir do século XVIII. Essa
parte está dividida em três capítulos, que tratam de descrever as facetas ‘modernas’ da criação
da disciplina como forma de inscrever na representação o ideário de ‘vigiar e punir’.
No capítulo I (p. 117-142), o autor trata de descrever as ‘modernas’ formas e tecnologias para
criar “corpos dóceis”. Uma das premissas para isso é a “arte das distribuições”, isto é,
distribuições de espaço e de corpos no espaço. Deve haver uma tendência a criar a disciplina a
partir da arte de distribuição. Um segundo ponto é o controle da atividade dos corpos
distribuídos no espaço. A organização das gêneses e a composição das forças também fazem
parte deste ideário de controle social.
No capítulo II, o autor trata dos “recursos para o bom adestramento” (p. 143-162). Pressuposto
inicial para o ‘bom adestramento’ é a ‘vigilância hierárquica”. Isso o autor demonstra no
exemplo de escolas e também de fábricas, com a distribuição de micro-poderes de vigilância
autorizados por uma autoridade hierárquica superior. Toda a lógica militar reside sobre esse
princípio. A “sanção “normalizadora”, que deve ser genérica, bem como o “exame” são outras
formas para se logra um bom adestramento dos corpos. “O exame combina as técnica da
hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza” (p. 154). “A escola torna-se uma espécie de
aparelho de exame ininterrupto que acompanha em todo o seu comprimento a operação do
ensino” (p. 155). Na vigilância e na normalização, opera-se uma ‘individualização’. Não é,
porém, uma individualização ‘ascendente’, que projeta a pessoa para o cenário principal. “Num
regime disciplina, a individualização, ao contrário, é “descendente” à medida que o poder se
torna mais anônimo e mais funcional, aqueles sobre os quais se exerce tendem a ser mais
fortemente individualizados; e por fiscalizações mais que por cerimônias, por observações mais
que por relatos comemorativos, por medidas comparativas que têm a “norma” como referência,
e não por genealogias que dão os ancestrais como pontos de referência; mais por “desvios” que
por proezas” (p. 160-1).
No último capítulo desta parte, o autor trata do ‘panoptismo’, que é uma forma de vigilância
(quase) total que permite o olhar sobre os menores movimentos e sobre os mínimos detalhes de
um caso ou de um condenado. O que se objetiva é o “indivíduo disciplinar”. “O ponto extremo da
justiça penal no Antigo Regime era o retalhamento infinito do corpo do regicida: manifestação do
poder mais forte sobre o corpo do maior criminoso, cuja destruição total faz brilhar o crime em
sua verdade. O ponto ideal da penalidade hoje seria a disciplina infinita: um interrogatório sem
termo, um inquérito que se prolongasse sem limite numa observação minuciosa e cada vez mais
analítica, um julgamento que seja ao mesmo tempo a constituição de um processo nunca
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encerrado, o amolecimento calculado de uma pena ligada à curiosidade implacável de um
exame, uma procedimento que seja ao mesmo tempo a medida permanente de um desvio em
relação a uma norma inacessível e o movimento assintótico que obriga a encontrá-la no infinito”
(p. 187).
Com base nestes trabalhos de exame de evidências históricas e de exaustiva atividade de
reflexão analítica, Foucault chega à quarta parte a tratar da “Prisão” (p. 195-254). A parte está
dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, trata-se das prisões como “instituições
completas e austeras”. No segundo, sobre “ilegalidade e delinqüência” e, por fim, está em
evidência o indivíduo dentro da instituição carcerária.
Um ponto de destaque nesta parte está colocado logo no início, quando o autor afirma: “A prisão
é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos. A forma-
prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho
judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os
indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e
o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los
numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação,
registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. A forma
geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho
preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por
excelência” (p. 195).
No segundo capítulo, o autor trata do tema da ilegalidade e da delinqüência e, após várias
análises e reflexões, chega à conclusão que o sistema punitivo privativo de liberdade não atende
aos anseios de prevenção e ressocialização. O próprio estabelecimento punitivo tende a ser um
micro-espaço de reprodução de ilegalidade e delinqüência, no qual o corpo policial tem uma
contribuição significativa. A prisão permanece sendo um modo eficaz de punição. Mas, o autor
também chega à conclusão de que sem estas instituições a sociedade não saberia o que fazer
com os indivíduos criminosos, cujo tratamento seria quase impossível fora de tais
estabelecimentos. Mas não se trata de uma instituição isolada do corpo social; está “ligada a
toda uma série de outros dispositivos “carcerários”, aparentemente bem diversos – pois se
destinam a aliviar, a curar, a socorrer –, mas que tendem todos como ela a exercer um poder de
normalização”.
O autor fecha o seu livro com a afirmação de que na genealogia do sistema prisional
contemporâneo, fundado no binômio ‘vigiar e punir’, há o ronco surdo de uma batalha a ser
ouvido. “Nessa humanidade central e centralizada, efeito e instrumento de complexas relações
de poder, corpos e forças submetidos por múltiplos dispositivos de “encarceramento”, objetos
para discursos que são eles mesmos elementos dessa estratégia, temos que ouvir o ronco surdo
da batalha” (p. 254).
A leitura deste livro deveria ser, sempre, ‘obrigação’ de todo estudante de Direito. Mas para
além desta espécie, o livro é extremamente elucidativo para melhor compreensão do sistema
organizacional, disciplinar de toda a nossa sociedade. Vigiar e punir há muito já afetaram a
‘alma’, este espaço interior por onde se maquinam as ingerências externas do poder social. Não
último, a interiorização do ‘vigiar e punir’ se evidenciam no fenômeno midiático do big brother
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que é mais uma forma sutil de alojar ainda mais profundamente a dupla função de vigiar e ser
vigiado.
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Vigiar e punir análise

  • 1. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. O nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 32. ed. Petrópolis: Vozes, 1987. HAROLDO REIMER A obra Vigiar e Punir de Michel Foucault brinda o leitor com uma análise histórico-filosófica profunda sobre a estruturação organizativa do Ocidente nos últimos séculos. Essa análise é feita tomando como foco o sistema punitivo-legal ao longo dos séculos. Com isso, o autor quer demonstrar como na história recente se chega ao sistema do panoptismo como forma de vigilância e controle sobre os corpos não só da população carcerária, mas também das brigadas operárias nas fábricas e dos intermináveis contingentes nas escolas. Segundo o autor, a história do Ocidente é uma história que pode ser reconstruída sob a ótica do binômio ‘vigiar e punir’. Trata-se de uma temática que poderia ser demonstrada em qualquer âmbito do cotidiano histórico, mas nesta obra está mais diretamente relacionada com a dimensão judiciária. O próprio autor explicita o objetivo de seu livro: “uma história correlativa da alma moderna e de um novo poder de julgar; uma genealogia do atual complexo científico-judiciário onde o poder de punir se apóia, recebe suas justificações e suas regras, estende seus efeitos e mascara sua exorbitante singularidade” (p.23). O autor divide o seu livro em quatro partes principais. Em cada uma das partes, aborda momentos históricos distintos, procurando detectar as formas próprias de punição e vigilância em cada uma das épocas. É evidente que o binômio ‘vigiar e punir’ foi diferentemente trabalhado em um destes momentos. Na primeira parte, o autor trata do ‘suplício’. Aqui sua intenção é mostrar como desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e parte da Modernidade, o castigo do corpo do transgressor era a forma evidente e pública da punição. Essa parte está dividida em dois capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “O corpo dos condenados” (p. 9-29), Foucault busca mostrar como o direito e a prática de punir descarrega no corpo dos condenados a sua fúria e vingança social. Porém, não se trata somente do corpo, mas também da alma da pessoa condenada. A ‘alma’ é a interioridade da pessoa, é o centro nevrálgico que precisa ser atingido para que o sistema punitivo e de vigilância tenha plena eficácia. “Esta alma real e incorpórea não é absolutamente substância; é o elemento onde se articulam os efeitos de certo tipo de poder e a referência de um saber, engrenagem pela qual as relações de um poder dão lugar a um saber possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos do poder” (p. 28). No segundo capítulo, “A ostentação dos suplícios” (p. 30-56), o autor procura mostrar como desde a Antiguidade o recurso direto ao corpo na forma de suplícios públicos é uma forma de demonstração de poder. Com o suplício das mas variadas formas de torturas físicas, busca-se a FOUCAULT .:: Haroldo Reimer [haroldoreimer.pro.br] ::. 1 de 5
  • 2. verdade do crime e ostentar publicamente a punição. “A tortura judiciária, no século XVIII, funciona nessa estranha economia em que o ritual que produz a verdade caminha a par com o ritual que impõe a punição” (p. 38). E mais: “o suplício judiciário deve ser compreendido também como um ritual político. Faz parte, mesmo num modo menor, das cerimônias pelas quais se manifesta o poder” (p. 41). “O suplício tem então uma função jurídico-política. É um cerimonial para reconstituir a soberania lesada por um instante” (p. 42). “O suplício se inseriu tão fortemente na prática judicial, porque é revelador da verdade e agente do poder. Ele promove a articulação do escrito com o oral, do secreto com o público, do processo de inquérito com a operação de confissão; permite que o crime seja reproduzido e voltado contra o corpo visível do criminoso; faz com que o crime, no mesmo horror, se manifeste e se anule. Faz também do corpo do condenado o local de aplicação da vindita soberana, o ponto sobre o qual se manifesta o poder, a ocasião de afirmar a dissimetria das forças” (p. 47). Ao final do capítulo, contudo, o autor indica criticamente que em não raros momentos da história, a histórias trágicas dos grandes criminosos tornaram-se objeto de admiração, o que ensejava necessariamente uma alteração na forma da punição. Na segunda parte, “Punição” (p. 63-198), o autor trata de mostrar com a partir do século XVIII se dá uma virada para uma punição generalizada. Isso é objeto do primeiro dos capítulos desta parte, que trata justamente da “punição generalizada” (p. 63- 86). O objetivo maior desta mudança está dado com o espírito iluminista e ilustrado presente a partir do século XVII, o qual impunha a máxima de que “é preciso que justiça criminal puna em vez de se vingar” (p. 63). “Mas, nessa época da Luzes, não é como tema de um saber positivo que o homem é posto como objeção contra a barbárie dos suplícios, mas como limite de direito, como fronteira legítima do poder de punir” (p. 64). A partir daquele momento não se tratava mais de ostentar toda a possível vingança do poder absoluto do soberano sobre o corpo do condenado, mas a punição deveria ser alcançada “à custa de múltiplas intervenções” (p. 64). A mudança na base econômica, com a estabilização da burguesia, certo bem-estar social mais amplamente distribuído leva a uma nova postura em relação à arte e à política de punir. Isso levou a uma reforma do sistema. “A reforma do direito criminal deve ser lida como uma estratégia para o remanejamento do poder de punir, de acordo com modalidade que o tornam mais regular, mais eficaz, mais constante e mais bem detalhado em seus efeitos; enfim, que aumentem os efeitos diminuindo o custo econômico (ou seja, dissociando-o do sistema da propriedade, das compras e vendas, da venalidade tantos dos ofícios quanto das próprias decisões) e seu custo político (dissociando-o do arbítrio do poder monárquico” (p. 69). Houve, assim, um gradual deslocamento da punição “da vingança do soberano à defesa da sociedade” (p. 76). Isso o autor trata de demonstrar no capítulo II da segunda parte, quando trata da “mitigação das penas” (p. 87-109). Ele vai mostrando como, ao longo do século XVIII, há várias modalidades punitivas e chega, ao final capítulo a dizer que no final deste século nos encontramos diante de três maneiras de organizar o poder de punir. “A primeira é a que ainda estava funcionando e se apoiava no velho direito monárquico. As outras se referem, ambas, a uma concepção preventiva, utilitária, corretiva de um direito de punir que pertenceria à sociedade inteira; mas são muito diferentes entre si, ao nível dos dispositivos que esboçam. Esquematizando muito, poderíamos dizer que, no direito monárquico, a punição é um cerimonial de soberania; ela utiliza as marcas rituais da vingança que aplica sobre o corpo do FOUCAULT .:: Haroldo Reimer [haroldoreimer.pro.br] ::. 2 de 5
  • 3. condenado; e estende sob os olhos dos expectadores um efeito de terror ainda mais intenso por se descontínuo, irregular e sempre acima de suas próprias leis, a presença física do soberano e de seu poder. No projeto dos juristas reformadores, a punição é um processo para requalificar os indivíduos como sujeitos de direito; utiliza, não marcas, mas sinais, conjuntos codificados de representações, cuja circulação deve ser realizada o mais rapidamente possível pela cena do castigo, e aceitação deve ser a mais universal possível. Enfim no projeto de instituição carcerária que se elabora, a punição é uma técnica de coerção dos indivíduos; ela utiliza processos de treinamento do corpo – não sinais – com os traços que deixa, sob a forma de hábitos, no comportamento” (p. 107-8). A terceira parte do livro intitulada de “Disciplina” (p. 117-187) constitui por assim dizer o coração da demonstração do novo sistema punitivo engendrado a partir do século XVIII. Essa parte está dividida em três capítulos, que tratam de descrever as facetas ‘modernas’ da criação da disciplina como forma de inscrever na representação o ideário de ‘vigiar e punir’. No capítulo I (p. 117-142), o autor trata de descrever as ‘modernas’ formas e tecnologias para criar “corpos dóceis”. Uma das premissas para isso é a “arte das distribuições”, isto é, distribuições de espaço e de corpos no espaço. Deve haver uma tendência a criar a disciplina a partir da arte de distribuição. Um segundo ponto é o controle da atividade dos corpos distribuídos no espaço. A organização das gêneses e a composição das forças também fazem parte deste ideário de controle social. No capítulo II, o autor trata dos “recursos para o bom adestramento” (p. 143-162). Pressuposto inicial para o ‘bom adestramento’ é a ‘vigilância hierárquica”. Isso o autor demonstra no exemplo de escolas e também de fábricas, com a distribuição de micro-poderes de vigilância autorizados por uma autoridade hierárquica superior. Toda a lógica militar reside sobre esse princípio. A “sanção “normalizadora”, que deve ser genérica, bem como o “exame” são outras formas para se logra um bom adestramento dos corpos. “O exame combina as técnica da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza” (p. 154). “A escola torna-se uma espécie de aparelho de exame ininterrupto que acompanha em todo o seu comprimento a operação do ensino” (p. 155). Na vigilância e na normalização, opera-se uma ‘individualização’. Não é, porém, uma individualização ‘ascendente’, que projeta a pessoa para o cenário principal. “Num regime disciplina, a individualização, ao contrário, é “descendente” à medida que o poder se torna mais anônimo e mais funcional, aqueles sobre os quais se exerce tendem a ser mais fortemente individualizados; e por fiscalizações mais que por cerimônias, por observações mais que por relatos comemorativos, por medidas comparativas que têm a “norma” como referência, e não por genealogias que dão os ancestrais como pontos de referência; mais por “desvios” que por proezas” (p. 160-1). No último capítulo desta parte, o autor trata do ‘panoptismo’, que é uma forma de vigilância (quase) total que permite o olhar sobre os menores movimentos e sobre os mínimos detalhes de um caso ou de um condenado. O que se objetiva é o “indivíduo disciplinar”. “O ponto extremo da justiça penal no Antigo Regime era o retalhamento infinito do corpo do regicida: manifestação do poder mais forte sobre o corpo do maior criminoso, cuja destruição total faz brilhar o crime em sua verdade. O ponto ideal da penalidade hoje seria a disciplina infinita: um interrogatório sem termo, um inquérito que se prolongasse sem limite numa observação minuciosa e cada vez mais analítica, um julgamento que seja ao mesmo tempo a constituição de um processo nunca FOUCAULT .:: Haroldo Reimer [haroldoreimer.pro.br] ::. 3 de 5
  • 4. encerrado, o amolecimento calculado de uma pena ligada à curiosidade implacável de um exame, uma procedimento que seja ao mesmo tempo a medida permanente de um desvio em relação a uma norma inacessível e o movimento assintótico que obriga a encontrá-la no infinito” (p. 187). Com base nestes trabalhos de exame de evidências históricas e de exaustiva atividade de reflexão analítica, Foucault chega à quarta parte a tratar da “Prisão” (p. 195-254). A parte está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo, trata-se das prisões como “instituições completas e austeras”. No segundo, sobre “ilegalidade e delinqüência” e, por fim, está em evidência o indivíduo dentro da instituição carcerária. Um ponto de destaque nesta parte está colocado logo no início, quando o autor afirma: “A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos. A forma- prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência” (p. 195). No segundo capítulo, o autor trata do tema da ilegalidade e da delinqüência e, após várias análises e reflexões, chega à conclusão que o sistema punitivo privativo de liberdade não atende aos anseios de prevenção e ressocialização. O próprio estabelecimento punitivo tende a ser um micro-espaço de reprodução de ilegalidade e delinqüência, no qual o corpo policial tem uma contribuição significativa. A prisão permanece sendo um modo eficaz de punição. Mas, o autor também chega à conclusão de que sem estas instituições a sociedade não saberia o que fazer com os indivíduos criminosos, cujo tratamento seria quase impossível fora de tais estabelecimentos. Mas não se trata de uma instituição isolada do corpo social; está “ligada a toda uma série de outros dispositivos “carcerários”, aparentemente bem diversos – pois se destinam a aliviar, a curar, a socorrer –, mas que tendem todos como ela a exercer um poder de normalização”. O autor fecha o seu livro com a afirmação de que na genealogia do sistema prisional contemporâneo, fundado no binômio ‘vigiar e punir’, há o ronco surdo de uma batalha a ser ouvido. “Nessa humanidade central e centralizada, efeito e instrumento de complexas relações de poder, corpos e forças submetidos por múltiplos dispositivos de “encarceramento”, objetos para discursos que são eles mesmos elementos dessa estratégia, temos que ouvir o ronco surdo da batalha” (p. 254). A leitura deste livro deveria ser, sempre, ‘obrigação’ de todo estudante de Direito. Mas para além desta espécie, o livro é extremamente elucidativo para melhor compreensão do sistema organizacional, disciplinar de toda a nossa sociedade. Vigiar e punir há muito já afetaram a ‘alma’, este espaço interior por onde se maquinam as ingerências externas do poder social. Não último, a interiorização do ‘vigiar e punir’ se evidenciam no fenômeno midiático do big brother FOUCAULT .:: Haroldo Reimer [haroldoreimer.pro.br] ::. 4 de 5
  • 5. que é mais uma forma sutil de alojar ainda mais profundamente a dupla função de vigiar e ser vigiado. Haroldo Reimer FOUCAULT .:: Haroldo Reimer [haroldoreimer.pro.br] ::. 5 de 5