O documento descreve a trajetória da pesquisa realizada, incluindo os desafios enfrentados na coleta de dados em escolas. Foram entrevistados professores e especialistas de duas escolas e da Diretoria Regional de Ensino para analisar a implementação de um projeto de superação do fracasso escolar. A pesquisa utilizou entrevistas, observações e análise documental para compreender a visão desses participantes.
1. 81
4. A trajetória da pesquisa
Foi dito, anteriormente, que o objetivo geral definido para este
estudo foi analisar de que forma se dá a tradução de um projeto educacional
de superação do fracasso escolar para a prática escolar, na visão de
professores e especialistas educacionais inseridos nesse contexto.
A fim de que o objetivo traçado pudesse ser alcançado de forma
coerente e consistente, optou-se pela utilização da pesquisa de tipo
qualitativo, pois essa modalidade de investigação científica dirige-se a um
universo composto por significados, motivos, aspirações, crenças e atitudes,
o qual corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos
e dos fenômenos. No entanto, na visão de pesquisa qualitativa adotada
nesse trabalho não existe, necessariamente, um continuum entre qualitativo
e quantitativo, nem uma oposição entre essas duas dimensões, as quais
podem ser, até mesmo, complementares entre si (MINAYO, 1994).
Segundo BOGDAN & BIKLEN (1982, citados por LÜDKE &
ANDRÉ, 1986) a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de dados
predominantemente descritivos, obtidos através do contato direto do
pesquisador com o contexto de investigação e da utilização de
procedimentos de pesquisa como entrevistas, questionários e extratos de
documentos; a ênfase é maior no processo do que no produto, além da
preocupação em se retratar a perspectiva que os participantes possuem
sobre a situação investigada.
De acordo com esses autores, na modalidade qualitativa, não há
a preocupação de se buscar evidências que venham a comprovar hipóteses
definidas a priori, pois as abstrações são construídas a partir do contato
com os dados e amparadas pelo referencial teórico adotado.
2. 82
4.1. O caminho percorrido
No início de 1998, foi dado o primeiro passo da trajetória de
pesquisa, quando a pesquisadora visitou a Diretoria Regional de Ensino do
município de São Carlos, Estado de São Paulo, a fim de conversar com uma
das supervisora de ensino e se obter uma visão geral a respeito da proposta
de Classes de Aceleração e de sua implementação na região.
Nesse primeiro contato, procurou-se obter informações mais
detalhadas sobre o processo de atribuição de Classes de Aceleração e a
formação inicial e continuada dos professores responsáveis por essas
classes.
A supervisora de ensino colocou que a experiência prévia do
professor era extremamente importante e muitíssimo aproveitada na
tradução do projeto de Aceleração para a prática pedagógica. Entretanto,
segundo ela, a exigência de experiência prévia do professor a ser designado
para as Classes de Aceleração nem sempre tinha sido observada nas escolas
do município de São Carlos, já que alguns diretores não atribuíram essas
classes antes das regulares, tal como é o previsto pela proposta. Dessa
maneira, professores não tão experientes tiveram a oportunidade de lecionar
em Classes de Aceleração.
Um programa de capacitação docente foi oferecido aos
professores e coordenadores pedagógicos das escolas participantes e
realizado por uma equipe de supervisores previamente capacitados;
segundo a supervisora entrevistada, tal processo de capacitação continha
uma pauta intensiva, concentrada e bem aprofundada para analisar os
aspectos teórico - metodológicos da proposta de Classes de Aceleração.
A supervisora colocou que existiam, até aquele momento, seis
escolas participantes do projeto. Dessas escolas, quatro foram selecionadas
para dar iniciar-se a coleta de dados. Os critérios de seleção dessas escolas
foram a sua localização tanto em bairros centrais, como de periferia e por
possuírem classes em ambos os períodos (manhã e tarde).
3. 83
O segundo passo foi a visita a cada uma das quatro escolas
amostradas, a fim de se obter a permissão da direção, coordenação
pedagógica e docentes para adentrar à instituição e dar início à coleta de
dados.
No entanto, surpreendentemente, essa etapa da pesquisa revelou-
se muito diferente do que se imaginava a princípio, pois foi marcada por
obstáculos e contratempos.
Nas duas primeiras escolas visitadas, houve severa rejeição à
realização da pesquisa.
Na primeira escola, a negação veio logo no primeiro contato com
a diretora, que usou o argumento de que as professoras da escola não se
sentiriam à vontade com a presença de uma pesquisadora nas salas de aula.
Quanto à possibilidade de se realizarem entrevistas com as professoras, a
diretora alegou que o projeto de Aceleração era muito novo e que o corpo
docente da escola ainda não tinha uma opinião formada sobre ele.
Porém, durante a conversa, a diretora acabou revelando o que
parecia ser a verdadeira razão de sua rejeição à realização da pesquisa: a
escola apenas aceitava a realização de pesquisas de longa duração e que
tivessem como objetivo realizar intervenções que auxiliassem, efetiva e
imediatamente, professores e alunos. Como exemplo, descreveu o estudo de
uma pesquisadora da área de Enfermagem, que realizava um trabalho de
educação em saúde com os alunos, com previsão de atuação de, pelo
menos, dois anos.
Argumentou-se com essa diretora que era compreensível essa
atitude da escola, já que as dificuldades existentes nas escolas públicas
eram muito graves e que os professores e alunos realmente necessitavam de
auxílio externo. No entanto, do ponto de vista da pesquisa educacional, nem
sempre seria possível que as pesquisas realizadas dentro das escolas
tivessem como objetivo atender às necessidades específicas dos docentes e
alunos ou mesmo apresentarem resultados imediatos. Mesmo diante dessa
4. 84
argumentação, a diretora continuou negando o pedido da pesquisadora e se
decidiu não mais investir esforços naquela escola.
Na segunda escola visitada, novamente houve rejeição do pedido
de entrada na instituição para a realização da pesquisa. Dessa vez, a decisão
ficou a cargo da coordenadora pedagógica, que negou o pedido partindo da
alegação de que não poderia permitir que mais pesquisadores adentrassem à
escola, pois muitos outros já estavam realizando observações tanto nas
classes regulares como nas de Aceleração.
Quanto à possibilidade de entrevistar as professoras, isso
também não poderia acontecer, pois as mesmas se negavam a responder a
qualquer tipo de pergunta. Segundo a coordenadora, as professoras dessa
escola estavam cansadas de participar de pesquisas científicas e,
principalmente, de não ter o retorno do resultados dessas pesquisas.
Diante dessas negativas, extremamente frustrantes para a
pesquisadora, partiu-se para a visitação das duas últimas escolas que
constavam da amostra, as quais serão denominadas, a partir de agora, como
Escola I e Escola II.
Na Escola I, felizmente, a direção foi receptiva à presença desta
pesquisadora, aceitando que se realizasse o estudo na instituição, mas com a
condição de que fosse feita uma apresentação prévia do projeto de pesquisa
para a coordenadora pedagógica. Feita essa apresentação, a coordenadora
consultou as quatro professoras das Classes de Aceleração, mas apenas duas
das quatro professoras aceitaram conceder entrevista (desde que pudessem
ser entrevistadas juntas) e, das duas professoras, apenas uma concordou
com a realização de observação de aulas em sua classe.
No entanto, ainda havia uma última escola a ser visitada, a
Escola II.
Nessa escola houve uma intensa rejeição por parte da diretora
quanto ao ingresso da pesquisadora. Questionada sobre a sua reação, ela
5. 85
colocou que a rejeição não era específica à pesquisadora mas, à
pesquisadores em geral.
O motivo dessa atitude estava relacionado a uma pesquisa
anteriormente realizada naquela escola, o qual teria chegado a conclusões
questionáveis, do ponto de vista da diretora, e que teria criado um intenso
mal estar entre toda a equipe escolar.
Diante de mais uma negativa, recorremos à coordenadora
pedagógica mesma escola, conhecida da pesquisadora de outras ocasiões.
Foram explicados à coordenadora os objetivos do trabalho de pesquisa e
ela, compreendendo a importância do estudo, disse que iria conseguir que
fossem realizadas, pelo menos, as entrevistas com as professoras da escola.
Assim, a coordenadora, além de conseguir convencer a diretora sobre a
necessidade de se realizarem as entrevistas com o corpo docente das
Classes de Aceleração, mediou o contato inicial entre a pesquisadora e três
das quatro professoras, que aceitaram conceder uma entrevista em grupo. A
quarta professora foi entrevistada individualmente em outra ocasião, por
estar ausente da escola na data combinada para a entrevista em grupo.
Um fato interessante ocorrido na Escola II é que uma das
professoras de Classes de Aceleração, ao saber da intenção da pesquisadora
em realizar observações nessas classes, aceitou a presença da pesquisadora
em sua sala de aula, apesar de sua decisão ter sido vetada pela diretora.
Além das professoras das Escolas I e II, duas especialistas
educacionais da Diretoria Regional de Ensino foram convidadas para
participar do estudo, por serem as principais responsáveis pelo processo de
capacitação dos professores e coordenadores pedagógicos envolvidos no
projeto e pela supervisão direta das Classes de Aceleração na região.
O acesso à Diretoria Regional de Ensino (D.R.E) deu-se sem
maiores dificuldades, pois as especialistas procuradas foram solícitas e o
processo de coleta de dados realizou-se sem maiores problemas; além disso,
a especialista responsável pelo processo de capacitação docente do projeto
6. 86
de Aceleração ofereceu vários documentos à pesquisadora, os quais
forneceram dados valiosos que foram analisados e incorporados ao
trabalho.
4.2. O processo de coleta de dados
Nesta seção, serão descritos os aspectos relacionados ao
processo de coleta de dados, partindo-se da caracterização dos participantes
e dos instrumentos de pesquisa utilizados.
A seguir, explicitamos quais foram os participantes, a que
instituições pertenciam, seus nomes fictícios, profissões ou cargos e
atribuições gerais
Do corpo docente da Escola I participaram duas professoras:
ANA, responsável pela Classe de Aceleração II e BIANCA, responsável
pela Classe de Aceleração I. Uma ex- professora de Classe de Aceleração I
dessa mesma escola, chamada CÉLIA, apesar de não estar em exercício na
época da coleta de dados, também foi considerada como participante desse
estudo. A inclusão dessa ex - professora como participante do estudo,
mesmo estando afastada da Escola I, deveu-se ao fato dela ter atuado no
ano primeiro ano de implementação do projeto Classes de Aceleração nessa
escola e de ter sido considerada, pela professora Ana, como uma importante
interlocutora nesse processo.
Na Escola II houve a participação de todo o corpo docente das
Classes de Aceleração, composto por quatros professoras: GRAÇA E
FERNANDA, das Classes de Aceleração I e ELAINE e HELOÍSA, das
Classes de Aceleração II.
Além das professoras, também houve a participação da
coordenadora pedagógica da Escola II, IRENE que, no decorrer do processo
de coleta de dados foi nomeada vice - diretora.
As duas especialistas da D.R.E., JÚLIA e LUCIANA,
respectivamente Supervisora de Ensino e Auxiliar Técnico - Pedagógica,
7. 87
foram as responsáveis pela implementação do projeto de Aceleração na
região e pelo processo de capacitação dos envolvidos nas Classes de
Aceleração.
Em síntese, participaram desse estudo um total de dez
participantes, dentre esses sete professoras de Classes de Aceleração de
duas escolas, uma coordenadora pedagógica de uma escola e duas
especialistas educacionais da D.R.E.
Os principais procedimentos de coleta de dados utilizados neste
estudo foram a entrevista, nas modalidades individual e em grupo, a
observação participante, o questionário, as conversas informais, além da
análise documental.
A seguir, serão descritas as principais características de cada
procedimento, assim como a maneira pela qual foram escolhidos para serem
utilizados no processo de coleta de dados.
De acordo com FONTANA & FREY (1994), a entrevista é um
dos procedimentos mais comuns e poderosos que podem ser utilizados na
tentativa de se compreender o ser humano. Possui uma ampla variedade de
formas e uma multiplicidade de usos. O tipo mais comum de entrevista é a
individual, que se dá por meio de uma interação verbal face - a - face entre
entrevistador e entrevistado e, no caso de pesquisas científicas, entre
pesquisador e participante.
Segundo os autores, outra modalidade de entrevista, não tão
conhecida e freqüente, é a realizada em grupo. Apesar de não ser muito
utilizada em pesquisas científicas, as entrevistas em grupo vem ganhando
popularidade entre os pesquisadores da área de Ciências Humanas.
Carateriza-se pelo questionamento sistemático e simultâneo de vários
indivíduos em uma situação formal ou informal e sua utilização substitui o
uso das entrevistas individuais; é uma opção que merece consideração, pois
oferece ao pesquisador um outro nível de coleta de dados e uma nova
perspectiva de análise dos problemas de pesquisa.
8. 88
Para FONTANA & FREY (1994), as habilidades requeridas das
entrevistadas para realizar uma entrevista em grupo não são muito
diferentes das necessárias para empreender a entrevista individual:
flexibilidade, objetividade, empatia, persuasão e capacidade de ouvir. No
entanto, a entrevista em grupo requer do entrevistador pelo menos três
habilidades específicas: cuidar para que uma pessoa ou um pequeno grupo
de pessoas não dominem o grupo maior; encorajar os indivíduos mais
calados e resistentes a se expressarem e procurar sempre obter respostas da
totalidade do grupo, de forma a assegurar a abordagem mais completa
possível sobre determinados tópicos abordados.
Os autores apontam as vantagens metodológicas do uso da
entrevista em grupo: ser flexível, estimular a comunicação e a participação
dos participantes; possibilitar a observação da dinâmica do grupo de
entrevistados, o que pode auxiliar na compreensão dos dados. Quanto às
desvantagens, essas basicamente se referem à interferência que a cultura do
grupo pode ter sobre a expressão individual, pois aqueles que apresentam
menos facilidade em se expressar oralmente têm a tendência de concordar
com a resposta daqueles atuam como lideranças grupais.
Neste estudo as entrevistas em grupo ocorreram em momentos
diferentes, com os seguintes participantes:
- duas professoras da Escola I: Ana da Classe de Aceleração II
e Bianca da Classe de Aceleração I;
- três professoras da Escola II: Elaine e Heloísa das Classes de
Aceleração II, Graça da Classe de Aceleração I;
- duas especialistas da D.R.E.: Júlia, Supervisora de Ensino e
Luciana, Assistente Técnico - Pedagógico.
Além das entrevistas em grupo também foram realizadas duas
entrevistas individuais: a primeira com a ex - professora da Escola I, Célia e
segunda com a professora Fernanda, da Escola II, ambas responsáveis por
Classes de Aceleração I.
9. 89
É necessário enfatizar que, no decorrer do processo de análise de
dados decidiu-se realizar uma nova entrevista coletiva, para uma
complementação dos dados já coletados nas primeiras entrevistas, com as
professoras ELAINE (Classe de Aceleração II) e FERNANDA (Classe de
Aceleração I), da Escola II, tanto por terem sido consideradas, pela
pesquisadora e pelos seus próprios pares, como bem - sucedidas em sua
prática docente, como pela sua disponibilidade em participar do estudo.
As entrevistas realizadas, individualmente ou em grupo, foram
semi - estruturadas. Dessa forma, apesar da existência de roteiros
específicos para cada tipo de entrevista (ver Anexos 1a e 1b), que outras
questões puderam ser realizadas no decorrer das entrevistas, de modo a
complementar ou elucidar assuntos importantes que emergiam no discurso
dos participantes.
É necessário ressaltar que a elaboração de roteiros para as
entrevistas com os participantes foram subsidiadas pela leitura e pela
análise dos dados que já estavam sendo coletados. Dessa maneira, os dados
obtidos junto às professoras auxiliaram a elaboração do roteiro de entrevista
com as especialistas da D.R.E.
No roteiro de entrevista com as professoras, os seguintes
aspectos foram elencados:
- trajetória acadêmica e profissional da professora;
- interesse pela Classe de Aceleração;
- avaliação da classe daquele ano;
- avaliação do processo de capacitação recebido;
- dificuldades para atuar nas Classes de Aceleração;
- avaliação da reação dos outros professores da escola, os
alunos e os pais sobre o projeto;
- avaliação do projeto de Aceleração;
- críticas e sugestões para melhorar o projeto.
10. 90
O roteiro da segunda entrevista realizada com as professoras
Elaine e Fernanda da Escola II versou, basicamente, sobre:
- as razões pelos quais as suas práticas pedagógicas nas
Classes de Aceleração haviam sido consideradas bem - sucedidas;
- as mudanças que haviam percebido em sua atuação após a
experiência nessas classes;
- o conceito de sucesso de uma política educacional de
superação ao fracasso escolar e os critérios que deveriam ser observados
para que uma política educacional de combate ao fracasso escolar obtivesse
sucesso na prática docente.
O roteiro elaborado para a entrevista com as especialistas
abordou, como temas principais:
- o processo de implantação do programa de Classes de
Aceleração na região e no município e as reações dos envolvidos no
processo;
- os critérios utilizados para a escolha das escolas, a
composição das Classes de Aceleração e a seleção do corpo docente;
- o processo de capacitação dos envolvidos no projeto;
- as dificuldades encontradas em relação à capacitação dos
participantes e à observância das diretrizes pedagógicas e metodológicas na
prática docente;
- a avaliação sobre o projeto de Aceleração;
- o conceito de sucesso e os critérios a serem observados para
que um projeto educacional de superação do fracasso escolar seja
considerado bem - sucedido na prática docente.
Além da realização das entrevistas, foi realizada a observação da
prática pedagógica da professora ANA, da Classe de Aceleração II, da
Escola I. As observações ocorreram praticamente, todos os dias da semana,
por um período de dois meses letivos.
11. 91
Para realizar a observação da prática da professora foi utilizada a
observação participante, definida como um processo onde o observador é
mantido numa determinada situação social, na qual estabelece uma relação
face a face com os observados e, como parte integrante do contexto sob
observação, pode modificá-lo e ser modificado por ele. Para que a
observação participante seja realizada, é necessário que o pesquisador:
coloque-se no mundo do participante da pesquisa, procurando compreender
os mecanismos gerais que regem suas experiências cotidianas; mantenha
uma visão dinâmica considerando tanto as relevâncias dos atores sociais
como as do referencial teórico do pesquisador, permitindo interação com o
campo de pesquisa; abandone o papel de “cientista” e se comporte como
uma pessoa comum, que partilha do cotidiano e fala a mesma língua dos
participantes do contexto pesquisado (MINAYO, 1993).
É importante enfatizar que a observação das aulas da professora
Ana foi realizada como uma forma de complementar os dados coletados por
meio das entrevistas, já que não foi objetivo desse estudo analisar,
exclusivamente, a prática docente dos professores de Classes de
Aceleração.
Na observação da prática pedagógica da professora Ana
procurou-se atentar, dentre outros aspectos, à maneira como as atividades
pedagógicas eram realizadas, como se dava a abordagem do conteúdo
curricular e a utilização do material didático, que procedimentos de
avaliação do rendimento dos alunos eram utilizados; as interações entre
professora e alunos, além da forma como eram administradas as situações
conflituosas e/ou inesperadas que ocorriam em sala de aula.
Os dados obtidos a partir das conversas informais com a
professora sobre a aula do dia, problemas dos alunos e suas dificuldades e o
programa de aceleração da aprendizagem em si, foram considerados. Esses
“bate - papos” ocorriam nos intervalos das atividades, no horário do recreio
e no final das aulas. Mas essas conversas informais não aconteceram muitas
12. 92
vezes, pois a professora estava sempre com pressa para sair ou, no horário
do recreio, preferia ir tomar o seu lanche e com as outras professoras.
Quanto ao questionário, a princípio não se previa a sua
utilização, mas houve a necessidade de incluí-lo como procedimento de
coleta de dados devido à impossibilidade da coordenadora pedagógica Irene
(no período da primeira entrevista) da Escola II, conceder uma entrevista.
Devido a uma série de afazeres e compromissos (naquele momento ela já
ocupava o cargo de vice - diretora), não havia tempo disponível para
realizar a entrevista e a própria coordenadora sugeriu à pesquisadora que
fosse elaborado um questionário, o qual ela responderia em casa, nos seus
momentos livres.
O questionário aplicado (ver Anexo 1c) versou sobre:
- a trajetória acadêmica e profissional da coordenadora
pedagógica;
- a caracterização da escola (clientela atendida, perfil do corpo
docente e aspectos gerias do projeto político – pedagógico da escola);
- o processo de implementação do projeto Classes de
Aceleração, aos critérios utilizados para a composição das Classes de
Aceleração e para a seleção do corpo docente na Escola II;
- a avaliação da coordenadora pedagógica sobre o processo de
capacitação dos envolvidos no projeto;
- as dificuldades para se colocar em prática as diretrizes
pedagógicas e metodológicas do projeto;
- a avaliação sobre o projeto Classes de Aceleração;
- o conceito de sucesso e os critérios a serem observados para
que uma política educacional de superação do fracasso escolar possa ser
bem - sucedida na prática docente.
13. 93
Para melhor visualização da relação entre participantes,
instituições a que pertencem e procedimentos de pesquisa a que foram
submetidos, pode-se recorrer ao quadro explicativo abaixo:
Quadro 2:
Instituições, participantes e procedimentos de coleta de dados
Procedimentos
Participantes
Instituição Entrevista Observação
(nomes e funções) Questionário
Individual Em grupo Participante
• Ana, professora da Classe de X X
Aceleração II;
• Bianca, professora da Classe X
Escola I
de Aceleração I;
• Célia, ex - professora da X
Classe de Aceleração I
• Elaine, professora da Classe X
de Aceleração II,
posteriormente coordenadora X X
pedagógica;
• Fernanda, professora da X
Escola II
Classe de Aceleração I;
• Graça, professora da Classe X
de Aceleração I;
X
• Heloísa, professora da Classe
de Aceleração II;
• Irene, coordenadora
pedagógica, posteriormente
vice - diretora
• Júlia, Supervisora de Ensino; X
Diretoria
• Luciana, Assistente Técnico -
Regional
Pedagógico X
de Ensino
14. 94
Além das entrevistas e do questionário, utilizou-se a análise
documental para que os dados obtidos, a partir de uma série de publicações
oficiais relativas ao projeto de Aceleração , fossem analisadas.
15
Além dos documentos oficiais citados também foi possível ter
acesso a questionários aplicados pela especialista Luciana da D.R.E, no
decorrer do primeiro semestre de 2000, junto a 61 alunos egressos de
Classes de Aceleração I e II de escolas da região. Da totalidade de
respondentes, 44 alunos (72,13%) estavam cursando as 5 as séries e 17
alunos (27,87%) as 6as séries do Ensino Fundamental.
A elaboração e aplicação desses questionários fez parte do
processo de avaliação do projeto pela D.R.E. e as respostas dos alunos
foram incluídas no conjunto de dados desta pesquisa como resultados do
processo de análise documental.
O questionário elaborado pela D.R.E. continha as seguintes
perguntas:
- Como se sentiu na Classe de Aceleração?
- O que foi mais importante?
- Quais as diferenças que percebe agora?
- Neste ano, em qual (ou quais) disciplinas sente dificuldade e
por quê?
Vale enfatizar que os alunos respondentes são provenientes de
diferentes escolas da região e estão identificados apenas pelo seus nomes,
pelo nome da escola que freqüentam e pela série a que pertencem. Como
não há menção ao nome da escola de onde os alunos são egressos, não é
15 Ensinar pra Valer!, Aprender pra Valer!; Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino
Fundamental: Classes de Aceleração - proposta pedagógica curricular (SÃO PAULO - Estado,
1997a), Reorganização da Trajetória Escolar no Ensino Fundamental: Classes de Aceleração:
documento de implementação (SÃO PAULO - Estado, 1997b), Classes de Aceleração:
orientações para capacitação de professores. (SÃO PAULO - Estado, 1999).
15. 95
possível saber se nessa amostra existem alunos oriundos das Classes de
Aceleração das Escolas I e II.
O acesso às respostas dos alunos foi considerado valioso e a sua
inclusão na análise dos dados deve ser considerada como uma oportunidade
de se apresentar ao leitor uma visão do tipo de avaliação que alunos
egressos de Classes de Aceleração fazem sobre a sua experiência nesse
contexto.
4.3. A organização e a análise dos dados
De acordo com LÜDKE e ANDRÉ (1986), a análise dos dados
implica “trabalhar-se” todo o material obtido no decorrer da pesquisa. Num
primeiro momento, todo o material deve ser dividido em partes, que são
relacionadas entre si a partir de tendências e padrões relevantes e, num
segundo momento, essas tendências e padrões são reavaliados, buscando-se
possíveis relações e inferências em um nível de abstração cada vez mais
elevado.
Dessa forma, a totalidade dos dados, obtidos através das
entrevistas e do questionário, das conversas informais e análise documental,
foi submetida a um processo de organização e classificação de acordo com
focos gerais de análise, os quais foram definidos no início do trabalho, mas
que foram sendo complementados por focos mais específicos no decorrer
do processo de pesquisa, sempre relacionados aos objetivos e problemas de
pesquisa e baseados no referencial teórico.
É necessário alertar ao leitor que, na apresentação e análise dos
dados coletados por meio de entrevistas, não há a resposta de todas
professoras em alguns focos de análise pois, como as entrevistas foram
semi - estruturadas, alguns temas surgiram em um entrevista e não
necessariamente em outras; no caso das entrevistas em grupo, a
interferência da liderança grupal foi observada e também pode explicar o
16. 96
fato de que na descrição e análise das entrevistas, alguns participantes
sejam mais citados do que outros.
Todas as respostas obtidas por meio das entrevistas junto às
professoras das Escolas I e II e às especialistas da D.R.E., além do
questionário aplicado à coordenadora da Escola II foram submetidas à
Análise de Conteúdo, a qual pressupõe o aprofundamento da leitura dos
dados de forma a ultrapassar os significados manifestos através da relação
das estruturas semânticas (significantes) com as estruturas sociológicas
(significados) dos enunciados (MINAYO, 1993).
Nesse sentido, todas as respostas foram analisadas com o
cuidado de não se limitar a análise apenas ao que estava aparente ou
explícito no material, procurando-se o aprofundamento e o desvelamento
das mensagens, das idéias implícitas e dimensões contraditórias dos
assuntos discutidos. Foram considerados os termos, conceitos ou expressões
mais freqüentemente utilizados.
Com relação à observação da prática pedagógica da professora
Ana, a determinação dos focos de análise basearam-se no referencial teórico
e na classificação utilizada no estudo de SOUZA, VIÉGAS & BONADIO
(1999) sobre a prática pedagógica de uma professora de Classe de
Aceleração. Em síntese, os dados coletados durante a observação das aulas
foram classificados de acordo com os seguintes focos:
- caracterização da classe;
- organização da rotina diária de trabalho;
- metodologia de ensino e abordagem dos conteúdos;
- avaliação da aprendizagem dos alunos;
- incentivo à participação dos alunos;
- clima de trabalho em sala de aula;
- resgate da auto - estima dos alunos.
17. 97
As respostas dos alunos egressos de Classes de Aceleração
foram inicialmente organizadas a partir das questões originais e da classe a
que o alunos pertenciam (ver Anexos 3a e 3b), mas no processo de análise
foram consideradas em sua totalidade, sem separação por classes;
posteriormente, foram submetidas aos preceitos da Análise de Conteúdo.
Os resultados do processo de análise de dados serão
apresentados nos próximos capítulos obedecendo-se à ordem em que foram
coletados. Em primeiro lugar serão apresentados os resultados de análise de
dados relativos às professoras da Escola I (capítulo 5); em seguida, os
relativos às professoras e coordenadora pedagógica da Escola II (capítulo 6)
e, logo após, os relativos às especialistas da Diretoria Regional de Ensino
(capítulo 7).
A análise das respostas dos questionários dos alunos egressos de
Classes de Aceleração (capítulo 8) vêm em último lugar na ordem de
apresentação, fechando o ciclo iniciado a partir da apresentação dos dados
relativos às professoras da Escola I.
Como é inerente à realização de pesquisas qualitativas, cada uma
das etapas descritas não ocorreu de forma linear pois, além da necessidade
de reformulação do planejamento inicial diante das situações imprevistas
que surgiram ao longo do caminho, assim como “idas e vindas” constantes
entre a coleta e a organização e análise dos dados.
Ao longo deste capítulo deve ter sido possível perceber que o
desenvolvimento desse estudo foi marcado por vários contratempos e
percalços e que, nem sempre, foi possível realizar-se aquilo que se havia
planejado a princípio. Alguns desses contratempos e imprevistos podem e
devem ser considerados perfeitamente naturais e inerentes ao processo de
desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa, a qual envolve seres
humanos e relações sociais complexas.
No entanto, na opinião da pesquisadora, outros problemas
surgiram devido a um possível desgaste existente nas relações entre
18. 98
algumas escolas públicas e determinadas instituições de pesquisa, desgaste
esse relacionado, em parte, a uma cultura escolar que busca resultados de
curto prazo, o que vêm gerando graves conflitos ou mal – entendidos entre
o que lhe interessa, em relação ao desenvolvimento de pesquisas
educacionais, e o que efetivamente se pode oferecer, em termos dos
achados dessas pesquisas.
Mesmo diante de todas as dificuldades encontradas, a
pesquisadora procurou-se manter uma atitude favorável à negociação e ao
entendimento mútuo e, a todo momento, ponderava sobre aquilo que seria
necessário e desejável para a realização da pesquisa nos moldes em que
havia sido delineada e o que realmente seria possível realizar-se, em vista
dos limites impostos pelas circunstâncias.
19. 98
algumas escolas públicas e determinadas instituições de pesquisa, desgaste
esse relacionado, em parte, a uma cultura escolar que busca resultados de
curto prazo, o que vêm gerando graves conflitos ou mal – entendidos entre
o que lhe interessa, em relação ao desenvolvimento de pesquisas
educacionais, e o que efetivamente se pode oferecer, em termos dos
achados dessas pesquisas.
Mesmo diante de todas as dificuldades encontradas, a
pesquisadora procurou-se manter uma atitude favorável à negociação e ao
entendimento mútuo e, a todo momento, ponderava sobre aquilo que seria
necessário e desejável para a realização da pesquisa nos moldes em que
havia sido delineada e o que realmente seria possível realizar-se, em vista
dos limites impostos pelas circunstâncias.
20. 98
algumas escolas públicas e determinadas instituições de pesquisa, desgaste
esse relacionado, em parte, a uma cultura escolar que busca resultados de
curto prazo, o que vêm gerando graves conflitos ou mal – entendidos entre
o que lhe interessa, em relação ao desenvolvimento de pesquisas
educacionais, e o que efetivamente se pode oferecer, em termos dos
achados dessas pesquisas.
Mesmo diante de todas as dificuldades encontradas, a
pesquisadora procurou-se manter uma atitude favorável à negociação e ao
entendimento mútuo e, a todo momento, ponderava sobre aquilo que seria
necessário e desejável para a realização da pesquisa nos moldes em que
havia sido delineada e o que realmente seria possível realizar-se, em vista
dos limites impostos pelas circunstâncias.