1. PAPEL DO ADMINISTRADOR JUDICIAL NA LRE
Ronaldo dos Santos*
RESUMO
Este trabalho visa tratar sobre a figura do administrador judicial e a sua importância
nas recuperações judiciais, segundo as inovações da LRE (Lei de recuperação
empresária), fazendo uma análise histórica da evolução do tema até cominar no
modelo de atuação que temos hoje, analisando, ainda, a forma de remuneração,
poderes, deveres, destituição e as peculiaridades que envolvem esses temas.
A Lei de recuperação empresária passa a ser analisa sobre o seu viés social de
manutenção da capacidade produtiva, conforme se analisará nas páginas que
seguem esse artigo, mormente quando se analisa a empresa como um centro social
que demanda avanços sociais, cuja extinção pode trazer mais malefícios que
benefícios.
Palavras-chave: LRE. Administrador Judicial. Recuperação judicial.
INCIDÊNCIA E OBJETIVOS DA LRE
Temos como principal objetivo da lei de Falência a recuperação das
empresas em dificuldades para que estas voltem a ser competitivas, uma vez que
sua recuperação para a sociedade é muito mais proveitosa que a o seu declínio. O
Fim de uma Empresa gera desemprego, enfraquece o comércio e a indústria, dentre
tantos outros prejuízos que podem causar a sociedade como um todo.
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Bacharelando em Direito pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB-Campus VIII, aluno
regularmente matriculado no VI período.
2. A sociedade precisa ser a grande beneficiária nas recuperações judiciais,
não havendo que se fazer análises meramente econômicas da atuação do Estado
na regulação e composição da matéria.
O tema é tratado pela Lei 11.101/05 que tem por objetivo regular a
recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade
empresária, excetuados os casos previstos no artigo 2º da referida lei, por se
sujeitarem a regras específicas, mormente pela função desempenhada, sendo o
inciso I marcantemente de interesse público, e o II pelas suas especificidades
sujeitam-se às normas dos entes que tem por condão fiscalizar e regular as
atividades.
Há ainda que atentar para o foro competente para dirimir os conflitos
abrangidos pela LRE, sendo tema relevante, mormente na era da globalização e
expansão comercial, onde as empresas estão presentes em mais de um lugar,
estendendo as suas atividades para filiais, tendo uma maior abrangência. O foro
passa a ser o estabelecido no artigo 3º da LRE, qual seja o do principal
estabelecimento da empresa ou da filial de empresa com sede no estrangeiro.
Estão reguladas as diversas situações de incidência dos dispositivos da
LRE, os partícipes da relação e as suas atribuições, as formas de execução e
pagamentos dos débitos com suas prioridades, inclusive com observância de
situações previstas em leis especiais.
Nesse artigo será tratado apenas da figura do Administrador Judicial, com
enfoque nas suas atribuições para gerir o bom andamento da recuperação
empresária.
ESCOLHA DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
A lei 11.101/05 trouxe a figura do administrador judicial em substituição ao
comissário, na extinta concordata, e ao síndico, na falência, bem como um
aprimoramento do comitê e da Assembleia geral de credores.
3. Na legislação anterior o síndico era o responsável pela administração da
falência no ajuizamento da falência, ao passo que o comissário era o responsável
pela fiscalização do concordatário no ajuizamento da concordata, sendo escolhidos
entre os maiores credores. Há que se atentar que o caráter do administrador judicial
é de múnus público, conforme ensina Nelson Abrão:
“(...) o administrador judicial, nas legislações mais avançadas,
não tutela simplesmente os interesses dos credores, mas sim a
salvaguarda dos interesses – que chama – de difusos,
consistentes na preservação da empresa, com o escopo de
manutenção dos empregos, na defesa dos direitos dos
acionistas minoritários ( não controladores) e dos fornecedores
do chamado “capital de crédito“ proveniente da coletividade por
meio dos bancos, donde pode (...) falar-se, não sem
propriedade, que hodiernamente é o dinheiro da coletividade,
portanto poupança difusa, que sustenta tecnicamente a
atividade empresarial.
Nesse sentido, o administrador judicial possui enorme
relevância para os interesses coletivos e difusos, uma vez que
sua atuação esta revestida de aspectos fundamentais quanto
ao procedimento adjetivo, porque, muito mais que interesses
privados, sobressair o legitimo interesse público.” (ABRÃO,
2005, p.378)
A LRE trata do tema nos artigos 21 a 34.
O administrador judicial, seguindo o que determina o artigo 21 da LRE,
será nomeado pelo Juiz no momento do deferimento do pedido de processamento
da recuperação judicial. Sua indicação recairá sobre profissional idôneo,
preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador,
ou pessoa jurídica especializada (caso em que deverá ser declarado por termo o
nome do responsável pela condução do processo de recuperação judicial, conforme
determina o parágrafo único do artigo 21 da LRE).
A novel legislação já se distancia dos antigos pecados da lei anterior,
passando a colocar pessoa especializada e estranha ao quadro de credores, pois
dessa forma pode garantir que se vise não apenas a satisfação a todo custo de seus
próprios interesses, mas se possa atingir um objetivo maior, qual seja o de atender
aos interesses sociais de tentar recolocar a empresa ou o empresário no seu rumo
produtivo.
4. Não há que se falar em ser o escolhido a todo custo um advogado pelo
seu domínio técnico jurídico, uma vez que existe legislação que regimente as
recuperações empresárias, pois nas palavras de Ulhoa Coelho:
“(...) o advogado não é necessariamente o profissional
mais indicado para a função, visto que muitas das
atribuições do administrador judicial dependem, para seu
bom desempenho, mais de conhecimentos de
administração de empresa do que jurídicos. O ideal é a
escolha recair sobre a pessoa com conhecimentos ou
experiência na administração de empresas do porte da
devedora e, quando necessário, autorizar a contratação
de advogado para assisti-lo ou à massa.” (COELHO,
2007, p.78)
ATRIBUIÇÕES DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
As atribuições do administrador judicial estão elencadas no artigo 22 da
LRE, sendo:
I – na recuperação judicial e na falência:
a) enviar correspondência aos credores constantes na
relação de que trata o inciso III do caput do art. 51, o inciso III
do caput do art. 99 ou o inciso II do caput do art. 105 desta
Lei, comunicando a data do pedido de recuperação judicial ou
da decretação da falência, a natureza, o valor e a classificação
dada ao crédito;
b) fornecer, com presteza, todas as informações pedidas
pelos credores interessados;
c) dar extratos dos livros do devedor, que merecerão fé de
ofício, a fim de servirem de fundamento nas habilitações e
impugnações de créditos;
d) exigir dos credores, do devedor ou seus
administradores quaisquer informações;
e) elaborar a relação de credores de que trata o § 2o do
art. 7o desta Lei;
f) consolidar o quadro-geral de credores nos termos do
art. 18 desta Lei;
g) requerer ao juiz convocação da assembléia-geral de
credores nos casos previstos nesta Lei ou quando entender
necessária sua ouvida para a tomada de decisões;
5. h) contratar, mediante autorização judicial, profissionais ou
empresas especializadas para, quando necessário, auxiliá-lo
no exercício de suas funções;
i) manifestar-se nos casos previstos nesta Lei;
A lei estabelece a responsabilidade do administrador judicial como
sendo subjetiva, ocorrendo apenas no caso de incidência de dolo ou culpa, devendo
a quem alega provar que este agiu dolosa ou culposamente lesando seu direito,
conforme se extrai do artigo 32 da LRE:
Art. 32. O administrador judicial e os membros do Comitê
responderão pelos prejuízos causados à massa falida, ao
devedor ou aos credores por dolo ou culpa, devendo o
dissidente em deliberação do Comitê consignar sua
discordância em ata para eximir-se da responsabilidade.
O administrador judicial também fica incumbido de verificar a existência
de créditos, podendo solicitar ajuda especializada, podendo emitir parecer ao juiz em
caso de impugnação de crédito; assumir como gestor na ausência dos devedores,
enquanto não houver deliberação pelo comitê de credores de quem assumirá as
atribuições de devedor; inexistindo comitê de credores caberá ao administrador
assumir suas funções; cabe ao administrador fazer solicitações aos credores,
devedores ou administradores, prescindindo de requerimento ao juiz.
IMPEDIMENTOS E DESTITUIÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
Ficam impedidos de figurar como administrador judicial os que tenham
relação de parentesco ou afinidade até o terceiro grau com o devedor e seus
representantes, controladores ou administradores, ou seja amigo, inimigo ou
dependentes destes.
Também fica impossibilitado de assumir como administrador aquele que
tenha nos últimos 5 (cinco) anos sido destituído, nos termos do artigo 31 da LRE,
deixado de apresentar contas ou as teve como rejeitadas, conforme estabelece o
artigo 30 da LRE, in verbis:
6. Art. 30. Não poderá integrar o Comitê ou exercer as funções de
administrador judicial quem, nos últimos 5 (cinco) anos, no
exercício do cargo de administrador judicial ou de membro do
Comitê em falência ou recuperação judicial anterior, foi
destituído, deixou de prestar contas dentro dos prazos legais
ou teve a prestação de contas desaprovada.
A destituição do administrador judicial é de competência exclusiva do juiz,
nos casos previsto na LRE, podendo ser requerida, segundo o artigo 31 da referida
lei, por qualquer interessado, aí incluso o MP, por ser este detentor da competência
de defesa dos interesses difusos. Uma vez feito o requerimento por qualquer dos
interessados deve o juiz decidir sobre a destituição no prazo de 24 horas. As
deliberações podem ainda ser feitas de ofício pelo próprio magistrado, pois não
podemos deixar de lembrar, como visto no início desse artigo que estamos a falar de
matéria de interesse público.
REMUNERAÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
A remuneração do administrador judicial será determinada levando-se em
consideração os aspectos do parágrafo 1º do artigo 22 da LRE, quais sejam: a
complexidade dos trabalhos a serem executados e os valores praticados no
mercado para o desempenho de atividades semelhantes. No caso de substituição de
administrador a remuneração será proporcional, inocorrendo no caso de desídia,
culpa ou dolo no desempenho de suas funções, conforme determina o § 3º do artigo
23 da LRE, não sendo cabível também nos casos de renúncia imotivada e
desaprovação das contas, conforme ensina o parágrafo seguinte do mesmo artigo, o
que é bem visto e benquisto por ser atuar como óbice aos anseios de desídia e
corrupção de algum administrador indecente.
Apesar de ficar ao alvedrio do juiz, a lei estabelece o teto de 5 % (cinco
por cento) para a remuneração do administrador judicial. O valor que restar
estabelecido para a remuneração do administrador não será pago integralmente,
mas na proporção de 40% (quarenta por cento) à vista, ficando o restante, 60%
(sessenta por cento) que será feita quando do encerramento da recuperação judicial,
juntamente com os outros credores, sendo caso de pagamento prioritário,
7. obedecidas as regras especiais (v.g. trabalhistas), uma garantia a mais de que será
o administrador judicial recompensado pelos seus esforços.
CONCLUSÃO
Resta cristalino que mais que um mero executor de serviços, o
administrador judicial exercer verdadeira função pública, mormente quando sabemos
que a sua atuação sofre limitações que quando não respeitadas ensejam em
sanções presentes e futuras, como o não pagamento da remuneração estabelecida
e a impossibilidade nos termos específicos de figurar novamente como
administrador judicial.
Desse modo os avanços trazidos com a lei 11.101/2005 são mais que
meros avanços procedimentais para regular a falência e a recuperação judicial e
extrajudicial, vai muito mais além, criando um múnus público ao administrador
judicial, estabelecendo atribuições que podem fazer com que este exerça um papel
de relevante valor social, indo bem além da mera valoração econômica.
Os temas arraigados na seara do direito empresarial, outrora apenas
denominado (e somente assim visto) direito comercial possam ir além das análises
econômicas desprovidas de um enfoque social, para que as análises que porventura
sejam feitas pelos operadores do direito, perpassem necessariamente pela
intelecção de que o valor social deve prevalecer sobre o valor econômico, devendo
ver as coisas pelo viés social e não mais econômico.