Este documento discute as diferentes visões sobre o Ensino Médio no Brasil, entre formação para a cidadania ou submissão ao mercado de trabalho. A autora analisa a história das reformas no Ensino Médio e como elas refletem a tensão entre estas visões. Dados sobre acesso e permanência no Ensino Médio revelam problemas preocupantes, apesar dos limites dos dados disponíveis. A autora defende uma análise das determinações históricas e políticas para se entender as propostas para o Ensino Médio.
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Suplemento 2011 abril
1. Suplemento Pedagógico APASE 1
27 - Abril de 2011
Ano XII nº 27 - Abril de 2011
Ensino Médio: formação para a cidadania ou
submissão ao mercado de trabalho?
Editorial
“... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão semrpre
mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.” (João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas)
s constantes reformas ticas adotadas, com os ajustes pro- Violência Escolar; Tipos de
A aplicadas nos processos
de ensino e aprendiza-
gem por meio das políti-
cas educacionais de cada governo de
plantão nos últimos anos, resultam
postos e as suas eventuais
consequências.
A Professora Acácia Zeneida
Kuenzer, doutora em educação, atu-
ando no Programa de Pós-Gradua-
violência que podem ser ob-
jeto de atenção da escola;
Situando o conceito de Cur-
rículo Escolar; e Implicações
para o Currículo.
em dificuldades e incoerências neste ção em Educação pela Universidade O quarto artigo do Su-
importante nível de escolaridade: o Federal do Paraná, em seu artigo plemento, intitulado ”O En-
Ensino Médio. Protagonista de um “Ensino Médio: formação para a ci- sino Médio: diferentes olha-
dos principais embates da atualida- dadania ou submissão ao mercado de res, desafios comuns”, de
de - ensino técnico versus cidadania trabalho?” faz uma interessante aná- autoria de Celso João
- ou seja, a formação profissional em lise dessa dicotomia de expectativas Ferretti, Professor Doutor,
confronto com a educação geral. frente ao processo de ensino-apren- atualmente colaborador do
Para aprofundar a discussão des- dizagem, aos programas públicos e
CEDES, enfoca os aspectos
sa ambiguidade conceitual, a Comis- de política social. ra Vedovato, do livro “Trabalho e
da academia e dos educadores que
são deste Suplemento Pedagógico Rozana Gomes de Abreu, Pro- enfatizam a necessidade da forma- Conhecimento: dilemas na educação
convidou renomados especialistas, fessora Doutora do Colégio de Apli- ção geral para consolidação dos co- do trabalhador”, de Carlos M.
nesta área de estudos, para elabo- cação da Universidade Federal do nhecimentos que propicie uma atua- Gomez, Gaudêncio Frigotto, Marcos
rar artigos sobre o Ensino Médio, suas Rio de Janeiro, e Alice Casimiro Arruda, Miguel Arroyo e Paolo
ção cidadã da sociedade e popula-
peculiaridades, conceitos, políticas Lopes, Professora Doutora do Pro- Nosella.
ção, que demandam uma educação
aplicadas e as implicações da violên- grama de Pós-graduação em Edu- profissionalizante. Finalmente, a Diretora de Comu-
cia no currículo, com o intuito de que cação da Universidade do Rio de Ja- nicação APASE, Maria José
neiro, no artigo “A contextualização Na seção Depoimento, duas es-
sejam utilizados pelos supervisores de Antunes Rocha Rodrigues da
nas políticas curriculares nacionais colas da região de Bragança Paulista
ensino, como recurso para o seu Costa, fez a resenha da obra “A Ci-
apresentam exemplos práticos de
melhor desempenho no trabalho de para o ensino médio brasileiro”, fa- dadania Negada: política de exclusão
ações positivas, na área artística e de
acompanhamento, orientação das zem uma análise sobre a legislação, na educação e no trabalho”?, de
novas mídias, para essa exigente cli-
escolas e, sobretudo, um estímulo à as diretrizes e os parâmetros Gaudêncio Frigotto e Pablo Gentili.
entela do Ensino Médio.
reflexão e ao diálogo diante das polí- curriculares nacionais e demais do- Boa leitura!
cumentos do Ensino Completando este Suplemento,
Médio, tendo por base encontram-se, também, resenhas e
a reflexão de diversos indicações de obras que po-
autores. dem contribuir para o estudo
aprofundado do tema. Comissão organizadora:
O artigo “Implica-
ções da Prevenção da A primeira resenha, elabo- . Albino Astolfi Neto
Violência para o Currí- rada pela Supervisora de En- . Eliene Bonetti
culo do Ensino Médio”, sino, Clarete Paranhos da . Irene Machado Pantelidakis
da Professora Doutora Silva, é sobre o livro “Ensino
. Maria Antonia de Oliveira Vedovato
em Educação, Maria técnico e globalização: cida-
dania ou submissão?”, de . Maria Cecília Mello Sarno
Auxiliadora Elias,
tem sua estrutura fun- Marcos Francisco Martins. . Maria Clara Paes Tobo
damental articulada A seguinte, foi realizada . Maria José Antunes Rocha R. da Costa
com: Aproximação ao pela Supervisora de Ensino, . Maria Lúcia Morrone
Conceito da Violência; Maria Antonia de Olivei- . Rosângela Aparecida Ferini V. Chede
2. Suplemento Pedagógico APASE
2 Abordagem
Ensino Médio: formação para a cidadania ou
27 - Abril de 2011
submissão ao mercado de trabalho?
Acacia Zeneida Kuenzer (*)
1. Introdução da diversidade de modalidades é que elas é a história do enfrentamento dessa têm caracterizado as reformas do Ensino
se destinam a alunos com diferentes tensão, que tem levado, antes do que à Médio exige que se elucidem as
Ensino Médio no Brasil tem
O se constituído ao longo da
história da educação brasileira
como a etapa de mais difícil
enfrentamento, em termos de sua
concepção, estrutura e formas de
origens de classe, com o que fica reforçada
a inclusão dos incluídos; são, portanto,
desiguais, e não apenas diversas.
É esta dupla função — preparar para
a continuidade de estudos e para o
mundo do trabalho — que lhe confere
síntese, à polarização, fazendo da
dualidade estrutural a categoria de análise
por excelência para a compreensão das
propostas que vêm se desenvolvendo a
partir dos anos 40.
Após o fracasso do modelo estabe-
concepções, preenchendo o discurso
lacunar típico das ideologias, para que as
intencionalidades decorrentes de in-
teresses e visões particulares de mundo,
próprias das diferentes posições de classe,
venham à tona, e assim se possa exercer
organização, em decorrência de sua
ambiguidade, uma vez que essa não é uma lecido em 1971, com a lei nº 5692, e o direito de escolha por possíveis
própria natureza de mediação entre a
questão apenas pedagógica, mas política, com a acomodação do “caos” pela lei nº históricos que são necessariamente
educação fundamental e a formação
determinada pelas mudanças nas bases 7044/82 através de uma saída con- contraditórios, dentro dos limites da
profissional stricto sensu, obtida nos
materiais de produção, a partir do que servadora e nociva à classe trabalhadora, democracia possível”2.
cursos superiores, incluindo os de
se define a cada época, uma relação a quem não interessa um “propedêutico” Para tanto, é necessário que se analise
formação de tecnólogos, em que pese
peculiar entre trabalho e educação. equivocadamente apresentado como a materialidade desta etapa da Educação
constituir-se, após a LDB de 1996, em
Como as funções essenciais do “geral”, mas sem ser básico, voltado Básica para que se possa, não apenas fazer
segunda etapa da Educação Básica.
mundo da produção originam classes exclusivamente para a preparação do a crítica ao discurso ideológico, mas
Como resultado, a marca de sua
sociais diferenciadas com necessidades ingresso dos mais “competentes” na também perceber, nos espaços
identidade continua a ser a oferta
específicas, essas mesmas classes criam universidade, a discussão do ensino contraditórios das relações entre capital
diferenciada e desigual, revelada pelas
para si uma camada de intelectuais que médio, que vinha sendo desenvolvida e trabalho, os avanços possíveis. Com
inúmeras possibilidades de organização
será responsável pela sua homogeneidade, lenta, mas seriamente, no período de este intuito, serão analisados a seguir, os
que oscilam entre a profissionalização, nas
consciência e função, nos campos debate nacional da LDB, foi atropelada dados referentes ao acesso e à per-
modalidades articulada ou subsequente,
econômico, social e político. pela elaboração da proposta de manência, dado o reiterado discurso
e a educação geral de caráter prope-
Formar esses intelectuais é função da substitutivo do senador Darcy Ribeiro e oficial sobre a ampliação progressiva das
dêutico; a modalidade articulada pode ser
escola, com base nas demandas de cada pela apresentação do PL 1603/96 pela oportunidades, e a relação entre es-
integrada ou concomitante, e ainda, a
classe e das funções que lhes cabe Secretaria de Educação Média e colaridade média e inserção no mundo
integrada também pode ocorrer nas
desempenhar na divisão social e técnica Tecnológica do MEC/SEMTEC, cujo do trabalho, com vistas a analisar a
modalidades regular e PROEJA.
do trabalho. O exercício dessas funções conteúdo, dada a rejeição pelo Congresso propriedade do discurso sobre a am-
Em tese, a diversificação de
não se restringe apenas ao campo Nacional, foi aprovado por Decreto (nº pliação da empregabilidade.
modalidades não é um problema em si,
produtivo em si, mas abrange todas as 2208/97) e incorporado recentemente à
dadas as características diferenciadas de
seu público alvo, que inclui desde jovens dimensões comportamentais, ideológicas LDB, junto à retomada da integração 2. O acesso e a permanência:
que frequentam o curso na faixa etária e normativas que lhe são próprias, o que entre ensino médio e educação compromisso com a democratização
de 14 a 17 anos, até profissionais que exige, portanto, da escola em todos os profissional1. da oferta?
níveis, a elaboração de suas propostas Essas propostas, que se sucedem ao Em recente artigo redigido com a
retornam à escola, após anos de
experiência, para sistematizar o segundo essas exigências. longo dos anos, são justificadas por finalidade de avaliar os resultados do I
conhecimento adquirido com a Não é diferente com o Ensino Médio; diferentes discursos, que vão desde as PNE (2001-2010) e propor metas para o
experiência ou apenas para obter apenas, nesse nível, por seu caráter necessidades do desenvolvimento eco- período que se inicia (II PNE – 2011-
certificação que melhore suas condições intermediário, a elaboração da proposta nômico em face do “milagre brasileiro” 2020), o estudo dos dados disponíveis
de trabalho; entre os jovens, há aqueles pedagógica para cada fase de desen- da década de 70, passando por uma acerca do acesso e da permanência no
que, por sua condição de classe, volvimento das forças produtivas, exige pretensa proposta unitária para todos, Ensino Médio, consideradas todas as suas
demandam um ensino médio o enfrentamento adequado da tensão genérica, justificada pela afirmação “o modalidades, revelou-se extremamente
propedêutico que lhes assegure acesso às entre educação geral e educação ensino médio agora é para a vida” em preocupante, em que pesem os limites
boas universidades, e os que, filhos da específica, em busca da síntese histo- meados dos anos 90, até a necessidade dos dados disponíveis, pouco desa-
classe trabalhadora, buscam melhores ricamente possível de múltiplas deter- de formação de profissionais flexíveis que gregados e descontinuados, que não
oportunidades para inserir-se no mundo minações infraestruturais e políticas que continua caracterizando os anos 2000. permitiram a elaboração de análises
do trabalho, condição necessária para caracterizam cada momento. Como já se afirmou em texto anterior, históricas, dificultando a elaboração de
que continuem estudando. O problema A história do Ensino Médio no Brasil “compreender as diferentes propostas que um diagnóstico mais preciso3. Contudo,
1
Lei nº 11.741 de 16 de julho de 2008, art. 34.
2
Kuenzer, Acacia. O ensino médio agora é para a vida: entre o pretendido, o dito e o feito. Campinas, Cedes, Educação e Sociedade, ano XXI, n. 70, abril de 2000, p. 16.
3
Os dados aqui apresentados, neste e no próximo ítem, em sua versão original foram publicados em Kuenzer, Acacia. O Ensino Médio no Plano Nacional de Educação 2011/2020: superando a década perdida? Campinas,
Cedes, Educação e Sociedade, set de 2010, vol 31, nº 112, p. 851-873.
3. Suplemento Pedagógico APASE
Abordagem 3
é preciso considerar que esta dificuldade 2008, as quais, acrescidas às federais, 2008 era de apenas R$1.500,00vii. Estes dados, embora apresentem
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em si já é uma demonstração da política representam aproximadamente 87%; Reiteram-se, portanto, as indicações limites em face da concepção dos
em curso. Mesmo assim, com os dados ressalte-se que estes percentuais têm se já feitas na Introdução deste texto: os modelos de avaliação utilizados, apontam
disponíveis, na maioria brutos, é possível mantido relativamente estáveis nos problemas continuam os mesmos, a a necessidade de discutir que qualidade
configurar uma realidade bastante últimos anosiv. década foi perdida para o Ensino Médio, se pretende para o Ensino Médio, na
perversa. Senão, vejamos. Os dados referentes ao fluxo, que e as soluções possíveis passam pela perspectiva dos que vivem do trabalho.
A primeira conclusão que se indicam o grau de eficácia desta etapa de materialização da concepção de Educação
impõe é que as matrículas no Ensino ensino, mostram o crescimento da taxa Básica que, efetivamente, integre Ensino 3. A relação com o trabalho: a
Médio sofreram crescente retração de repetência de 18,65 em 2000 para Fundamental e Médio, assegurando escolarização média aumenta as
na década 2001/2010, quando 22,6% em 2005; de evasão, de 8,0% em continuidade mediante o estabelecimento possibilidades de inserção no
comparadas à evolução das matrículas 2000, para 10,0% em 2005; do tempo de mecanismos de financiamento mundo do trabalho?
ocorridas entre 1991 e 2001 e ao médio de conclusão de 3,7% para 3.8% compatíveis com a dimensão da
movimento ocorrido no Ensino no mesmo períodov. demanda. Isto só será possível com o Analisado o caráter ideológico do
Fundamental entre 2000 e 2008. Os dados elencados, mesmo estabelecimento de um novo pacto discurso acerca da ampliação de acesso
Assim é que, se as matrículas no descontinuados e sem a necessária federativo que integre os esforços das três e da permanência no Ensino Médio,
Ensino Médio cresceram 32,1% entre sistematização de modo a permitir análise esferas do Poder Público, de modo a torna-se necessário analisar a consistência
1996 e 2001, passando de aproxi- mais qualificada, permitem inferir que, permitir a reversão deste histórico quadro do discurso dominante relativo à
madamente 5,7 milhões para 8,4 milhões, quanto à expansão do acesso, de desrespeito aos direitos dos que vivem ampliação da empregabilidade a partir da
no quinquênio seguinte cresceram apenas permanência e sucesso, não houve do trabalho. Isto porque os dados, ampliação da escolarização.
5,6 %, passando a decrescer a partir de mudanças significativas no Ensino Médio, embora não permitam relações Para esta análise contribui o estudo
2007, de modo a configurar crescimento na vigência do Plano Nacional de consistentes, são suficientes para mostrar realizado por Ribeiro e Neder (2009), que
negativo de -8,4% de 2000 a 2008, Educação 2000/2010. que a oferta é majoritariamente pública, analisa a desocupação entre os jovens
segundo os dados do INEPi. Esta retração Pode-se afirmar, portanto, que para o urbana e para os brancos; os
se acentua entre 2008 e 2009, atingindo Ensino Médio, apesar do discurso oficial indicadores de acesso, sucesso e
um percentual de – 3,2, sendo que, em professar a ampliação da oferta, esta foi permanência apresentam evolução
2008, foram 8.369.389 matrículas contra uma década perdida. Evidencia-se, desta negativa, os fluxos apresentam
8.337.160 em 2009; ou seja, em apenas forma, o caráter ideológico de tal represamento e a distorção idade/
um ano, uma diferença de 32.229 proposição. A prioridade na aplicação série atinge a metade das matrículas.
matrículas a menos. Verifica-se, portanto, dos recursos ocorreu no Ensino E, de quebra, pelo menos a metade
que na década passada, o acesso ao Ensino Fundamental, primeira etapa da das matrículas é noturna, atendendo
Médio não apenas não se ampliou, como Educação Básica, que praticamente a alunos trabalhadores.
diminuiu aproximadamente 8,5%, atingiu a universalização. Embora Com relação à qualidade, os dados
considerados os dados disponíveis até louvável o atingimento desta meta, é de disponíveis são os do ENEM e do
2008. Mantida esta tendência, a retração se lamentar que tenha ocorrido a partir IDEB, e, embora possam ser
pode ter sido ainda maior, se considerado da retração do acesso ao Ensino Médio, discutíveis do ponto de vista da
o ano seguinte. que não foi adequadamente contemplado concepção de avaliação adotada pelos
Esses dados, contudo, precisam ser com os investimentos públicos. docentes e especialistas compro-
desagregados para permitir uma melhor Quando são analisadas outras metidos com a qualidade da educação
análise, embora se disponha apenas de dimensões, como por exemplo, a infra- para os que vivem do trabalho,
dados descontinuados. Das matriculas em estrutura, as conclusões não são muito reforçam os matizes da desqua-
2008, apenas 252.661 se localizaram no diferentes; no período de 2001 a 2007, lificação da oferta e do descaso do
campo, ou seja, aproximadamente 3%. passou-se de 46 para 47,4 as escolas setor público com o Ensino Médio,
Dos matriculados, apenas 48% têm entre que tinham biblioteca, telefone e como já evidenciaram os dados
15 e 17 anos; esta taxa era de 45,3 em copiadora. Já com os computadores, acima analisados.
2005. A distorção idade série cresceu de houve elevação do indicador; de 78,4 Os dados do Índice de pobres e não pobres, tomando como
0,38 para 0,54 entre 2000 e 2007ii. % das escolas que tinham este Desenvolvimento da Educação Brasileira referência desvantagens relativas à
Em 2006, do total dos matriculados equipamento em 2000, passou-se para – IDEB, disponibilizados pelo INEPviii, escolaridade.
no ensino médio nesta faixa etária, 94,1 em 2007, porém apenas 70% delas mostram que, em 2007, no Ensino O estudo foi realizado com jovens a
58,4% eram brancos e 37,4 % eram fizeram uso pedagógico em 2007 vi . Médio, as escolas privadas alcançaram partir dos 18 anos, para os quais a
negros. Registre-se, também, que não há média de 5,6, enquanto as escolas públicas inserção no mundo do trabalho prevalece
Em 2007, 41,3% das matrículas foram informações sobre o número e a atingiram a média de 3,2. Em face da sobre a frequência à escola. Em 2006,
feitas no turno noturno; como qualidade destes equipamentos, o que priorização da expansão e melhoria da segundo os dados da Pesquisa Nacional
aproximadamente a metade dos torna o dado pouco expressivo. qualidade do Ensino Fundamental pelo de Amostra Domiciliar (PNAD),
matriculados têm 18 anos e mais, elas Um dado relevante, e que explica em PNE 2000/2010, a estagnação do Ensino aproximadamente 52% dos jovens
provavelmente referem-se, em sua grande parte o descompromisso do Médio também no que diz respeito à inseridos na População Economicamente
expressiva maioria, a alunos que Estado, diz respeito ao custo do aluno do qualidade, era previsível. Ativa-PEA, não estudavam, percentual
trabalham ou procuram trabalhoiii. Ensino Médio. Enquanto na Organização Já os dados do ENEM para o ano de que cai para 31% para os jovens de 17
Quanto ao vínculo administrativo, o para a Cooperação e Desenvolvimento 2009 mostram que os 1000 piores anos. Ou seja, o ingresso no mercado de
esforço é majoritariamente público Econômico - OCDE, em 2004, este custo resultados foram obtidos por escolas trabalho se dá com a desistência do direito
estadual, responsável por aproxi- equivalia a R$ 13.000,00, na Argentina públicas, sendo 97,8% estaduais. à escolarização, para muito
madamente 85,8% das matriculas m e no Chile a R$ 2.000,00; no Brasil em (ENEM 2009) trabalhadores. Para fins de estudo, os
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4 Abordagem
jovens foram separados entre pobres e Apontam os autores algumas variáveis hipótese de que a educação geral, antes Desnuda-se, desta forma, o discurso
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não pobres, e em faixas etárias. Merece que podem contribuir para as maiores reservada à elite, quando disponibilizada do Banco Mundial nos anos 90, que
destaque que os autores tomam a taxas de desocupação dos jovens pobres aos trabalhadores, banalizou-se e impactou significativamente a decisão
categoria juventude de forma concreta, mais escolarizados: “background familiar desqualificou-se. Ou seja, o Ensino acerca da ruptura entre educação pro-
admitindo a sua imensa heterogeneidade e qualidade da educação” (Ribeiro e Médio se caracteriza, a partir de meados fissional e tecnológica e educação geral,
em decorrência de vários indicadores, Neder, 2009, p.505). da década de 90, pela dualidade invertida no Brasil e na América Latina (Zibas,
contemplando, entre eles a precarização Em que pese a necessidade da (Kuenzer, 2010)4. 1993, Kuenzer, 1997).
cultural e econômica; por isso, falam em realização de outros estudos para melhor Segundo a autora, esse modelo Do ponto de vista das políticas
“juventudes”. Consideram, contudo, a compreender essas relações, entre eles a começou a ser invertido desde a metade públicas para o Ensino Médio, esta é a
necessidade de estudar a relação entre comparação da taxa de desocupação dos dos anos 90, na esteira das políticas do questão crucial a ser enfrentada: a mera
escolaridade e trabalho principalmente jovens pobres que concluem o Ensino Banco Mundial para os países pobres, ampliação do acesso em propostas que
entre os mais fragilizados economi- Médio nas modalidades educação geral, que propunha a oferta de educação geral não atendem às necessidades de
camente, posto que demandam ações educação profissional integrada ao Ensino para os jovens, que não deveriam se participação social e produtiva dos que
públicas mais imediatas (Ribeiro e Neder, Médio (regular e PROEJA), e ensino profissionalizar precocemente. Assim é vivem do trabalho não é suficiente,
2009, p. 478). técnico, as conclusões apresentadas pelo que, no Brasil, o Decreto 2208/97 embora se tenha claro que esta
As conclusões relativas às taxas de estudo permitem fortalecer o poder separou a educação profissional e ampliação é urgente e necessária, com
desocupação são as esperadas: entre os explicativo da hipótese que tem sido tecnológica do ensino médio, inter- a qualidade possível.
jovens mais pobres, a taxa de deso- levantada por Zibas (1993 e 2002) e rompendo uma trajetória histórica A busca de uma nova qualidade não
cupação é maior. O que causa surpresa é Kuenzer (2006 e 2007): se a modalidade construída desde os anos 40 pelas pode justificar inércia na expansão da
o que os dados revelam a partir da relação disponível para os jovens trabalhadores é Escolas Técnicas Federais, que se oferta. Há metas, contudo, que precisam
entre anos de escolaridade e desocupação o Ensino Médio de educação geral, caracterizavam por ofertar educação ser priorizadas, para cuja efetivação torna-
(p. 485). preferencialmente noturno, de fato passa profissional pública de qualidade e com se necessário vultoso financiamento, a ser
Não obstante as taxas de escolaridade a ser essa “a escola para os filhos dos isso permitindo aos jovens o acesso ao equacionado por estratégias de cola-
entre os mais pobres terem aumentado boração entre as esferas do
como resposta à complexificação do Poder Público.
trabalho e à elevação dos requisitos de Dentre elas, a mais im-
escolaridade para acesso a emprego, portante, é a disponibilização
apontando os autores como característica ampliada da oferta de edu-
deste segmento na atualidade “a vivência cação profissional integrada
com maior intensidade, da simul- ao ensino médio para os que
taneidade de várias fases que marcam sua vivem do trabalho, como
transição para a vida adulta”, (p. 493) estratégia de enfrentamento
ainda prevalece a saída antecipada da dos efeitos perversos da
escola, como mostram os indicadores dualidade invertida. Embora
apresentados no item anterior. o Governo tenha investido
Ao tratar da relação entre escolaridade significativamente nesta
e desocupação, a hipótese que prevalece ampliação, as vagas ainda são
é que a baixa escolaridade é um dos reduzidas.
fatores que dificulta a inserção no mundo outros”, revestida antes de caráter emprego e ao ensino superior. Contudo, há ainda outro ponto a
do trabalho, a par da diminuição dos certificatório do que da qualidade social Para os filhos da burguesia e pequena enfrentar, em que pese a seletividade que
postos de trabalho e da disponibilidade, necessária para favorecer uma inclusão burguesia, as escolas médias de educação continua caracterizando, por diversos
no mercado de trabalho, de trabalhadores menos subordinada, como já apontamos geral, ofertadas pela iniciativa privada, mecanismos, entre eles a avaliação para
desempregados mais velhos e experientes. em outros estudos. Ou, quando se continuam a atender às suas demandas ingresso e a mera transposição da versão
Contudo, os resultados obtidos pelo “disponibiliza” a versão média de de acesso ao ensino superior; para os tradicional do ensino técnico, que acaba
estudo mostram que a taxa de desocu- educação geral para os trabalhadores, isso estratos médios e para parcela menos por gerar índices elevados de evasão e
pação dos jovens mais pobres que têm se faz via oferta precarizada. precarizada da classe trabalhadora, os repetência, indicadores que se acentuam
entre 11 a 14 de anos de estudos, o que Segundo as autoras, o que está cursos de educação profissional e na versão PROEJA, onde a evasão tem
corresponderia ao Ensino Médio, pelo ocorrendo é a inversão da proposta dual tecnológica ofertados pelo setor público, estado próxima de 50%: a ampliação da
menos incompleto, não se reduziu; ao que, até os primeiros anos da década de embora de reduzida oferta, atendem à oferta da modalidade integrada não
contrário, se elevou, mostrando que o 1990 ofertava a escola média de educação necessidade de inserção no mercado de resolve de todo o problema. Há que
esforço educacional deste segmento não geral para a burguesia e a escola trabalho, com o que viabilizam seu acesso construir uma proposta de ensino médio
diminui suas dificuldades de obtenção de profissional para os trabalhadores. E, ao ensino superior, na busca por as- integrado que supere a mera justaposição
ocupação. Assim, são os jovens pobres, dadas as condições de precarização que censão social. Para os segmentos da classe dos componentes geral e específico dos
mesmo escolarizados, os que têm mais as escolas médias públicas que atendem trabalhadora mais precarizados econo- currículos, sem cair no engodo de projetos
dificuldade de acesso a trabalho (Ribeiro os que vivem do trabalho têm micamente, a dualidade invertida: a com reduzida sistematização do co-
e Neder, 2009, p. 505). apresentado, as autoras trabalham com a escola de educação geral desqualificada. nhecimento a negar a necessidade de
4
Kuenzer, Acacia. O Ensino Médio no Plano Nacional de Educação 2011/2020: superando a década perdida? Campinas, Cedes, Educação e Sociedade, set 2010, vol. 31, nº 112, p. 851-873.
5. Suplemento Pedagógico APASE
Abordagem 5
formação teórica para os trabalhadores, com vistas à competitividade, para o que necessidade do estabelecimento de de Educação 2001-2008
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mediante uma rigorosa articulação entre a redução dos custos da força de trabalho padrões mínimos de qualidade precisa iv
Dados do IBGE/PNAD, sistematizados
teoria e prática a partir da prática social contribui decisivamente. E, se for possível avançar, de modo a subsidiar a for- pelo INEP/DTDIE
e dos processos de trabalho. Ou seja, há culpar a vítima pela sua própria explo- mulação de metas relativas à infraes- v
Dados da Avaliação do plano Nacional
que investir em um rigoroso trabalho de ração, melhor. trutura física e pedagógica; temas antigos de Educação 2001-2008
organização curricular para esta moda- Para tanto, contribui decisivamente a precisam ser retomados, tais como vi
Idem
lidade, o que se associa à meta de quali- oferta de Ensino Médio de educação geral construções escolares apropriadas ao vii
Idem, p.
ficar os docentes, mediante formação precarizado que, sem preparar efeti- Ensino Médio, considerando as carac- vii
sistemaideb.inep.gov.br, consulta em
inicial e continuada. vamente para o mundo do trabalho, pelo terísticas das “juventudes” que as 01/08/2010.
Outra questão a considerar é que a menos reforça o desenvolvimento de frequentam; equipamentos, laboratórios,
mera expansão das vagas públicas com algumas competências cognitivas básicas,
bibliotecas e outros espaços culturais e Referências bibliográficas
qualidade, embora absolutamente neces- acompanhado de disciplinamento ideo-
desportivos precisam ser disponi- KUENZER, Acacia Z. Ensino médio e
sária, pode não ser suficiente, pois os lógico, nos termos das demandas de um
bilizados, pois não há como ter profissional: as políticas do estado neoliberal.
trabalhadores mais precarizados econo- mercado cada vez mais polarizado e
qualidade em espaços precários. São Paulo, Cortez, 1997, 104 p
micamente podem não ter condições desumano.
Por outro lado, há novas dimensões a KUENZER, Acacia Z. A Educação
materiais efetivas para frequentar a escola Enfrentar esta relação supõe a
média, ou porque trabalham (os dados construção de um Ensino Médio com contemplar, com destaque para as profissional nos anos 2000: a dimensão
mostram que a evasão aumenta a partir outra qualidade para a classe traba- políticas de assistência ao estudante e subordinada das políticas de inclusão.
do 18 anos), ou porque não dispõem de lhadora: não a qualidade requerida para a constituição de espaços e projetos Educação & Sociedade, Campinas,
recursos suficientes ou mesmo de pelo mercado, mas a qualidade pedagógicos que atendam à diversidade vol.27, n. 96 – Especial - p. 877-910, 2007
motivação para estar em curso distante demandada pela inclusão na vida social cultural, étnica e de gênero, que assegurem KUENZER, A Z. Da dualidade assumida
de sua realidade e de suas necessidades, e produtiva, em respeito aos direitos acessibilidade e que sejam inclusivas; e à dualidade negada: o discurso da
ou tudo isso ao mesmo tempo. Assim, de cidadania. que ofereçam segurança. flexibilização justifica a inclusão excludente.
além da oferta de vagas, e da reorga- Isto implica em muitos movimentos Finalmente, a sociedade civil precisa Educação e Sociedade, n.100, 2007.
nização curricular, são necessários os a serem deflagrados pela sociedade civil exercer efetivamente controle sobre as RIBEIRO, Rosane, NEDER, Henrique.
programas de assistência ao estudante, organizada. Sem a preocupação de políticas e programas públicos, exigindo Juventude(s): desocupação, pobreza e
que promovam a gratuidade assistida ordená-los por ordem de importância, ampliação dos investimentos, realizando escolaridade. Nova Economia. Belo
mediante bolsas de estudo, auxílio merecem destaque o investimento na diagnósticos e acompanhando a execução Horizonte, 19(31), p. 475-506, set/dez,
alimentação, vale transporte, material construção coletiva de uma nova proposta das metas físico-financeiras, o que exige 2009.
didático gratuito ou outras modalidades pedagógica que, contemplando a diver- mobilização e organização. ZIBAS, Dagmar M. L. A função social do
de apoio que possam assegurar o acesso sidade, articule formação científica e Para concluir, não é demais ensino médio na América Latina: é sempre
e a permanência. sócio-histórica à formação tecnológica, relembrar que a elaboração desta nova possível o consenso? Cadernos de Pesquisa,
promovendo autonomia intelectual e ética síntese não é um problema pedagógico, São Paulo, FCC, n. 85, p. 26-32, maio,
4. A qualidade que queremos mediante o domínio teórico-metodológico mas um problema político, uma vez 1993
do conhecimento socialmente produzido que a dualidade estrutural, na versão ZIBAS, Dagmar M. L. A reforma do
Em estudos anteriores, temos e acumulado, de modo a preparar os atual de dualidade invertida, tem suas Ensino Médio no Chile: vitrina para a
mostrado que, no regime de acumulação jovens para atender e superar as raízes na forma de organização da América Latina? Cadernos de Pesquisa,
flexível, a relação entre o mercado de revoluções na base técnica de produção
sociedade, expressando as relações São Paulo, FCC, n. 115, p. 233-262,
trabalho e a escola se dá mediante um com seus perversos impactos sobre a vida
entre capital e trabalho; em que pesem março, 2002.
processo que articula dialeticamente individual e coletiva. Seja mediante uma
os avanços que possam ocorrer com a
exclusão e inclusão; a exclusão includente modalidade politécnica ou profissional,
ampliação da oferta e com a melhoria Documentos
pelo mercado, que expulsa os traba- esta proposta deverá integrar, neces-
da qualidade mediante políticas MEC. Inep. Avaliação do Plano Nacional
lhadores para inseri-los em pontos mais sariamente, ciência, tecnologia, trabalho
precarizados das cadeias produtivas, onde e cultura. Isto significa dizer que a públicas, é preciso compreender que de Educação – 2001/2008. 2009
sua força de trabalho seja consumida unitariedade da escola média será não é possível superar a dualidade CNE. Indicações para subsidiar a
predatoriamente. Já a escola articula-se a assegurada pela garantia do acesso, da estrutural a partir da escola, senão a construção do Plano Nacional de Educação
este movimento pela inclusão excludente, permanência e do sucesso em escolas de partir de transformações na própria 2011/2020, 2009.
ou seja, inclui em propostas precarizadas qualidade, independentemente da origem sociedade. CONAE 2010. Construindo o Sistema
que não detêm a qualidade necessária para de classe de seus alunos; a modalidade, Nacional Articulado de Educação: o Plano
ampliar as possibilidades de inclusão no se integrada ou de educação geral, desde Nacional de Educação, Diretrizes e
i
mundo do trabalho de forma melhor que assegurada a qualidade, deve Dados da Sinopse Estatística da Educação Estratégias.
qualificada. Como resultado, muitas contemplar os interesses e necessidades Básica, INEP/MEC
ii
vezes o certificado não é suficiente para dos seus alunos. Dados da Avaliação do Plano Nacional Sites
assegurar a inclusão. Há, contudo, que ressalvar a neces- de Educação 2001-2008 www.inep.gov.br
A dualidade invertida é uma das sidade tanto de ampliar a oferta da iii
Dados da Avaliação do Plano Nacional sistemaideb.inep.gov.br
muitas mediações pelas quais esta modalidade integrada quanto de investir
dialética ocorre, uma vez que atende às maciçamente na qualidade da modalidade
necessidades de exercício de trabalho de educação geral, com a finalidade de
precarizado em vários pontos das cadeias reverter os efeitos perversos da dualidade
produtivas, como imperativo de invertida. (*) Doutora em Educação, Professora Titular aposentada, atuando no Programa de Pós-graduação
compressão do custo final dos produtos Para tanto, a discussão acerca da em Educação da Universidade Federal do Paraná, Pesquisadora 1ª do CNPq.
6. Suplemento Pedagógico APASE
6 Abordagem
A contextualização nas políticas curriculares
27 - Abril de 2011
nacionais para o ensino médio brasileiro
Rozana Gomes de Abreu e Alice Casimiro Lopes (*)
A s políticas curriculares na-
cionais, nas duas últimas
décadas, enfocaram concei-
tos considerados importantes
por diversos setores da sociedade. Con-
ceitos como interdisciplinaridade, contex-
estabelecidas. O novo foco e ordena-
mento, segundo Bernstein, leva em con-
ta as lutas e os interesses predominantes
dos grupos envolvidos no processo e pode
produzir novos significados. A recon-
textualização deve ser entendida assumin-
“contextualizar o conteúdo que se quer
aprendido significa, em primeiro lugar, as-
sumir que todo conhecimento envolve
uma relação entre sujeito e objeto” (Bra-
sil, 1999: 79), reforçando a relação entre
teoria e prática. As OCNem reafirmam a
oficiais colaboram para uma visão
reducionista do termo, porque a
contextualização parece ser algo exterior
que vem, com a finalidade de atrair os
alunos, dar significado aos conteúdos es-
colares. As teorias relacionadas à psico-
tualização, competências, cidadania e do o caráter híbrido da cultura (Ball, importância do ensino contextualizado logia da aprendizagem são muitas vezes
tecnologia são centrais em todos os do- 1998), na medida em que cada contexto para a superação de um ensino exclusiva- citadas nos documentos com o intuito de
cumentos curriculares oficiais desde en- não possui uma hierarquia a priori, as- mente disciplinar, reducionista e enciclo- valorizar os conhecimentos prévios dos
tão. Inicialmente introduzidos pela Lei sim como as relações de poder e contro- pédico (Brasil, 2006). Os textos oficiais alunos, fazendo com que esses se tornem
de Diretrizes e Bases da Educação, esses le não apresentam somente relações ver- apontam que os jovens não relacionam os participantes ativos do processo de apren-
conceitos são contemplados nas Diretri- ticais, elas podem se entrecruzar. conhecimentos escolares com suas vidas dizagem. Dessa forma, a contextualização
zes Curriculares Nacionais (DCNem), Nesse sentido, é preciso entender as pessoais nem com as questões sociais e apresenta-se mais como um recurso
nos Parâmetros Curriculares Nacionais políticas curriculares como resultados de políticas em geral. Afirmam ainda, que o metodológico, baseados em princípios
(PCNem), nas Orientações Curriculares disputas, internas e externas, às quais vi- ensino atual está descontextualizado, pois epistemológicos e psicológicos, na medi-
Nacionais (OCNem), no Exame Nacio- sam a produzir e a instituir determina- os conhecimentos são transpostos do con- da em que discutem como ensinar me-
nal do Ensino Médio (ENEM), configu- das identidades, utilizando para isso re- texto de sua produção original para o con- lhor os indivíduos para que estes possam
rando algumas das políticas curriculares cursos humanos, materiais e simbólicos. texto escolar sem que sejam feitas pontes compreender o mundo em que vivem
estabelecidas para o ensino médio no As políticas curriculares são produções entre contextos mais próximos e signifi- (Abreu, 2002; Abreu & Gomes, 2004;
Brasil, no período citado. híbridas de diferentes discursos, curri- cativos para o aluno. Lopes; 2008).
Tais políticas promovem a difusão de culares ou não, na tentativa de estabele- Os discursos oficiais respondem de A contextualização como princípio de
sentidos, práticas e recursos que orien- cer a legitimação de determinada relação certa forma às críticas sobre a disci- organização curricular do ensino médio
tam as mudanças propostas pelo campo ou finalidade social. plinaridade e a fragmentação do conheci- brasileiro pretende facilitar a aplicação e
oficial. É por isso que os discursos que Compreender quais os discursos hí- mento, que tanto a academia quanto a a relação dos conhecimentos escolares na
apresentam esses conceitos devem ser bridos envolvidos nesse processo de recon- sociedade fazem. Defende-se que a compreensão das experiências pessoais,
analisados no sentido de entendermos as textualização pode permitir identificar as contextualização possibilitaria uma visão bem como facilitar o processo de cons-
ressignificações ocorridas quando diferen- “novas” relações de poder e controle que mais integrada dos diferentes conhecimen- trução dos conhecimentos abstratos na
tes sujeitos precisam se articular e esta- as reformas promovem. É preciso enten- tos e um diálogo maior entre os campos escola a partir do aproveitamento das ex-
belecer um discurso, que servirá de base der quais os discursos valorizados pelos disciplinares. Entretanto, essa perspectiva periências pessoais. Baseados na concep-
para outras ações políticas e promoverá documentos oficiais e como eles podem tende a desconsiderar os interesses e as ção de aprendizagem situada de David
a legitimação de um determinado senti- ser reinterpretados dentro de novos con- relações de poder que os diferentes cam- Stein (Brasil, 1999), os documentos ofi-
do. Não devemos menosprezar a força textos por diferentes sujeitos, bem como pos de conhecimento estabelecem na so- ciais valorizam a vivência de situações
que as políticas curriculares oficiais pos- quais os seus desdobramentos sociais, ciedade quando lutam por espaço, recur- cotidianas dos alunos para a construção
suem, mesmo com os diversos mecanis- políticos, culturais e educacionais. sos e legitimação (Goodson, 1997). do conhecimento, e como esse tipo de
mos de resistência que a prática pedagó- Nos documentos oficiais da reforma Desconsideram também as diversas prá- aprendizagem pode ser utilizada em ou-
gica desenvolve. do ensino médio, o discurso da con- ticas pedagógicas realizadas nas diferentes tras situações. Nessa perspectiva, a
O discurso sobre a contextualização textualização aparece associado à ideia de escolas do nosso país, dentre as quais a contextualização valoriza os saberes pré-
é interessante porque, antes mesmo da integração, considerada a principal meta contextualização é utilizada para contribuir vios dos alunos, recuperando de certa
sua circulação nos documentos oficiais, a ser alcançada pelas mudanças preconi- para o desenvolvimento do conhecimento forma ideias do progressivismo de
ele já era defendido pelo contexto esco- zadas. Machado, um dos elaboradores e escolar, bem como para a discussão das Dewey, que hoje aparecem
lar. Podemos dizer que tal fato colabora consultores do ENEM, argumenta que “a relações sociais, políticas e econômicas de ressignificados nos documentos oficiais
para que os discursos oficiais tenham uma contextualização enriquece os canais de nossa sociedade. Ressaltamos que a pers- (Lopes, 2008).
aceitação melhor perante o contexto so- comunicação entre bagagem cultural, qua- pectiva oficial apresenta a contextualização A valorização dos saberes cotidianos,
cial. No entanto, isso não significa afir- se sempre tácita, e as formas explícitas ou de forma neutra e técnica, uma vez que a dos saberes prévios dos alunos e das teo-
mar que os sentidos que prevalecem na explicitáveis de manifestação do conheci- introdução de uma nova forma de organi- rias de aprendizagem significativa é de-
definição desses documentos são os mes- mento” (Machado, 1999: 20). Dessa for- zar o currículo escolar e seus conhecimen- fendida por diversos campos disciplina-
mos que se destacam no contexto escolar ma, a contextualização é entendida como tos é vista como responsável principal pe- res, que os utilizam como forma de me-
ou acadêmico. meio de relacionar o conhecimento com las mudanças das relações existentes no lhorar o processo de ensino e aprendiza-
A transferência ou a prevalência de a prática ou com a experiência do aluno, contexto escolar, minimizando assim o gem. Dessa maneira, não é uma surpre-
determinado significado está sujeito ao permitindo a construção de significados processo político de constituição dessas sa ver tais concepções presentes nos do-
que Basil Bernstein (1981, 1996) deno- para o processo de ensino e aprendizagem. relações. Qualquer forma de organizar o cumentos oficiais, já que a elaboração
mina de processo de recontextualização. As DCNem chamam a atenção de que a currículo não pode ser vista como uma destes contou com a participação direta
Nesse processo, diferentes discursos são contextualização deve relacionar os conhe- questão técnica, pois ela altera as relações de integrantes da comunidade de ensino
retirados de seus contextos de “origem” cimentos escolares com as situações da vida de poder e controle que participam da disciplinar, com grande experiência na
e são recolocados em um novo contexto, cotidiana ou da vivência para contribuir constituição do espaço escolar. pesquisa sobre o ensino disciplinar espe-
no qual novas relações de poder e con- com a leitura e compreensão do mundo Pesquisadores como Gouvea e Macha- cífico, e sobre a formação inicial e conti-
trole, interesses e finalidades sociais são (Brasil, 1998). De acordo com os PCNem, do (2006) sinalizam que os documentos nuada de professores. No entanto, as pers-
7. Suplemento Pedagógico APASE
Abordagem 7
pectivas teóricas desses pesquisadores 81). Assim, a ideia de integração defen- No caso das políticas curriculares nacio- York: Macmillan, 1981.
27 - Abril de 2011
tendem a assumir um viés mais crítico e dida passa também pela adaptação dos nais para o ensino médio no Brasil, o dis- BERNSTEIN, Basil. A estruturação do dis-
relacionado à defesa de uma educação sistemas escolares às mudanças globais curso da contextualização apresenta como curso pedagógico: classe, códigos e controle.
democrática, pois cada vez mais rápidas, sem que haja um pontos positivos a inserção de discursos já Petrópolis: Vozes, 1996.
“não se trata de apenas inserir o questionamento ou uma reflexão maior valorizados nos contextos escolares e acadê- BRASIL, Ministério da Educação, Secreta-
aluno no mundo e, para tal fazer o dessas mudanças. Ou seja, a ideia de in- micos, fazendo com que estes discursos ad- ria de Educação Média e Tecnológica –
aluno compreender esse mundo. tegrar pela contextualização aparece com- quiram maior legitimação social, apesar de SEMTEC. Diretrizes Curriculares Nacionais
Trata-se do entendimento de que prometida com o novo significado do tra- ressignificados. Como pontos negativos, para o Ensino Médio. Brasília: MEC/
há um projeto de mudança a ser balho no contexto da globalização e com podemos destacar a redução e a submissão SEMTEC, 1998. Acessado no endereço
desenvolvido no mundo, de forma a apropriação e a utilização dos conheci- da contextualização aos princípios do mun- www.mec.gov.br em 15/01/2000
democrática, e diferentes conheci- mentos pelos indivíduos. do do trabalho, bem como a ausência de BRASIL, Ministério da Educação, Secreta-
mentos precisam ser construídos Se o contexto do trabalho é conside- questionamentos com relação a este tipo de ria de Educação Média e Tecnológica –
rado o mais importante, a tecnologia é discurso hegemônico. SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais
para que esse projeto se desenvol-
reconhecida como tema por excelência, A fim de concluir este texto, e não de para o Ensino Médio – Bases legais. Brasília:
va” (Lopes et al, 2001: 4).
pois permite contextualizar os conheci- finalizar nossa reflexão e análise sobre o MEC/SEMTEC, 1999. Acessado no ende-
Como exemplo, podemos citar a pre- mentos de todas as áreas e disciplinas no tema, chamamos a atenção para a impor- reço www.mec.gov.br em 15/01/2000
ocupação por parte das principais lide- mundo do trabalho. Com esse viés, res- tância de superarmos a dicotomia das aná- BRASIL, Ministério da Educação, Secre-
ranças da comunidade disciplinar de en- gata-se assim, pressupostos das teorias lises políticas. Se procurarmos entender taria de Educação Básica. Orientações
sino de química em possibilitar construir dos eficientistas sociais nas quais a apren- quais discursos e articulações estão pre- Curriculares para o ensino médio. Brasília:
uma sociedade mais justa e igualitária por dizagem está associada intimamente à sentes na constituição de determinado dis- MEC/SEB, volume 2, 135 p., 2006.
intermédio de uma cidadania responsá- inserção social do indivíduo no mundo curso político, estaremos superando as aná- GOODSON, Ivor. F. A construção social do
vel, desenvolvendo para isso questio- produtivo. Nessa lógica, a educação pre- lises que apresentam as políticas como re- currículo. Lisboa: Educa, 1997.
namentos que contribuam para a trans- cisa apenas formar o indivíduo, enquan- sultado de um processo simples, sem arti- GOUVEA, Ligiane R. & MACHADO,
formação dos modelos dominantes nos to trabalhador, de maneira que ele possa culações, e produtos de um discurso úni- Andrea H. Trilhando caminhos para compre-
diversos contextos da sociedade (Santos, se inserir na estrutura social e produtiva. co. Dessa forma, conseguiremos também ender a contextualização no ensino de Quími-
2006; Maldaner, 2008). Muitos desses A contextualização pelas tecnologias pensar em outras articulações e discursos ca. XIII ENEQ. Anais do XIII ENEQ.
discursos encontram consonância com os visa mobilizar as competências do indi- que promovam uma educação mais de- CDRom, Campinas, 7 pp., julho, 2006.
discursos de teóricos da educação, como víduo para solucionar problemas em con- mocrática e responsável. LOPES, Alice. C. Políticas de integração
Paulo Freire, que defendem uma educa- textos apropriados, fazendo com que a curricular. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2008.
Referências Bibliográficas:
ção libertadora e emancipatória como capacidade de resolver problemas possa LOPES, Alice C.; GOMES, Maria Marga-
forma de se contrapor aos processos de ABREU, Rozana G. de. A integração rida; LIMA, Inilcéa dos Santos. (2001) Di-
ser transferida para outros contextos,
opressão e de desigualdade social. como o contexto de produção (Lopes, curricular na área de Ciências da Natureza, ferentes contextos na área de Ciências da Natu-
Enquanto essas perspectivas visam 2008). Dessa maneira, os contextos va- Matemática e suas Tecnologias nos Parâmetros reza, Matemática e suas Tecnologias dos
amplamente à relação dos alunos com o lorizados nas políticas curriculares do Curriculares para o Ensino Médio. 2002.127f. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino
mundo que os cerca de forma crítica, a ensino médio são aqueles que possuem Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Edu- Médio: integração com base no mercado. Anais
concepção de contextualização nos docu- potencial para aplicar e formar compe- cação, Universidade Federal do Rio de Ja- do III ENPEC (CD-Rom). Atibaia:
mentos oficiais aparece associada ao tências e habilidades necessárias ao tra- neiro, Rio de Janeiro, 2002. ABRAPEC, nov., 2001.
mercado de trabalho e ao mundo produ- balhador e ao cidadão que precisa acom- ABREU, Rozana G. de & GOMES, Maria MACHADO, Nilson J. Interdisciplinaridade
tivo. Ou seja, os discursos defensores dos panhar as mudanças da sociedade. A M. Investigando a contextualização e as e Contextualização. In: INEP (Instituto Na-
saberes cotidianos e das experiências dos contextualização pelas tecnologias e pelo tecnologias em livros didáticos de Biologia e cional de Estudos e Pesquisas Educacionais
alunos perdem seu potencial crítico e trabalho nos documentos oficiais mostra Química para o Ensino Médio. VI Colóquio Anísio Teixeira). Exame Nacional do Ensino
transformador quando são retirados de como os discursos sobre a formação para sobre Questões Curriculares – II Colóquio Médio (ENEM): fundamentação teórico-
seus contextos disciplinares e recolocados o trabalho, a resolução de problemas e a Luso-Brasileiro. Rio de Janeiro, UERJ, metodológica. Brasília: INEP, 1999.
em um contexto oficial, onde passam a valorização do conhecimento científico CDRom, p. 2000-2015, 2004. MALDANER, Otávio A. Ensinar e apren-
estabelecer novas relações com o enfoque são considerados de fundamental impor- BALL, S. Cidadania global, consumo e po- der na área das Ciências da Natureza e suas
voltado para a inserção social no mundo tância para a vida social. lítica educacional. In: SILVA, L.H. (Org.). Tecnologias com ênfase em processos interativos
produtivo, como é o caso da valorização Nesse sentido, o discurso da contex- A escola cidadã no contexto da de significação cultural. XIV ENDIPE. Anais
do trabalho e da tecnologia. tualização nas políticas curriculares naci- globalização. Petrópolis: Vozes, p. 121- do XIV ENDIPE, Porto Alegre, CDRom,
Os contextos do trabalho e da cida- onais é um discurso híbrido que associa 137, 1998. 16 pp., abril, 2008.
dania são apresentados como forma de o concepções e pressupostos mais instru- BERNSTEIN, Basil. On the classification and SANTOS, Wildson. L. P Letramento em Quí-
.
indivíduo identificar a teoria na prática mentais e metodológicos, relacionados à framing of education knowledge. In: YOUNG, mica, educação planetária e inclusão social. Quí-
e vice-versa. Segundo os documentos, “o resolução de problemas e melhoria da Michael (org.). Knowledge and control. New mica Nova. Vol. 29, n° 3, p. 611-620, 2006.
cotidiano e as relações estabelecidas com qualidade da educação, às concepções e
o ambiente físico e social devem permi- pressupostos mais críticos voltados para
tir dar significado a qualquer conteúdo uma educação emancipadora e questio-
curricular, fazendo a ponte entre o que nadora. Cabe ressaltar que não é o fato
se aprende na escola e o que se faz, vive e do discurso da contextualização se cons-
observa no dia-a-dia” (Brasil, 1999: 82). tituir como uma produção híbrida que (*) Rozana Gomes de Abreu - Professora Doutora do Colégio de Aplicação da Universidade
O contexto do trabalho é considera- isso lhe confira uma certa positividade Federal do Rio de Janeiro (CAp-UFRJ) e Pesquisadora dos Grupos de Pesquisa “Políticas de
do o mais importante da experiência ou negatividade a priori. É preciso anali- currículo e cultura” e “Processos de articulação e produção de sentidos nas políticas curriculares de
curricular no ensino médio uma vez que sar como os diferentes discursos se arti- formação de professores”.
é “imprescindível para a compreensão culam entre si na construção de um dis- Alice Casimiro Lopes - Professora Doutora do Programa de Pós-graduação em Educação (PROPEd)
dos fundamentos científicos-tecnológicos curso maior, no caso a contextualização, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordenadora do Grupo de Pesquisa “Políticas de
dos processos produtivos” (Brasil, 1999: e quais as suas finalidades sociais. currículo e cultura”, www.curriculo-uerj.pro.br
8. Suplemento Pedagógico APASE
8 Abordagem
Implicações da Prevenção da Violência para o
27 - Abril de 2011
Currículo do Ensino Médio (*)
Maria Auxiliadora Elias
Introdução pectiva teórica adotada também deste violência, concebendo-a da seguinte distingue dois tipos: violência em “ato”
conceito em particular. Por último, e forma: e violência em “estado”, que podem
O presente artigo tem a intenção
de trazer algumas contribui-
ções para a discussão do
preocupante tema da violência e
as possíveis repercussões para o currí-
culo do ensino médio. De uns tempos
com base na pesquisa realizada pela au-
tora intitulada Violência escolar e impli-
cações para o currículo: o projeto pela vida,
não à violência - tramas e traumas, serão
elencados oito passos a serem conside-
Há violência quando, em uma
situação de interação, um ou vá-
rios atores agem de maneira di-
reta ou indireta, maciça ou
esparsa, causando danos a uma
ser particularmente significativos para
a prevenção da violência na escola.
Nas situações em que é possível a iden-
tificação da origem física dos danos
causados pela violência, como no caso
para cá, a questão da violência vem rados na elaboração de um plano de pre- de “matar”, nos encontramos diante de
ou a mais pessoas em graus vari-
ocupando a pauta de discussões de va- venção da violência, como parte inte- ato de violência. Mas, também é pos-
áveis, seja em sua integridade fí-
riadas reuniões pedagógicas em diver- grante do Projeto Político Pedagógico da sível “deixar morrer de fome ou favore-
sica, seja em sua integridade
sos níveis, mas frequentemente fica re- escola que, certamente, constituem im- cer condições de subnutrição”
moral, em suas posses, ou em suas
sumida às constatações de simples quei- plicações para o currículo. (MICHAUD, 1989: 11). Quer dizer,
participações simbólicas e cultu-
xas das violências acontecidas, sejam há situações em que a violência atua,
Aproximação ao conceito de rais. (MICHAUD, 1989: 11)
provenientes dos alunos, dos professo- mas é muito difícil rastrear seus flu-
violência No conceito de violência de
res, ou dos funcionários. Estas têm xos e indícios. Assim acontece em to-
Dentro da imensa literatura sobre a Michaud encontramos diversos aspec- das as variadas formas de atuação da
sido, muitas vezes, deixadas de lado violência, selecionamos, do ponto de tos que ajudam a dar um significado
pela educação, sem a compreensão de violência originadas em consequência
vista teórico, duas referências de am- ao que queremos aqui destacar. Man- de relações sociais de dominação, de
que poderiam ser tratadas no âmbito pla aceitação sobre o conceito de vio- tendo o núcleo da natureza da violên-
pedagógico, por serem consideradas exclusão econômica ou de privação das
lência, susceptíveis de se relacionar har- cia (“causar danos”), a definição intro- necessidades básicas do ser humano,
questões estranhas ao currículo, que pa- moniosa e fecundamente com as teori- duz o aspecto do contexto (situações
reciam estar além do conjunto dos con- como alimentação, saneamento, mo-
as pedagógicas e curriculares. de interação) dentro do conceito de vi- radia, acesso aos serviços de saúde e
teúdos e das disciplinas a serem ensi- Um conceito muito significativo, olência, o que se revela de particular
nadas e aprendidas. Por esse motivo, o educação, etc.
compatível com a visão da educação importância para as ações interventivas,
tratamento dos problemas da violência como forma de prevenção, redução ou preventivas da violência e educativas da Violência escolar
costumava ser remetido a agentes ex- superação da violência, é a definição convivência. Trata-se do reconhecimen- Mais do que uma categoria ou
ternos à escola. de violência adotada pela Organização to de que a violência resulta da especificidade da violência em geral,
Dentro de uma perspectiva que in- Mundial da Saúde – OMS. O Relatório interação em contextos diferentes, que é necessário ressaltar, de início, que a
tegra a prevenção da violência e a edu- Mundial sobre a Violência e a Saúde ado- vai desde o contexto do indivíduo e fa- expressão “violência escolar” engloba
cação da convivência, tentar-se-á, do ta como definição de violência: mília, escola, bairro, até contextos na- uma multiplicidade de fenômenos di-
ponto de vista teórico, recolher algu- cionais e globais. Assume-se que as versos, que, frequentemente, se apre-
O uso intencional da força físi-
mas contribuições que nos ajudem a ações interventivas ou preventivas de- sentam juntos, misturados, embara-
ca ou do poder, real ou em ame-
compreender e conceituar algumas das vem ser realizadas atuando nesses con- lhados. A violência escolar é uma cons-
aça, contra si próprio, contra
faces da violência e seu tratamento no textos, como recomendam as recentes telação.
outra pessoa, ou contra um gru-
âmbito pedagógico. Esses conceitos pos- orientações de prevenção da violência. Vejamos, por exemplo, a definição
po ou uma comunidade, que re-
sibilitam estabelecer ligações e reflexos Fundamenta-se aqui a estratégia de atu- de violência escolar de Serrano e Iborra:
sulte ou tenha grande possibili-
diretos e, às vezes, indiretos ao traba- ação integrada da escola com outros ato-
dade de resultar em lesão, mor- qualquer tipo de violência que se
lho educativo no âmbito da escola, re- res da sociedade nas ações de preven-
te, dano psicológico, deficiência dá em contextos escolares. Pode
percutindo no currículo escolar. Espe- ção à violência.
de desenvolvimento ou priva- ir dirigida para alunos, profes-
ra-se que estas reflexões possam Desse conceito de Michaud pode
ção”. (OMS, 2002, 5). sores ou propriedades. Esses atos
explicitar algumas questões que afligem ser destacada, também, a complexida-
a todos/as, suscitando nos leitores/as a Esse conceito da OMS é significa- acontecem nas instalações esco-
de e interação das causas da violência:
necessidade de problematizar a realida- tivo porque situa a violência desde a lares (aula, pátio, banheiros,
“um ou vários autores agem de maneira
de, por meio de debates e estudos para perspectiva da sua redução e dentro do etc.), nos arredores do centro
direta ou indireta, maciça ou esparsa”,
a busca de pistas na direção da resolu- marco de ações ou políticas públicas, escolar e nas atividades extra-es-
assim como as diferentes intensidades
ção de problemas que se manifestam dentre elas a educação. Nesse sentido, colares. (SERRANO, 2007: 82)
da mesma (“graus variáveis”). As impli-
no cotidiano escolar. aqui se defende, também, que as ativi- cações para os programas escolares de Desse conceito podemos destacar
Assim sendo, serão apresentados, em dades educativas possuem alta prevenção da violência, derivadas des- vários aspectos importantes. O primei-
um primeiro momento, alguns concei- potencialidade para prevenir a violên- sa realidade apontam para a conveni- ro refere-se à enorme variedade ou di-
tos esclarecedores sobre a violência que cia e educar na convivência. ência de adoção de um conjunto de versidade de fenômenos que abarca a
encaminham para a necessidade de um O outro conceito de violência esco- ações, propostas e atividades integra- violência escolar: “qualquer tipo de vi-
trabalho educativo na linha da preven- lhido procede de Yves Michaud. Ele se das. O conceito de Michaud inclui, tam- olência”. Em seguida faremos um es-
ção. Em um segundo momento, para propôs elaborar uma definição de vio- bém, a violência de tipo moral e cultu- forço para ordenar e classificar essas
que possa haver a discussão articulada lência suficientemente ampla para re- ral, o que não deve ser esquecido. mil caras da violência escolar, mas an-
com o currículo, será sinalizada a pers- ferir-se aos diferentes fenômenos de Em relação à ação violenta, Michaud tes continuemos anotando outra ques-