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UM DIA DE FOME
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Nunca imaginei que almoçar fora de casa em feriado pudesse ser complicado. Depois do
feriado da Proclamação da República, das dificuldades em encontrar um restaurante aberto, sentei
diante do lap top para redigir esse manual.
Amigo, se o feriado, qualquer que seja, cair numa segunda-feira — como aconteceu comigo
— desista da ideia de fazer uma graça à mulher convidando-a a ressuscitar os bons tempos de
namoro quando saíam procurando restaurantes mesmo em dias de trabalho. Lembra-se que os
melhores e mais caros eram escolhidos para impressioná-la com a fineza de seu gosto e a sua boa
condição econômica? Sei que já fez isso. Que atire o primeiro prato quem nunca fez.
Para complicar, a minha mulher havia acabado de chegar de uma viagem de trabalho. Uma
semana longe de casa. Voltou na madrugada do feriado. Dormiu mal e para livrá-la de qualquer
tormento doméstico logo num feriado, fiz o convite:
— Hoje vamos comer fora.
Os meninos foram os primeiros a se lançarem para dentro do carro:
— Obaaaa!
Ela meio desconfiada, exigiu:
— No melhor, porque já faz tempos que não saímos.
Que memória de elefante, tive que admitir em silêncio.
Engrolei a língua querendo escapar ao compromisso, mas fui obrigado a cuspir um ‘sim’. Ante
seu olhar desconfiado, eu disse pela enésima vez como aquele feioso da propaganda de um carro
popular: ‘você sabe que para mim só existe você’.
Com os meninos comendo-se feito bichos no banco traseiro, partimos em busca do
restaurante top de linha. Era uma suntuosa construção entre gramados bem cuidados e árvores
frondosas num bairro alto, de onde se via longe o centro da cidade. Ainda no caminho, pelo pouco
movimento de veículos, desconfiei que não estivesse aberto. E não estava mesmo. Nem o segundo
melhor, nem o terceiro. A mulher inquietava-se e as crianças também. Ela, com olhares homicidas
dirigidos a mim que modificam o tempo verbal da frase propagandística e pareciam dizer ‘você sabe
que para mim só existiu você’, declarou pressionando-me:
— Ontem, antes de pegar o avião na volta, não jantei.
Apressado, no retorno ao centro da cidade encontrei numa avenida de pista dupla uma fila de
carros. Apostei que eram a salvação. Que fazia na rua ao meio-dia de um feriado na segunda-feira
aquela gente em tantos carros senão procurando também um restaurante onde almoçar? Postei-me
ao fim dela e seguimos. Alguns bairros depois os carros estacionaram numa praça. O restaurante
estava lá. Ufa, finalmente! Mas peraí, o restaurante estava fechado. Mas, e os carros? Eram de um
grupo de evangélicos que se dirigia para uma reunião no templo do outro lado da praça.
Putz! Era o fim da picada, ou melhor, o fim da fila. Mas havia uma última opção: o restaurante
paga-quanto-pesa. Estava lá no letreiro, como pudera esquecer?: ‘Restaurante Porta Aberta’. E como
reforço para os incrédulos: ‘Atendimento de segunda a domingo’. Diante de tantas tentativas
baldadas, ainda que sem o glamour do top de linha, ele poderia ser a salvação de um dia de fome.
Os muitos carros nas proximidades do restaurante aliviaram-me a alma. Finalmente um deles
estava aberto. Como só havia vaga longe da entrada, parei o carro distante e fomos a pé, animados.
Decepção. O restaurante tinha as portas fechadas. Abaixo da tabuleta que anunciava o serviço sem
interrupção estava assinalado em letras pequenas: ‘exceto em feriado na segunda-feira’. E a
quantidade de carros? Era do velório na casa ao lado do restaurante.
Desistimos de comer fora. Restou como consolo a comida improvisada no fogão de casa.
Para adiantar o almoço, dividimos as tarefas por quatro.
Após vários insucessos para acender o fogão, praguejei com raiva:
— Droga! Acabou o gás.

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  • 1. UM DIA DE FOME [http://www.facebook.com/jjleandro] Nunca imaginei que almoçar fora de casa em feriado pudesse ser complicado. Depois do feriado da Proclamação da República, das dificuldades em encontrar um restaurante aberto, sentei diante do lap top para redigir esse manual. Amigo, se o feriado, qualquer que seja, cair numa segunda-feira — como aconteceu comigo — desista da ideia de fazer uma graça à mulher convidando-a a ressuscitar os bons tempos de namoro quando saíam procurando restaurantes mesmo em dias de trabalho. Lembra-se que os melhores e mais caros eram escolhidos para impressioná-la com a fineza de seu gosto e a sua boa condição econômica? Sei que já fez isso. Que atire o primeiro prato quem nunca fez. Para complicar, a minha mulher havia acabado de chegar de uma viagem de trabalho. Uma semana longe de casa. Voltou na madrugada do feriado. Dormiu mal e para livrá-la de qualquer tormento doméstico logo num feriado, fiz o convite: — Hoje vamos comer fora. Os meninos foram os primeiros a se lançarem para dentro do carro: — Obaaaa! Ela meio desconfiada, exigiu: — No melhor, porque já faz tempos que não saímos. Que memória de elefante, tive que admitir em silêncio. Engrolei a língua querendo escapar ao compromisso, mas fui obrigado a cuspir um ‘sim’. Ante seu olhar desconfiado, eu disse pela enésima vez como aquele feioso da propaganda de um carro popular: ‘você sabe que para mim só existe você’. Com os meninos comendo-se feito bichos no banco traseiro, partimos em busca do restaurante top de linha. Era uma suntuosa construção entre gramados bem cuidados e árvores frondosas num bairro alto, de onde se via longe o centro da cidade. Ainda no caminho, pelo pouco movimento de veículos, desconfiei que não estivesse aberto. E não estava mesmo. Nem o segundo melhor, nem o terceiro. A mulher inquietava-se e as crianças também. Ela, com olhares homicidas dirigidos a mim que modificam o tempo verbal da frase propagandística e pareciam dizer ‘você sabe que para mim só existiu você’, declarou pressionando-me: — Ontem, antes de pegar o avião na volta, não jantei. Apressado, no retorno ao centro da cidade encontrei numa avenida de pista dupla uma fila de carros. Apostei que eram a salvação. Que fazia na rua ao meio-dia de um feriado na segunda-feira aquela gente em tantos carros senão procurando também um restaurante onde almoçar? Postei-me ao fim dela e seguimos. Alguns bairros depois os carros estacionaram numa praça. O restaurante estava lá. Ufa, finalmente! Mas peraí, o restaurante estava fechado. Mas, e os carros? Eram de um grupo de evangélicos que se dirigia para uma reunião no templo do outro lado da praça. Putz! Era o fim da picada, ou melhor, o fim da fila. Mas havia uma última opção: o restaurante paga-quanto-pesa. Estava lá no letreiro, como pudera esquecer?: ‘Restaurante Porta Aberta’. E como reforço para os incrédulos: ‘Atendimento de segunda a domingo’. Diante de tantas tentativas baldadas, ainda que sem o glamour do top de linha, ele poderia ser a salvação de um dia de fome. Os muitos carros nas proximidades do restaurante aliviaram-me a alma. Finalmente um deles estava aberto. Como só havia vaga longe da entrada, parei o carro distante e fomos a pé, animados. Decepção. O restaurante tinha as portas fechadas. Abaixo da tabuleta que anunciava o serviço sem interrupção estava assinalado em letras pequenas: ‘exceto em feriado na segunda-feira’. E a quantidade de carros? Era do velório na casa ao lado do restaurante. Desistimos de comer fora. Restou como consolo a comida improvisada no fogão de casa. Para adiantar o almoço, dividimos as tarefas por quatro. Após vários insucessos para acender o fogão, praguejei com raiva: — Droga! Acabou o gás.