Aula - 2º Ano - Cultura e Sociedade - Conceitos-chave
Sermão de Santo António: crítica social e linguagem barroca
1. Encontros – 11.o ano ▪ Noémia Jorge, Cecília Aguiar, Inês Ribeiros
PADRE ANTÓNIO VIEIRA,
Sermão de Santo António
SÍNTESE DA UNIDADE
2. Séc. XVII
BARROCO
Séc. XIX
ROMANTISMO REALISMO
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO: SÍNTESE DA UNIDADE
Friso cronológico
Padre António Vieira (1608-1697)
Sermão de Santo António (1654)
3. Contextualização histórico-literária
Objetivos da eloquência (docere, delectare, movere)
Intenção persuasiva e exemplaridade
Linguagem, estilo e estrutura
Verifica se sabes
Em síntese
SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO: SÍNTESE DA UNIDADE
Crítica social e alegoria
4. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-LITERÁRIA
Contexto histórico
1608 – Nascimento de António Vieira
1615 – Conquista do Maranhão
1621 – Morte de Filipe II / Subida ao trono de Filipe III
1635 – Ordenação sacerdotal de António Vieira
1640 – Restauração da independência de Portugal
Início do reinado de D. João IV
1656 – Morte de D. João IV / Regência de D. Luísa de Gusmão
1662 – Golpe de Estado / Entrega do Governo a D. Afonso VI
1667 – Abdicação de D. Afonso VI / Regência de D. Pedro
1683 – Morte de D. Afonso VI / Início do reinado de D. Pedro II
1967 – Morte de Padre António Vieira
Descoberta de ouro no Brasil
5. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-LITERÁRIA
Contexto
cultural
BARROCO
• Arte da persuasão
• Transfiguração da realidade
• Ostentação e riqueza, no domínio
religioso e profano
• Sobrecarga ornamental
e decorativa (campo artístico)
• Discurso hiperbólico (literatura)
• Representação de cenas
excessivas, violentas
• Importância do teatro, concepção
de vida como um palco
(ilusão, engano)
• Apelo e exploração das sensações
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6. OBJETIVOS DA ELOQUÊNCIA
DOCERE
(educar/ensinar)
• Citações e exemplos
do foro do sagrado
(Bíblia, Santo António,
Santo Agostinho, Adão
e Eva, Job, Tobias…)
• Citações de autores e
obras clássicas
(Aristóteles, Plínio…)
• …
DELECTARE
(agradar)
MOVERE
(persuadir)
• Discurso figurativo
(alegoria, metáfora,
comparação)
• Outros recursos
(trocadilho/jogo de
palavras, antítese,
enumeração,
gradação,
interjeição…)
• …
• Discurso apelativo
(apóstrofe,
interrogação retórica,
frase exclamativa,
frase imperativa)
• Argumentos de
autoridade (citações
e exemplos do foro do
sagrado)
• …
Função
pedagógica
Função
estética
Função crítica
e moralizadora
7. INTENÇÃO PERSUASIVA E EXEMPLARIDADE
Tão alheia coisa é, não só da razão, mas da mesma natureza,
que, sendo todos criados no mesmo elemento, todos
cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais
de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens,
para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos
peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio
e abominável é, quero que o vejais nos homens. Olhai,
peixes, lá do mar para a terra. Não, não; não é isso o que vos
digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para
cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que
só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior
açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes
vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele
concorrer às praças e cruzar as ruas? Vedes aquele subir e
descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação
nem sossego?
Padre António Vieira, Sermão de Santo António
Intenção
persuasiva
Interpelação do
auditório
Pronomes
pessoais de
segunda pessoa
Formas verbais na
segunda pessoa
(com valor
exortativo)
Vocativo
8. INTENÇÃO PERSUASIVA E EXEMPLARIDADE
Tão alheia coisa é, não só da razão, mas da mesma natureza,
que, sendo todos criados no mesmo elemento, todos
cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais
de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens,
para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos
peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio
e abominável é, quero que o vejais nos homens. Olhai,
peixes, lá do mar para a terra. Não, não; não é isso o que vos
digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para
cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que
só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior
açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes
vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele
concorrer às praças e cruzar as ruas? Vedes aquele subir e
descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação
nem sossego?
Padre António Vieira, Sermão de Santo António
Exemplos
Santo Agostinho
Exemplo bíblico
(argumento de
autoridade)
Tapuias /
brancos
Exemplo do
quotidiano
(argumento
experiencial)
Tão alheia coisa é, não só da razão, mas da mesma natureza,
que, sendo todos criados no mesmo elemento, todos
cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais
de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens,
para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho
nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão
feio e abominável é, quero que o vejais nos homens. Olhai,
peixes, lá do mar para a terra. Não, não; não é isso o que vos
digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para
cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que
só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior
açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes
vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele
concorrer às praças e cruzar as ruas? Vedes aquele subir e
descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem quietação
nem sossego?
Padre António Vieira, Sermão de Santo António
Tão alheia coisa é, não só da razão, mas da mesma natureza,
que, sendo todos criados no mesmo elemento, todos
cidadãos da mesma pátria, e todos finalmente irmãos, vivais
de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens,
para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos
peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio
e abominável é, quero que o vejais nos homens. Olhai,
peixes, lá do mar para a terra. Não, não; não é isso o que vos
digo. Vós virais os olhos para os matos e para o sertão? Para
cá, para cá; para a cidade é que haveis de olhar. Cuidais que
só os Tapuias se comem uns aos outros? Muito maior
açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos. Vedes
vós todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes
aquele concorrer às praças e cruzar as ruas? Vedes aquele
subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e sair sem
quietação nem sossego?
Padre António Vieira, Sermão de Santo António
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9. CRÍTICA SOCIAL E ALEGORIA
Vieira prega aos peixes com o intuito de censurar alegoricamente o
comportamento dos homens (destinatários reais do sermão).
Louvor
das virtudes
dos peixes, em geral
Crítica dos vícios
dos homens,
em geral
São bons ouvintes.
Escutaram Santo António
com ordem,
tranquilidade e atenção.
Falta de devoção
relativamente à palavra
de Deus.
ALEGORIA DA PREGAÇÃO AOS PEIXES
10. Em
particular
Louvor das virtudes
dos peixes
Crítica dos vícios
dos homens
Possui entranhas que
saram a cegueira e coração
que afasta os demónios.
PEIXE DE
TOBIAS
RÉMORA É pequena no corpo, mas
grande na força e no poder.
Heresia.
Ausência de conversão.
Fraqueza humana. Apatia/
ausência de vontade.
CRÍTICA SOCIAL E ALEGORIA
11. Em
particular
Louvor das virtudes dos
peixes
Crítica dos vícios dos
homens
Tem quatro olhos, dois que olham
para cima e dois que olham
para baixo.
TORPEDO
QUATRO-
-OLHOS
Produz descargas elétricas,
fazendo tremer o braço do
pescador e evitando ser pescado.
Exploração do próximo.
Corrupção.
Ambição desmedida.
Vaidade.
Incapacidade de
discernimento.
CRÍTICA SOCIAL E ALEGORIA
12. CRÍTICA SOCIAL E ALEGORIA
Ao censurar os vícios dos peixes, Vieira critica,
por analogia, os defeitos dos homens.
Repreensão dos
vícios dos peixes,
em geral
Repreensão dos
vícios dos homens,
em geral
Exploração dos mais fracos, oportunismo, cobiça,
antropofagia social (“comem-se uns aos outros”).
13. Em
particular
Repreensão dos vícios
dos peixes
Repreensão dos
vícios dos homens
Parasitismo
(“não só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhes
pegam aos costados que jamais os desaferram”)
RONCADOR
PEGADOR
Arrogância
(“É possível que, sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de
ser as roncas do mar?!”)
CRÍTICA SOCIAL E ALEGORIA
14. Traição
(“um monstro tão dissimulado, tão fingido,
tão astuto, tão enganoso e tão
conhecidamente traidor”)
Em
particular
Repreensão dos vícios
dos peixes
Repreensão dos
vícios dos homens
VOADOR
POLVO
Ambição
(“Não contente com ser peixe, quiseste
ser ave”)
CRÍTICA SOCIAL E ALEGORIA
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15. VISÃO GLOBAL DO SERMÃO
LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
Introdução
Exórdio
Desenvolvimento
Exposição e
Confirmação
Conclusão
Peroração
Capítulo I
Apresentação do assunto e da estrutura do sermão.
Panegírico a Santo António. Invocação à Virgem Maria.
Capítulo II
Elogio das
virtudes,
em geral
Capítulo II
Elogio das
virtudes, em
particular
Capítulo IV
Crítica dos
vícios, em
geral
Capítulo V
Crítica dos
vícios, em
particular
Capítulo VI
Conclusão do discurso: apelo, incitamento, elevação
(os peixes são superiores a outros animais; estão acima
do pregador).
16. ESTRUTURA ARGUMENTATIVA
LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
Conclusão
Capítulo VI
Reforço da tese defendida
Devido às suas virtudes,
(os peixes são superiores a
outros animais).
Introdução
Capítulo I
Definição da tese / ideia a desenvolver
A sociedade está corrompida; a ação dos
pregadores evita a corrupção.
Ponto de partida da argumentação
Conceito predicável: Vós sois o sal da
terra (Vos estis sal terrae).
Desenvolvimento da tese
Através da exposição e da confirmação.
Desenvolvimento
Capítulos II a V
17. ESTRUTURA ARGUMENTATIVA
LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
D
E
S
E
N
V
O
L
V
I
M
E
N
T
O
Argumentos
Crítica dos vícios da
sociedade, por meio da
alegoria (através do elogio das
virtudes e da repreensão dos
vícios dos peixes, censuram-se
os comportamentos dos
homens).
Exemplos
Desenvolvimento da tese,
com base em argumentos e
exemplos, geralmente
bíblicos ou de âmbito
religioso.
Do geral para o particular
dos louvores e
repreensões em geral
(Capítulos II e IV)
para os louvores e
repreensões em particular
(Capítulos III e V).
Do positivo para o
negativo
Do louvor das virtudes
(Capítulos II e III) para a
repreensão dos vícios
(Capítulos IV e V).
19. Alegoria
representação de um conceito, ideia ou abstração através de
uma realidade concreta.
“O polvo, com aquele seu capelo
na cabeça, parece um monge;
com aqueles seus raios estendidos,
parece uma estrela;
com aquele não ter osso nem espinha,
parece a mesma brandura,
a mesma mansidão.
E debaixo desta aparência tão santa, […]
o dito polvo é o maior traidor do mar.”
(Padre António Vieira, Sermão de Santo António)
No Sermão de
Santo António, o
polvo representa
fisicamente as
ideias de traição
e hipocrisia.
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LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
20. Metáfora
Utilização de um termo para designar algo diferente daquilo que
designa habitualmente, a partir de elementos que são comuns a
esse termo e ao que ele refere.
“Vós”, diz Cristo,
Senhor nosso,
falando com
os pregadores,
“sois o sal da terra”.
(Padre António Vieira,
Sermão de Santo António)
Com esta metáfora reforça-se o
valor dos pregadores,
estabelecendo-se uma analogia
entre eles e o sal: ambos têm a
função de conservação. Realça-se,
assim, o papel dos pregadores de
eliminar os pecados da terra,
através da divulgação da doutrina
cristã, e de conservar os valores da
fé.
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LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
21. Comparação
Relação de analogia entre dois termos com o objetivo de assinalar as
suas diferenças ou semelhanças, recorrendo a uma palavra ou
expressão comparativa.
“O polvo, com aquele seu capelo
na cabeça, parece um monge;
com aqueles seus raios estendidos,
parece uma estrela; com aquele
não ter osso nem espinha,
parece a mesma brandura,
a mesma mansidão. E debaixo desta
aparência tão santa, […] o dito polvo
é o maior traidor do mar.”
(Padre António Vieira, Sermão de Santo António)
Com estas
comparações associa-
-se o polvo a
entidades positivas
(monge, estrela,
brandura/mansidão),
para depois se
evidenciar o carácter
falso, hipócrita e
traidor do polvo.
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LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
22. Anáfora
Repetição de uma palavra ou expressão em início de frases,
orações ou versos sucessivos com o objetivo de intensificar a ideia
expressa.
“Morreu algum deles, vereis logo
tantos sobre o miserável a despedaçá-lo
e comê-lo. Comem-no os herdeiros,
comem-no os testamenteiros,
comem-no os legatários,
comem-no os acredores;
comem-no os oficiais dos órfãos
e os dos defuntos e ausentes […]”
(Padre António Vieira, Sermão de Santo António)
Com a anáfora
reforça-se a cobiça, o
oportunismo e a
exploração humanas
associadas à
exploração da
herança dos
defuntos.
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LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
23. Antítese
Oposição entre o significado de duas ou mais palavras ou
expressões, com a finalidade de destacar o contraste entre ideias.
“Quem olhasse neste passo
para o mar e para a
terra, e visse na terra
os homens tão furiosos e obstinados,
e no mar os peixes tão
quietos e tão devotos,
que havia de dizer?”
(Padre António Vieira,
Sermão de Santo António)
Através das antíteses
contrasta-se o
comportamento dos
peixes e dos homens,
com a intenção de
elogiar o
comportamento dos
primeiros e de censurar
o comportamento dos
segundos.
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LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
24. Apóstrofe
Interpelação de um destinatário que pode ser (ou não) humano,
real ou fictício, através do vocativo.
“Louvai, peixes, a Deus,
os grandes e os pequenos,
e repartidos em dois coros
tão inumeráveis, louvai-O
Todos uniformemente.”
(Padre António Vieira,
Sermão de Santo António)
A apóstrofe “peixes”
marca o estatuto dos
peixes como
destinatário do
sermão, contribuindo
para a dimensão
alegórica do discurso.
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LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
25. Enumeração
Apresentação ou listagem sucessiva de elementos relacionados
entre si e, geralmente, da(s) mesma(s) classe(s) de palavras, de
forma a intensificar uma ideia.
“Dos animais terrestres
o cão é tão doméstico,
o cavalo tão sujeito,
o boi tão serviçal,
o bugio tão amigo ou tão lisonjeiro,
e até os leões e os tigres
com arte e benefícios se amansam.”
(Padre António Vieira,
Sermão de Santo António)
Por meio da enumeração
sugere-se a quantidade e a
diversidade de animais
que, por viverem perto do
homem, se deixam
domesticar (em contraste
com os peixes, que são
livres por viverem longe do
homem).
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LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
26. Gradação
Apresentação de determinadas palavras ou conceitos de forma
crescente ou decrescente.
“um monstro tão dissimulado,
tão fingido, tão
astuto, tão enganoso
e tão conhecidamente traidor!”
(Padre António Vieira,
Sermão de Santo António)
O polvo é caracterizado
com base numa gradação
crescente (dissimulado >
fingido > astuto
> enganoso > traidor). Com
a gradação intensifica-se o
carácter traiçoeiro do
polvo.
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LINGUAGEM, ESTILO E ESTRUTURA
28. EM SÍNTESE
Padre António Vieira, Sermão de Santo António
Contextualização histórico-literária
Objetivos da eloquência (docere, delectare, movere)
Intenção persuasiva e exemplaridade
Crítica social e alegoria
Linguagem, estilo e estrutura
– Visão global do sermão e
estrutura argumentativa
– Discurso figurativo: alegoria,
comparação, metáfora
– Outros recursos expressivos:
anáfora, antítese, apóstrofe,
enumeração, gradação
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