1. Vida apocalipse
pode acabar agora
Turistas tomam sol deitados em frente
ao Templo dos Guerreiros, na cidade
arqueológica maia de Chichén-Itzá.
O turismo do apocalipse deverá levar
52 milhões de pessoas ao México neste ano
84 > época , 2 de abril de 2012
2. vamos curtir
a festa do
fim do mundo
A Terra (toc, toc, toc) não vai
desaparecer em
21 de dezembro, mas a mística
em torno do calendário maia atrai
milhões de turistas ao México.
Os nativos não acreditam
em nada disso, mas apoveitam
Cláudia Daré (texto)
e Adriana Zehbrauskas (fotos), de Yucatán
2 de abril de 2012, época > 85
3. Vida apocalipse
O O ritual
s relógios começarão a úl-
tima volta às 23h59 do Os sacerdotes maias Valerio Canche Yah e Tiburcio Can May re
próximo 20 de dezembro,
e a Terra testemunhará os
primeiros segundos do dia seguinte.
Depois virão os primeiros minutos e,
logo, as primeiras horas. Se a ciência
não estiver enganada, as previsões de
que o apocalipse começará em 21 de
dezembro de 2012 não se concretizarão,
e quase todo mundo vai respirar alivia-
do. Mas por que “quase todo mundo”?
Ah, sim, porque a Terra não vai acabar,
mas a festa dos mexicanos vai. Mais es-
pecificamente, daqueles que estão lu-
crando com o fim do mundo.
Os cinco Estados do Circuito Maia
(Campeche, Chiapas, Tabasco, Quinta-
na Roo e Yucatán), no sudeste do Mé-
xico, esperam até 52 milhões de turistas
estrangeiros ao longo do ano – a média
anual para o país inteiro é de 22 mi-
lhões. Eles trarão uma quantia estima-
da em US$ 20 milhões. Essa multidão
quer sentir a aura maia, que emana das
inúmeras ruínas deixadas por essa
avançada civilização dominante na re-
gião por séculos – o auge foi de 200 a
950 d.C. – e subjugada pelos coloniza-
dores espanhóis no século XVI. O go-
verno mexicano investiu US$ 8 milhões
numa campanha de promoção do Ano
Maia. Em abril, Paul McCartney fará
um show em Chichén-Itzá, o conjunto
de monumentos maias que é patrimô-
nio cultural da humanidade e uma das
sete maravilhas do mundo moderno. A
promotora de vendas Mildred Cian,
que está todos os dias no parque, diz
que muitas pessoas perguntam sobre o
fim do mundo. “Digo que é apenas o 1
fim de uma era, mas nem todo mundo Ainda no escuro, às 5 e meia da manhã,
se convence”, afirma Mildred, enquanto Diego, de 9 anos, se prepara para
aproveita para vender, a dois por um, acender a fogueira do ritual do kiili’ich
DVDs sobre os maias. As lojas de re- k’á, como oferenda aos deuses
cuerdos da região vendem canecas em
que o zero do 2012 faz alusão a um 2
eclipse solar. No detalhe, o sacerdote Valerio Canche
Os negócios, claro, vão bem, mas o Yah, avô de Diego, deixa no chão alguns
que os maias têm a ver com o fim do dos objetos que usará para as orações
mundo? Eles se destacaram pelo conhe- da cerimônia – tudo é falado em maia
cimento astronômico e matemático.
Calcularam o tempo de rotação da Ter- 3
ra em torno do Sol com grande preci- O ápice da cerimônia. Com os primeiros
são, incluíram o zero em seu sistema de raios da manhã, o sacerdote Tiburcio
contagem e inventaram vários calendá- Can May ora diante da fogueira no meio
rios. Um deles fixava um ciclo de s de um sítio arqueológico, em Mérida
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5. Vida apocalipse
atividade solar com duração de 5.125
anos. Eis a origem da festa do apocalip-
se. Os maias afirmavam que viviam no
Quarto Sol, que teria começado em 11
de agosto de 3114 a.C. e terminaria em
21 de dezembro deste ano. Com a pro-
ximidade da data, a Nasa, agência espa-
cial americana, começou a receber car-
tas com perguntas sobre o que iria
acontecer. O site da agência recebeu
mais de 5 mil mensagens. Era gente di-
zendo que se suicidaria para não sofrer
no dia do juízo final...
Em meio ao frenesi dos forasteiros,
os descendentes dos maias esperam do
seu jeito a chegada do Quinto Sol.
Acompanhado do neto, Diego, o sacer-
dote Valerio Canche Yah, presidente do
Conselho de Anciãos e Sacerdotes
Maias, conduz a cerimônia do
kiili’ich’k’á, ou fogo sagrado, em que
faz oferendas aos deuses num sítio ar-
queológico em Mérida, capital de Yu-
catán. O horário, 5 e meia da manhã,
já dá a entender que aquilo não é para
turistas. As orações são todas em maia.
A cada 20 dias, tempo de duração do
mês maia, o ritual vai se repetir, até a
chegada do dia 21 de dezembro. E o
que acontecerá nesse dia? “Haverá uma
transformação, tudo já foi previsto”,
diz Canche Yah, com uma pontinha de
mistério. Mas os locais, assim como
seus antepassados, só veem o dia 21
como uma virada do calendário, como
seria o nosso 31 de dezembro. Termina 1
um ciclo, começa o outro: uma metá-
fora de renascimento. Fora do círculo
religioso, os habitantes da região têm
preocupações mais práticas. Em Xul, 2
sobram crianças e velhos na pracinha.
Os homens mais jovens quase todos
foram embora dali, não com medo do
apocalipse, mas para tentar ganhar al-
gum dinheiro nos Estados Unidos. Aos
que cultivam a tradição maia, a farra
do fim do mundo causa irritação. O
professor de língua maia e escritor Isa-
ac Esaú Carrillo Can diz que “o ano
deveria ser da cultura, não do turismo”.
“Não somos peças de museu para que
nos observem, mas sim parte de um
mundo que deve ser conhecido.”
Os estrangeiros têm outra expectati-
va. A brasileira Mônica de Lima, que vive
em Vitória, Espírito Santo, foi ao Méxi-
co visitar a família de sua irmã, s
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6. A comunidade
Os descendentes maias, que levam uma vida simplória, passaram a conviver
com vizinhos de fora. São estrangeiros chegando para resistir ao apocalipse
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A placa indica Xul, uma cidadezinha em As crianças se divertem correndo
Yucatán. Xul quer dizer fim na tradução do pela pracinha do centro de Xul.
maia, mas não por motivos apocalípticos. Sem emprego, a maioria
Antigamente, a estrada acabava ali dos adultos já foi embora
2 4
Contraste. Xul mistura construções A porteira da comunidade alternativa
de pedra dos tempos dos maias Las Águilas, onde a entrada
com casinhas típicas de qualquer é restrita. Os italianos criaram essa
vilarejo do interior do México minicidade em Xul à espera do pior
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7. Vida apocalipse
1
Sandra Lebrun, e demonstrou preocu-
pação com o futuro. “Não quero que ela
O comércio
As lojas de recuerdos vendem canequinhas
esteja aqui no fim de 2012. A América alusivas ao fim do mundo. Fora do
Central vai sumir do planeta. Ela tem de circuito turístico, o apocalipse passa longe
sair daqui o mais rápido possível. Temos
de buscar um lugar seguro”, diz Mônica. 1
E o que pensa a irmã? “Tem uma energia Mulheres locais
controlando tudo. Haverá uma mudan- fazem compras
ça em outra dimensão, da qual talvez num mercadinho
nem possamos nos dar conta, mas tam- de Xul. Nesses
bém vai haver catástrofes”, afirma San- lugares não há
nenhum vestígio
dra. “Estou apenas começando uma fa- do comércio
mília”, diz, enquanto abraça o filho apocalíptico
Julien, de 9 anos.
Fugir da terra maia, porém, não tem 2
sido a tendência mais popular no pré-
Um dos artigos
apocalipse. Além da horda de turistas, mais encontrados
muitos estrangeiros decidiram fincar pé 2 nos pontos
por ali para se preparar espiritualmen- turísticos do
te para o espasmo final do planeta. Um Circuito Maia são
grupo de italianos criou uma minicida- as canequinhas do
de de 800 hectares em Xul, um vilarejo fim do mundo. O
a 130 quilômetros de Mérida. Xul sig- zero do 2012 tem o
formato de um
nifica fim na língua maia, mas o nome eclipse solar
se deve a motivos mais mundanos. An-
tigamente, a estrada que corta a região
acabava ali. Cerca de 30 casas foram 3
erguidas com portas duplas, paredes de O professor de
60 centímetros de espessura e materiais língua maia Isaac
especiais para resistir a terremotos, en- Can (à esq.) critica
a exploração
chentes ou temperaturas extremas. Os
comercial em torno
italianos parecem dispostos a desafiar dos maias. “O ano
o fim do mundo plantados em seu epi- deveria ser da
centro, por meio da engenharia. Parece 3 cultura, não do
estranho, mas o que não é? u turismo”, afirma
90 época , 2 de abril de 2012