2. A Magnitude do problema
Uma epidemia de diabetes mellitus (DM) está em curso.
Em 1985 estimava-se que existissem 30 milhões de adultos com
DM no mundo; esse número cresceu para 135 milhões em 1995,
atingindo 173 milhões em 2002, com projeção de chegar a 300
milhões no ano 2030.
No mundo, o número de mortes atribuídas ao DM está em
torno de 800 mil; entretanto é fato bem estabelecido que essa
quantidade de óbitos é consideravelmente subestimada, pois
freqüentemente o DM não é mencionado na declaração de óbito
pelo fato de serem suas complicações (particularmente as
doenças cardio e cerebrovasculares), as causas da morte.
4. Crises Hiperglicêmicas
A cetoacidose diabética (CAD) e o estado hiperglicêmico hiperosmolar
(EHH) são as duas complicações agudas mais graves que podem ocorrer
durante a evolução do diabetes mellitus (DM) tipos 1 e 2.
Apesar de haver algumas diferenças significantes entre essas duas
complicações, as manifestações clínicas e o tratamento são similares.
Em centros de excelência a taxa de mortalidade para CAD é < 5%, e para o
EHH 15%.
O prognóstico de ambas depende das condições de base do paciente, com
piora sensível em idosos, gestantes e portadores de doenças crônicas.
Diabetes Care. 2004; 27Suppl 1: S94-102.
5. Fatores Precipitantes
Infecções: As mais freqüentes são as do trato respiratório alto,
pneumonias e infecções de vias urinárias.
Outros fatores importantes: AVE, ingesta excessiva de álcool, pancreatites,
IAM, traumas, uso de drogas ilícitas, mau controle metabólico, episódios
prévios de CAD, doenças psiquiátricas coexistentes, doenças endócrinas
coexistentes (Hipertireoidismo, Feocromocitoma, Acromegalia, Sd de
Cushing), uso de algumas medicações (glicocorticóides, agonistas
adrenérgicos, fenitoína, betabloqueadores, clortalidona, antipsicóticos e etc)
Atualmente, com o uso mais freqüente de bombas de infusão contínua de
insulina ultra-rápida tem-se observado incidência significante de CAD
(obstrução parcial ou total do catéter provocando redução aguda da infusão
de insulina).
Idosos diabéticos tipo 2 , que desconhecem o diagnóstico de DM, com
processos infecciosos subclínicos e/ou limitações do autocontrole podem
evoluir mais facilmente com EHH.
Diabetes Metab. 2003;29(6): 602-7.
6. Patogênese
Os mecanismos básicos de ambas as situações são similares.
Fundamentalmente, o que ocorre é a redução na concentração efetiva de
insulina circulante associada à liberação excessiva de hormônios contra-
reguladores, entre os quais o glucagon, as catecolaminas, o cortisol e o
hormônio do crescimento (GH).
Essas alterações hormonais na CAD e no EHH desencadeiam aumento da
produção hepática de glicose e redução de sua captação nos tecidos
periféricos insulinossensíveis, resultando em hiperglicemia e conseqüente
hiperosmolalidade no espaço extracelular.
Portanto, a hiperglicemia é resultante de três mecanismos:
1. ativação da gliconeogênese
2. ativação da glicogenólise
3. redução da utilização periférica de glicose.
7. A combinação de deficiência de insulina com o aumento de
hormônios contrareguladores provoca a liberação excessiva de
ácidos graxos livres do tecido adiposo (lipólise), que no fígado serão
oxidados em corpos cetônicos (B-hidroxibutírico e acetoacético)
resultando em cetonemia e acidose metabólica.
Na EHH a concentração de insulina, embora também reduzida, é
suficiente para prevenir a lipólise acentuada e a cetogênese que
normalmente acontece na CAD.
Finalmente, em ambas as situações, na CAD e no EHH, observamos
glicosúria de grau variável, diurese osmótica, perda de fluidos e
eletrólitos, principalmente sódio e potássio.
Diabetes Care. 2004; 27 Suppl 1: S94-102.
8. Diagnóstico
História e Exame Físico
Quadro Clínico: CAD e do EHH representam evolução “lenta” e progressiva dos sinais e
sintomas de DM descompensado.
Geralmente é precedida por um dia ou mais de poliúria e polidipsia acentuadas, associadas com
fraqueza acentuada, náuseas, vômitos, poliúria, polidipsia, perda de peso e sonolência.
Exame físico: na presença de acidose, podemos observar a hiperpnéia, e em situações mais
graves, a respiração de Kussmaul.
Também ocorrem desidratação com pele seca e fria, língua seca, hipotonia dos globos oculares,
extremidades frias, agitação, fácies hiperemiada, hipotonia muscular, pulso rápido e pressão
arterial variando do normal até o choque.
Dor abdominal sugerindo quadro de abdome agudo (a intensificação da desidratação dificulta e
torna doloroso o deslizamento dos folhetos da pleura e do peritônio, podendo se observar defesa
muscular abdominal localizad ou generalizada).
Em alguns casos ocorre dilatação, atonia e estase gástrica agravando o quadro de vômitos. O
atraso no início do tratamento tratamento da acidose e da desidratação pode evoluir com choque
e morte.
Diagnosis and treatment. Minerva Med. 2003; 94(6): 409-18.
9. Achados Laboratoriais
CAD: EHH:
1. Hiperglicemia (>400)
2. pH < 7,30 a 7,35 1. Hiperglicemia: > 600
3. HCO baixo < 15mEq/L 2. Sódio sérico: baixo, normal ou
4. Anion Gap elevado alto (se presente hiponatremia
5. Cetonemia e Cetonúria indica pior prognóstico)
6. Osm geralmente normal < 330 3. Potássio: normal ou alto
7. Sódio sérico: normal, baixo ou 4. Hiperosmolaridade
alto, porém o valor corporal total
sempre baixo) (>320mOsm/Kg)
8. Potássio: idem 5. Uréia e Creatinina elevadas
9. Leucocitose (até 30.000) mesmo 6. pH e bicarbonato normais
sem infecção
10. Amilasemia
10. Diagnóstico Diferencial
Cetose de jejum
Cetoacidose alcoólica
Acidose pelo uso de medicamentos como salicilatos e metformina
Outras causas de acidose com ânion gap elevado, tais como acidose láctica
e insuficiência renal crônica (uremia)
Intoxicação exógena por monóxido carbono, cianeto, tolueno, metanol etc
OBS: todas essas situações são facilmente confirmadas pela história clínica
e pela glicose sérica
Am J Med. 2004; 117: 357-8.
11. Tratamento
As metas do tratamento das crises hiperglicêmicas agudas são:
a) cuidados com as vias aéreas superiores e, em casos de vômitos, indicação
de sonda nasogástrica
b) correção da desidratação
c) correção dos distúrbios eletrolíticos e ácido-básicos
d) redução da hiperglicemia e da osmolalidade
e) identificação e tratamento do fator precipitante.
Diretrizes SBD 2007
.
12. Tratamento
CAD EHH
Hidratação: SF 0,9% 15 a 20ml/kg/h. Hidratação: Correção da desidratação
A escolha subsequente de fluidos com solução fisiológica isotônica (SF
depende dos eletrólitos e da diurese 0,9%) – 1 a 2 L nas primeiras 2 horas.
(caso natremia inicial > 150mEq/L ou A escolha subsequente de fluidos
elevar-se durante o tratamento, usar depende dos eletrólitos e da diurese.
SF 0,45% em média 4 a
14ml/kg/hora) À seguir, reposição hídrica de acordo
com PA, OVC, diurese e quadro clínico
Com a função renal normal deve-se (geralmente são necessários 6 a 8
iniciar infusão de 10 a 15mEq de litros nas primeiras 12h)
KCl/hora com o objetivo de manter o
potássio sérico entre 4 e 5mEq/l. Adicionar SG 5% quando glicemia
300mg/dL
Adicionar SG 5% quando glicemia
250mg/dL
A utilização de bicarbonato na CAD é
controversa, mas a literatura considera Diretrizes SBD 2007
prudente o uso em baixas doses
quando o pH estiver < 7,1
13. Insulinoterapia – CAD e EHH
No EHH somente começar insulinoterapia após iniciar reposição hídrica
IR ou análogos ultra-rápidos 0,1U/Kg/hora IV (5 a 7U/h).
A seguir 0,1U/Kg/h (infusão contínua) com controle glicêmico a cada hora.
Se glicemia não diminuir de 50 a 70mg/dL na primeira hora, duplicar a dose
de insulina a cada hora.
Quando glicemia atingir 250mg/dL, iniciar esquema de insulinização SC com
insulina regular ou análogos ultra-rápidos a cada quatro horas
Assim que o paciente conseguir se alimentar iniciar o uso de insulina basal
associado a múltiplas injeções de insulina regular ou análogos ultra-
rápidos..
Diretrizes SBD 2007
14. Hipoglicemia
Complicação mais freqüente do tratamento do diabetes.
Ocorre em:
30% dos pacientes em uso de insulinoterapia
16% dos pacientes em uso de hipoglicemiantes orais (risco maior
com a clorpropamida devido à sua meia vida longa)
12% dos pacientes tratados com dieta
(Diabetes Care 2003;6:1902-12)
15. Fatores Predisponentes
Administração excessiva de insulina e dose excessiva de medicações hipoglicemiantes
Atraso e/ou omissão de refeições
Idades extremas (crianças e idosos)
HbA1c < 7%
Atividade física
Associações medicamentosas
Insuficiência renal
Sepse e coexistência de condições clínicas que impliquem em menor necessidade diária de
insulina (Hipotireoidismo, D.Addison, Insuf renal, Sd de Má Absorção Intestinal,
Insulinoma)
16. Sinais e Sintomas
Tríade de Whipple (sintomas conscientes de hipoglicemia,
baixa glicose sanguínea e manifestações clínicas que desaparecem
após a normalização da glicemia).
IMPORTANTE: sempre que possível confirmar diagnóstico
através de glicemia capilar e venosa.
17. Sintomas Adrenérgicos
(Ocorre por estimulação do SNA – resposta neuroendócrina)
Tremor
Sensação de fome
Sudorese (pele fria e úmida)
Palidez
Palpitações/taquicardia
Náuseas e vômitos
18. Sintomas Neuroglicopênicos
(Ocorre pela insuficiente concentração de glicose para o
adequado funcionamento do SNC)
1. Leve/Moderada 1. Grave
Tonteira Convulsões
Cefaléia Torpor
Fraqueza Coma
Parestesias Hemiplegia
Distúrbios visuais Dilatação pupilar
Alterações do Postura de descorticação
comportamento
Dilatação pupilar
Confusão mental
19. Tratamento - Diretrizes SBD 2007
Preventivo: Para pacientes conscientes:
Orientação para reconhecimento dos Administrar de imediato, alimentos
sinais hipoglicêmicos de alerta contendo açúcar (preferencialmente
líquidos) ou comprimidos de glicose
Evitar atitudes que predispõe à (exceto frutose pura porque não
hipoglicemia atravessa a barreira hematoencefálica)
Carregar alguma forma de
identificação Para pacientes inconscientes
ou comatosos:
solução hipertônica de glicose a 50%: 2
a 5 ampolas EV rapidamente.
Se paciente permanecer em coma, deve
ser associado Manitol 20% 200ml EV
20. Conclusão
Muito permanece a ser feito para diminuir a incidência
das complicações do diabetes:
1. Diagnóstico precoce
2. Orientação adequada
3. Prevenção dos fatores de risco
(Diabetes Care 2003;6:1902-12)