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Relação entre bem e mal no pensamento de Tomás de Aquino

                                                                               José Fernando Vieira1




Resumen: Hacer una relación entre bien y mal en Tomás de Aquino es traer
una teodiceia que busca refugiarse en la elaboración sistemática y genuína
hecha acerca del concepto del ser en la originalidad tomista. Acá podremos
percibir la noción del ser y sus accidentes; la esencia del mal como ausencia
del ser; y su función en la contingencia accidental encontrada en el sujeto. Así
la defensa tomista discurre del punto de vista que el mal no hace parte del Ser,
y que está de manera única en los entes, pero solo existe porque existen los
entes.



Resumo: Fazer uma relação entre bem e mal em Tomás de Aquino é trazer
uma teodicéia que busca refugiar-se na elaboração sistemática e genuína feita
acerca do conceito de ser na originalidade tomista. Aqui poderemos perceber a
noção de ser e seus acidentes; a essência do mal como a ausência de ser; e
sua função na contingência acidental encontrada no sujeito. Assim a defesa
tomista discorre do ponto de vista donde o mal não faz parte do Ser, e que ele
está de maneira única nos entes, mas só existe por que existem os entes.


Palavra chave: Mal; esseidade; essência; acidente; contingente; Ser; ente;


Introdução: Tomás de Aquino parte do pressuposto de que a razão é limitada
e não alcança a totalidade das verdades que estão subentendidas neste
assunto. O bem que aqui é comparado analogicamente com o Ser e os entes,
e deles depende, é o próprio Ser, ou seja, é Deus. Assim o mal não tem
essência e muito menos a essência do Ser. Ele é a ausência de ser que
depende intrinsecamente dos entes, pois se não existissem o ser das coisas,
não existiria o mal em si, pois esse tem por finalidade corromper o bem,

1
 José Fernando Vieira – Graduando em filosofia. 3° período. (Faculdade Arquidiocesana de Curitiba)
FAF-Uniandrade. 06/2010.

                                                1
fazendo-o limitado e destinado a desaparecer, contudo o mal a certa altura
corromperia a si mesmo; pois é próprio da sua natureza a corrupção. Aqui está
o centro da teodicéia tomista. Outro aspecto é a limitação dos entes como
parte de sua essência, e distinção entre si, sendo natural e necessário. Assim o
mal como a ausência de ser permite que os entes todos participem do Ser, e
essencialmente se fazem entes que por serem participadores não possuem e
esseidade,2 pois se assim fosse perderiam sua essência.

                        Teodicéia: “Uma linguagem sem significado”

        Quando adentramos no aspecto que envolve a razão como crivo de
medida para a concepção de verdade podemos nos deparar com algumas
dificuldades do ponto de vista reflexivo para compreender a relação entre a
afirmação da concepção cristã de Deus; com todos os seus atributos
pertencentes, em cuja afirmação nós encontramos sua impregnação tanto no
âmbito ontológico do Todo, como na finalidade última das coisas.

        Mas, uma pergunta que perpassa toda a questão proposta é; se Deus é
Deus em todos os seus aspectos e assim entendemos como o Ser supremo;
Eterno; Onipotente; Uno; Criador; Benevolente... Por que então temos que
justificá-lo? Seria ele tão mesquinho assim ao ponto de necessitar de
justificação de uma razão limitada? E ainda, defendê-lo do quê? Algo pode
ameaçá-lo? Do que estamos falando, de Deus ou de um ente qualquer que se
submete ao crivo dos nossos questionamentos?

        Justificar a Deus racionalmente foi, e é um desafio constante dentro do
próprio cristianismo; isso se pode perceber em toda a história dos intelectuais
cristãos; dentre eles iremos apontar para um dos maiores pensadores; Tomás
de Aquino.



2
  Este conceito foi retirado da obra Quem é Deus? Escrito por Mondin. A Esseidade, ou melhor, a
plenitude do ser. “Com este termo, indica-se não só que Deus existe e possui o ser, mas que ele é o ser
mesmo e que, por conseqüência, é plena e totalmente ser. Por esseidade entende-se precisamente isso:
a plenitude do ser”. (Batista Mondin. Quem é Deus? p. 294) e ainda: “Só a esseidade, qualificando a
Deus em relação a essa perfeição que é mais rica e mais fundamental de todas as perfeições, manifesta
totalmente a realidade de Deus de maneira limitada e pressupõem sempre a perfeição do ser” (Batista
Mondin. Quem é Deus? p. 295).

                                                  2
Toda a questão que aqui será apresentada; deve caminhar a partir do
pressuposto percebido por Etienne Gilson em seu comentário a respeito do
pensamento de Tomás de Aquino, neste ponto apresentado abaixo poderemos
perceber a questão limitada da razão, e o dogma de que nem tudo o que Deus
faz tem uma causa, e ainda se a causa é existente; não temos conhecimento
dela, assim:

                            [este] problema é o mais agudo da doutrina de Tomás de Aquino,
                            pois, nele, a transcendência de Deus sobre o mundo está
                            solidamente assegurada, contra toda a dificuldade que possa surgir
                            da existência do universo criado? – se quisermos dizer, - por que
                            causa? – não há resposta. Sob esta forma, precisamente, não há
                            mesmo questão. Deus criou o mundo, mas não há uma causa pelo
                            qual tenha feito. (...) não poderia haver causa daquilo que é a causa
                            de tudo o mais. (A Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino;
                                      3
                            p.71-72).

        Se o mundo não tem uma causa, e este universo criado é resultado da
participação dos entes no Ser, podemos afirmar que em relação ao mundo,
Deus simplesmente o fez, e a causa ou motivo pelo qual o tenha feito não pode
ser compreendido pela razão. A única coisa que compreendemos é a
temporalização do mundo estabelecido e respeitado por Tomás de Aquino, de
acordo com o relato da criação, encontrado nos primeiros capítulos do livro do
Gênesis.4

        Por não ser possível adentrar neste campo que segundo Tomás é de
cunho teológico e foge até mesmo da compreensão desta ciência; a teodicéia
torna-se: “Uma linguagem sem significado”.5 Temos então o ponto de partida
de Santo Tomás; a razão é importante e contém um caráter próprio de ser,
sendo capaz de buscar algumas verdades, mas diante de Deus torna-se
limitada e a certo ponto banal.

        É tendo em vista esta compreensão que prosseguimos este trabalho.
Ainda podemos destacar que: Em tudo o que a razão tender para “defender”,
3
        GILSON, Etienne. A Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino. Livraria Duas Cidades, SP.
1962.
4
         A Questão não consistia em indagar se o mundo foi criado no tempo. Sob esta forma precisa, o
problema já fora resolvido pela Revelação. Está escrito: No princípio Deus criou o céu e a terra. Portanto
houve um princípio. O que parece estranho não é terem os filósofos ignorado essa verdade, e sim o fato
que, por não terem conhecido pela Palavra de Deus, houvessem deduzido, naturalmente, que o mundo
não teve princípio. (GILSON. A Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino; p. 100).
5
  Idem; p. 72.

                                                    3
ou melhor, todo e qualquer esforço, para apreender a lógica da existência
divina e sua coerência com o que aqui no mundo, onde os entes se manifestam
pelo ato de existir, acontece de acordo com a vontade de Deus, mesmo que se
nos pareça ser de inalcançável compreensão.




                                     4
O mal na visão tomista

        Um dos maiores problemas que se contrapõem a uma compreensão
simples a respeito de Deus é a questão do mal no mundo. Aqui entendemos e
analisamos o mal como algo6 concreto e experienciável, donde todos os
indivíduos estão expostos universalmente (por exemplo, a morte; que em si é o
fim inevitável e indesejável de todo homem, tendo em vista que morrer
biologicamente é o fim do ato de existir de todo ser - homem) como também na
singularidade        subjetiva      (onde      a    compreensão           do    mal      consiste      na
circuntacialidade de cada um e em seu ponto de vista, que pode ser variada).

        Para abarcar a visão tomista a respeito de sua teodicéia temos que
perceber que ele busca aprofundar e definir o mal a partir de Santo Agostino7.

        É por isso que podemos ver o próprio Tomás afirmar “o mal não se opõe
a essência divina”. (Suma Teológica Art. X. p. 148).

        Contudo a novidade do pensamento deste autor está na maneira em que
se conhece o mal. Segundo sua teodicéia “A ciência de Deus não é causa do
mal, mas é a do bem, pelo qual é conhecido o mal” (Suma Teológica Art. X. p.
148). Assim o bem funciona como um arquétipo, cujo qual pelo processo de
analogia torna-se perceptível o seu efeito contrário. Aqui o homem como ente
que participa do Ser de Deus é, na medida em que se assemelha ou se separa

6
         Aqui compreendemos o mal não em sua totalidade de conceitos elaborados ao longo dos
filósofos como Santo Agostinho em sua divisão a respeito do tema que o distingue em mal metafísico,
físico, e moral. Nem tampouco na compreensão complexa e atual a respeito do mal a partir do
iluminismo e as mais diversas questões levantadas entre os dois principais focos deste tema, que se
reduz ao mal moral e o mal natural; como também a relação entre ambos. O mal por aqui cruamente
definido vem de encontro com a noção do senso comum, onde se encaixa tudo aquilo que nos ameaça
de uma maneira ou de outra, tudo o que nos faz perceber a contingência humana: Seja a morte, a
doença, a falta de sentido e esclarecimento de nossas origens, ou ainda de nossa finalidade. Também
podemos Alencar as questões que não se explicam como: Um terremoto, uma concentração num
campo nazista, ou a morte de um inocente dependurado numa cruz. O fato é que o mal se não definido
teoricamente, está de maneira abstrata impregnado na consciência humana e nos permite distinguir
entre o bem e o mal e seus diversos níveis.
7
         Em síntese podemos perceber que para Agostinho o mal não é uma substância criada por Deus,
mas “o mal é apenas privação do bem, privação esta que chega ao nada absoluto”, (Confissões; livro III.
ed. Paulus, coleção Patrística; 1997. p. 75), e ainda “E aquele mal, cuja origem eu procurava, não é uma
substância” (Confissões; livro III. ed. Paulus, coleção Patrística; 1997. p. 192). Assim Agostinho redime o
ato criador de Deus e o defende como sendo benevolente e incapaz por natureza de criar qualquer coisa
má. É a partir desta compreensão que Tomás de Aquino desenvolve a problemática exposta.

                                                    5
do ser, a medida com que se percebe o nível de ausência do ser; em outras
palavras, o mal.

        Uma problemática que podemos levantar a partir do raciocínio do
pensador entre a oposição analógica, onde: “o bem e o mal se chamam
gêneros, não pura e simplesmente, mas dos contrários; pois, como toda forma
tem a natureza de bem, assim toda privação, como tal, tem a natureza de mal”.
(Suma Teológica Art. I. p. 442). Se invertermos a dialética utilizando do mesmo
método analógico, podemos facilmente definir o mal que é imanente no sentido
experimental; concreto e existente, pois ninguém em sã consciência é capaz de
dizer que o mal não existe; fazendo dele o arquétipo numa projeção abstrata
contrária ao próprio bem. Assim podemos afirmar que conhecemos o bem
somente como idéia e necessidade de se livrar do mal, cujo qual é muito mais
próximo de nossa natureza.

        Se colocarmos o mal como a essência arquetípica, para definir e
delimitar as coisas existentes, nós caímos numa ilação metafísica contraditória,
tendo em vista que o mal tem por natureza a corrupção do bem, e que quando
assim    ocorrido   numa   certa   altura       teria   corrompido   todo o   bem e
conseqüentemente o próprio mal, que a partir de então passaria a não mais
existir. E isso o filósofo percebeu de maneira única:

                     porém não pode haver um mal sumo, pois, segundo já se demonstrou
                     embora o mal sempre diminua o bem, nada pode haver íntegra e
                     perfeitamente mau. Pelo que o Filósofo [Aristóteles] diz – o mal
                     integral se destruirá a si mesmo pois, destruído todo bem, o que é
                     exigido para a integridade do mal, elimina-se também o próprio mal,
                     cujo sujeito é o bem. (Suma Teológica Art. I. p. 454)

        Para o pensamento tomista temos que perceber a importância do Ser,
donde deriva todos os outros seres existentes, contudo estes entes participam
de maneira limitada, sendo um bem menor e cujo nível se encontra submetido
a males, ou melhor, os entes sofrem privação da totalidade do Ser evitando
assim se assemelharem a ele, e ao mesmo tempo se distinguindo do mesmo.

        Assim nos entes temos o bem derivado do Ser e o mal que não faz parte
nem da esseidade do próprio Ser; nem de seu ato criador; nem da essência
mesma daqueles que estão sujeitos a privação. Aqui percebemos o mal como

                                            6
impregnado nos entes de maneira acidental e não em sua essência. Assim “o
mal tem causa ao modo do agente, não certo por si, mas por acidente”. (Suma
Teológica Art. I. p. 451).
        A distinção entre essência e acidente traz toda a problemática elaborada
por Aristóteles.8 A partir do conceito assim definido como acidente, podemos
compreender o porquê de para Tomás o mal estar sempre num plano
secundário e não fazer parte da ordem criadora de Deus. Assim o mal é
percebido pelo sujeito (no sentido daquele que prática a ação) que é o bem por
participação (homem) capaz de perceber, de colocar em escalas, e também de
ser responsável pelo mal, tanto pela limitação que é própria de sua natureza,
como pela causa moral e conseqüencial de sua liberdade e vontade.




8
          O conceito de acidente se reflete no sentido não causal aristotélico onde existe o “acidente por
si, isto é, aquele caráter que, embora não pertença à substância – estando, pois, fora da definição -,
pertence ao objeto em virtude daquilo que o próprio objeto é”, e ainda: “o acidente por si está
vinculado casualmente (e não casualmente) às determinações necessárias da substância, embora não
faça parte delas. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, SP, Ed. 2007. Edição
revisada, p. 14). Podemos ainda segundo Abbagnano relacionar essa categoria com as qualidades,
designando as características de uma realidade (substância) que não pode ser retirada para não perder
aquilo que a faz ser. (Dicionário de Filosofia; p. 14).


                                                    7
A “saída” tomista

        Agora podemos perceber a estrutura elaborada diante da teorização do
mal, e a maneira como que Tomás de Aquino se esquiva, ou melhor, defende a
concepção de benevolência pertencente a Deus. Mas nos resta levantar uma
questão essencial, se Deus não é o criador do mal, mas também não deixa de
ser o Onipotente; então por que ele não interfere na ordem do mundo e elimina
o mal. Se discutirmos a partir da visão de que o mal não pode afetar a Deus,
podemos junto com o “titulo” de intocável, o denominar cruel; pois, se ele não
sofre a ausência de si mesmo; ele é indiferente as criaturas que criou, pois elas
estão expostas ao mal, ao ponto de poderem ser gradativamente corrompidas
e exterminadas do próprio bem.

        Segundo o doutor angélico temos que compreender a ação de Deus que
age de maneira perfeita e máxima, não em cada uma das partes, mas na
                                                                          9
perfeição que se encontra na “totalidade relacionada”.                        Tomás se distância de
Leibniz, pois a ordem natural para ele não é possibilidade única e a melhor
possível como defendeu posteriormente Leibniz, mas uma ordem consciente
do ser de Deus, que faz com que o homem se perceba como um ser
participativo e contingente. 10

        Assim para o tomismo tanto a criação como o próprio ato de ser do
homem não pode subsistir em si mesmo e sua natureza que envolve a
“ausência de ser” própria do homem:
9
         Para Leibniz a ideologia racional é otimista com fundo platônico, ou seja, “a ideologia prevalece
sobre a experiência, com base na qual se poderia até questionar a realidade do bem e afirmar a maciça
presença do mal (o bem poderia também ser definido como ausência do mal). Não há experiência sem
valoração, e, no caso de Leibniz, a ideologia filosófica funciona como filtro para definir a realidade, sem
se deixar questionar por ela. (ESTRADA, Juan Antônio. A impossível Teodicéia. A crise da fé em Deus e o
problema do mal. Paulinas. 2004, p. 211).


10
          Entendemos o conceito de contingente no “sentido escolástico onde o termo passou a ter
significado específico, diferente do que se entende por ‘possível’, passou a significar aquilo que, embora
sendo possível ‘em si’, isto é, em seu conceito, pode ser necessário em relação à outra coisa, ou seja,
àquilo que o faz ser. Por exemplo, um acontecimento qualquer do mundo é contingente no sentido de
que é considerado per si, poderia verificar-se ou não; e em segundo sentido, o contingente verefica-se
necessariamente pela causa. Desse ponto de vista enquanto o possível não só não é necessário em si,
mas tampouco é necessariamente determinado a ser” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia.
Martins Fontes, SP, Ed. 2007. Edição revisada, p. 233-234).



                                                    8
Segundo entende Tomás de Aquino. Seu criador é AQUÊLE QUE É;
                     o primeiro efeito causado pelo Criador, na sua obra, é o ato de ser.
                     Por que e como deveriam aquêles, cuja primeira propriedade é ser,
                     abrigar uma aptidão inata para perder sua própria existência? Em
                     primeiro lugar, o ser criado não tem o poder de deixar de existir
                     enquanto tem existência, do mesmo modo que não tem o poder de vir
                     a ser antes do momento de sua criação. Além disso, muito embora
                     não possa subsistir um momento sequer senão pela permanente
                     presença nêle de seu criador, ainda assim não podemos imaginar o
                     mundo senão como subsistindo, por si próprio. Por que, do contrário,
                     deveríamos dizer que, mesmo depois de criado, o mundo não tem
                     existência própria. Deveríamos até dizer que o mundo criado não
                     pode esperar que ele subsista por si próprio, êsse mundo criado
                     subsiste apenas através do ato de ser de Deus. (GILSON, A
                     Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino. p. 101).



      Parece-nos interessante visar que o fato do ato de ser dos entes se
movimentarem de maneira finita e própria; é o que “gera” o mal, ou, aquilo que
percebemos como sendo mal, não é necessariamente um mal, mas é aquilo
que o ser distinto dos entes, que não é finitude, mas sim, característica própria
de cada ser, em seu modo e individualidade. Assim:

                     O todo em si que é a universalidade das criaturas, é melhor e mais
                     perfeito se nele existirem certas realidades que possam ter e de fato,
                     às vezes tenham deficiência de bem; e Deus tal não impede. Quer
                     por não ser próprio da providência destruir, se não salvar a natureza,
                     como diz Dionísio; e da natureza mesma das coisas resulta, que as
                     susceptíveis de deficiências ás vezes são deficientes. Quer por que
                     como diz Agostinho, Deus é tão poderoso de modo a poder tirar bem
                     do mal. Por onde muitos bens seriam tolhidos se Deus não permitisse
                     nenhum gênero de mal. Assim não se geraria o fogo se o ar se não
                     corrompesse; nem se conservaria a vida do leão se não fosse morto
                     o asno. Nem tão pouco seria louvada a justiça do vingador e a
                     paciência do padecente, se não fosse a iniqüidade do perseguidor.
                     (Suma Teológica Art. I. p. 444).

      Diante desta colocação, Deus além de ser “remido” da acusação de
indiferença e fraqueza, ele age de maneira coerente definindo ainda mais sua
natureza boa, que recebe uma conotação de paciência para com a visão
fragmentada dos seres. Agora além de benevolente e onipotente; Deus se
torna paciente e capaz de agir na corrupção dos entes, de modo que até da
ausência de si mesmo ele transforma em ser, no sentido de possibilidade para
retornar com mais força a essência ontológica.




                                          9
Tomás de Aquino define o mal como a ausência do Ser, pois todo ente
carece em níveis diferentes da plenitude do Ser; o mal em contraposição não
poderia ter uma essência objetiva, pois assim seria uma criação e teria
participação no Ente Supremo. O mal existe porque os entes existem, e o bem
é sujeito ativo e perceptivo do mal; onde se torna o campo de atuação do mal,
em outras palavras, o mal não tem sua fonte em si, mas na medida em que
está ligado acidentalmente aos entes todos, e se serve do bem para ser
definido, conceituado, e classificado. Portanto, não poderíamos pensar o mal
se não fosse à existência do Ser que ocupa o núcleo da questão, seja na sua
importância manifestada pela sua presença e assimilação, ou pela sua
ausência que comporta uma fatalidade para todo o filosofar do homem.

      Assim, o mal como a ausência de ser, permite que os entes todos
participem do Ser, o que essencialmente os faz serem entes, que por serem
participadores não possuem e esseidade, pois se assim fosse perderiam sua
essência. Em outras palavras o que conhecemos por mal no tomismo é: Não
ter em si a plenitude do ser que pertence somente a Deus.




                                     10
Conclusão:

      Diante do clássico problema filosófico constituído na problemática de
“relacionamento” e “compreensão” racional que envolve Deus na concepção do
teísmo cristão e as aporias causadas pela existência do mal, refletimos
delimitando o assunto diante da incompatibilidade natural e racional que nos
leva a questionarmos a respeito da existência de um Deus, e de suas ações
para conosco. Este espanto que nos leva a pensar metafisicamente até nos
depararmos com a questão: Deus?! É o fenômeno chamado contingência, que
na conotação tomista recebe um caráter desenvolvido a partir da filosofia
sistemática do Ser; e em última instância se compara a natureza própria dos
entes que recebem o ser; por isso são essencialmente limitados, ou seja,
sofrem a ausência da plenitude do Ser; o mal.

      Ainda podemos destacar que a novidade tomista não está numa cópia
de esquemas filosóficos da engenhosa resposta de Agostinho, que definiu o
mal como a ausência do bem, mas é na com percepção do mal enquanto
comparação analógica com o bem; na maneira com que ele, o mal, faz parte
dos acidentes inseridos na essência dos entes, sem fazer parte da mesma, e
por último, na elaboração de dependência que o mal tem no sujeito que contém
o ser. Afinal o mal em si não existe, pois se assim o fosse corromperia o bem, e
a si mesmo; ele “existe” nos entes que o sofrem, o percebem, e o classificam,
por isso Deus enquanto Ser, donde deriva todos os outros seres não é o
criador do mal, e não o contém em si, mas o permite, pois percebe a
contingência natural dos entes criados.




                                      11
Referências:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, SP, Ed. 2007.

AGOSTINHO, Santo. Confissões. livro III. ed. Paulus, coleção Patrística; 1997.
p. 192

AQUINO, Tomás. Suma teológica. Primeira parte. Questões 1- 49. 2° ed. RS.
Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Universidade de Caxias
do Sul. Grafosul – Indústria Gráfica Editora Ltda. Co – Edição, 1980.

ESTRADA, Juan Antônio. A impossível Teodicéia. A crise da fé em Deus e o
problema do mal. Paulinas. 2004.

GILSON, Etienne. A Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino. Livraria
Duas Cidades, SP. 1962.

MONDIN, Batista. Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica. SP. Paulus,
1997.




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A visão tomista sobre o mal

  • 1. Relação entre bem e mal no pensamento de Tomás de Aquino José Fernando Vieira1 Resumen: Hacer una relación entre bien y mal en Tomás de Aquino es traer una teodiceia que busca refugiarse en la elaboración sistemática y genuína hecha acerca del concepto del ser en la originalidad tomista. Acá podremos percibir la noción del ser y sus accidentes; la esencia del mal como ausencia del ser; y su función en la contingencia accidental encontrada en el sujeto. Así la defensa tomista discurre del punto de vista que el mal no hace parte del Ser, y que está de manera única en los entes, pero solo existe porque existen los entes. Resumo: Fazer uma relação entre bem e mal em Tomás de Aquino é trazer uma teodicéia que busca refugiar-se na elaboração sistemática e genuína feita acerca do conceito de ser na originalidade tomista. Aqui poderemos perceber a noção de ser e seus acidentes; a essência do mal como a ausência de ser; e sua função na contingência acidental encontrada no sujeito. Assim a defesa tomista discorre do ponto de vista donde o mal não faz parte do Ser, e que ele está de maneira única nos entes, mas só existe por que existem os entes. Palavra chave: Mal; esseidade; essência; acidente; contingente; Ser; ente; Introdução: Tomás de Aquino parte do pressuposto de que a razão é limitada e não alcança a totalidade das verdades que estão subentendidas neste assunto. O bem que aqui é comparado analogicamente com o Ser e os entes, e deles depende, é o próprio Ser, ou seja, é Deus. Assim o mal não tem essência e muito menos a essência do Ser. Ele é a ausência de ser que depende intrinsecamente dos entes, pois se não existissem o ser das coisas, não existiria o mal em si, pois esse tem por finalidade corromper o bem, 1 José Fernando Vieira – Graduando em filosofia. 3° período. (Faculdade Arquidiocesana de Curitiba) FAF-Uniandrade. 06/2010. 1
  • 2. fazendo-o limitado e destinado a desaparecer, contudo o mal a certa altura corromperia a si mesmo; pois é próprio da sua natureza a corrupção. Aqui está o centro da teodicéia tomista. Outro aspecto é a limitação dos entes como parte de sua essência, e distinção entre si, sendo natural e necessário. Assim o mal como a ausência de ser permite que os entes todos participem do Ser, e essencialmente se fazem entes que por serem participadores não possuem e esseidade,2 pois se assim fosse perderiam sua essência. Teodicéia: “Uma linguagem sem significado” Quando adentramos no aspecto que envolve a razão como crivo de medida para a concepção de verdade podemos nos deparar com algumas dificuldades do ponto de vista reflexivo para compreender a relação entre a afirmação da concepção cristã de Deus; com todos os seus atributos pertencentes, em cuja afirmação nós encontramos sua impregnação tanto no âmbito ontológico do Todo, como na finalidade última das coisas. Mas, uma pergunta que perpassa toda a questão proposta é; se Deus é Deus em todos os seus aspectos e assim entendemos como o Ser supremo; Eterno; Onipotente; Uno; Criador; Benevolente... Por que então temos que justificá-lo? Seria ele tão mesquinho assim ao ponto de necessitar de justificação de uma razão limitada? E ainda, defendê-lo do quê? Algo pode ameaçá-lo? Do que estamos falando, de Deus ou de um ente qualquer que se submete ao crivo dos nossos questionamentos? Justificar a Deus racionalmente foi, e é um desafio constante dentro do próprio cristianismo; isso se pode perceber em toda a história dos intelectuais cristãos; dentre eles iremos apontar para um dos maiores pensadores; Tomás de Aquino. 2 Este conceito foi retirado da obra Quem é Deus? Escrito por Mondin. A Esseidade, ou melhor, a plenitude do ser. “Com este termo, indica-se não só que Deus existe e possui o ser, mas que ele é o ser mesmo e que, por conseqüência, é plena e totalmente ser. Por esseidade entende-se precisamente isso: a plenitude do ser”. (Batista Mondin. Quem é Deus? p. 294) e ainda: “Só a esseidade, qualificando a Deus em relação a essa perfeição que é mais rica e mais fundamental de todas as perfeições, manifesta totalmente a realidade de Deus de maneira limitada e pressupõem sempre a perfeição do ser” (Batista Mondin. Quem é Deus? p. 295). 2
  • 3. Toda a questão que aqui será apresentada; deve caminhar a partir do pressuposto percebido por Etienne Gilson em seu comentário a respeito do pensamento de Tomás de Aquino, neste ponto apresentado abaixo poderemos perceber a questão limitada da razão, e o dogma de que nem tudo o que Deus faz tem uma causa, e ainda se a causa é existente; não temos conhecimento dela, assim: [este] problema é o mais agudo da doutrina de Tomás de Aquino, pois, nele, a transcendência de Deus sobre o mundo está solidamente assegurada, contra toda a dificuldade que possa surgir da existência do universo criado? – se quisermos dizer, - por que causa? – não há resposta. Sob esta forma, precisamente, não há mesmo questão. Deus criou o mundo, mas não há uma causa pelo qual tenha feito. (...) não poderia haver causa daquilo que é a causa de tudo o mais. (A Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino; 3 p.71-72). Se o mundo não tem uma causa, e este universo criado é resultado da participação dos entes no Ser, podemos afirmar que em relação ao mundo, Deus simplesmente o fez, e a causa ou motivo pelo qual o tenha feito não pode ser compreendido pela razão. A única coisa que compreendemos é a temporalização do mundo estabelecido e respeitado por Tomás de Aquino, de acordo com o relato da criação, encontrado nos primeiros capítulos do livro do Gênesis.4 Por não ser possível adentrar neste campo que segundo Tomás é de cunho teológico e foge até mesmo da compreensão desta ciência; a teodicéia torna-se: “Uma linguagem sem significado”.5 Temos então o ponto de partida de Santo Tomás; a razão é importante e contém um caráter próprio de ser, sendo capaz de buscar algumas verdades, mas diante de Deus torna-se limitada e a certo ponto banal. É tendo em vista esta compreensão que prosseguimos este trabalho. Ainda podemos destacar que: Em tudo o que a razão tender para “defender”, 3 GILSON, Etienne. A Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino. Livraria Duas Cidades, SP. 1962. 4 A Questão não consistia em indagar se o mundo foi criado no tempo. Sob esta forma precisa, o problema já fora resolvido pela Revelação. Está escrito: No princípio Deus criou o céu e a terra. Portanto houve um princípio. O que parece estranho não é terem os filósofos ignorado essa verdade, e sim o fato que, por não terem conhecido pela Palavra de Deus, houvessem deduzido, naturalmente, que o mundo não teve princípio. (GILSON. A Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino; p. 100). 5 Idem; p. 72. 3
  • 4. ou melhor, todo e qualquer esforço, para apreender a lógica da existência divina e sua coerência com o que aqui no mundo, onde os entes se manifestam pelo ato de existir, acontece de acordo com a vontade de Deus, mesmo que se nos pareça ser de inalcançável compreensão. 4
  • 5. O mal na visão tomista Um dos maiores problemas que se contrapõem a uma compreensão simples a respeito de Deus é a questão do mal no mundo. Aqui entendemos e analisamos o mal como algo6 concreto e experienciável, donde todos os indivíduos estão expostos universalmente (por exemplo, a morte; que em si é o fim inevitável e indesejável de todo homem, tendo em vista que morrer biologicamente é o fim do ato de existir de todo ser - homem) como também na singularidade subjetiva (onde a compreensão do mal consiste na circuntacialidade de cada um e em seu ponto de vista, que pode ser variada). Para abarcar a visão tomista a respeito de sua teodicéia temos que perceber que ele busca aprofundar e definir o mal a partir de Santo Agostino7. É por isso que podemos ver o próprio Tomás afirmar “o mal não se opõe a essência divina”. (Suma Teológica Art. X. p. 148). Contudo a novidade do pensamento deste autor está na maneira em que se conhece o mal. Segundo sua teodicéia “A ciência de Deus não é causa do mal, mas é a do bem, pelo qual é conhecido o mal” (Suma Teológica Art. X. p. 148). Assim o bem funciona como um arquétipo, cujo qual pelo processo de analogia torna-se perceptível o seu efeito contrário. Aqui o homem como ente que participa do Ser de Deus é, na medida em que se assemelha ou se separa 6 Aqui compreendemos o mal não em sua totalidade de conceitos elaborados ao longo dos filósofos como Santo Agostinho em sua divisão a respeito do tema que o distingue em mal metafísico, físico, e moral. Nem tampouco na compreensão complexa e atual a respeito do mal a partir do iluminismo e as mais diversas questões levantadas entre os dois principais focos deste tema, que se reduz ao mal moral e o mal natural; como também a relação entre ambos. O mal por aqui cruamente definido vem de encontro com a noção do senso comum, onde se encaixa tudo aquilo que nos ameaça de uma maneira ou de outra, tudo o que nos faz perceber a contingência humana: Seja a morte, a doença, a falta de sentido e esclarecimento de nossas origens, ou ainda de nossa finalidade. Também podemos Alencar as questões que não se explicam como: Um terremoto, uma concentração num campo nazista, ou a morte de um inocente dependurado numa cruz. O fato é que o mal se não definido teoricamente, está de maneira abstrata impregnado na consciência humana e nos permite distinguir entre o bem e o mal e seus diversos níveis. 7 Em síntese podemos perceber que para Agostinho o mal não é uma substância criada por Deus, mas “o mal é apenas privação do bem, privação esta que chega ao nada absoluto”, (Confissões; livro III. ed. Paulus, coleção Patrística; 1997. p. 75), e ainda “E aquele mal, cuja origem eu procurava, não é uma substância” (Confissões; livro III. ed. Paulus, coleção Patrística; 1997. p. 192). Assim Agostinho redime o ato criador de Deus e o defende como sendo benevolente e incapaz por natureza de criar qualquer coisa má. É a partir desta compreensão que Tomás de Aquino desenvolve a problemática exposta. 5
  • 6. do ser, a medida com que se percebe o nível de ausência do ser; em outras palavras, o mal. Uma problemática que podemos levantar a partir do raciocínio do pensador entre a oposição analógica, onde: “o bem e o mal se chamam gêneros, não pura e simplesmente, mas dos contrários; pois, como toda forma tem a natureza de bem, assim toda privação, como tal, tem a natureza de mal”. (Suma Teológica Art. I. p. 442). Se invertermos a dialética utilizando do mesmo método analógico, podemos facilmente definir o mal que é imanente no sentido experimental; concreto e existente, pois ninguém em sã consciência é capaz de dizer que o mal não existe; fazendo dele o arquétipo numa projeção abstrata contrária ao próprio bem. Assim podemos afirmar que conhecemos o bem somente como idéia e necessidade de se livrar do mal, cujo qual é muito mais próximo de nossa natureza. Se colocarmos o mal como a essência arquetípica, para definir e delimitar as coisas existentes, nós caímos numa ilação metafísica contraditória, tendo em vista que o mal tem por natureza a corrupção do bem, e que quando assim ocorrido numa certa altura teria corrompido todo o bem e conseqüentemente o próprio mal, que a partir de então passaria a não mais existir. E isso o filósofo percebeu de maneira única: porém não pode haver um mal sumo, pois, segundo já se demonstrou embora o mal sempre diminua o bem, nada pode haver íntegra e perfeitamente mau. Pelo que o Filósofo [Aristóteles] diz – o mal integral se destruirá a si mesmo pois, destruído todo bem, o que é exigido para a integridade do mal, elimina-se também o próprio mal, cujo sujeito é o bem. (Suma Teológica Art. I. p. 454) Para o pensamento tomista temos que perceber a importância do Ser, donde deriva todos os outros seres existentes, contudo estes entes participam de maneira limitada, sendo um bem menor e cujo nível se encontra submetido a males, ou melhor, os entes sofrem privação da totalidade do Ser evitando assim se assemelharem a ele, e ao mesmo tempo se distinguindo do mesmo. Assim nos entes temos o bem derivado do Ser e o mal que não faz parte nem da esseidade do próprio Ser; nem de seu ato criador; nem da essência mesma daqueles que estão sujeitos a privação. Aqui percebemos o mal como 6
  • 7. impregnado nos entes de maneira acidental e não em sua essência. Assim “o mal tem causa ao modo do agente, não certo por si, mas por acidente”. (Suma Teológica Art. I. p. 451). A distinção entre essência e acidente traz toda a problemática elaborada por Aristóteles.8 A partir do conceito assim definido como acidente, podemos compreender o porquê de para Tomás o mal estar sempre num plano secundário e não fazer parte da ordem criadora de Deus. Assim o mal é percebido pelo sujeito (no sentido daquele que prática a ação) que é o bem por participação (homem) capaz de perceber, de colocar em escalas, e também de ser responsável pelo mal, tanto pela limitação que é própria de sua natureza, como pela causa moral e conseqüencial de sua liberdade e vontade. 8 O conceito de acidente se reflete no sentido não causal aristotélico onde existe o “acidente por si, isto é, aquele caráter que, embora não pertença à substância – estando, pois, fora da definição -, pertence ao objeto em virtude daquilo que o próprio objeto é”, e ainda: “o acidente por si está vinculado casualmente (e não casualmente) às determinações necessárias da substância, embora não faça parte delas. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, SP, Ed. 2007. Edição revisada, p. 14). Podemos ainda segundo Abbagnano relacionar essa categoria com as qualidades, designando as características de uma realidade (substância) que não pode ser retirada para não perder aquilo que a faz ser. (Dicionário de Filosofia; p. 14). 7
  • 8. A “saída” tomista Agora podemos perceber a estrutura elaborada diante da teorização do mal, e a maneira como que Tomás de Aquino se esquiva, ou melhor, defende a concepção de benevolência pertencente a Deus. Mas nos resta levantar uma questão essencial, se Deus não é o criador do mal, mas também não deixa de ser o Onipotente; então por que ele não interfere na ordem do mundo e elimina o mal. Se discutirmos a partir da visão de que o mal não pode afetar a Deus, podemos junto com o “titulo” de intocável, o denominar cruel; pois, se ele não sofre a ausência de si mesmo; ele é indiferente as criaturas que criou, pois elas estão expostas ao mal, ao ponto de poderem ser gradativamente corrompidas e exterminadas do próprio bem. Segundo o doutor angélico temos que compreender a ação de Deus que age de maneira perfeita e máxima, não em cada uma das partes, mas na 9 perfeição que se encontra na “totalidade relacionada”. Tomás se distância de Leibniz, pois a ordem natural para ele não é possibilidade única e a melhor possível como defendeu posteriormente Leibniz, mas uma ordem consciente do ser de Deus, que faz com que o homem se perceba como um ser participativo e contingente. 10 Assim para o tomismo tanto a criação como o próprio ato de ser do homem não pode subsistir em si mesmo e sua natureza que envolve a “ausência de ser” própria do homem: 9 Para Leibniz a ideologia racional é otimista com fundo platônico, ou seja, “a ideologia prevalece sobre a experiência, com base na qual se poderia até questionar a realidade do bem e afirmar a maciça presença do mal (o bem poderia também ser definido como ausência do mal). Não há experiência sem valoração, e, no caso de Leibniz, a ideologia filosófica funciona como filtro para definir a realidade, sem se deixar questionar por ela. (ESTRADA, Juan Antônio. A impossível Teodicéia. A crise da fé em Deus e o problema do mal. Paulinas. 2004, p. 211). 10 Entendemos o conceito de contingente no “sentido escolástico onde o termo passou a ter significado específico, diferente do que se entende por ‘possível’, passou a significar aquilo que, embora sendo possível ‘em si’, isto é, em seu conceito, pode ser necessário em relação à outra coisa, ou seja, àquilo que o faz ser. Por exemplo, um acontecimento qualquer do mundo é contingente no sentido de que é considerado per si, poderia verificar-se ou não; e em segundo sentido, o contingente verefica-se necessariamente pela causa. Desse ponto de vista enquanto o possível não só não é necessário em si, mas tampouco é necessariamente determinado a ser” (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, SP, Ed. 2007. Edição revisada, p. 233-234). 8
  • 9. Segundo entende Tomás de Aquino. Seu criador é AQUÊLE QUE É; o primeiro efeito causado pelo Criador, na sua obra, é o ato de ser. Por que e como deveriam aquêles, cuja primeira propriedade é ser, abrigar uma aptidão inata para perder sua própria existência? Em primeiro lugar, o ser criado não tem o poder de deixar de existir enquanto tem existência, do mesmo modo que não tem o poder de vir a ser antes do momento de sua criação. Além disso, muito embora não possa subsistir um momento sequer senão pela permanente presença nêle de seu criador, ainda assim não podemos imaginar o mundo senão como subsistindo, por si próprio. Por que, do contrário, deveríamos dizer que, mesmo depois de criado, o mundo não tem existência própria. Deveríamos até dizer que o mundo criado não pode esperar que ele subsista por si próprio, êsse mundo criado subsiste apenas através do ato de ser de Deus. (GILSON, A Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino. p. 101). Parece-nos interessante visar que o fato do ato de ser dos entes se movimentarem de maneira finita e própria; é o que “gera” o mal, ou, aquilo que percebemos como sendo mal, não é necessariamente um mal, mas é aquilo que o ser distinto dos entes, que não é finitude, mas sim, característica própria de cada ser, em seu modo e individualidade. Assim: O todo em si que é a universalidade das criaturas, é melhor e mais perfeito se nele existirem certas realidades que possam ter e de fato, às vezes tenham deficiência de bem; e Deus tal não impede. Quer por não ser próprio da providência destruir, se não salvar a natureza, como diz Dionísio; e da natureza mesma das coisas resulta, que as susceptíveis de deficiências ás vezes são deficientes. Quer por que como diz Agostinho, Deus é tão poderoso de modo a poder tirar bem do mal. Por onde muitos bens seriam tolhidos se Deus não permitisse nenhum gênero de mal. Assim não se geraria o fogo se o ar se não corrompesse; nem se conservaria a vida do leão se não fosse morto o asno. Nem tão pouco seria louvada a justiça do vingador e a paciência do padecente, se não fosse a iniqüidade do perseguidor. (Suma Teológica Art. I. p. 444). Diante desta colocação, Deus além de ser “remido” da acusação de indiferença e fraqueza, ele age de maneira coerente definindo ainda mais sua natureza boa, que recebe uma conotação de paciência para com a visão fragmentada dos seres. Agora além de benevolente e onipotente; Deus se torna paciente e capaz de agir na corrupção dos entes, de modo que até da ausência de si mesmo ele transforma em ser, no sentido de possibilidade para retornar com mais força a essência ontológica. 9
  • 10. Tomás de Aquino define o mal como a ausência do Ser, pois todo ente carece em níveis diferentes da plenitude do Ser; o mal em contraposição não poderia ter uma essência objetiva, pois assim seria uma criação e teria participação no Ente Supremo. O mal existe porque os entes existem, e o bem é sujeito ativo e perceptivo do mal; onde se torna o campo de atuação do mal, em outras palavras, o mal não tem sua fonte em si, mas na medida em que está ligado acidentalmente aos entes todos, e se serve do bem para ser definido, conceituado, e classificado. Portanto, não poderíamos pensar o mal se não fosse à existência do Ser que ocupa o núcleo da questão, seja na sua importância manifestada pela sua presença e assimilação, ou pela sua ausência que comporta uma fatalidade para todo o filosofar do homem. Assim, o mal como a ausência de ser, permite que os entes todos participem do Ser, o que essencialmente os faz serem entes, que por serem participadores não possuem e esseidade, pois se assim fosse perderiam sua essência. Em outras palavras o que conhecemos por mal no tomismo é: Não ter em si a plenitude do ser que pertence somente a Deus. 10
  • 11. Conclusão: Diante do clássico problema filosófico constituído na problemática de “relacionamento” e “compreensão” racional que envolve Deus na concepção do teísmo cristão e as aporias causadas pela existência do mal, refletimos delimitando o assunto diante da incompatibilidade natural e racional que nos leva a questionarmos a respeito da existência de um Deus, e de suas ações para conosco. Este espanto que nos leva a pensar metafisicamente até nos depararmos com a questão: Deus?! É o fenômeno chamado contingência, que na conotação tomista recebe um caráter desenvolvido a partir da filosofia sistemática do Ser; e em última instância se compara a natureza própria dos entes que recebem o ser; por isso são essencialmente limitados, ou seja, sofrem a ausência da plenitude do Ser; o mal. Ainda podemos destacar que a novidade tomista não está numa cópia de esquemas filosóficos da engenhosa resposta de Agostinho, que definiu o mal como a ausência do bem, mas é na com percepção do mal enquanto comparação analógica com o bem; na maneira com que ele, o mal, faz parte dos acidentes inseridos na essência dos entes, sem fazer parte da mesma, e por último, na elaboração de dependência que o mal tem no sujeito que contém o ser. Afinal o mal em si não existe, pois se assim o fosse corromperia o bem, e a si mesmo; ele “existe” nos entes que o sofrem, o percebem, e o classificam, por isso Deus enquanto Ser, donde deriva todos os outros seres não é o criador do mal, e não o contém em si, mas o permite, pois percebe a contingência natural dos entes criados. 11
  • 12. Referências: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes, SP, Ed. 2007. AGOSTINHO, Santo. Confissões. livro III. ed. Paulus, coleção Patrística; 1997. p. 192 AQUINO, Tomás. Suma teológica. Primeira parte. Questões 1- 49. 2° ed. RS. Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Universidade de Caxias do Sul. Grafosul – Indústria Gráfica Editora Ltda. Co – Edição, 1980. ESTRADA, Juan Antônio. A impossível Teodicéia. A crise da fé em Deus e o problema do mal. Paulinas. 2004. GILSON, Etienne. A Existência na filosofia de S. Tomás de Aquino. Livraria Duas Cidades, SP. 1962. MONDIN, Batista. Quem é Deus? Elementos de teologia filosófica. SP. Paulus, 1997. 12