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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
          DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
                    LICENCIATURA EM HISTÓRIA




                    MÁRCIO CARNEIRO DE LIMA




A atuação política da Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira
(ADECAR) entre 1987 e 2008: o desenvolvimento comunitário nos trilhos do
                      clientelismo e do partidarismo.




                          Conceição do Coité – BA
                              Fevereiro 2010
MÁRCIO CARNEIRO DE LIMA




A atuação política da Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira
(ADECAR) entre 1987 e 2008: o desenvolvimento comunitário nos trilhos do
                      clientelismo e do partidarismo.




                                Monografia apresentada à Universidade do Estado
                                da Bahia como requisito parcial para conclusão do
                                curso em Licenciatura Plena em História, sob
                                orientação do Prof. Ms. Rogério Souza Silva




                          Conceição do Coité – BA
                              Fevereiro 2010

                                                                               1
À minha mãe, Rosalina, que me ensinou a andar.
  Ao meu pai, Matias, que me ensinou a pensar.
      A todos aqueles que têm coragem de falar.

                                             2
AGRADECIMENTOS




À Deus, por acompanhar-me pelos trilhos da Justiça e da Luta
constantes.
À UNEB e seus funcionários, pelo apoio irrestrito durante o Curso.
À família, Renata, Vivaldo, Laércia e sobrinhos, pelo apoio
entusiasmado ao longo da minha vida.
Aos professores, pela desconstrução das verdades e por inspirarem o
gosto pela reflexão.
Ao orientador Rogério, pelas sábias leituras e ponderações à pesquisa
e pelo apoio incondicional.
Ao companheiro Assis, pelas suas insubstituíveis considerações.
Aos entrevistados, pelas contribuições vitais à pesquisa e pelo
entusiasmo ao se pronunciarem.
Aos colegas de turma, pelos bons e inesquecíveis momentos de nossa
caminhada juntos.
À professora Edite Maria, pelo compreensivo apoio ao longo da
experiência escrita com a EJA.
À todos que compartilharam espaços e diálogos comigo durante o
Curso.




                                                                     3
RESUMO




Este trabalho apresenta a análise da experiência de associativismo comunitário e
desenvolvimento local no Distrito de Aroeira, município de Conceição do Coité-BA. Destaca-
se a atuação da Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira (ADECAR) como
instituição integrante de um controle político, de uma relação clientelística e como mecanismo
estratégico na comunicação entre a sociedade civil organizada de Aroeira e a permanência da
situação política em Conceição do Coité entre 1987 e 2008. A reflexão é parte de uma
temática relativamente recente dentro das investigações historiográfica, já só o próprio
movimento comunitário e a participação popular local ganharam força somente com a
redemocratização dos anos 1980. A pesquisa defender a inexistência da neutralidade
partidária no movimento comunitário da ADECAR, além da manipulação que o poder público
municipal tem sobre a instituição, sobre suas diretrizes de atuação e sobre a propaganda
partidária direcionada tanto para os sócios quanto para a comunidade de maneira geral.
Palavras-chave: Associativismo; Clientelismo; Desenvolvimento; ADECAR; Cultura Política.




                                                                                            4
SUMÁRIO




INRODUÇÃO ____________________________________________________________ 06
CAPÍTULO I – Coronel, Um Conceito _________________________________________ 11
CAPÍTULO II – A Política Recente de Coité e a Questão do Desenvolvimento _________ 27
      A Questão do Desenvolvimento _______________________________________ 38
      Os Anos 80 e o Novo Paradigma Nacional para o Desenvolvimento _________ 40
      A intervenção federal no Nordeste: concentração de renda e problemas
      regionais não esgotados. ______________________________________________ 43
      O Desenvolvimento Comunitário na Esfera Estadual _____________________ 49
      O Desenvolvimento Comunitário na Esfera Municipal ____________________ 50
CAPÍTULO III – O Distrito de Aroeira e a ADECAR _____________________________ 54
      A questão do desenvolvimento comunitário _____________________________ 60
      A ADECAR _______________________________________________________ 62
CAPÍTULO IV – O Comportamento e as Práticas Clientelistas da ADECAR __________ 67
CONCLUSÃO ____________________________________________________________ 81
REFERÊNCIAS __________________________________________________________ 85
ANEXOS ________________________________________________________________ 90




                                                                                    5
INTRODUÇÃO




       No começo só avistei a sua sombra. Afastei-me pra poder ver-lhe por inteiro. Muitos
falavam seu nome; alguns com intimidade, outros com repulsa. Eu não entendia muito bem,
mas percebia que ele era o centro das atenções. Vagarosamente fui vislumbrando seus traços,
seu comportamento, sua mentalidade. Pensei que era fantasia da minha mente, mas não, era
verdade. Ele estava vivo, mas era diferente. A fala era eloqüente e não mais arrastada; seu
rosto não era introspectivo, era simpático. Finalmente, pude encarar o metamorfoseado e
desprezível protagonista do meu formidável pesadelo: o coronel.
       Falar em práticas coronelistas no comportamento político que vivenciamos, tanto do
ponto de vista espacial como temporal, é uma questão que suscita discussões marcadas por
interesses, análises e critérios de avaliação extremamente divergentes. Para muitos, os
Códigos Eleitorais do século XX, a criação da Justiça Eleitoral, o voto secreto, o voto
feminino e o direito de votar devolvido aos analfabetos em 1985 são exemplos de que as
mudanças têm transformado o eleitor no único dono do seu voto, de sua escolha autônoma. A
perspectiva desse trabalho é, contrariamente, defender que o comportamento eleitoral convive
com práticas que sobreviveram às mudanças listadas acima, comunicando-se com uma
política-eleitoral marcada pela pessoalidade, pelos interesses econômicos, pela identificação
grupal e pelas marcas do clientelismo e mandonismo.
       Na visão de José Murilo de Carvalho, em Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo:
Uma Discussão Conceitual, o mandonismo seria uma das principais características da política
tradicional, nascida desde a colonização e resistente, sobretudo, em regiões isoladas do país.
O poder caberia ao mandão, ao chefe local que, por meio de estruturas oligárquicas e do
controle de recursos e estratégias, abriria espaço para sua influência e domínio. Não se trata
de um tipo de sistema (como o coronelismo), mas de um comportamento mantidos pelos
interesses dos mandões que tem decrescido – segundo o autor – ao longo do tempo. O
mandonismo seria combatido (até desaparecer) na medida em que os direitos políticos e civis
(a cidadania) fossem disseminados completamente.
       O clientelismo é outro conceito que chega a ser confundido com o de coronelismo.
Para José Murilo, tanto o clientelismo quanto o mandonismo são mais amplos que o
coronelismo, que, como estrutura, foi superada no século XX. A relação clientelística envolve
uma troca de favores entre dois lados, podendo ser mudados tanto os objetos de barganha
como seus atores; também não seria um sistema, mas uma rede de práticas variável no tempo.

                                                                                            6
As relações clientelísticas, nesse caso, dispensam a presença do coronel,
                            pois ela se dá entre o governo, ou políticos, e setores pobres da população.
                            Deputados trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem
                            graças à sua capacidade de influir sobre o Poder Executivo. Nesse sentido, é
                            possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do
                            coronelismo e que ele aumenta com o decréscimo do mandonismo. À
                            medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os
                            votos da população, eles deixam de ser parceiros interessantes para o
                            governo, que passa a tratar com os eleitores, transferindo para estes a
                            relação clientelística. (CARVALHO, 1997, p. 4-5)


        Acredito ser oportuno entendermos como a teoria política contemporânea tem sido
costurada pelas principais matrizes explicativas do voto: a psicológica, a sociológica e a
econômica. No livro A decisão do voto, Marcus Figueiredo analisa a decisão eleitoral a partir
dessas três correntes. Destaca também a existência de uma forte base racional nas escolhas
políticas, contrapondo-se ao que defende o Paradoxo da Participação1.
         A teoria psicológica do comportamento eleitoral – chamada de Modelo Michigan, por
ter nascido na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos – defende que indivíduos com
afinidade social e de atitudes costumam desenvolver comportamentos políticos semelhantes e
votarem no mesmo sentido, independentemente das condições históricas. As atitudes políticas
seriam amadurecidas pela psicologia humana e, posteriormente, socializadas de forma mais
ampla. As ações e interações políticas e sociais do indivíduo seriam fundamentadas num
alicerce psicológico estável e normalizado, com reações e articulações iguais em todos os
contextos.
        A alienação política segundo os teóricos da explicação psicológica significa o
desinteresse e a rejeição consciente e completa do sistema político, como uma apatia, já que
os indivíduos acreditam não ser possível mudá-lo através de seus esforços. A alienação
constitui um sentimento de impotência política e, portanto, desinteresse. Na teoria Michigan,
a identificação partidária é determinante e os partidos antecedem os candidatos nas escolhas
eleitorais.
        A corrente sociológica se preocupa com o contexto, com as condições sociais onde as
instituições, as ideologias e as práticas políticas se formam. Compreender o voto, como ato

1
  A teoria política chama de Paradoxo da Participação o dilema vivido nas urnas pelos eleitores: cada um sabe
que, isoladamente, o valor do voto não é potencialmente insignificante, o que lhe incentiva a não participar das
eleições; por outro lado, o valor do seu voto aumenta na medida em que os demais eleitores desistem de
participar, o que é um incentivo à participação. O paradoxo questiona-se, então, se o ato de votar é somente uma
ilusão ou existe um fundo racional que dá ao eleitor a possibilidade de decidir as eleições. A solução do
paradoxo estaria na sobreposição da motivação racional para a participação eleitoral.

                                                                                                              7
final de um processo, exige consideração sobre onde e como vive o eleitor; um ato individual,
mas resultante da interação social. Ao acreditar que o voto não pode alterar o status quo, o
eleitor opta pela saída; ao contrário da explicação psicológica, a impotência para mudança não
reside nos indivíduos, mas sim no voto. Segundo a matriz sociológica, as atitudes políticas
não surgem do nada, e a manutenção da coesão de um grupo requer enorme esforço e até
mesmo penalidades contra os desvios de comportamentos. As campanhas políticas procuram
justamente interagir os indivíduos, instituições e idéias em torno das atitudes grupais.
       Para explicar a decisão do voto, a sociologia política prevê a existência de identidades
culturais ou da consciência de classe entre os indivíduos. Estas identidades surgem da
interação social a partir do regionalismo, do bairrismo, das semelhanças étnicas ou da
convergência de interesses.


                         Aqui todo tipo de organização social tem um papel fundamental, pois seus
                         porta-vozes são interlocutores privilegiados. No processo de formação de
                         identidades sociais, os partidos políticos, as organizações religiosas,
                         sindicais, de bairro ou de defesa de qualquer coisa, concorrem entre si ou
                         fazem alianças e acordos, para representar e promover os interesses das
                         comunidades ou de segmentos específicos delas. (FIGUEIREDO, 2008, p.
                         61)


       Para a tradição marxista da linha sociológica, a identificação política entre os
indivíduos nasce do posicionamento de classe (voto classista), na medida em que eles
socializam interesses fundamentais comuns. Mas a classe social só existe se houver
consciência de classe, e seu peso político-eleitoral depende essencialmente da proporção de
seus membros.
       A última teoria, a econômica, acredita que o comportamento eleitoral é condicionado
por considerável racionalidade e por interesses econômicos. O voto passa a ter uma
funcionalidade estratégica e os indivíduos votam ao saber que seu ato lhe garantirá algum
benefício econômico ou social (individual ou coletivo). Para essa interpretação – que nega a
tradição psicológica – os valores cívicos, as ideologias e identidades são substituídas por
sistemas de interesses, e a economia determina se os votos são pros governantes ou para
oposição.
       A decisão do voto estaria, então, sustentada num comportamento político-racional, já
que o eleitor opta pela alternativa satisfatória aos seus objetivos. Os eleitores votam pelos seus
bolsos, mas dividem-se em grupos diferentes: os que pretendem atingir apenas seus interesses
e os que se preocupam com a vida social e econômica de toda sociedade. Há, finalmente, os

                                                                                                 8
que votam com base nos interesses de um simples grupo. Segundo os economistas, votar no
candidato é diferente de votar no partido. A relação entre eleitor e candidato (especialmente
para as camadas mais pobres) é mais direta e imediata, e ele vota naquele que pode trazer, por
exemplo, luz, calçamento ou água pra sua vizinhança, independentemente do partido. A
escolha do partido, ao contrário, privilegia as mudanças de longo prazo e menos
individualizadas.
       A análise deste trabalho apropria-se em maior grau das explicações sociológicas e
economicistas, notadamente por identificarem-se como teorias históricos-contextuais em suas
considerações sobre o comportamento eleitoral. Uma não exclui, necessariamente, a outra,
mas admitem, até certo ponto, a complementação dialógica em muitos de seus fundamentos.
       Cabe aqui justificar a escolha do meu tema, resultado de condicionantes vários que
tecem e acompanham nossa vontade de “fazer História”. Escolha solitária, de uma experiência
complexa, de uma inspiração moldada pelos anos, de uma consciência necessária. Acredito
não ser possível fazer, em política, algo melhor que a liberdade mental e aguçar o sentimento
de desconfiança e incompletude do aparente. Pensado na solidão, mas possibilitado por várias
mãos, o trabalho foi engrenado na contramão do visível, na desbanalização das aparências,
mas também pelo desejo do enfrentamento (o quanto mais) racional.
       O capítulo I apresenta uma discussão conceitual de questões como o coronelismo, o
clientelismo e suas modificações e heranças históricas; destaca como as relações políticas,
econômicas e sociais do Brasil foram acompanhadas por uma hierarquização que é
personalista e patrimonialista. O capítulo II compreende, inicialmente, uma análise do
panorama político de Conceição do Coité nas últimas décadas (concentrada, sobretudo, na
figura Hamilton Rios). A seguir, o capítulo apresenta as várias propostas de desenvolvimento
nacional emergidas no século XX; analisa as formas, perspectivas e problemas de intervenção
federal no Nordeste, bem como as estratégias de desenvolvimento comunitário construídas na
Bahia e em Coité. O capítulo III procurou-se com a análise (especialmente política) do
Distrito de Aroeira, lócus maior da pesquisa aqui realizada. Coube ainda refletir a questão do
desenvolvimento comunitário e apresentar considerações sobre a ADECAR, seu processo de
organização e consolidação históricas. O Capítulo IV é dedicado ao exame do comportamento
partidário da instituição, suas formas de atuação, seus objetivos implícitos, seu
posicionamento conservador e os resultados afirmados ao longo de 20 anos de existência.
       Estudar o posicionamento político-partidário da ADECAR é, para além da
obrigatoriedade, um esforço visceral para apresentar uma nova possibilidade interpretativa,
uma leitura reconstruída ceticamente. A crítica (e sem limitar-se à militância) é componente

                                                                                            9
primordial da interpretação realizada, podendo haver – e sempre há – caminhos ainda abertos
para outras perspectivas de análises. São justamente as incertezas que nos movem nos trilhos
das leituras e das escritas, e devem estar latentes igualmente para com o comportamento da
ADECAR. As certezas são sempre acompanhadas pelo perigo.




                                                                                         10
CAPÍTULO I


                                   Coronel, Um Conceito




       Certa vez, ao conversar com um senhor de Aroeira, ele me contava as dificuldades que
o acompanhava em sua vida de agricultor. Embora possuísse uma roça particular para cultivar
os alimentos básicos de sua mesa, ele resmungava que mesmo na época da plantação os
obstáculos não cessavam. Ele reclamou dos excessivos gastos adquiridos na plantação,
preservação, extração e armazenamento dos grãos obtidos em sua propriedade, desconfiando
inclusive se os malefícios não superavam os benefícios da agricultura. Então retruquei,
alertando-o de que a Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira (ADECAR) é
um mecanismo competente que poderia minimizar os seus gastos durante a colheita, por meio
das máquinas que beneficiam todos os seus sócios. O senhor reclamou irritado, proclamando
que, apesar de ser um sócio da ADECAR, não usufruía democraticamente dos seus serviços,
destinados preferencialmente para os associados que bajulam os representantes políticos
locais que dão apoio ao presidente da entidade. Ficava tarde da noite e o senhor despediu-se.
Ele partiu, mas suas palavras permaneceram.
       Casualidade a parte, este relato suscita um emaranhado de reflexões acerca do
posicionamento da ADECAR. Compreendê-lo exige a identificação das suas origens
históricas, dos seus sentidos pragmáticos e do seu jogo de interesses. Perceber a relação de
poder entre ADECAR e seus sócios requer detalhada análise dos seus fatores constituintes.
Nesse sentido, é necessário remontar aos comportamentos de mando e controle que sempre
definiram no Brasil a regra dos contatos sociais, políticos e econômicos de ricos e pobres,
administradores e administrados. Metaforicamente, o papel da ADECAR no relato descrito
guarda similitudes e nos recorda as ações dos antigos coronéis, poderosos e prestigiosos
senhores que eventualmente encontramos em nossa literatura, na televisão e na historiografia.
       Em resumo, o presente trabalho intenciona basicamente compreender e discutir a
atuação política mantida pela Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira entre
1987 e 2008, realçando sua relação com a sociedade de Aroeira mediante a conjunção de
práticas coronelistas em defesa do situacionismo municipal no mesmo período. O marco
temporal escolhido para pesquisa refere-se ao ano em que a ADECAR foi fundada (1987) e ao
ano em que finalizou o terceiro governo municipal de Éwerton Rios d’Araújo Filho (2008).
Visto isso, torna-se fundamental a apresentação do conceito de coronel/coronelismo,

                                                                                           11
pontuando sua origem e características históricas, seus mecanismos de atuação e as diversas
representações e interpretações que o fenômeno gestou ao longo da História.
       Nos estudos de muitos historiadores, a gênese do coronelismo remete-nos ao século
XIX e, mais precisamente, aos anos iniciais do Império do Brasil. Embora o país
experimentasse, no período, uma complexa rede de transformações em suas estruturas
políticas, econômicas, sociais e culturais, convivia igualmente com um cenário de
permanências impiedosas. As elites protagonizaram a Independência em 1822 e mantiveram-
se atentas para não entregar o poder às classes populares em 1831. O discurso liberal das
elites confortou-se em práticas conservadoras. Uma permanência que, ao lado do latifúndio e
da escravidão, pode explicar a eterna instabilidade característica do Período Regencial.
       As agitações de julho de 1831 no Rio de Janeiro provaram a ineficácia da Guarda
Municipal. A Câmara aprovou em 18 de Agosto do mesmo ano a proposta referente à criação
da Guarda Nacional. Substituindo as Guardas Municipais, esta consistia numa força
paramilitar, subordinada ao Juiz de Paz na esfera local, ao Presidente da Província e ao
Ministério da Justiça em última instância, posto comandado na época pelo padre Diogo
Antonio Feijó. Era composta de acordo com critérios censitários entre os brasileiros de 21 a
60 anos.
       A partir de então a figura do coronel ganhou popularidade, com título derivado da
busca por policiamento regional e local sob controle da Guarda Nacional. Como chefe
político local que possuía uma alta patente militar logo se tornou o grande líder promotor dos
melhoramentos. A sua intercessão com as esferas governamentais apresenta-se como esforço
heróico aos olhos da população local, que será beneficiária com a implantação da escola, do
hospital, da igreja ou da estrada, por exemplo.
       Em sua obra Coronelismo, Enxada e Voto, Nunes Leal conclui que o coronelismo é
um fenômeno complexo, com particularidades temporais e espaciais, mas que se caracteriza
por um recíproco compromisso (iniciado ainda no Império e consolidado na Primeira
República) entre chefes municipais denominados de coronéis e a situação política em nível
estadual. Nesse acordo, os primeiros conseguem angariar eleitores para o situacionismo do
Estado em troca de erário, empregos, favores e força política. De acordo com Nunes Leal, o
coronel era comumente um possuidor de terras e a extensão do sufrágio aos trabalhadores
rurais (em 1891, desde que alfabetizados) entra como ingrediente substancial na ampliação do
poder dos coronéis. Visto como rico, é o grande referencial para seus dependentes,
concedendo-lhes pequenos benefícios ou empréstimos.


                                                                                           12
Especialmente nos municípios do interior, com predominância do rural e do
isolamento, os coronéis encontraram terrenos propícios, auxiliados pela imensa pobreza que
acompanham os trabalhadores rurais. Aos aliados (ou simplesmente obedientes aos seus
mandos) concede favores como pagamento de um sistema de compromisso pelo voto de
cabresto. Aos inimigos sobrava a perseguição, o mandonismo, a hostil e humilhante recusa
em prestar-lhes favores. O coronelismo, no entanto, passou a perder expressão a partir da
década de 1930. De acordo Nunes Leal, a crise ocorrida no sistema coronelista deve-se a um
conjunto de mudanças que se conjugaram fortemente. Destaca-se o código eleitoral de 1932, o
aumento populacional, a urbanização, a incipiente industrialização, a expansão dos meios de
comunicação e transporte. Estas mudanças minimizaram o poder da estrutura agrária de então,
que significava segundo Leal, a base do coronelismo. Com relação a esta questão, Leal
destaca que:


                        Todos estes fatores vêm de longa data corroendo a estrutura econômica e
                        social em que arrima o “coronelismo”, mas foi preciso uma Revolução para
                        transpor para o plano político as modificações de base que surdamente se
                        vinham processando. O quadro político da República Velha refreou, quanto
                        pôde, esse ajustamento, e finalmente rompeu-se por falta de flexibilidade.
                        Mas o ajustamento aludido foi incompleto e superficial, porque não atingiu
                        a base de sustentação do “coronelismo”, que é a estrutura agrária. Essa
                        estrutura continua em decadência pela ação corrosiva de fatores diversos,
                        mas nenhuma providência política de maior envergadura procurou
                        modificá-la profundamente, como se vê, de modo sintomático, na legislação
                        trabalhista, que se detém, com cautela, na porteira das fazendas. O resultado
                        é a subsistência do “coronelismo”, que se adapta, aqui e ali, para sobreviver,
                        abandonando os anéis para conservar os dedos. (LEAL, 1997, p. 283-84.)


       Segundo Leal, o coronelismo foi se metamorfoseando de acordo as mudanças
ocorridas no campo político, econômico e social. Cedeu lugar a novas lideranças, mas o
fenômeno prossegue avante com novas veias de controle, de organização e de liderança,
alimentado pela dependência de novas classes, que muito lembram a pobreza dos
trabalhadores rurais do início do século XX. Assim, Leal conclui:


                        Continua, pois, o “coronelismo”, sobre novas bases, numa evolução natural,
                        condicionada pelos diversos fatores que determinam o seu poder ou a sua
                        autoridade. (LEAL, 1997, p. 19)


       Para o autor, somente com o arruinamento da estrutura agrária haverá ponto final no
coronelismo. Do mesmo modo, a expansão da indústria, a mobilização da mão-de-obra, a


                                                                                                   13
urbanização, o aumento das vias de comércio e de transporte e a legalização dos direitos
trabalhistas conseguiam estabelecer novas perspectivas e referências para nossa realidade
política e, conseqüentemente, social, econômica e cultural.
       Maria Isaura Pereira de Queiroz destaca em O coronelismo numa interpretação
sociológica que os coronéis contavam com inúmeras formas de concentrar poder, havendo
tanto uma relação de dependência econômica dos eleitores (dominantes e dominados) como a
troca de benefícios e favores, a distribuição de presentes em período eleitoral. A violência e a
opressão também estavam em uso quando o objetivo era angariar votos.
       Paralelamente, os eleitores não concebiam valiosos créditos à importância do seu voto,
apelando para a usual prática de pedir. Seu voto, nessas condições, passou a representar
unicamente um bem de troca, um favor em retribuição aos benefícios recebidos. Ambas as
partes mantinham um diálogo de dependência mútua, mesmo que o coronel mantivesse um
clássico paternalismo.
       Assim como Leal, Maria Isaura defende que a extensão do voto feita pela Constituição
de 1891 a todos brasileiros alfabetizados somente fez aumentar o número de eleitores rurais e
o poder dos coronéis. Ao invés de possibilitar a escolha do candidato mais capacitado, os
eleitores permaneceram votando naquele indicado pelo líder local, o coronel. Uma célebre
obediência reitera o compromisso:


                         A exigência de um coronel para que seus apaniguados votem em
                         determinado candidato – imposição muitas vezes sem apelo – tem como
                         contrapartida o dever moral que o coronel assume de auxiliar e defender
                         quem lhe deu o voto. (QUEIROZ, 2004, p. 163)


       A autora também aponta fatores que danificaram o coronelismo. A urbanização e o
crescimento demográfico são fatores que, ao lado da posterior industrialização implicaram em
crise na ordem coronelista, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. A cidade foge ao seu
controle, com uma multiplicidade de novos grupos, sujeitos a novas formas de organização,
trabalhos e serviços que tiravam os coronéis do centro dos acontecimentos. Por isso, Isaura
relata que:


                         Quando o desenvolvimento do país propiciou o aparecimento de uma
                         sociedade cujos caracteres foram opostos àqueles, e que se apresentava
                         como cada vez mais complexa na interdependência dos ramos de atividades
                         perfeitamente distintas, então o princípio mesmo que permitira o
                         aparecimento e a existência dos coronéis estava comprometido, e seu


                                                                                             14
desaparecimento, num futuro mais ou menos próximo, estava selado.
                        (QUEIROZ, 2004, p. 184)


       Assim, a especialização do trabalho e a forte exigência de instrução num contexto que
já experimentava a industrialização acabaram transformando a própria sociedade. Mas o
fenômeno coronelista, segundo ela, ainda conheceu prolongamentos, sobretudo porque a
parentela (grupo de indivíduos com laços familiares) dos coronéis investia não somente na
atividade agrária, mas em diversos setores econômicos. Daí que seu poder passou a repousar
em novas diretrizes:


                        Dominando em parte a grande indústria, o grande comércio, as grandes
                        organizações de serviços públicos ou privados; com membros seus
                        exercendo as profissões liberais, os coronéis e seus parentes, possuidores
                        além do mais de grandes propriedades rurais, se mantiveram nas camadas
                        superiores da estrutura sócio-econômica e política do país, numa
                        continuidade de mando que persiste, em alguns casos, até os nossos dias.
                        (QUEIROZ, 2004, p. 185)


       Em Os donos do poder, Raimundo Faoro aponta que antes de ser líder político, o
coronel era um líder econômico. O poder político exercido traduz-se como a extensão do seu
poder privado. Mas a capacidade de mandar não está exclusivamente na sua riqueza, sendo
possível haver coronéis que não possuem terras. Para Faoro “o coronel não manda porque tem
riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder, num pacto não escrito”.
       Empenhado nas atividades políticas e na administração local, os coronéis elaboram
uma enorme interação com o governador, e deste para o âmbito da União. Numa relação
vertical, são os intermediários entre eles e os grupos que mantém contato:


                        O coronelismo se manifesta num “compromisso”, uma troca de “proveitos”
                        entre o chefe político e o governo estadual, com o atendimento, por parte
                        daqueles, dos interesses e reivindicações do eleitorado rural. (FAORO,
                        2004, p. 631)


       O autor também aborda o domínio pessoal executado pelo coronel sobre seus eleitores.
Segundo ele, o fato de os eleitores acreditarem que estão vivendo socialmente livres acaba
eliminando a possibilidade de uma autoconsciência, de uma reflexão elaborada. Também
porque os coronéis não deixam transparecer um domínio, um controle de suas vontades. Eles
buscam meios “brandos” e “equilibrados” de relacionar-se com os eleitores, camuflando
diferenças indesejáveis e fazendo o eleitor votar por causa de um dever, de uma tradição.

                                                                                               15
Em estudo feito sobre a política baiana, o coreano Eul Soo Pang analisa questões
inéditas de como o comportamento coronelista protagonizou a história política da sociedade
brasileira. Sua obra Coronelismo e Oligarquias 1889-1943 defende, ao contrário de todos os
outros autores revistos, que o coronelismo brasileiro tem sua raiz fixada no período colonial,
apesar de sua culminância situar-se entre 1850-1950.
       Para Pang, a origem do coronelismo brasileiro tem como base o poder patriarcal e
privado exercido pelos senhores de engenho e fazendeiros de gado do século XVI. A
inexistência de um poder formal e forte dos portugueses possibilitou que essas classes
monopolizassem a política no Brasil. O poder privado foi estendido à esfera pública.
Imediatamente abaixo dos donos de engenho e fazendeiros encontrava-se um grupo
incalculável de dependentes. Essa dependência, que variava desde os feitores aos escravos,
legalizava o poder do senhor.


                        A dependência de uma força de trabalho de tantas camadas promoveu a
                        elevação do patriarca-plantador a uma proeminência sócio-econômica em
                        seu domínio ou em sua região; surgiu, entre os ricos e os pobres, um
                        relacionamento patrão-dependente baseado num relacionamento de um
                        superior com um inferior. Esse laço reforçou o paternalismo social, que o
                        fazendeiro explorava habitualmente com finalidades políticas, e usava
                        rotineiramente para justificar o exercício de poder no domínio público. Esse
                        sistema de supremacia política de um só homem, cujo poder se baseava
                        num status social e econômico privilegiado, é o antecedente colonial do
                        coronelismo dos séculos XIX e XX. (PANG, 1979, p. 22)


       Por outro lado, a estrutura agrária e a monocultura reprimiam até a maior parte do
século XVIII as tentativas de ascensão empreendidas por setores não-agrários. A aristocracia
rural, ao contrário, era a única beneficiária, na medida em que os interesses de sua classe
habitualmente se confundiam com as preocupações dos municípios.


                        Durante a monarquia e a república, o município continuou a servir de reduto
                        do coronel-fazendeiro, que usava e abusava da região como se fosse seu
                        domínio privado. A ausência de um Estado forte e centralizado, de 1850 a
                        1930, favoreceu o florescimento do coronelismo como sendo a única
                        instituição viável de poder. (PANG, 1979, p. 23)


       Para Pang, o posto de coronel surge ainda no século XVIII a partir das milícias
coloniais e não através da Guarda Nacional. Normalmente, o coronel era um dono de terras,
mas não era inédito encontrar esse posto entre membros de outros grupos, como comerciantes,
médicos, burocratas, professores, advogados e até padres (o caso célebre é o do padre Cícero,

                                                                                                 16
supercoronel cearense na República Velha).
       De forma sumária, o coronelismo é a monopolização do poder, cuja fundamentação e
legitimidade advêm da aceitação do seu status como senhor absoluto, e do papel dominante
que exerce nas instituições sociais, econômicas e políticas. O período áureo desse
comportamento é, na visão de Pang, entre 1850 e 1950, exatamente a época de transição da
nação rural e agrária para a nação industrial. O Brasil vivia mudanças fundamentais em sua
economia e sua política, e o coronelismo emerge precisamente nessa época de crise e
instabilidade, funcionando em muitos casos como um estado informal no sertão.
       Entre os clãs (que no caso brasileiro representa família extensa com influência sobre
membros consanguíneos e não-consanguíneos, incorporando dependentes sócio-econômicos
ou por motivos políticos) era comum a manutenção de grupos armados. Conhecidos como
jagunços ou capangas, esses homens comumente eram recrutados entre os dependentes do clã
e tinha participações cruciais em disputas de terras, de águas ou embates eleitorais.
       Como os exércitos coloniais e imperiais eram pequenos e litorâneos, os clãs obtinham
a legitimidade da violência, especialmente no interior. Grupos armados sob controle dos
fazendeiros preenchiam o vazio deixado pela ineficácia da justiça e das leis reais ou imperiais.
A violência do coronel tinha status de legitima; seu poder privado era transposto para a
dimensão pública com aspecto de legalidade.
       Nas palavras de Pang, a origem do título de coronel não é concomitante ao da Guarda
Nacional. No início do século XIX, o título já era familiar de certas categorias de nobreza
(duque, marquês, conde, visconde e barão), embora em número inexpressivo. O que a
fundação da Guarda Nacional provocou, na verdade, foi sua proliferação e até vulgarização.
Organizada a partir do modelo francês, a nova instituição assumiu (dentro do contexto de
alterações de 1831) a responsabilidade da polícia local, supervisionada pelo ministro da
Justiça e o governo provincial, na missão de garantir o cumprimento da lei; em pouco tempo
tornou-se instituição de prestígio tanto no sertão quanto no litoral. Laços familiares ou de
negócio com elites políticas de outros estados exacerbava o poder dos clãs coronelistas,
grupos dominantes formavam “estados dentro do estado”.
       Durante o Império, a Guarda Nacional foi, paulatinamente, experimentando um
processo de partidarização. A concessão de honras militares ou cargos tornou-se
procedimento estratégico entre os partidos. Distribuídas para os que haviam prestado alguma
forma de apoio, a permanência dos beneficiários nesses cargos requeria a manutenção do
partido no poder.


                                                                                             17
Não só a concessão de títulos tornou-se uma preocupação partidária, mas
                              também a designação de um posto de comando tornou-se um importante
                              trunfo políticos do partido dominante. Ao menos no papel, o controle das
                              unidades da Guarda local assegurava ao partido o uso da força policial, um
                              fator crucial nas eleições do império e da república. (PANG, 1979, p. 28-9)


           Na sociedade da Primeira República, o título e o poder de comando do coronel
simbolizava uma invejável condição e potencialidade. Era preferível ser chamado pelo título
de coronel do que de “senhor”. Mais do que um delimitador de funções ou de suas atividades,
ele definia sua pessoa, sua influência e seu status num meio social onde se transformou em
referencial e centro.
           Como artifícios, além da emblemática dependência eleitoral, os coronéis contavam
com a manipulação e as fraudes eleitorais no propósito de adquirir controle político local.
Funcionando como mais uma carta em suas mangas, as fraudes eleitorais talvez foram, ao
lado da violência dos capangas, a mais impressionante característica da República em suas
primeiras décadas. Não era estranho o coronel registrar na lista de votantes eleitores não-
qualificados; a exigência da alfabetização não era respeitada e muitos votos eram de
analfabetos, ou de pessoas de outros municípios. Distribuir roupas, sapatos, chapéus, dinheiro
e outros itens era costumeiro entre as oligarquias e seus eleitores.


                              Eleitores pagos e eleitores-fantasmas também “participavam” da eleição. A
                              compra de votos era decididamente um subproduto do sistema capitalista, e
                              daí derivou-se que o dinheiro tornou-se o principal instrumento para a
                              permuta de bens e de serviços. […] Os fazendeiros e comerciantes
                              precisavam de um relacionamento contratual para segurar os serviços de
                              trabalhadores, e esse hábito de comprar serviços estendeu-se, sem dúvida
                              alguma, à política eleitoral. (PANG, 1979, p. 35-36)


           Encerada a votação, o resultado era analisado pelo legislativo estadual e federal.
Encontrar equívocos não representava ineditismo; por vezes o número de votos ultrapassava o
de eleitores. Desse modo, o resultado das eleições era o quociente entre as atividades dos que
controlavam o município (os coronéis) e as correções – normalmente tendenciosas – dos
mandatários do legislativo (presidentes e governadores).
           A partir das fileiras de coronéis emergiam as oligarquias2. Embora haja larga
diversidade de definições sobre o termo (entendido, simplesmente, como o governo de
poucos), Pang considera que a maioria dos coronéis brasileiros pertencia ao que ele chama de


2
    Ver os tipos de oligarquias da República Velha no Anexo 1.

                                                                                                      18
oligarquia familiocrática. Nessa categoria enxergamos quase que um protótipo da estruturação
coronelista: o chefe de uma família ou clã exerce influência dentro do município, dispensa
favores aos dependentes e conquista legitimidade no âmbito social e político. O chefe
estabelecia relações e servia de arbitro entre governo e população municipal, num período em
que as funções de um Estado desorganizado eram atribuídas aos coronéis.
       Ao contrário da interpretação de Leal, Pang discorda da intrínseca relação entre o
coronelismo e a estrutura agrária. Segundo ele, a composição de classe no Brasil conviveu
com marcante diversificação de 1850 a 1950, o que significou maior participação de
advogados, comerciantes, médicos, funcionários e outras classes auxiliares na vida política
em todo o país.


                        Em suma, a afirmação de que a propriedade da terra é condição sine qua
                        non para aquisição e exercício de poder político constitui-se num exagero.
                        Na realidade, durante a Primeira República, a posse de terras e os padrões
                        de distribuição, ou títulos de posse, tiveram pouca influência no
                        florescimento do coronelismo. (PANG, 1979, p. 47)


       A força do coronel baseava-se, para Pang, em sua habilidade de fornecer favores
sociais, políticos ou econômicos em troca de votos. Seu poder no interior estava regido por
um sistema de relacionamento aberto, e com maior nível de participação política dos seus
dependentes. Nas regiões litorâneas, e especialmente no centro-sul, surgiu um sistema social
fechado e autocrático. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste o coronelismo simbolizada a
rejeição da autoridade do Estado, sendo a lealdade das massas canalizadas para os coronéis.
No centro-sul, os coronéis foram incorporados ao poder público; houve, na verdade, a
institucionalização do coronelismo.
       Analisando a organização e o funcionamento da burocracia do Império do Brasil, a
obra A Construção da Ordem de José Murilo de Carvalho mostra a existência de relações e
pessoalidade mesmo entre os mais altos cargos do funcionalismo do país. A seu ver, a
burocracia era, antes de tudo, uma elite política não estamental, cujo segredo do sucesso
residia na sua não rigidez organizacional e na ilusão de acessibilidade que aparentava, a ponto
de conseguir cooptar forças inimigas.
       A acumulação de poder provocada pela construção do Estado nacional (entre a
independência e em torno de 1850) colocava em evidência a necessidade de expandir para a
periferia do sistema a atuação estatal, de dispersar o funcionalismo público concentrado na
administração central (somente 11,61% dos empregados públicos eram da esfera municipal)


                                                                                               19
Na ausência de suficiente capacidade controladora própria, os governos
                        recorriam ao serviço gratuito de indivíduos ou grupos, em geral
                        proprietários rurais, em troca da firmação de concessão de privilégios.
                        (CARVALHO, 2003, p. 158)


       Nesse intento, o Estado utilizava os serviços da Guarda Nacional, de delegados ou
subdelegados de polícias e inspetores de quarteirão. A burocracia imperial não transparecia,
segundo Carvalho, a implantação do modelo moderno pensado por Weber. Ao invés de buscar
a eficácia, a impessoalidade, a regularidade e a precisão, nossa burocracia sofria os males do
apadrinhamento, do patronato e da manipulação dentro do Estado.


                        A troca de favores não abrangia apenas nomeações e promoções. Os
                        funcionários envolviam-se em práticas que hoje seriam consideradas
                        corruptas, embora continuem freqüentes. Calógeras, por exemplo, comenta
                        candidamente em suas cartas o fato de seus filho ter ganho alguns milhares
                        de francos de comissão do governo por ter agenciado a compra de algumas
                        canhoneiras para o Ministério da Marinha, cujo ministro era seu amigo.
                        (CARVALHO, 2003, p. 160)


       Logo, o funcionalismo também atendia as necessidades de natureza política e social.
Até o final do século XIX, o Brasil possuía, mesmo com uma burocracia menos instrumental
e complexa, um funcionalismo geral e federal maior do que os Estados Unidos.


                        A burocracia era importante para prover ocupações para os setores médios
                        urbanos e mesmo para setores proletários; era também poderoso elemento
                        de cooptação dos potenciais opositores, oriundos dos setores médios
                        urbanos e das alas decadentes da grande propriedade rural. (CARVALHO,
                        2003, p. 164)


       Era justamente essa inclinação para a dependência o sustentáculo do que Pang
denomina como coronéis burocratas. A política mantida por Juraci Magalhães após 1933,
como interventor na Bahia, é exemplo marcante. A centralização administrativa de Vargas
não apagou as marcas de uma ordem social que, inclusive, compactuava com o banditismo no
interior do Brasil e cooptava suas forças em vinganças pessoais ou apoio nas eleições.
Escrevendo num período bem posterior à Leal, Pang reitera que o coronelismo conseguiu
sobreviver após a década de 30, evoluindo para novas formas de administração oligárquica.


                        Portanto a modificação, e não o declínio do coronelismo, deveria ser o tema

                                                                                                20
da história política depois de 1930. O impacto da explosão demográfica, a
                         industrialização substituindo a importação e a conseqüente urbanização, a
                         ascensão de um sistema multipartidário em 1945, e as crescentes tendências
                         centrípetas da presidência federal, contribuíram para a modificação do
                         coronelismo. Os coronéis tornaram-se os intermediários do poder dos
                         diversos partidos, nas décadas de 1960 e 1970, ressurgindo, assim, como
                         uma “nova elite partidária modificada”. (PANG, 1979, p. 62)


       Forças públicas estaduais e o exército nacional retiraram, de acordo com Pang, a
importância militar dos coronéis e dissolveu as possíveis contendas entre seu poder particular
e o estado. No entanto, a Revolução de 1930 integrou o coronelismo oligárquico à política
nacional. O coronel personalista prendeu-se ao partido de modo disciplinado.


                         Nos alicerces do sistema político, os coronéis não só sobreviveram à
                         revolução de outubro de 1930, mas também mantiveram mais uma vez seu
                         direito de dominar o sertão como oligarquias familiocráticas. O sistema de
                         clientela política continuou, com clientes antigos e novos patrões. Os novos
                         patrões eram Juraci Magalhães, Juarez Távora e Getúlio Vargas. A
                         revolução não derrotou os coronéis: os coronéis venceram. (PANG, 1979, p.
                         231)


       Dentre as mudanças substanciais de 1945, Pang apresenta fatores modificadores do
coronelismo. O sistema de voto secreto reduziu a intervenção dos mandatários nas eleições. O
desenvolvimento econômico, a industrialização e a urbanização oportunizaram mobilidade
social e relativa independência das massas. A expansão das redes de estrada ligando o interior
e o litoral colocava fim no isolamento geográfico do sertão. A proliferação dos partidos de
inúmeras tendências e ideologias dividiu as facções e tribos de coronéis. Os governos
estaduais e federal em expansão após 1945 minaram o poder dos coronéis, tornando-se árbitro
e gerenciador das questões no interior. O Estado e os partidos deixaram, segundo Pang, de
dever favores ao coronel, e este passa a perder prestígio entre os eleitores; os favores políticos
não eram mais viabilizados pelos mandos locais. Por fim, a morte dos principais coronéis da
República Velha minimizava a capacidade de sobrevivência da estrutura coronelista. Ou seja,
o coronelismo perdeu seu papel de protagonista frente a uma nova elite social, vinculada ao
desenvolvimento e à modernização.


                         Em suma, o coronelismo chegou ao ocaso. Não desapareceu de todo, mas
                         parece caminhar para o fim. Em certa época a violência e os favores
                         políticos serviam aos coronéis como meios complementares de expandirem
                         seu poder e obterem votos. O Estado, e às vezes o governo federal,
                         recorriam a táticas igualmente nefastas para controlar os coronéis, mas esse

                                                                                                  21
tempo acabou. (PANG, 1979, p. 235)


       Em estudo inédito acerca da região cafeeira do Vale da Paraíba no século XIX, Maria
Sylvia de Carvalho Franco analisa, em Homens Livres na Ordem Escravocrata, como eram
estabelecidas as relações entre os membros dirigentes da sociedade (normalmente os
fazendeiros) e os homens livres, como os sitiantes, os tropeiros, os pequenos proprietários e
os vendeiros.
       Para a autora, tratava-se de uma sociedade onde a posição ocupada pelo indivíduo
dependia do seu grau de riqueza. E como havia a possibilidade do enriquecimento, estes
homens livres buscaram favores, serviços ou auxílio econômico dos fazendeiros. Dessa
relação nascia uma notável interdependência e uma fidelidade. O fazendeiro buscava não
demonstrar superioridade sobre o dependente, e este (num jogo harmônico e sem imposições)
garantia-lhe o apoio político em troca dos benefícios recebidos. Assim, a dominação pessoal
acabava eliminando a existência autônoma e o voto simbolizava a ratificação da lealdade, já
que:


                       Para aquele que se encontra submetido ao domínio pessoal, inexistem
                       marcas objetivas do sistema de constrições a que sua existência está
                       confinada: seu mundo é formalmente livre. Não é possível a descoberta de
                       que sua vontade está presa à do superior, pois o processo de sujeição tem
                       lugar como se fosse natural e espontâneo. Anulam-se as possibilidades de
                       autoconsciência, visto como se dissolvem na vida social todas as referências
                       a partir das quais ela poderia se constituir. Plenamente desenvolvida, a
                       dominação pessoal transforma aquele que a sofre numa criatura
                       domesticada: proteção e benevolência lhe são concedidas em troca de
                       fidelidade e serviços reflexos. (FRANCO, 1997, p. 95)


       Certamente, o comportamento político atual não demonstra as mesmas características
da República Velha. O coronelismo como sistema deve ter, como afirma Pang, cedido espaço
para novos paradigmas. Mas as práticas de mando e controle pessoal, social, político e
econômico estão tão vivas quanto antes. Basta observar como a nossa realidade política ainda
faz confusão entre o público e o privado. Basta analisar as práticas de hierarquias e
clientelismo com as quais convivemos.
       Ao estudar o sistema social brasileiro, em Carnavais, Malandros e Heróis, Roberto
Damatta discute diversos temas, mas elege o rito “sabe com quem está falando?” como
alicerce para sua análise da conduta estabelecida no Brasil entre dominadores e dominados.
Defende a existência de uma estrutura social na qual a hierarquia dialoga com a intimidade.


                                                                                                22
Relações pessoais entre os diversos grupos sociais constroem uma mediação vertical entre si,
a ponto de encontrarmos casos em que um subalterno utiliza esse rito contra outra pessoa
tendo em vista a identificação social estabelecida com seu chefe ou patrão. Para Damatta, a
expressão constitui-se numa revelação da identidade social, já que a seu uso não é privilégio
de uma categoria, grupo, classe ou segmento. Assim, tanto o empresário pode empregá-la para
evidenciar sua identidade, como seu funcionário pode integrá-la ao seu vocabulário como
mecanismo de projeção social. Nesse sentido, ser “motorista do Ministro”, “esposa do
delegado” ou “afilhado do prefeito” permite utilizar o “sabe com quem está falando?” como
um reforço de sua posição de superioridade frente ao receptor da mensagem. Num cenário
onde as relações de trabalho fogem da dimensão estritamente econômica e impessoal, valores
como a intimidade, a consideração e os favores definem as relações hierárquicas entre as
pessoas. O empregado torna-se membro de um sistema que o iguala horizontalmente com o
patrão e o impõe uma hierarquia vertical para com este. O sentimento de identidade e
compensação escondem e substituem um eventual confronto ou violência entre dominante e
dominado.
        Quem usa a expressão “sabe com quem está falando?” é geralmente aquele que se
sente agredido. Após revelar sua identidade, ele torna-se o agressor, aquele que impõe seu
status, que consegue impregnar hierarquia numa relação entre iguais, pelo menos em termos
legal e jurídico.
        O ritual de reforço analisado por Damatta camufla outra dimensão elementar para se
compreender a hierarquização dos iguais: as diferentes formas de cumprir a lei. Não é tão
revelador que, no Brasil, o sistema oscila entre cumprir a lei ou respeitar a pessoa. O “sabe
com quem está falando?” é sempre prosseguido por uma identidade que pode – e
normalmente consegue – desrespeitar as leis; o emprego da lei é guiado pelo jogo de
conveniências e pela latente distinção entre os superiores e os inferiores.


                         Para os adversários, basta o tratamento generalizante e impessoal da lei, a
                         eles aplicada sem nenhuma distinção e consideração, isto é, sem atenuantes.
                         Mas, para os amigos, tudo, inclusive a possibilidade de tornar a lei
                         irracional por não se aplicar evidentemente a eles. A lógica de uma
                         sociedade formada de “panelinhas”, de “cabides” e de busca de projeção
                         social jaz na possibilidade de se ter um código duplo relacionado aos
                         valores da igualdade e da hierarquia. (DAMATTA, 1997, p. 217)


        Diante das leis, e de todo o universo de impessoalidade que a marca, nasce um
tratamento diferenciado e pessoalizante. No Brasil é evidente a dicotomia entre o indivíduo e

                                                                                                 23
a pessoa; dessa diferença decorre duas formas distintas de observar a sociedade e de fazer a
lei nela agir. Em frente às leis universalizantes, as pessoas voltam aos seus respectivos
lugares.


                        É como se tivéssemos duas bases por meio das quais pensássemos o nosso
                        sistema. No caso das leis gerais e da repressão, seguimos sempre o código
                        burocrático ou a vertente impessoal e universalizante, igualitária, do
                        sistema. Mas, no caso das situações concretas, daquelas que a “vida” nos
                        apresenta seguimos sempre o código das relações e da moralidade pessoal,
                        tomando a vertente do “jeitinho” e da “malandragem” e da solidariedade
                        como eixo de ação. Na primeira escolha, nossa unidade é o indivíduo; na
                        segunda, a pessoa. A pessoa merece solidariedade e um tratamento
                        diferencial. O indivíduo, ao contrário, é o sujeito da lei, foco abstrato para
                        quem as regras e a repressão foram feitas. (DAMATTA, 1997, p. 218)


       Em um sistema pessoas que se conhecem, e que se complementam socialmente pela
bondade e pelos favores é mais interessante ser pessoa do que ser indivíduo. Nesse contexto
surgem as pessoas-instituições, reunindo aos seus pés uma clientela imensa. O mundo é
distribuído hierarquicamente, e nesse jogo repete-se a falácia de que o superior sabe o que é
bom para o inferior, para o povo. O inferior deve demonstrar generosidade, confiando
naquelas pessoas que o representa. Sempre manipulável, o povo (inferior) é englobado pelo
superior; o perigo de ser enganado ou ludibriado nos seus direitos é constante. A opinião e
ideologias do inferior não merece atenção, pois o povo é ingênuo e inocente.


                        Temos a caridade, nunca a filantropia (que é um sistema de ajuda ao
                        próximo, voltado muito mais para a construção social), e assim reforçamos
                        as “éticas verticais” que, ligando um superior a um inferior pelos sagrados
                        laços da patronagem e da moralidade, permitem muito mais a perspectiva
                        complementar das relações hierárquicas do que as antagônicas. O mundo é
                        visto como composto de fortes e fracos, ricos e pobres, patrões e clientes,
                        uns fornecendo aos outros aquilo de que eles não dispõem. (DAMATTA,
                        1997, p. 234)


       Mas existe uma tendência dual até mesmo no nosso universo legal, pois as leis criadas
com a premissa da igualdade passam por reavaliações na sua prática, construindo uma
tendência individualizante e outra pessoal. As leis só devem ser aplicadas para os indivíduos
(aqueles que são indigentes e não possuem família, padrinho ou intermediário capaz de
conseguir um tratamento diferenciado) e nunca para as pessoas.


                        Desenvolvemos ao longo dos anos essa maneira de hierarquizar e manter as

                                                                                                   24
hierarquias do mundo social, criamos os despachantes ou padrinhos para
                        baixo, esses mediadores que fazem as intermediações entre a pessoa e o
                        aparelho de Estado quando se deseja obter um documento como o
                        passaporte ou a nova placa do automóvel. (DAMATTA, 1997, p. 236)


       É por conta disso que a lei não é vista como regra imparcial. Legislar é mais fácil do
que cumprir o que está no papel. O sistema legal tem sua aparência de universalidade
desmascarada pela moralidade pessoal, por aplicações vazias e pela manipulação de valores e
ideologias.
       O trabalho de Chacon é plausível para percebermos como as práticas coronelistas não
estão muito distantes no tempo. Segundo ela, quando a modernidade alcança as regiões
interioranas, e mais especificamente o Sertão, os coronéis são forçados a rever seus métodos
clientelistas, passando a defender agora um discurso modernizador. O movimento não foi
unânime em todas as regiões, mas os coronéis se adequaram ao próprio projeto de
urbanização e produção capitalista.
       Ou seja, surge um novo tipo de coronel em diversas regiões do país, embasado em
novos discursos, novas formas e novos instrumentos de poder. Para Chacon, a urbanização, ao
invés do que pensa Leal, não significou o fim dos coronéis; eles se adaptaram às novas
conjunturas, mudaram-se para a cidade, organização novas dominações e tornaram-se os
coronéis urbanos (constituídos principalmente pelos empresários). Embora com uma
roupagem de modernidade, estes coronéis conservaram muitas práticas eleitoreiras e a idéia
de mediação com o poder público.


                        O surgimento de novos atores políticos e também de novos conflitos, vindos
                        a reboque da modernidade, vai mudar esse quadro de forças políticas, e o
                        velho coronel é substituído aos poucos por funcionários públicos,
                        tecnocratas que passam a deter certo poder, que se baseia em um suposto
                        saber que decide onde é empregado o recurso para o desenvolvimento. E o
                        novo coronel é o administrador de conflitos gerados a partir dessa nova
                        configuração de forças, que limita seu poder e exige um esforço político e
                        intelectual muito maior para manter o poder. (CHACON, 2007, p. 94)


       Com base nas diversas análises sobre o fenômeno coronelista (seus termos correlatos e
subprodutos), creio ser o trabalho de Roberto Damatta o mais adequado e oportuno para o
estudo sobre a atuação da Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira
(ADECAR). As práticas do coronelismo da Primeira República sobreviveram ao tempo
(embora o sistema possa ter chegado ao fim) e construíram novas regras de relações sociais
hierárquicas e de mando, entre superiores e inferiores. Vemos, pois, comportamentos

                                                                                               25
clientelistas triunfarem na política de Conceição do Coité no limiar do século XXI tendo
como sustentáculo o mesmo combustível do Império ou da Primeira República: a
dependência.
       O diálogo com outros autores será fundamental, mas insistirei na análise de práticas
políticas da ADECAR que apresentam sutileza e aparente casualidade em sua performance,
mas que são crias conscientes, objetivas e potenciais de um comportamento mandonista e
clientelista dos interesses políticos-partidários. O coronelismo enquanto estrutura política foi
carregado pelo crepúsculo, mas suas práticas, suas estratégias e suas fundamentações ganham
novo colorido para sobreviver aos novos ambientes de adaptação. Um exímio coronel do
passado reconheceria no comportamento mantido pela ADECAR um teatro bastante
equivalente ao qual ele atuava – do ponto de vista da estruturação e dos ensaios de bastidores.




                                                                                             26
CAPÍTULO II


                       A Política Recente de Coité e a Questão do Desenvolvimento




           "História e poder são como irmãos siameses - separá-los é difícil; olhar para um sem
perceber a presença do outro é quase impossível". A frase de Francisco Falcon é cabalística
para o presente trabalho. A História da cidade de Conceição do Coité tem sido desenhada sob
a égide das ações políticas de "grandes" homens. Localizado na zona fisiográfica do Nordeste,
ao leste da Bahia, distante 210 km da capital baiana, Conceição do Coité possui uma área de
1.086,244 km² e uma população de aproximadamente 63 mil. Conhecida rotineiramente como
"A Capital do Sisal", a cidade produz e exporta admirável quantidade da referida fibra. A
agricultura e a pecuária do município são igualmente importantes para o seu dinamismo
econômico. Mas além dessas atividades, sua economia apresenta uma das maiores taxas de
crescimento dentro do Território do Sisal (seu PIB é inferior apenas ao de Serrinha3) por conta
da pujança comercial e dos crescentes investimentos industriais (notoriamente nos ramos de
calçados, de confecções, de beneficiamento do sisal e da produção de gêneros alimentícios).
           Nesse capítulo farei uma breve análise da política recente de Conceição do Coité, entre
a década de 1970 e o início do século XXI, ressaltando, sobretudo, questões referentes ao
processo de construção das bases políticas, econômicas e sociais do período. Ainda neste
capítulo serão analisados os variados caminhos propostos pelo governo federal para o
desenvolvimento do Nordeste, além de propostas de intervenção realizadas pelo governo
estadual e o municipal no campo do desenvolvimento (principalmente comunitário).
           No livro Conceição do Coité: a capital do sisal, Vanilson Lopes de Oliveira sinaliza
que sua obra representa o "primeiro livro histórico-cultural do nosso município", tendo em
vista a "autenticidade" e o "desprendimento" que julga caracterizar o seu discurso:


                                 É como se fosse uma radiografia de uma localidade mostrando sua gente,
                                 seus usos e costumes, suas tradições e realizações. É uma radiografia em
                                 perfil de uma comunidade sertaneja pequena e simples, destemida e forte,
                                 por enfrentar as dificuldades do revés da natureza no sertão semi-árido.
                                 (OLIVEIRA, 1993, p.10)


           Obviamente que não é possível esconder ou ignorar a importância dos trabalhos de

3
    Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas.

                                                                                                      27
Vanilson de Oliveira acerca de Conceição do Coité, apesar de apresentar carências em suas
reflexões. Segundo o autor, a cidade foi sendo modelada a partir de memoráveis feitos. O
povoamento do sertão por meio das Entradas e Bandeiras provocara o domínio e a expulsão
dos "perigosos índios" da região; a posição geográfica estratégica de Conceição do Coité era
utilizada como ponto de apoio para atividades comerciais, criação de gado ou passagem de
viajantes no interior da Bahia; e a existência da cuitizeira ou cuité (árvore de pequena
dimensão que inspirou o nome da cidade), utilizada para descanso das boiadas que passavam
e para estocagem de água em seus frutos (cabaças) para o uso nas distantes caminhadas pelo
interior, são registrados com realce na obra de Vanilson de Oliveira.
       Em sua dissertação de mestrado Nossa Senhora da Conceição do Coité: Poder e
Política no Século XIX, Iara Nancy Araújo Rios aponta que, desse modo, Conceição do Coité
foi, do ponto de vista historiográfico, construído como local de dinamismo comercial,
proteção divina, cosmopolitismo e progresso. Segundo a historiadora, a memória do
município consolidou-se sobre os pilares mitológicos de sua fundação, de um passado
harmônico e predestinado ao desenvolvimento; idéia reiterada pela própria literatura regional.


                        O processo de construção da memória da cidade de Conceição do Coité se
                        fez pelo silêncio de elementos do passado e pelo não-dito. Não porque não
                        fosse importante, nem tivesse significado, mas porque se precisava construir
                        um passado que justificasse a idéia de modernização e desenvolvimento,
                        sem informações que contradissessem o mito de fundação. (RIOS, 2003, p.
                        39)


       A autora pontua que o passado, não somente de Conceição do Coité, mas de toda
trajetória dos Sertões dos Tocós, revela-se nos estudos históricos sem a presença de conflitos,
de problematizações. O progresso da cidade é justificado pela evolução linear dos
acontecimentos, reafirmando a intencional balela de que Coité surgiu sem desigualdades
sociais e sem contendas.


                        Esta imagem de harmonia esconde os conflitos e tensões existentes em
                        todas as sociedades, afinal, as relações sociais são permeadas pelas relações
                        de poder, e onde há lutas pelo poder, há conflitos. (RIOS, 2003, p. 45)


       Ou ainda, no plano da memória, podemos concordar que:


                        Confeccionou-se uma memória apenas com grandes homens e grandes
                        eventos políticos, sem índios, sem negros e sem a participação do povo nas

                                                                                                  28
decisões e no processo social da cidade seguindo o caminho traçado pela
                        história tradicional e, depois, positivista. (RIOS, 2003, p. 39)


       Recupero essas idéias no desígnio de apontar a importância que elas podem
apresentar, numa perspectiva positivista, dentro da consolidação de uma mentalidade coletiva
positivada - e deturpada - a fim de reverenciar grandes líderes e de eleger determinadas
referências (políticas, sociais e culturais) a serem cultuados pelos vários grupos da sociedade
de Conceição do Coité. A construção de líderes, de discursos e de marcos norteadores dentro
do espaço social permite a massificação, a sobreposição dos interesses de um grupo sobre o
outro, e a consequente cooptação dos eventuais dissidentes.
       No seu livro Conceição do Coité e os Sertões dos Tocós, Vanilson de Oliveira afirma
que o desenvolvimento sócio-político-administrativo do município compreende dois grandes
períodos. O primeiro deles foi liderado pelo líder político Wercelêncio Calixto da Mota,
construtor da “era de seu Mota” que:


                        Começou em 1928, quando foi intendente municipal, (cargo hoje
                        correspondente a prefeito) e terminou em 1972, no governo de Dr. Manoel
                        Antônio Pinheiro. Foram quarenta e quatro anos de administração, divididos
                        em dezesseis prefeitos, tendo alguns exercito o poder por mais de uma vez,
                        como é o caso do próprio Wercelêncio, e de Teócrito Calixto, seu sobrinho.
                        Nesse período, o município cresceu, superando as cidades mais antigas da
                        região: Riachão e Queimadas. (OLIVEIRA, 2002, p.88)


       Nesse período, a autoridade política de Wercelêncio prevalecia como referência nas
sucessões de prefeitos, na ocupação de cargos públicos e na construção das regras
personalistas e carismáticas para a política oligárquica municipal. Como destaca Vanilson,
sob o controle de Wercelêncio assistiu-se um processo de modernização da cidade, com o
calçamento de ruas, a construção de estradas, tanques, açudes e imprimindo “à administração
um caráter de honestidade ilibada, digna de exemplo”. Todavia, apesar de modernizadora, a
política de Wercelêncio camuflava tendências coronelistas e conservadoras. A expressão
“Coité de seu Mota” ratifica uma mentalidade que vincula o município aos mandos e
desmandos de um administrador, de um chefe e seus correligionários, uma vez que “o poder
político de Mota era tanto que bastava indicar qualquer candidato postulante ao cargo de
vereador, ou a prefeito, independente do partido, ou do índice de rejeição, para que a pessoa




                                                                                               29
fosse eleita”4.
        O segundo período de desenvolvimento sócio-político-administrativo de Conceição do
Coité compreende-se entre os anos de 1973 até os dias atuais. Nessa nova etapa, o teatro
político de Coité também ganhou um novo dono, Hamilton Rios de Araújo (Mitinho). Mesmo
com raízes familiares vinculadas à posse da grande propriedade, Mitinho nunca se prendeu às
atividades agrárias; sua relação com a política, no entanto, certamente tenha decorrido de uma
herança familiar.


                           O seu avô, Antonio Felix de Araújo, por parte do pai, possuía uma patente
                           de coronel da Guarda Nacional e, para ser adquirida uma patente daquela,
                           tinha que ter recursos financeiros e prestígio político na Província da Bahia.
                           Talvez tivesse sido do seu avô que lhe veio no sangue o gosto pela política.
                           (OLIVEIRA, 2003, p. 75)


        Uma análise atenta da política recente de Conceição do Coité pode, nessa finalidade,
demonstrar a permanência da mentalidade coronelista. A vitória de Hamilton Rios de Araújo
para prefeito permite uma leitura ambígua. Por um lado, assinala o término do período
político liderado por Wercelêncio Calixto da Mota e das vitórias conquistadas pela sua
equipe. Por outro, inaugura uma nova página na história política do município, marcada por
uma conjunção de práticas e tendências que relembram e ressuscitam o comportamento
coronelista do início do século passado.
        Dessa vez, não mais a estrutura agrária servirá como esteio para seu poder. Hamilton
Rios já não usava o longo bigode dos coronéis da Primeira República, como o que José
Candido de Carvalho apresenta em O Coronel e o Lobisomem5. Era um homem de negócios,
bem-sucedido no comércio do sisal, mas que soube habilmente utilizar os favores e benefícios
em troca apoio político, poder e votos.


                           Para conseguir seus objetivos, montou um carro pipa e, interessado em
                           votos, aproveitando o flagelo da seca de 1970, saiu distribuindo água nas
                           roças e povoados, pregando que o prefeito, juntamente com seus aliados,
                           não dava assistência ao povo. Durante dois anos, fez isso e muito mais:
                           doou cestas básicas, materiais de construção: (cimento, tijolos, blocos,
                           telhas…), passagem de ônibus e outros benefícios, a ponto das pessoas
                           denominá-lo de “pai da pobreza”. (OLIVEIRA, 2002, p. 79)




4
   OLIVEIRA, Vanilson Lopes de. Conceição do Coité e os Sertões dos Tocos. Conceição do Coité: Clip
Serviços Gráficos, 2002. p. 76
5
  Romance brasileiro da década de 60, que inspirou filmes e minisséries com o mesmo nome desde os anos 1980.

                                                                                                         30
De modo irônico, poderíamos dizer que, caso não existisse o voto, estas seriam ações
dignas da glória eterna. No entanto, esse comportamento é um remanescente óbvio da
Primeira República, um dos inumeráveis meios pelos quais um autêntico coronel procuraria
concentrar poder. Como bem pontua Pereira de Queiroz, a sutileza presente na relação de
dependência econômica dos eleitores (dominantes e dominados), na troca de benefícios e
favores e na distribuição de presentes em período eleitoral fazia do voto um bem de troca;
uma permuta em retribuição aos benefícios recebidos. Uma informação que chama atenção é
que as práticas clientelistas de Hamilton Rios já ocorriam entes mesmo de 1973; o
clientelismo é posto como um facilitador para cativar os eleitores.
       A expressão “pai da pobreza” atribuída a Hamilton Rios alude fielmente a este
paternalismo coronelista. Um exímio coronel que busca aproximar-se dos seus subordinados,
a fim de eliminar os traços divisórios e contrastantes entre os dois. Sua postura objetiva
demonstrar identificação com o eleitor, como alguém que conhece suas dificuldades
cotidianas e que, inclusive, encara o pobre como um filho a ser cuidado.
       A chegada de Hamilton Rios ao executivo de Coité ocorreu em pleno governo do
general Médice. Os Anos de Chumbo instituíram no pós-64 as novas diretrizes para as regras
políticas em todo o país. Em tempos de centralização político-administrativa, de Atos
Institucionais, de perseguições políticas, de censura e controle das oposições, o Estado
brasileiro mantinha grandes interesses nas esferas municipais de poder. Por conta da
importância de garantir legitimidade no âmbito municipal, o Estado procurou dialogar e
formular laços de intimidade com as elites locais. Tendo em vista a nova atmosfera política,
coube aos coronéis locais se adequarem, como nos lembra Chacon6, ao discurso de
modernização, de crescimento capitalista e de urbanização.
       Em Conceição do Coité, no entanto, os bastidores políticos não estavam totalmente
delimitados pelos mandamentos do Regime Militar. As posturas racionalistas e moralizantes
emanadas verticalmente estiveram presentes (entenda-se esquecidas) mais em gabinetes que
nas práticas político-eleitorais, e Hamilton Rios abraçou o carisma, o populismo, as práticas
coronelistas e a dependência econômica como artifícios principais para ascensão.
Burocratização do poder e personalidade não se contradiziam localmente, completavam-se e
geraram uma coexistência estabilizada e profícua. Os juízos ditatoriais não tiveram
reprodução ipsis litteris pelas políticas municipais, o que não desfazia o vínculo servil.
Parecia, bem mais, uma harmonização vantajosa do que parecia incompatível; as lideranças

6
  Ver Suely Salgueiro Chacon, O sertanejo e o caminho das águas: políticas públicas, modernidade e
sustentabilidade no semi-árido, pp. 87-105.

                                                                                               31
políticas de Coité vincularam-se à ARENA enquanto sobreviviam de práticas políticas como a
intimidade, a manipulação e o apadrinhamento.
        A consideração anterior é análoga à visão de Roberto Schwarz sobre a presença de
idéias européias incorporadas impropriamente no Brasil. Para o autor, a ideologia liberal que
ancorou as lutas nacionais de independência permaneceu sendo contemporânea da escravidão.
Dessa forma, as idéias liberais inspiradas pelas revoluções francesa, inglesas e americana
estiveram, em nosso país, fora do seu ambiente previsível, se comparadas às experiências
precedentes. A escravidão deveria desmentir e tornar impróprio o liberalismo, mas nada disso
aconteceu. O Brasil burocrático, que queria se modernizar e se moralizar era o mesmo que,
especialmente no campo municipal, não desprendia sua política dos veículos clientelistas e
individualistas.
        A política nacional posterior ao golpe militar estava repartida por duas facções, a
Aliança Renovadora Nacional (ARENA) – reduto dos militares – e o Movimento
Democrático Brasileiro (MDB), que conjugava as oposições, e cada um com a possibilidade
de originar sublegendas. No município de Coité, tanto a situação como a oposição abraçou a
facção dos militares, definindo-se como Arena 1 a coligação do situacionismo e Arena 2 o
grupo da oposição. As investidas da Arena 2 contra os remanescentes do grupo de
Wercelêncio Calixto (Arena 1) era, no período, comandado por Evódio Ducas Resedá. Ainda
pelo Partido Republicano, Evódio perdeu as eleições de 1963 para Antonio Ferreira de
Oliveira, do Partido Social Democrático (PSD). Segundo Vanilson de Oliveira, em 1967, após
um pacto com a situação, Evódio apóia Teógenes Antônio Calixto como candidato único para
prefeito, a fim de receber semelhante apoio nas eleições seguintes. O acordo acaba em
desafeto e na eleição posterior (1970), Evódio perde novamente para o último herdeiro do
trono de seu Mota, Dr. Manoel Antonio Pinheiro.
        A partir daquele ano, Hamilton Rios passa a contestar a permanência dos discípulos de
Wercelêncio Calixto na direção da prefeitura por mais de quatro décadas. Os sucessivos
insucessos de Evódio contribuíram também para facilitar a adesão a uma liderança da
“esquerda” (que também era ARENA). De qualquer modo, Hamilton transformou-se
paulatinamente no mais cogitado nome à candidatura pela oposição, “apoiado pelo grupo de
Evódio e por alguns dissidentes da situação, como foi o caso de Antonio Nunes, seu cunhado,
ex-vereador e ex-prefeito interino de Coité”7. O interessante é que o discurso de aversão à
longa continuação do grupo de Wercelêncio no poder feito por Hamilton foi imediatamente

7
 OLIVEIRA, Vanilson Lopes de. Sisal, Suor e Poder: crônica de uma região. Conceição do Coité: Editora Clip.
2003. p. 76

                                                                                                        32
esquecido a partir de 1973. Antes da vitória, o discurso era conveniente e inspirava mudança;
depois dela, tornou-se obsoleto e a era Mitinho só precisa contar os dias para poder
comemorar o 40º aniversário de controle sobre a máquina pública de Conceição do Coité.
       Nas eleições, Hamilton tinha do lado oposto Misael Ferreira Oliveira, apoiado por Dr.
Pinheiro, vinculado igualmente ao comércio do sisal, vereador e um expoente representante
do distrito de Salgadália. Com perfis político-ideológicos e bases econômicas parecidas,
ambos lançaram-se numa campanha eleitoral desenfreada. Segundo Vanilson Oliveira, a partir
dos anos 70 surgiram os estrondosos comícios, com passeatas de carros e multidões pela
cidade. Mas um grande diferencial do período foi, irrefutavelmente, o emprego desinibido das
práticas clientelistas. Os dois adversários passaram a escancarar a premissa de que “é dando
que se recebe” como estratégia política clientelista do imediatismo.


                        Foi a partir dessa campanha, que se deliberou em definito o clientelismo e o
                        assistencialismo: “o toma-lá-dá-cá”. Muito antes, esse clientelismo era feito
                        disfarçadamente pela política dos “coronéis”: João Amâncio, Wercelêncio,
                        Eustórgio Resedá e muitos outros, e, também pelo comerciante Teócrito
                        Calixto que doava uma gravata, um sapato, ou uma meia, para quem votasse
                        nele. (OLIVEIRA, 2002, p. 78)


       Visto assim, não podemos dizer que Hamilton Rios e Misael Ferreira montaram em
1972 uma nova rede de relações eleitoreiras; houve apenas um aprimoramento, uma
adaptação às demandas da urgência. Assim como na Velha República, é perceptível a pouca
importância que o voto, quase um século depois, representa para muitos eleitores. Seja pela
inconsciência política, por um compromisso tradicional ou pela apaixonante sedução que a
representatividade simbólica de um candidato ou facção constrói, muitos ainda acreditavam
que trocar seu voto não implicaria no resultado das eleições (isso relembra o paradoxo da
participação eleitoral discutido por Marcus Figueiredo).
       Na monografia de especialização, Francisco de Assis Alves dos Santos (Assis da
Caixa ou Assis do PT) sinaliza que na história política de Coité os homens sobrepõem o
campo das idéias, onde os discursos são arquitetados para a personalidade e a desmoralização
das regras. No que tange à disputa entre Hamilton e Misael (1972), Assis é lacônico ao
defender que:


                        Desde 1972 os empresários do ramo do sisal Hamilton Rios de Araújo e
                        Misael Ferreira de Oliveira, cada um de seu lado, têm tocado seus projetos
                        políticos pessoais, desprovidos de quaisquer propostas de interesse público,
                        e, em torno deles, reunido muitos defensores fiéis, alguns fanáticos. Ambos

                                                                                                  33
se notabilizaram pela prática do clientelismo e fisiologismo políticos
                            (compram eleitores e aliados, distribuem e/ou prometem empregos públicos
                            etc.). (SANTOS, 2000, p. 34)


        A estes defensores fiéis mencionados por Assis foi direcionada uma sistemática
sedução simbólica. Doravante, uma visão maniqueísta foi estabelecida para o campo político
de Coité, buscando construir simbologias onde cada grupo procurava direcionar seus
interesses para o eleitorado em sua totalidade. A utilização de músicas em carros de som tinha
– para além da função conotativa da linguagem – o desígnio de apontar que um grupo era
melhor do que o outro. Pelos exemplos encontrados no livro de Vanilson Oliveira8, podemos
dizer que o sucesso simbólico de um grupo era definido mais pela difamação do adversário do
que pela apresentação de propostas, medidas e tendências necessárias à solução dos
problemas que afligiam a população coiteense. Nas últimas décadas, a política municipal tem
reservado enorme espaço à divergência entre a simbologia dos Azuis (representando todas e
quaisquer oposições) e dos Vermelhos (deturpação da coloração comunista que, em Coité,
passou a identificar os grupos da direita), independentemente dos problemas, significados,
inutilidades ou objetivos que essa cisão possa ter.9
        Em entrevista de 06 de janeiro 2010, Assis destaca que, ideologicamente, a chegada de
Hamilton Rios ao poder em Conceição do Coité não representa uma mudança. Sua
singularidade política foi o comportamento personalista e mandonista adotado a partir da
década de 1970.


                            A personalidade de Hamilton Rios, essa sim fez diferença, porque ele era
                            populista, mais do que seu antecessor, por exemplo, que era um médico, um
                            cidadão muito calmo, com estilo assim muito pacato, Dr. Pinheiro, e o
                            Hamilton Rios um sujeito mais populista de comer farofa nos motores de
                            sisal, de ir pra aquelas farras dançar com as mulheres dos compadres ou
                            aquelas pessoas simples. Então ele era mais populista, mais perseguidor,
                            você pode olhar que médicos, professores e demais servidores públicos
                            estaduais que não comungavam com as idéias de Hamilton Rios, que não
                            obedeciam politicamente Hamilton Rios eram expulsos de Conceição do
                            Coité, eram transferidos pra municípios distantes, o mais distante possível e
                            tinham uma alternativa de ou se submeter a isso ou sair do serviço público.
                            (…) esse estilo pessoal de Hamilton Rios fez toda diferença, porque
                            ideologicamente eles não tinham muita diferença não, uma vez que todos
                            seguiam os poderosos de plantão, que eram os militares e o governador
                            biônico indicado pelos militares, de maneira que o que houve de diferença


8
 Ver o livro Conceição do Coité e os Sertões do Tocós.
9
 Para maiores informações sobre prováveis possibilidades de origem, os problemas e imperfeições construídos
pela divisão Vermelhos x Azuis, consultar Francisco de Assis Alves dos Santos, Na mira dos coronéis: Cartas a
um Professor Coiteense, p. 39-45.

                                                                                                          34
foi a personalidade de Hamilton Rios, populista, mandão, perseguidor.
                               (SANTOS. Entrevista concedida em 06 jan. 2010)


           Hamilton venceu Misael Ferreira para o mandato de 1973-1976 e de 1983-1988,
embora ambos apoiassem a ARENA dos militares. Nesse intervalo o executivo foi governado
por Walter Ramos Guimarães (1977-1982), apoiado inicialmente pela facção de Hamilton
(seu sobrinho, Éwerton Rios, casara-se com a filha daquele) e beneficiado pela emenda do
deputado Anísio de Souza que a Câmara aprovou em setembro de 1980, adiando as eleições
municipais daquele ano pra 1982. Walter era, do mesmo modo, comerciante do sisal e no seu
governo de 6 anos privilegiou reforma de estradas e construção de represas na zona rural
(apesar de muitas serem ofertadas como propriedades privadas em todo município). Seu
governo destacou-se também pela pavimentação de ruas em Coité e em povoados, a
construção do Hospital Nossa Senhora da Conceição (hoje Almir Passos) na Sede e postos
médicos em alguns povoados, a implantação de uma torre repetidora de TV e a construção do
Centro de Abastecimento em Coité.
           O apoio de Walter ao governador Antonio Carlos Magalhães era incondicional, até
porque sua administração dependia da bajulação ao coronel estadual. Hamilton, por outro
lado, não desejava perder o gosto pela política, e cobiçava manter-se como autoridade na
política municipal ainda na Gestão Walter. Sua interferência política causou um período de
embate entre os dois, e o prefeito passou a apoiar Misael Ferreira, candidato rival de
Hamilton, para sua sucessão em 1983.
           A revista Estados e Municípios10 publicou o evento de 10 de junho 1982, na
Associação Cultural Castro Alves, no qual Walter Ramos foi premiado com o título de
“Prefeito Expressão Nacional 81/82” pelo jornal Correio de Recife (cuja tendência, expressa
pelo seu representante Viriato Rodrigues, sinaliza uma completa afinidade com a Ditadura).
Todas as autoridades presentes (municipais, estaduais e federais) reafirmaram a necessidade
de eleger Misael Ferreira como sucessor para o executivo, e o próprio Walter encerra seu
pronunciamento com um apelo aos fiéis eleitores: “A única retribuição que quero de todos
vocês é a escolha de Misael Ferreira, em 15 de novembro para prefeito da cidade. Assim
procedendo, vocês terão a minha eterna gratidão”. Como História não é Ciência Exata,
Hamilton venceu nas urnas e ficou no Executivo até 1988.
           Nas eleições seguintes, Hamilton passou o trono para seu sobrinho, Éwerton Rios
D’Araújo Filho (Vertinho), que é o campeão de mandatos, 1989-1992, 1997-2000 e 2005-

10
     Revista da Associação Brasileira de Municípios, Ano VII – Nº. 58 - 1982

                                                                                                 35
2008. Eleito nas duas primeiras pelo Partido da Frente Liberal (PFL) e na última pelo Partido
Progressista (PP), Vertinho migrou em 2009 para o Partido da República, liderado no Estado
por César Borges. Hamilton também treinou seu filho, Wellington Passos de Araújo (PFL), o
Tom, para uma gestão (2001-2004) que se misturou a escândalos, como o financiamento da
COTESE, fábrica do seu pai e do irmão Marcelo Passos, com recursos públicos do município
e do Estado (irregularidade constatada pelo Ministério Público) ou o fato do prefeito se
ausentar com freqüência da cidade. O fato é que Tom terminou seu governo com baixa
popularidade (problema indissolúvel até hoje) e a sucessão foi ocupada pelo terceiro mandato
de Éwerton Rios. Para o interstício entre 1993-1996, Coité elegeu Diovando Carneiro Cunha
como prefeito, um dissidente do grupo de Hamilton Rios que, mesmo vencendo “o grande
chefe”, sua gestão não pode ser entendida como uma ruptura feita pela esquerda, afinal sua
orientação política era uma reprodução da dos seus antecessores, e a relação de favores entre
sociedade e poder público se repetia – como se repete até hoje – de modo intacto.
        Após 40 anos de Era Mitinho, podemos constatar, entretanto, que o município está
longe de solucionar problemas graves administrativos. Além da enorme concentração de
renda (a cidade tem o segundo maior PIB do Território do Sisal e, ao mesmo tempo, 10 mil
famílias cadastradas no Programa Bolsa Família) há déficits em áreas fundamentais de uma
administração, como a educação básica, que ocupa a 357º posição dentre os 417 municípios
baianos11. Sobre os problemas municipais, Assis afirma que:


                           Se você for analisar um município com 63 mil habitantes que não tem um
                           único hospital público, (…) os estudantes tem uma nota média 2.6 nos
                           exames sérios que são realizados pelo Estado e pelo Governo Federal pra
                           aferir a capacidades dos alunos, se você for olhar um município que detém
                           uma Escola Agrícola há vinte e tantos anos e que nunca formou um técnico
                           agrícola, que possui um CAIC que seria uma escola em tempo integral, em
                           tese, que tem toda uma estrutura física, que tá depredada e que nunca
                           funcionou como escola em tempo integral, enfim, se você for olhar como
                           andam as estradas, como andam as aguadas do município, se você olhar
                           como são estabelecidas, como são realizadas, como se dão as relações da
                           sociedade civil organizada, da população em geral com o poder público, aí
                           você vai concluir que é um desastre administrativo. Agora, o grupo teve
                           competência, entre aspas, pra se manter no poder por quatro décadas porque
                           trafica influência nos órgãos públicos, manipula empregos públicos, adotou
                           um esquema administrativo patrimonialista, enriqueceu-se, fortaleceu suas
                           empresas, conquistou empresas à custa do erário e com isso tem muitos
                           empregos, muito dinheiro, usa… usa arbitrariamente os órgãos e o dinheiro


11 Disponível em
http://www.inep.gov.br/download/Ideb/Resultado/republicacao/Divulgacao_4serie_Municipios.xls, acesso em 8
de janeiro 2009.


                                                                                                       36
público, públicos no caso, e com isso se perpetua no poder, comprando
                        votos, comprando apoiamentos e fidelizando os eleitores mais carentes
                        através duma ambulância, da oferta de um emprego público. Enfim, é dessa
                        maneira, com o desastre coletivo, mas com o sucesso grupal daqueles que
                        detém o poder que eles tem se mantido durante quarenta anos. (SANTOS.
                        Entrevista concedida em 06 jan. 2010)


       Segundo Assis, até o final da década de 1990, a oposição ao grupo de Hamilton Rios,
feita pelo grupo dos Azuis (especialmente por Misael Ferreira), não fazia oposição
sistemática, fiscalizando abusos de poder, do dinheiro público e desvios de recursos pelos
Vermelhos, nem mesmo uma oposição efetiva na Câmara. Ao invés de uma regularidade, a
esquerda só se organizava às vésperas das eleições, favorecendo novas vitórias da facção de
Hamilton. A histórica oposição de Misael caiu por terra nas eleições 2000, quando apoiou
Tom, filho do seu principal adversário, Hamilton Rios. Por um lado, esse fato recrudesceu o
poder da direita (PFL e o Partido Progressista Brasileiro), mas por outro foi o momento em
que o PT aproveitou para delimitar o espaço de uma nova – e diferente – esquerda.


                        Foi um vácuo muito bem aproveitado pelo PT, foi ali que o PT teve
                        candidato próprio, e a partir dali o PT, em 2004, veio como vice e em 2008
                        já veio com candidatura própria obtendo mais de 42%, de maneira que eu
                        acredito que pela primeira vez os Vermelhos estão tendo uma oposição que
                        faz política o tempo inteiro, os quatro anos, que faz oposição, que vai à
                        Justiça, que denuncia abusos e que visita a população. Enfim, uma oposição
                        que de fato e de direito atua. Isso tem deixado os Vermelhos preocupados,
                        olha que eles estão começando a se dividir. A gente vai assistir essa divisão
                        nas próximas eleições agora em 2010, (…) uma característica, talvez a
                        principal, do grupo dos Vermelhos é que eles são monolíticos, eles nunca se
                        dividiram numa eleição municipal, a gente não sabe se eles vão conseguir
                        levar adiante isso na eleição de 2012. Mas que eles estão tendo, pela
                        primeira vez, uma oposição atuante, que é o PT, isso estão, eles estão tendo
                        o PT nos calcanhares deles e eles temem o PT em 2012. Agora não pense o
                        PT que vai ser fácil derrubar alguém que tá há 40 anos no poder com todo
                        no round, não vai ser fácil, mas vai ser uma campanha boa em 2012.
                        (SANTOS. Entrevista concedida em 06 jan. 2010)


       Historicamente, as grandes dificuldades das oposições têm sido justamente a
inexistência de uma liderança forte – excetua-se aí a organizada oposição pensada pelo Dr.
Yêdo, mas que veio a falecer antes das eleições de 1988 –, o enfrentamento da máquina
pública e do poder econômico, utilizados descabidamente pelo grupo de Hamilton Rios, e,
finalmente, o fato de que a oposição nunca repetiu seu candidato em duas corridas eleitorais
consecutivas. Segundo Assis, o PT de Conceição do Coité tem encontrado no passado as
lições para a construção de sua luta e de uma nova administração.

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A atuação da ADECAR entre clientelismo e partidarismo

  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV LICENCIATURA EM HISTÓRIA MÁRCIO CARNEIRO DE LIMA A atuação política da Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira (ADECAR) entre 1987 e 2008: o desenvolvimento comunitário nos trilhos do clientelismo e do partidarismo. Conceição do Coité – BA Fevereiro 2010
  • 2. MÁRCIO CARNEIRO DE LIMA A atuação política da Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira (ADECAR) entre 1987 e 2008: o desenvolvimento comunitário nos trilhos do clientelismo e do partidarismo. Monografia apresentada à Universidade do Estado da Bahia como requisito parcial para conclusão do curso em Licenciatura Plena em História, sob orientação do Prof. Ms. Rogério Souza Silva Conceição do Coité – BA Fevereiro 2010 1
  • 3. À minha mãe, Rosalina, que me ensinou a andar. Ao meu pai, Matias, que me ensinou a pensar. A todos aqueles que têm coragem de falar. 2
  • 4. AGRADECIMENTOS À Deus, por acompanhar-me pelos trilhos da Justiça e da Luta constantes. À UNEB e seus funcionários, pelo apoio irrestrito durante o Curso. À família, Renata, Vivaldo, Laércia e sobrinhos, pelo apoio entusiasmado ao longo da minha vida. Aos professores, pela desconstrução das verdades e por inspirarem o gosto pela reflexão. Ao orientador Rogério, pelas sábias leituras e ponderações à pesquisa e pelo apoio incondicional. Ao companheiro Assis, pelas suas insubstituíveis considerações. Aos entrevistados, pelas contribuições vitais à pesquisa e pelo entusiasmo ao se pronunciarem. Aos colegas de turma, pelos bons e inesquecíveis momentos de nossa caminhada juntos. À professora Edite Maria, pelo compreensivo apoio ao longo da experiência escrita com a EJA. À todos que compartilharam espaços e diálogos comigo durante o Curso. 3
  • 5. RESUMO Este trabalho apresenta a análise da experiência de associativismo comunitário e desenvolvimento local no Distrito de Aroeira, município de Conceição do Coité-BA. Destaca- se a atuação da Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira (ADECAR) como instituição integrante de um controle político, de uma relação clientelística e como mecanismo estratégico na comunicação entre a sociedade civil organizada de Aroeira e a permanência da situação política em Conceição do Coité entre 1987 e 2008. A reflexão é parte de uma temática relativamente recente dentro das investigações historiográfica, já só o próprio movimento comunitário e a participação popular local ganharam força somente com a redemocratização dos anos 1980. A pesquisa defender a inexistência da neutralidade partidária no movimento comunitário da ADECAR, além da manipulação que o poder público municipal tem sobre a instituição, sobre suas diretrizes de atuação e sobre a propaganda partidária direcionada tanto para os sócios quanto para a comunidade de maneira geral. Palavras-chave: Associativismo; Clientelismo; Desenvolvimento; ADECAR; Cultura Política. 4
  • 6. SUMÁRIO INRODUÇÃO ____________________________________________________________ 06 CAPÍTULO I – Coronel, Um Conceito _________________________________________ 11 CAPÍTULO II – A Política Recente de Coité e a Questão do Desenvolvimento _________ 27 A Questão do Desenvolvimento _______________________________________ 38 Os Anos 80 e o Novo Paradigma Nacional para o Desenvolvimento _________ 40 A intervenção federal no Nordeste: concentração de renda e problemas regionais não esgotados. ______________________________________________ 43 O Desenvolvimento Comunitário na Esfera Estadual _____________________ 49 O Desenvolvimento Comunitário na Esfera Municipal ____________________ 50 CAPÍTULO III – O Distrito de Aroeira e a ADECAR _____________________________ 54 A questão do desenvolvimento comunitário _____________________________ 60 A ADECAR _______________________________________________________ 62 CAPÍTULO IV – O Comportamento e as Práticas Clientelistas da ADECAR __________ 67 CONCLUSÃO ____________________________________________________________ 81 REFERÊNCIAS __________________________________________________________ 85 ANEXOS ________________________________________________________________ 90 5
  • 7. INTRODUÇÃO No começo só avistei a sua sombra. Afastei-me pra poder ver-lhe por inteiro. Muitos falavam seu nome; alguns com intimidade, outros com repulsa. Eu não entendia muito bem, mas percebia que ele era o centro das atenções. Vagarosamente fui vislumbrando seus traços, seu comportamento, sua mentalidade. Pensei que era fantasia da minha mente, mas não, era verdade. Ele estava vivo, mas era diferente. A fala era eloqüente e não mais arrastada; seu rosto não era introspectivo, era simpático. Finalmente, pude encarar o metamorfoseado e desprezível protagonista do meu formidável pesadelo: o coronel. Falar em práticas coronelistas no comportamento político que vivenciamos, tanto do ponto de vista espacial como temporal, é uma questão que suscita discussões marcadas por interesses, análises e critérios de avaliação extremamente divergentes. Para muitos, os Códigos Eleitorais do século XX, a criação da Justiça Eleitoral, o voto secreto, o voto feminino e o direito de votar devolvido aos analfabetos em 1985 são exemplos de que as mudanças têm transformado o eleitor no único dono do seu voto, de sua escolha autônoma. A perspectiva desse trabalho é, contrariamente, defender que o comportamento eleitoral convive com práticas que sobreviveram às mudanças listadas acima, comunicando-se com uma política-eleitoral marcada pela pessoalidade, pelos interesses econômicos, pela identificação grupal e pelas marcas do clientelismo e mandonismo. Na visão de José Murilo de Carvalho, em Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual, o mandonismo seria uma das principais características da política tradicional, nascida desde a colonização e resistente, sobretudo, em regiões isoladas do país. O poder caberia ao mandão, ao chefe local que, por meio de estruturas oligárquicas e do controle de recursos e estratégias, abriria espaço para sua influência e domínio. Não se trata de um tipo de sistema (como o coronelismo), mas de um comportamento mantidos pelos interesses dos mandões que tem decrescido – segundo o autor – ao longo do tempo. O mandonismo seria combatido (até desaparecer) na medida em que os direitos políticos e civis (a cidadania) fossem disseminados completamente. O clientelismo é outro conceito que chega a ser confundido com o de coronelismo. Para José Murilo, tanto o clientelismo quanto o mandonismo são mais amplos que o coronelismo, que, como estrutura, foi superada no século XX. A relação clientelística envolve uma troca de favores entre dois lados, podendo ser mudados tanto os objetos de barganha como seus atores; também não seria um sistema, mas uma rede de práticas variável no tempo. 6
  • 8. As relações clientelísticas, nesse caso, dispensam a presença do coronel, pois ela se dá entre o governo, ou políticos, e setores pobres da população. Deputados trocam votos por empregos e serviços públicos que conseguem graças à sua capacidade de influir sobre o Poder Executivo. Nesse sentido, é possível mesmo dizer que o clientelismo se ampliou com o fim do coronelismo e que ele aumenta com o decréscimo do mandonismo. À medida que os chefes políticos locais perdem a capacidade de controlar os votos da população, eles deixam de ser parceiros interessantes para o governo, que passa a tratar com os eleitores, transferindo para estes a relação clientelística. (CARVALHO, 1997, p. 4-5) Acredito ser oportuno entendermos como a teoria política contemporânea tem sido costurada pelas principais matrizes explicativas do voto: a psicológica, a sociológica e a econômica. No livro A decisão do voto, Marcus Figueiredo analisa a decisão eleitoral a partir dessas três correntes. Destaca também a existência de uma forte base racional nas escolhas políticas, contrapondo-se ao que defende o Paradoxo da Participação1. A teoria psicológica do comportamento eleitoral – chamada de Modelo Michigan, por ter nascido na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos – defende que indivíduos com afinidade social e de atitudes costumam desenvolver comportamentos políticos semelhantes e votarem no mesmo sentido, independentemente das condições históricas. As atitudes políticas seriam amadurecidas pela psicologia humana e, posteriormente, socializadas de forma mais ampla. As ações e interações políticas e sociais do indivíduo seriam fundamentadas num alicerce psicológico estável e normalizado, com reações e articulações iguais em todos os contextos. A alienação política segundo os teóricos da explicação psicológica significa o desinteresse e a rejeição consciente e completa do sistema político, como uma apatia, já que os indivíduos acreditam não ser possível mudá-lo através de seus esforços. A alienação constitui um sentimento de impotência política e, portanto, desinteresse. Na teoria Michigan, a identificação partidária é determinante e os partidos antecedem os candidatos nas escolhas eleitorais. A corrente sociológica se preocupa com o contexto, com as condições sociais onde as instituições, as ideologias e as práticas políticas se formam. Compreender o voto, como ato 1 A teoria política chama de Paradoxo da Participação o dilema vivido nas urnas pelos eleitores: cada um sabe que, isoladamente, o valor do voto não é potencialmente insignificante, o que lhe incentiva a não participar das eleições; por outro lado, o valor do seu voto aumenta na medida em que os demais eleitores desistem de participar, o que é um incentivo à participação. O paradoxo questiona-se, então, se o ato de votar é somente uma ilusão ou existe um fundo racional que dá ao eleitor a possibilidade de decidir as eleições. A solução do paradoxo estaria na sobreposição da motivação racional para a participação eleitoral. 7
  • 9. final de um processo, exige consideração sobre onde e como vive o eleitor; um ato individual, mas resultante da interação social. Ao acreditar que o voto não pode alterar o status quo, o eleitor opta pela saída; ao contrário da explicação psicológica, a impotência para mudança não reside nos indivíduos, mas sim no voto. Segundo a matriz sociológica, as atitudes políticas não surgem do nada, e a manutenção da coesão de um grupo requer enorme esforço e até mesmo penalidades contra os desvios de comportamentos. As campanhas políticas procuram justamente interagir os indivíduos, instituições e idéias em torno das atitudes grupais. Para explicar a decisão do voto, a sociologia política prevê a existência de identidades culturais ou da consciência de classe entre os indivíduos. Estas identidades surgem da interação social a partir do regionalismo, do bairrismo, das semelhanças étnicas ou da convergência de interesses. Aqui todo tipo de organização social tem um papel fundamental, pois seus porta-vozes são interlocutores privilegiados. No processo de formação de identidades sociais, os partidos políticos, as organizações religiosas, sindicais, de bairro ou de defesa de qualquer coisa, concorrem entre si ou fazem alianças e acordos, para representar e promover os interesses das comunidades ou de segmentos específicos delas. (FIGUEIREDO, 2008, p. 61) Para a tradição marxista da linha sociológica, a identificação política entre os indivíduos nasce do posicionamento de classe (voto classista), na medida em que eles socializam interesses fundamentais comuns. Mas a classe social só existe se houver consciência de classe, e seu peso político-eleitoral depende essencialmente da proporção de seus membros. A última teoria, a econômica, acredita que o comportamento eleitoral é condicionado por considerável racionalidade e por interesses econômicos. O voto passa a ter uma funcionalidade estratégica e os indivíduos votam ao saber que seu ato lhe garantirá algum benefício econômico ou social (individual ou coletivo). Para essa interpretação – que nega a tradição psicológica – os valores cívicos, as ideologias e identidades são substituídas por sistemas de interesses, e a economia determina se os votos são pros governantes ou para oposição. A decisão do voto estaria, então, sustentada num comportamento político-racional, já que o eleitor opta pela alternativa satisfatória aos seus objetivos. Os eleitores votam pelos seus bolsos, mas dividem-se em grupos diferentes: os que pretendem atingir apenas seus interesses e os que se preocupam com a vida social e econômica de toda sociedade. Há, finalmente, os 8
  • 10. que votam com base nos interesses de um simples grupo. Segundo os economistas, votar no candidato é diferente de votar no partido. A relação entre eleitor e candidato (especialmente para as camadas mais pobres) é mais direta e imediata, e ele vota naquele que pode trazer, por exemplo, luz, calçamento ou água pra sua vizinhança, independentemente do partido. A escolha do partido, ao contrário, privilegia as mudanças de longo prazo e menos individualizadas. A análise deste trabalho apropria-se em maior grau das explicações sociológicas e economicistas, notadamente por identificarem-se como teorias históricos-contextuais em suas considerações sobre o comportamento eleitoral. Uma não exclui, necessariamente, a outra, mas admitem, até certo ponto, a complementação dialógica em muitos de seus fundamentos. Cabe aqui justificar a escolha do meu tema, resultado de condicionantes vários que tecem e acompanham nossa vontade de “fazer História”. Escolha solitária, de uma experiência complexa, de uma inspiração moldada pelos anos, de uma consciência necessária. Acredito não ser possível fazer, em política, algo melhor que a liberdade mental e aguçar o sentimento de desconfiança e incompletude do aparente. Pensado na solidão, mas possibilitado por várias mãos, o trabalho foi engrenado na contramão do visível, na desbanalização das aparências, mas também pelo desejo do enfrentamento (o quanto mais) racional. O capítulo I apresenta uma discussão conceitual de questões como o coronelismo, o clientelismo e suas modificações e heranças históricas; destaca como as relações políticas, econômicas e sociais do Brasil foram acompanhadas por uma hierarquização que é personalista e patrimonialista. O capítulo II compreende, inicialmente, uma análise do panorama político de Conceição do Coité nas últimas décadas (concentrada, sobretudo, na figura Hamilton Rios). A seguir, o capítulo apresenta as várias propostas de desenvolvimento nacional emergidas no século XX; analisa as formas, perspectivas e problemas de intervenção federal no Nordeste, bem como as estratégias de desenvolvimento comunitário construídas na Bahia e em Coité. O capítulo III procurou-se com a análise (especialmente política) do Distrito de Aroeira, lócus maior da pesquisa aqui realizada. Coube ainda refletir a questão do desenvolvimento comunitário e apresentar considerações sobre a ADECAR, seu processo de organização e consolidação históricas. O Capítulo IV é dedicado ao exame do comportamento partidário da instituição, suas formas de atuação, seus objetivos implícitos, seu posicionamento conservador e os resultados afirmados ao longo de 20 anos de existência. Estudar o posicionamento político-partidário da ADECAR é, para além da obrigatoriedade, um esforço visceral para apresentar uma nova possibilidade interpretativa, uma leitura reconstruída ceticamente. A crítica (e sem limitar-se à militância) é componente 9
  • 11. primordial da interpretação realizada, podendo haver – e sempre há – caminhos ainda abertos para outras perspectivas de análises. São justamente as incertezas que nos movem nos trilhos das leituras e das escritas, e devem estar latentes igualmente para com o comportamento da ADECAR. As certezas são sempre acompanhadas pelo perigo. 10
  • 12. CAPÍTULO I Coronel, Um Conceito Certa vez, ao conversar com um senhor de Aroeira, ele me contava as dificuldades que o acompanhava em sua vida de agricultor. Embora possuísse uma roça particular para cultivar os alimentos básicos de sua mesa, ele resmungava que mesmo na época da plantação os obstáculos não cessavam. Ele reclamou dos excessivos gastos adquiridos na plantação, preservação, extração e armazenamento dos grãos obtidos em sua propriedade, desconfiando inclusive se os malefícios não superavam os benefícios da agricultura. Então retruquei, alertando-o de que a Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira (ADECAR) é um mecanismo competente que poderia minimizar os seus gastos durante a colheita, por meio das máquinas que beneficiam todos os seus sócios. O senhor reclamou irritado, proclamando que, apesar de ser um sócio da ADECAR, não usufruía democraticamente dos seus serviços, destinados preferencialmente para os associados que bajulam os representantes políticos locais que dão apoio ao presidente da entidade. Ficava tarde da noite e o senhor despediu-se. Ele partiu, mas suas palavras permaneceram. Casualidade a parte, este relato suscita um emaranhado de reflexões acerca do posicionamento da ADECAR. Compreendê-lo exige a identificação das suas origens históricas, dos seus sentidos pragmáticos e do seu jogo de interesses. Perceber a relação de poder entre ADECAR e seus sócios requer detalhada análise dos seus fatores constituintes. Nesse sentido, é necessário remontar aos comportamentos de mando e controle que sempre definiram no Brasil a regra dos contatos sociais, políticos e econômicos de ricos e pobres, administradores e administrados. Metaforicamente, o papel da ADECAR no relato descrito guarda similitudes e nos recorda as ações dos antigos coronéis, poderosos e prestigiosos senhores que eventualmente encontramos em nossa literatura, na televisão e na historiografia. Em resumo, o presente trabalho intenciona basicamente compreender e discutir a atuação política mantida pela Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira entre 1987 e 2008, realçando sua relação com a sociedade de Aroeira mediante a conjunção de práticas coronelistas em defesa do situacionismo municipal no mesmo período. O marco temporal escolhido para pesquisa refere-se ao ano em que a ADECAR foi fundada (1987) e ao ano em que finalizou o terceiro governo municipal de Éwerton Rios d’Araújo Filho (2008). Visto isso, torna-se fundamental a apresentação do conceito de coronel/coronelismo, 11
  • 13. pontuando sua origem e características históricas, seus mecanismos de atuação e as diversas representações e interpretações que o fenômeno gestou ao longo da História. Nos estudos de muitos historiadores, a gênese do coronelismo remete-nos ao século XIX e, mais precisamente, aos anos iniciais do Império do Brasil. Embora o país experimentasse, no período, uma complexa rede de transformações em suas estruturas políticas, econômicas, sociais e culturais, convivia igualmente com um cenário de permanências impiedosas. As elites protagonizaram a Independência em 1822 e mantiveram- se atentas para não entregar o poder às classes populares em 1831. O discurso liberal das elites confortou-se em práticas conservadoras. Uma permanência que, ao lado do latifúndio e da escravidão, pode explicar a eterna instabilidade característica do Período Regencial. As agitações de julho de 1831 no Rio de Janeiro provaram a ineficácia da Guarda Municipal. A Câmara aprovou em 18 de Agosto do mesmo ano a proposta referente à criação da Guarda Nacional. Substituindo as Guardas Municipais, esta consistia numa força paramilitar, subordinada ao Juiz de Paz na esfera local, ao Presidente da Província e ao Ministério da Justiça em última instância, posto comandado na época pelo padre Diogo Antonio Feijó. Era composta de acordo com critérios censitários entre os brasileiros de 21 a 60 anos. A partir de então a figura do coronel ganhou popularidade, com título derivado da busca por policiamento regional e local sob controle da Guarda Nacional. Como chefe político local que possuía uma alta patente militar logo se tornou o grande líder promotor dos melhoramentos. A sua intercessão com as esferas governamentais apresenta-se como esforço heróico aos olhos da população local, que será beneficiária com a implantação da escola, do hospital, da igreja ou da estrada, por exemplo. Em sua obra Coronelismo, Enxada e Voto, Nunes Leal conclui que o coronelismo é um fenômeno complexo, com particularidades temporais e espaciais, mas que se caracteriza por um recíproco compromisso (iniciado ainda no Império e consolidado na Primeira República) entre chefes municipais denominados de coronéis e a situação política em nível estadual. Nesse acordo, os primeiros conseguem angariar eleitores para o situacionismo do Estado em troca de erário, empregos, favores e força política. De acordo com Nunes Leal, o coronel era comumente um possuidor de terras e a extensão do sufrágio aos trabalhadores rurais (em 1891, desde que alfabetizados) entra como ingrediente substancial na ampliação do poder dos coronéis. Visto como rico, é o grande referencial para seus dependentes, concedendo-lhes pequenos benefícios ou empréstimos. 12
  • 14. Especialmente nos municípios do interior, com predominância do rural e do isolamento, os coronéis encontraram terrenos propícios, auxiliados pela imensa pobreza que acompanham os trabalhadores rurais. Aos aliados (ou simplesmente obedientes aos seus mandos) concede favores como pagamento de um sistema de compromisso pelo voto de cabresto. Aos inimigos sobrava a perseguição, o mandonismo, a hostil e humilhante recusa em prestar-lhes favores. O coronelismo, no entanto, passou a perder expressão a partir da década de 1930. De acordo Nunes Leal, a crise ocorrida no sistema coronelista deve-se a um conjunto de mudanças que se conjugaram fortemente. Destaca-se o código eleitoral de 1932, o aumento populacional, a urbanização, a incipiente industrialização, a expansão dos meios de comunicação e transporte. Estas mudanças minimizaram o poder da estrutura agrária de então, que significava segundo Leal, a base do coronelismo. Com relação a esta questão, Leal destaca que: Todos estes fatores vêm de longa data corroendo a estrutura econômica e social em que arrima o “coronelismo”, mas foi preciso uma Revolução para transpor para o plano político as modificações de base que surdamente se vinham processando. O quadro político da República Velha refreou, quanto pôde, esse ajustamento, e finalmente rompeu-se por falta de flexibilidade. Mas o ajustamento aludido foi incompleto e superficial, porque não atingiu a base de sustentação do “coronelismo”, que é a estrutura agrária. Essa estrutura continua em decadência pela ação corrosiva de fatores diversos, mas nenhuma providência política de maior envergadura procurou modificá-la profundamente, como se vê, de modo sintomático, na legislação trabalhista, que se detém, com cautela, na porteira das fazendas. O resultado é a subsistência do “coronelismo”, que se adapta, aqui e ali, para sobreviver, abandonando os anéis para conservar os dedos. (LEAL, 1997, p. 283-84.) Segundo Leal, o coronelismo foi se metamorfoseando de acordo as mudanças ocorridas no campo político, econômico e social. Cedeu lugar a novas lideranças, mas o fenômeno prossegue avante com novas veias de controle, de organização e de liderança, alimentado pela dependência de novas classes, que muito lembram a pobreza dos trabalhadores rurais do início do século XX. Assim, Leal conclui: Continua, pois, o “coronelismo”, sobre novas bases, numa evolução natural, condicionada pelos diversos fatores que determinam o seu poder ou a sua autoridade. (LEAL, 1997, p. 19) Para o autor, somente com o arruinamento da estrutura agrária haverá ponto final no coronelismo. Do mesmo modo, a expansão da indústria, a mobilização da mão-de-obra, a 13
  • 15. urbanização, o aumento das vias de comércio e de transporte e a legalização dos direitos trabalhistas conseguiam estabelecer novas perspectivas e referências para nossa realidade política e, conseqüentemente, social, econômica e cultural. Maria Isaura Pereira de Queiroz destaca em O coronelismo numa interpretação sociológica que os coronéis contavam com inúmeras formas de concentrar poder, havendo tanto uma relação de dependência econômica dos eleitores (dominantes e dominados) como a troca de benefícios e favores, a distribuição de presentes em período eleitoral. A violência e a opressão também estavam em uso quando o objetivo era angariar votos. Paralelamente, os eleitores não concebiam valiosos créditos à importância do seu voto, apelando para a usual prática de pedir. Seu voto, nessas condições, passou a representar unicamente um bem de troca, um favor em retribuição aos benefícios recebidos. Ambas as partes mantinham um diálogo de dependência mútua, mesmo que o coronel mantivesse um clássico paternalismo. Assim como Leal, Maria Isaura defende que a extensão do voto feita pela Constituição de 1891 a todos brasileiros alfabetizados somente fez aumentar o número de eleitores rurais e o poder dos coronéis. Ao invés de possibilitar a escolha do candidato mais capacitado, os eleitores permaneceram votando naquele indicado pelo líder local, o coronel. Uma célebre obediência reitera o compromisso: A exigência de um coronel para que seus apaniguados votem em determinado candidato – imposição muitas vezes sem apelo – tem como contrapartida o dever moral que o coronel assume de auxiliar e defender quem lhe deu o voto. (QUEIROZ, 2004, p. 163) A autora também aponta fatores que danificaram o coronelismo. A urbanização e o crescimento demográfico são fatores que, ao lado da posterior industrialização implicaram em crise na ordem coronelista, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. A cidade foge ao seu controle, com uma multiplicidade de novos grupos, sujeitos a novas formas de organização, trabalhos e serviços que tiravam os coronéis do centro dos acontecimentos. Por isso, Isaura relata que: Quando o desenvolvimento do país propiciou o aparecimento de uma sociedade cujos caracteres foram opostos àqueles, e que se apresentava como cada vez mais complexa na interdependência dos ramos de atividades perfeitamente distintas, então o princípio mesmo que permitira o aparecimento e a existência dos coronéis estava comprometido, e seu 14
  • 16. desaparecimento, num futuro mais ou menos próximo, estava selado. (QUEIROZ, 2004, p. 184) Assim, a especialização do trabalho e a forte exigência de instrução num contexto que já experimentava a industrialização acabaram transformando a própria sociedade. Mas o fenômeno coronelista, segundo ela, ainda conheceu prolongamentos, sobretudo porque a parentela (grupo de indivíduos com laços familiares) dos coronéis investia não somente na atividade agrária, mas em diversos setores econômicos. Daí que seu poder passou a repousar em novas diretrizes: Dominando em parte a grande indústria, o grande comércio, as grandes organizações de serviços públicos ou privados; com membros seus exercendo as profissões liberais, os coronéis e seus parentes, possuidores além do mais de grandes propriedades rurais, se mantiveram nas camadas superiores da estrutura sócio-econômica e política do país, numa continuidade de mando que persiste, em alguns casos, até os nossos dias. (QUEIROZ, 2004, p. 185) Em Os donos do poder, Raimundo Faoro aponta que antes de ser líder político, o coronel era um líder econômico. O poder político exercido traduz-se como a extensão do seu poder privado. Mas a capacidade de mandar não está exclusivamente na sua riqueza, sendo possível haver coronéis que não possuem terras. Para Faoro “o coronel não manda porque tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder, num pacto não escrito”. Empenhado nas atividades políticas e na administração local, os coronéis elaboram uma enorme interação com o governador, e deste para o âmbito da União. Numa relação vertical, são os intermediários entre eles e os grupos que mantém contato: O coronelismo se manifesta num “compromisso”, uma troca de “proveitos” entre o chefe político e o governo estadual, com o atendimento, por parte daqueles, dos interesses e reivindicações do eleitorado rural. (FAORO, 2004, p. 631) O autor também aborda o domínio pessoal executado pelo coronel sobre seus eleitores. Segundo ele, o fato de os eleitores acreditarem que estão vivendo socialmente livres acaba eliminando a possibilidade de uma autoconsciência, de uma reflexão elaborada. Também porque os coronéis não deixam transparecer um domínio, um controle de suas vontades. Eles buscam meios “brandos” e “equilibrados” de relacionar-se com os eleitores, camuflando diferenças indesejáveis e fazendo o eleitor votar por causa de um dever, de uma tradição. 15
  • 17. Em estudo feito sobre a política baiana, o coreano Eul Soo Pang analisa questões inéditas de como o comportamento coronelista protagonizou a história política da sociedade brasileira. Sua obra Coronelismo e Oligarquias 1889-1943 defende, ao contrário de todos os outros autores revistos, que o coronelismo brasileiro tem sua raiz fixada no período colonial, apesar de sua culminância situar-se entre 1850-1950. Para Pang, a origem do coronelismo brasileiro tem como base o poder patriarcal e privado exercido pelos senhores de engenho e fazendeiros de gado do século XVI. A inexistência de um poder formal e forte dos portugueses possibilitou que essas classes monopolizassem a política no Brasil. O poder privado foi estendido à esfera pública. Imediatamente abaixo dos donos de engenho e fazendeiros encontrava-se um grupo incalculável de dependentes. Essa dependência, que variava desde os feitores aos escravos, legalizava o poder do senhor. A dependência de uma força de trabalho de tantas camadas promoveu a elevação do patriarca-plantador a uma proeminência sócio-econômica em seu domínio ou em sua região; surgiu, entre os ricos e os pobres, um relacionamento patrão-dependente baseado num relacionamento de um superior com um inferior. Esse laço reforçou o paternalismo social, que o fazendeiro explorava habitualmente com finalidades políticas, e usava rotineiramente para justificar o exercício de poder no domínio público. Esse sistema de supremacia política de um só homem, cujo poder se baseava num status social e econômico privilegiado, é o antecedente colonial do coronelismo dos séculos XIX e XX. (PANG, 1979, p. 22) Por outro lado, a estrutura agrária e a monocultura reprimiam até a maior parte do século XVIII as tentativas de ascensão empreendidas por setores não-agrários. A aristocracia rural, ao contrário, era a única beneficiária, na medida em que os interesses de sua classe habitualmente se confundiam com as preocupações dos municípios. Durante a monarquia e a república, o município continuou a servir de reduto do coronel-fazendeiro, que usava e abusava da região como se fosse seu domínio privado. A ausência de um Estado forte e centralizado, de 1850 a 1930, favoreceu o florescimento do coronelismo como sendo a única instituição viável de poder. (PANG, 1979, p. 23) Para Pang, o posto de coronel surge ainda no século XVIII a partir das milícias coloniais e não através da Guarda Nacional. Normalmente, o coronel era um dono de terras, mas não era inédito encontrar esse posto entre membros de outros grupos, como comerciantes, médicos, burocratas, professores, advogados e até padres (o caso célebre é o do padre Cícero, 16
  • 18. supercoronel cearense na República Velha). De forma sumária, o coronelismo é a monopolização do poder, cuja fundamentação e legitimidade advêm da aceitação do seu status como senhor absoluto, e do papel dominante que exerce nas instituições sociais, econômicas e políticas. O período áureo desse comportamento é, na visão de Pang, entre 1850 e 1950, exatamente a época de transição da nação rural e agrária para a nação industrial. O Brasil vivia mudanças fundamentais em sua economia e sua política, e o coronelismo emerge precisamente nessa época de crise e instabilidade, funcionando em muitos casos como um estado informal no sertão. Entre os clãs (que no caso brasileiro representa família extensa com influência sobre membros consanguíneos e não-consanguíneos, incorporando dependentes sócio-econômicos ou por motivos políticos) era comum a manutenção de grupos armados. Conhecidos como jagunços ou capangas, esses homens comumente eram recrutados entre os dependentes do clã e tinha participações cruciais em disputas de terras, de águas ou embates eleitorais. Como os exércitos coloniais e imperiais eram pequenos e litorâneos, os clãs obtinham a legitimidade da violência, especialmente no interior. Grupos armados sob controle dos fazendeiros preenchiam o vazio deixado pela ineficácia da justiça e das leis reais ou imperiais. A violência do coronel tinha status de legitima; seu poder privado era transposto para a dimensão pública com aspecto de legalidade. Nas palavras de Pang, a origem do título de coronel não é concomitante ao da Guarda Nacional. No início do século XIX, o título já era familiar de certas categorias de nobreza (duque, marquês, conde, visconde e barão), embora em número inexpressivo. O que a fundação da Guarda Nacional provocou, na verdade, foi sua proliferação e até vulgarização. Organizada a partir do modelo francês, a nova instituição assumiu (dentro do contexto de alterações de 1831) a responsabilidade da polícia local, supervisionada pelo ministro da Justiça e o governo provincial, na missão de garantir o cumprimento da lei; em pouco tempo tornou-se instituição de prestígio tanto no sertão quanto no litoral. Laços familiares ou de negócio com elites políticas de outros estados exacerbava o poder dos clãs coronelistas, grupos dominantes formavam “estados dentro do estado”. Durante o Império, a Guarda Nacional foi, paulatinamente, experimentando um processo de partidarização. A concessão de honras militares ou cargos tornou-se procedimento estratégico entre os partidos. Distribuídas para os que haviam prestado alguma forma de apoio, a permanência dos beneficiários nesses cargos requeria a manutenção do partido no poder. 17
  • 19. Não só a concessão de títulos tornou-se uma preocupação partidária, mas também a designação de um posto de comando tornou-se um importante trunfo políticos do partido dominante. Ao menos no papel, o controle das unidades da Guarda local assegurava ao partido o uso da força policial, um fator crucial nas eleições do império e da república. (PANG, 1979, p. 28-9) Na sociedade da Primeira República, o título e o poder de comando do coronel simbolizava uma invejável condição e potencialidade. Era preferível ser chamado pelo título de coronel do que de “senhor”. Mais do que um delimitador de funções ou de suas atividades, ele definia sua pessoa, sua influência e seu status num meio social onde se transformou em referencial e centro. Como artifícios, além da emblemática dependência eleitoral, os coronéis contavam com a manipulação e as fraudes eleitorais no propósito de adquirir controle político local. Funcionando como mais uma carta em suas mangas, as fraudes eleitorais talvez foram, ao lado da violência dos capangas, a mais impressionante característica da República em suas primeiras décadas. Não era estranho o coronel registrar na lista de votantes eleitores não- qualificados; a exigência da alfabetização não era respeitada e muitos votos eram de analfabetos, ou de pessoas de outros municípios. Distribuir roupas, sapatos, chapéus, dinheiro e outros itens era costumeiro entre as oligarquias e seus eleitores. Eleitores pagos e eleitores-fantasmas também “participavam” da eleição. A compra de votos era decididamente um subproduto do sistema capitalista, e daí derivou-se que o dinheiro tornou-se o principal instrumento para a permuta de bens e de serviços. […] Os fazendeiros e comerciantes precisavam de um relacionamento contratual para segurar os serviços de trabalhadores, e esse hábito de comprar serviços estendeu-se, sem dúvida alguma, à política eleitoral. (PANG, 1979, p. 35-36) Encerada a votação, o resultado era analisado pelo legislativo estadual e federal. Encontrar equívocos não representava ineditismo; por vezes o número de votos ultrapassava o de eleitores. Desse modo, o resultado das eleições era o quociente entre as atividades dos que controlavam o município (os coronéis) e as correções – normalmente tendenciosas – dos mandatários do legislativo (presidentes e governadores). A partir das fileiras de coronéis emergiam as oligarquias2. Embora haja larga diversidade de definições sobre o termo (entendido, simplesmente, como o governo de poucos), Pang considera que a maioria dos coronéis brasileiros pertencia ao que ele chama de 2 Ver os tipos de oligarquias da República Velha no Anexo 1. 18
  • 20. oligarquia familiocrática. Nessa categoria enxergamos quase que um protótipo da estruturação coronelista: o chefe de uma família ou clã exerce influência dentro do município, dispensa favores aos dependentes e conquista legitimidade no âmbito social e político. O chefe estabelecia relações e servia de arbitro entre governo e população municipal, num período em que as funções de um Estado desorganizado eram atribuídas aos coronéis. Ao contrário da interpretação de Leal, Pang discorda da intrínseca relação entre o coronelismo e a estrutura agrária. Segundo ele, a composição de classe no Brasil conviveu com marcante diversificação de 1850 a 1950, o que significou maior participação de advogados, comerciantes, médicos, funcionários e outras classes auxiliares na vida política em todo o país. Em suma, a afirmação de que a propriedade da terra é condição sine qua non para aquisição e exercício de poder político constitui-se num exagero. Na realidade, durante a Primeira República, a posse de terras e os padrões de distribuição, ou títulos de posse, tiveram pouca influência no florescimento do coronelismo. (PANG, 1979, p. 47) A força do coronel baseava-se, para Pang, em sua habilidade de fornecer favores sociais, políticos ou econômicos em troca de votos. Seu poder no interior estava regido por um sistema de relacionamento aberto, e com maior nível de participação política dos seus dependentes. Nas regiões litorâneas, e especialmente no centro-sul, surgiu um sistema social fechado e autocrático. No Norte, Nordeste e Centro-Oeste o coronelismo simbolizada a rejeição da autoridade do Estado, sendo a lealdade das massas canalizadas para os coronéis. No centro-sul, os coronéis foram incorporados ao poder público; houve, na verdade, a institucionalização do coronelismo. Analisando a organização e o funcionamento da burocracia do Império do Brasil, a obra A Construção da Ordem de José Murilo de Carvalho mostra a existência de relações e pessoalidade mesmo entre os mais altos cargos do funcionalismo do país. A seu ver, a burocracia era, antes de tudo, uma elite política não estamental, cujo segredo do sucesso residia na sua não rigidez organizacional e na ilusão de acessibilidade que aparentava, a ponto de conseguir cooptar forças inimigas. A acumulação de poder provocada pela construção do Estado nacional (entre a independência e em torno de 1850) colocava em evidência a necessidade de expandir para a periferia do sistema a atuação estatal, de dispersar o funcionalismo público concentrado na administração central (somente 11,61% dos empregados públicos eram da esfera municipal) 19
  • 21. Na ausência de suficiente capacidade controladora própria, os governos recorriam ao serviço gratuito de indivíduos ou grupos, em geral proprietários rurais, em troca da firmação de concessão de privilégios. (CARVALHO, 2003, p. 158) Nesse intento, o Estado utilizava os serviços da Guarda Nacional, de delegados ou subdelegados de polícias e inspetores de quarteirão. A burocracia imperial não transparecia, segundo Carvalho, a implantação do modelo moderno pensado por Weber. Ao invés de buscar a eficácia, a impessoalidade, a regularidade e a precisão, nossa burocracia sofria os males do apadrinhamento, do patronato e da manipulação dentro do Estado. A troca de favores não abrangia apenas nomeações e promoções. Os funcionários envolviam-se em práticas que hoje seriam consideradas corruptas, embora continuem freqüentes. Calógeras, por exemplo, comenta candidamente em suas cartas o fato de seus filho ter ganho alguns milhares de francos de comissão do governo por ter agenciado a compra de algumas canhoneiras para o Ministério da Marinha, cujo ministro era seu amigo. (CARVALHO, 2003, p. 160) Logo, o funcionalismo também atendia as necessidades de natureza política e social. Até o final do século XIX, o Brasil possuía, mesmo com uma burocracia menos instrumental e complexa, um funcionalismo geral e federal maior do que os Estados Unidos. A burocracia era importante para prover ocupações para os setores médios urbanos e mesmo para setores proletários; era também poderoso elemento de cooptação dos potenciais opositores, oriundos dos setores médios urbanos e das alas decadentes da grande propriedade rural. (CARVALHO, 2003, p. 164) Era justamente essa inclinação para a dependência o sustentáculo do que Pang denomina como coronéis burocratas. A política mantida por Juraci Magalhães após 1933, como interventor na Bahia, é exemplo marcante. A centralização administrativa de Vargas não apagou as marcas de uma ordem social que, inclusive, compactuava com o banditismo no interior do Brasil e cooptava suas forças em vinganças pessoais ou apoio nas eleições. Escrevendo num período bem posterior à Leal, Pang reitera que o coronelismo conseguiu sobreviver após a década de 30, evoluindo para novas formas de administração oligárquica. Portanto a modificação, e não o declínio do coronelismo, deveria ser o tema 20
  • 22. da história política depois de 1930. O impacto da explosão demográfica, a industrialização substituindo a importação e a conseqüente urbanização, a ascensão de um sistema multipartidário em 1945, e as crescentes tendências centrípetas da presidência federal, contribuíram para a modificação do coronelismo. Os coronéis tornaram-se os intermediários do poder dos diversos partidos, nas décadas de 1960 e 1970, ressurgindo, assim, como uma “nova elite partidária modificada”. (PANG, 1979, p. 62) Forças públicas estaduais e o exército nacional retiraram, de acordo com Pang, a importância militar dos coronéis e dissolveu as possíveis contendas entre seu poder particular e o estado. No entanto, a Revolução de 1930 integrou o coronelismo oligárquico à política nacional. O coronel personalista prendeu-se ao partido de modo disciplinado. Nos alicerces do sistema político, os coronéis não só sobreviveram à revolução de outubro de 1930, mas também mantiveram mais uma vez seu direito de dominar o sertão como oligarquias familiocráticas. O sistema de clientela política continuou, com clientes antigos e novos patrões. Os novos patrões eram Juraci Magalhães, Juarez Távora e Getúlio Vargas. A revolução não derrotou os coronéis: os coronéis venceram. (PANG, 1979, p. 231) Dentre as mudanças substanciais de 1945, Pang apresenta fatores modificadores do coronelismo. O sistema de voto secreto reduziu a intervenção dos mandatários nas eleições. O desenvolvimento econômico, a industrialização e a urbanização oportunizaram mobilidade social e relativa independência das massas. A expansão das redes de estrada ligando o interior e o litoral colocava fim no isolamento geográfico do sertão. A proliferação dos partidos de inúmeras tendências e ideologias dividiu as facções e tribos de coronéis. Os governos estaduais e federal em expansão após 1945 minaram o poder dos coronéis, tornando-se árbitro e gerenciador das questões no interior. O Estado e os partidos deixaram, segundo Pang, de dever favores ao coronel, e este passa a perder prestígio entre os eleitores; os favores políticos não eram mais viabilizados pelos mandos locais. Por fim, a morte dos principais coronéis da República Velha minimizava a capacidade de sobrevivência da estrutura coronelista. Ou seja, o coronelismo perdeu seu papel de protagonista frente a uma nova elite social, vinculada ao desenvolvimento e à modernização. Em suma, o coronelismo chegou ao ocaso. Não desapareceu de todo, mas parece caminhar para o fim. Em certa época a violência e os favores políticos serviam aos coronéis como meios complementares de expandirem seu poder e obterem votos. O Estado, e às vezes o governo federal, recorriam a táticas igualmente nefastas para controlar os coronéis, mas esse 21
  • 23. tempo acabou. (PANG, 1979, p. 235) Em estudo inédito acerca da região cafeeira do Vale da Paraíba no século XIX, Maria Sylvia de Carvalho Franco analisa, em Homens Livres na Ordem Escravocrata, como eram estabelecidas as relações entre os membros dirigentes da sociedade (normalmente os fazendeiros) e os homens livres, como os sitiantes, os tropeiros, os pequenos proprietários e os vendeiros. Para a autora, tratava-se de uma sociedade onde a posição ocupada pelo indivíduo dependia do seu grau de riqueza. E como havia a possibilidade do enriquecimento, estes homens livres buscaram favores, serviços ou auxílio econômico dos fazendeiros. Dessa relação nascia uma notável interdependência e uma fidelidade. O fazendeiro buscava não demonstrar superioridade sobre o dependente, e este (num jogo harmônico e sem imposições) garantia-lhe o apoio político em troca dos benefícios recebidos. Assim, a dominação pessoal acabava eliminando a existência autônoma e o voto simbolizava a ratificação da lealdade, já que: Para aquele que se encontra submetido ao domínio pessoal, inexistem marcas objetivas do sistema de constrições a que sua existência está confinada: seu mundo é formalmente livre. Não é possível a descoberta de que sua vontade está presa à do superior, pois o processo de sujeição tem lugar como se fosse natural e espontâneo. Anulam-se as possibilidades de autoconsciência, visto como se dissolvem na vida social todas as referências a partir das quais ela poderia se constituir. Plenamente desenvolvida, a dominação pessoal transforma aquele que a sofre numa criatura domesticada: proteção e benevolência lhe são concedidas em troca de fidelidade e serviços reflexos. (FRANCO, 1997, p. 95) Certamente, o comportamento político atual não demonstra as mesmas características da República Velha. O coronelismo como sistema deve ter, como afirma Pang, cedido espaço para novos paradigmas. Mas as práticas de mando e controle pessoal, social, político e econômico estão tão vivas quanto antes. Basta observar como a nossa realidade política ainda faz confusão entre o público e o privado. Basta analisar as práticas de hierarquias e clientelismo com as quais convivemos. Ao estudar o sistema social brasileiro, em Carnavais, Malandros e Heróis, Roberto Damatta discute diversos temas, mas elege o rito “sabe com quem está falando?” como alicerce para sua análise da conduta estabelecida no Brasil entre dominadores e dominados. Defende a existência de uma estrutura social na qual a hierarquia dialoga com a intimidade. 22
  • 24. Relações pessoais entre os diversos grupos sociais constroem uma mediação vertical entre si, a ponto de encontrarmos casos em que um subalterno utiliza esse rito contra outra pessoa tendo em vista a identificação social estabelecida com seu chefe ou patrão. Para Damatta, a expressão constitui-se numa revelação da identidade social, já que a seu uso não é privilégio de uma categoria, grupo, classe ou segmento. Assim, tanto o empresário pode empregá-la para evidenciar sua identidade, como seu funcionário pode integrá-la ao seu vocabulário como mecanismo de projeção social. Nesse sentido, ser “motorista do Ministro”, “esposa do delegado” ou “afilhado do prefeito” permite utilizar o “sabe com quem está falando?” como um reforço de sua posição de superioridade frente ao receptor da mensagem. Num cenário onde as relações de trabalho fogem da dimensão estritamente econômica e impessoal, valores como a intimidade, a consideração e os favores definem as relações hierárquicas entre as pessoas. O empregado torna-se membro de um sistema que o iguala horizontalmente com o patrão e o impõe uma hierarquia vertical para com este. O sentimento de identidade e compensação escondem e substituem um eventual confronto ou violência entre dominante e dominado. Quem usa a expressão “sabe com quem está falando?” é geralmente aquele que se sente agredido. Após revelar sua identidade, ele torna-se o agressor, aquele que impõe seu status, que consegue impregnar hierarquia numa relação entre iguais, pelo menos em termos legal e jurídico. O ritual de reforço analisado por Damatta camufla outra dimensão elementar para se compreender a hierarquização dos iguais: as diferentes formas de cumprir a lei. Não é tão revelador que, no Brasil, o sistema oscila entre cumprir a lei ou respeitar a pessoa. O “sabe com quem está falando?” é sempre prosseguido por uma identidade que pode – e normalmente consegue – desrespeitar as leis; o emprego da lei é guiado pelo jogo de conveniências e pela latente distinção entre os superiores e os inferiores. Para os adversários, basta o tratamento generalizante e impessoal da lei, a eles aplicada sem nenhuma distinção e consideração, isto é, sem atenuantes. Mas, para os amigos, tudo, inclusive a possibilidade de tornar a lei irracional por não se aplicar evidentemente a eles. A lógica de uma sociedade formada de “panelinhas”, de “cabides” e de busca de projeção social jaz na possibilidade de se ter um código duplo relacionado aos valores da igualdade e da hierarquia. (DAMATTA, 1997, p. 217) Diante das leis, e de todo o universo de impessoalidade que a marca, nasce um tratamento diferenciado e pessoalizante. No Brasil é evidente a dicotomia entre o indivíduo e 23
  • 25. a pessoa; dessa diferença decorre duas formas distintas de observar a sociedade e de fazer a lei nela agir. Em frente às leis universalizantes, as pessoas voltam aos seus respectivos lugares. É como se tivéssemos duas bases por meio das quais pensássemos o nosso sistema. No caso das leis gerais e da repressão, seguimos sempre o código burocrático ou a vertente impessoal e universalizante, igualitária, do sistema. Mas, no caso das situações concretas, daquelas que a “vida” nos apresenta seguimos sempre o código das relações e da moralidade pessoal, tomando a vertente do “jeitinho” e da “malandragem” e da solidariedade como eixo de ação. Na primeira escolha, nossa unidade é o indivíduo; na segunda, a pessoa. A pessoa merece solidariedade e um tratamento diferencial. O indivíduo, ao contrário, é o sujeito da lei, foco abstrato para quem as regras e a repressão foram feitas. (DAMATTA, 1997, p. 218) Em um sistema pessoas que se conhecem, e que se complementam socialmente pela bondade e pelos favores é mais interessante ser pessoa do que ser indivíduo. Nesse contexto surgem as pessoas-instituições, reunindo aos seus pés uma clientela imensa. O mundo é distribuído hierarquicamente, e nesse jogo repete-se a falácia de que o superior sabe o que é bom para o inferior, para o povo. O inferior deve demonstrar generosidade, confiando naquelas pessoas que o representa. Sempre manipulável, o povo (inferior) é englobado pelo superior; o perigo de ser enganado ou ludibriado nos seus direitos é constante. A opinião e ideologias do inferior não merece atenção, pois o povo é ingênuo e inocente. Temos a caridade, nunca a filantropia (que é um sistema de ajuda ao próximo, voltado muito mais para a construção social), e assim reforçamos as “éticas verticais” que, ligando um superior a um inferior pelos sagrados laços da patronagem e da moralidade, permitem muito mais a perspectiva complementar das relações hierárquicas do que as antagônicas. O mundo é visto como composto de fortes e fracos, ricos e pobres, patrões e clientes, uns fornecendo aos outros aquilo de que eles não dispõem. (DAMATTA, 1997, p. 234) Mas existe uma tendência dual até mesmo no nosso universo legal, pois as leis criadas com a premissa da igualdade passam por reavaliações na sua prática, construindo uma tendência individualizante e outra pessoal. As leis só devem ser aplicadas para os indivíduos (aqueles que são indigentes e não possuem família, padrinho ou intermediário capaz de conseguir um tratamento diferenciado) e nunca para as pessoas. Desenvolvemos ao longo dos anos essa maneira de hierarquizar e manter as 24
  • 26. hierarquias do mundo social, criamos os despachantes ou padrinhos para baixo, esses mediadores que fazem as intermediações entre a pessoa e o aparelho de Estado quando se deseja obter um documento como o passaporte ou a nova placa do automóvel. (DAMATTA, 1997, p. 236) É por conta disso que a lei não é vista como regra imparcial. Legislar é mais fácil do que cumprir o que está no papel. O sistema legal tem sua aparência de universalidade desmascarada pela moralidade pessoal, por aplicações vazias e pela manipulação de valores e ideologias. O trabalho de Chacon é plausível para percebermos como as práticas coronelistas não estão muito distantes no tempo. Segundo ela, quando a modernidade alcança as regiões interioranas, e mais especificamente o Sertão, os coronéis são forçados a rever seus métodos clientelistas, passando a defender agora um discurso modernizador. O movimento não foi unânime em todas as regiões, mas os coronéis se adequaram ao próprio projeto de urbanização e produção capitalista. Ou seja, surge um novo tipo de coronel em diversas regiões do país, embasado em novos discursos, novas formas e novos instrumentos de poder. Para Chacon, a urbanização, ao invés do que pensa Leal, não significou o fim dos coronéis; eles se adaptaram às novas conjunturas, mudaram-se para a cidade, organização novas dominações e tornaram-se os coronéis urbanos (constituídos principalmente pelos empresários). Embora com uma roupagem de modernidade, estes coronéis conservaram muitas práticas eleitoreiras e a idéia de mediação com o poder público. O surgimento de novos atores políticos e também de novos conflitos, vindos a reboque da modernidade, vai mudar esse quadro de forças políticas, e o velho coronel é substituído aos poucos por funcionários públicos, tecnocratas que passam a deter certo poder, que se baseia em um suposto saber que decide onde é empregado o recurso para o desenvolvimento. E o novo coronel é o administrador de conflitos gerados a partir dessa nova configuração de forças, que limita seu poder e exige um esforço político e intelectual muito maior para manter o poder. (CHACON, 2007, p. 94) Com base nas diversas análises sobre o fenômeno coronelista (seus termos correlatos e subprodutos), creio ser o trabalho de Roberto Damatta o mais adequado e oportuno para o estudo sobre a atuação da Associação do Desenvolvimento Comunitário de Aroeira (ADECAR). As práticas do coronelismo da Primeira República sobreviveram ao tempo (embora o sistema possa ter chegado ao fim) e construíram novas regras de relações sociais hierárquicas e de mando, entre superiores e inferiores. Vemos, pois, comportamentos 25
  • 27. clientelistas triunfarem na política de Conceição do Coité no limiar do século XXI tendo como sustentáculo o mesmo combustível do Império ou da Primeira República: a dependência. O diálogo com outros autores será fundamental, mas insistirei na análise de práticas políticas da ADECAR que apresentam sutileza e aparente casualidade em sua performance, mas que são crias conscientes, objetivas e potenciais de um comportamento mandonista e clientelista dos interesses políticos-partidários. O coronelismo enquanto estrutura política foi carregado pelo crepúsculo, mas suas práticas, suas estratégias e suas fundamentações ganham novo colorido para sobreviver aos novos ambientes de adaptação. Um exímio coronel do passado reconheceria no comportamento mantido pela ADECAR um teatro bastante equivalente ao qual ele atuava – do ponto de vista da estruturação e dos ensaios de bastidores. 26
  • 28. CAPÍTULO II A Política Recente de Coité e a Questão do Desenvolvimento "História e poder são como irmãos siameses - separá-los é difícil; olhar para um sem perceber a presença do outro é quase impossível". A frase de Francisco Falcon é cabalística para o presente trabalho. A História da cidade de Conceição do Coité tem sido desenhada sob a égide das ações políticas de "grandes" homens. Localizado na zona fisiográfica do Nordeste, ao leste da Bahia, distante 210 km da capital baiana, Conceição do Coité possui uma área de 1.086,244 km² e uma população de aproximadamente 63 mil. Conhecida rotineiramente como "A Capital do Sisal", a cidade produz e exporta admirável quantidade da referida fibra. A agricultura e a pecuária do município são igualmente importantes para o seu dinamismo econômico. Mas além dessas atividades, sua economia apresenta uma das maiores taxas de crescimento dentro do Território do Sisal (seu PIB é inferior apenas ao de Serrinha3) por conta da pujança comercial e dos crescentes investimentos industriais (notoriamente nos ramos de calçados, de confecções, de beneficiamento do sisal e da produção de gêneros alimentícios). Nesse capítulo farei uma breve análise da política recente de Conceição do Coité, entre a década de 1970 e o início do século XXI, ressaltando, sobretudo, questões referentes ao processo de construção das bases políticas, econômicas e sociais do período. Ainda neste capítulo serão analisados os variados caminhos propostos pelo governo federal para o desenvolvimento do Nordeste, além de propostas de intervenção realizadas pelo governo estadual e o municipal no campo do desenvolvimento (principalmente comunitário). No livro Conceição do Coité: a capital do sisal, Vanilson Lopes de Oliveira sinaliza que sua obra representa o "primeiro livro histórico-cultural do nosso município", tendo em vista a "autenticidade" e o "desprendimento" que julga caracterizar o seu discurso: É como se fosse uma radiografia de uma localidade mostrando sua gente, seus usos e costumes, suas tradições e realizações. É uma radiografia em perfil de uma comunidade sertaneja pequena e simples, destemida e forte, por enfrentar as dificuldades do revés da natureza no sertão semi-árido. (OLIVEIRA, 1993, p.10) Obviamente que não é possível esconder ou ignorar a importância dos trabalhos de 3 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. 27
  • 29. Vanilson de Oliveira acerca de Conceição do Coité, apesar de apresentar carências em suas reflexões. Segundo o autor, a cidade foi sendo modelada a partir de memoráveis feitos. O povoamento do sertão por meio das Entradas e Bandeiras provocara o domínio e a expulsão dos "perigosos índios" da região; a posição geográfica estratégica de Conceição do Coité era utilizada como ponto de apoio para atividades comerciais, criação de gado ou passagem de viajantes no interior da Bahia; e a existência da cuitizeira ou cuité (árvore de pequena dimensão que inspirou o nome da cidade), utilizada para descanso das boiadas que passavam e para estocagem de água em seus frutos (cabaças) para o uso nas distantes caminhadas pelo interior, são registrados com realce na obra de Vanilson de Oliveira. Em sua dissertação de mestrado Nossa Senhora da Conceição do Coité: Poder e Política no Século XIX, Iara Nancy Araújo Rios aponta que, desse modo, Conceição do Coité foi, do ponto de vista historiográfico, construído como local de dinamismo comercial, proteção divina, cosmopolitismo e progresso. Segundo a historiadora, a memória do município consolidou-se sobre os pilares mitológicos de sua fundação, de um passado harmônico e predestinado ao desenvolvimento; idéia reiterada pela própria literatura regional. O processo de construção da memória da cidade de Conceição do Coité se fez pelo silêncio de elementos do passado e pelo não-dito. Não porque não fosse importante, nem tivesse significado, mas porque se precisava construir um passado que justificasse a idéia de modernização e desenvolvimento, sem informações que contradissessem o mito de fundação. (RIOS, 2003, p. 39) A autora pontua que o passado, não somente de Conceição do Coité, mas de toda trajetória dos Sertões dos Tocós, revela-se nos estudos históricos sem a presença de conflitos, de problematizações. O progresso da cidade é justificado pela evolução linear dos acontecimentos, reafirmando a intencional balela de que Coité surgiu sem desigualdades sociais e sem contendas. Esta imagem de harmonia esconde os conflitos e tensões existentes em todas as sociedades, afinal, as relações sociais são permeadas pelas relações de poder, e onde há lutas pelo poder, há conflitos. (RIOS, 2003, p. 45) Ou ainda, no plano da memória, podemos concordar que: Confeccionou-se uma memória apenas com grandes homens e grandes eventos políticos, sem índios, sem negros e sem a participação do povo nas 28
  • 30. decisões e no processo social da cidade seguindo o caminho traçado pela história tradicional e, depois, positivista. (RIOS, 2003, p. 39) Recupero essas idéias no desígnio de apontar a importância que elas podem apresentar, numa perspectiva positivista, dentro da consolidação de uma mentalidade coletiva positivada - e deturpada - a fim de reverenciar grandes líderes e de eleger determinadas referências (políticas, sociais e culturais) a serem cultuados pelos vários grupos da sociedade de Conceição do Coité. A construção de líderes, de discursos e de marcos norteadores dentro do espaço social permite a massificação, a sobreposição dos interesses de um grupo sobre o outro, e a consequente cooptação dos eventuais dissidentes. No seu livro Conceição do Coité e os Sertões dos Tocós, Vanilson de Oliveira afirma que o desenvolvimento sócio-político-administrativo do município compreende dois grandes períodos. O primeiro deles foi liderado pelo líder político Wercelêncio Calixto da Mota, construtor da “era de seu Mota” que: Começou em 1928, quando foi intendente municipal, (cargo hoje correspondente a prefeito) e terminou em 1972, no governo de Dr. Manoel Antônio Pinheiro. Foram quarenta e quatro anos de administração, divididos em dezesseis prefeitos, tendo alguns exercito o poder por mais de uma vez, como é o caso do próprio Wercelêncio, e de Teócrito Calixto, seu sobrinho. Nesse período, o município cresceu, superando as cidades mais antigas da região: Riachão e Queimadas. (OLIVEIRA, 2002, p.88) Nesse período, a autoridade política de Wercelêncio prevalecia como referência nas sucessões de prefeitos, na ocupação de cargos públicos e na construção das regras personalistas e carismáticas para a política oligárquica municipal. Como destaca Vanilson, sob o controle de Wercelêncio assistiu-se um processo de modernização da cidade, com o calçamento de ruas, a construção de estradas, tanques, açudes e imprimindo “à administração um caráter de honestidade ilibada, digna de exemplo”. Todavia, apesar de modernizadora, a política de Wercelêncio camuflava tendências coronelistas e conservadoras. A expressão “Coité de seu Mota” ratifica uma mentalidade que vincula o município aos mandos e desmandos de um administrador, de um chefe e seus correligionários, uma vez que “o poder político de Mota era tanto que bastava indicar qualquer candidato postulante ao cargo de vereador, ou a prefeito, independente do partido, ou do índice de rejeição, para que a pessoa 29
  • 31. fosse eleita”4. O segundo período de desenvolvimento sócio-político-administrativo de Conceição do Coité compreende-se entre os anos de 1973 até os dias atuais. Nessa nova etapa, o teatro político de Coité também ganhou um novo dono, Hamilton Rios de Araújo (Mitinho). Mesmo com raízes familiares vinculadas à posse da grande propriedade, Mitinho nunca se prendeu às atividades agrárias; sua relação com a política, no entanto, certamente tenha decorrido de uma herança familiar. O seu avô, Antonio Felix de Araújo, por parte do pai, possuía uma patente de coronel da Guarda Nacional e, para ser adquirida uma patente daquela, tinha que ter recursos financeiros e prestígio político na Província da Bahia. Talvez tivesse sido do seu avô que lhe veio no sangue o gosto pela política. (OLIVEIRA, 2003, p. 75) Uma análise atenta da política recente de Conceição do Coité pode, nessa finalidade, demonstrar a permanência da mentalidade coronelista. A vitória de Hamilton Rios de Araújo para prefeito permite uma leitura ambígua. Por um lado, assinala o término do período político liderado por Wercelêncio Calixto da Mota e das vitórias conquistadas pela sua equipe. Por outro, inaugura uma nova página na história política do município, marcada por uma conjunção de práticas e tendências que relembram e ressuscitam o comportamento coronelista do início do século passado. Dessa vez, não mais a estrutura agrária servirá como esteio para seu poder. Hamilton Rios já não usava o longo bigode dos coronéis da Primeira República, como o que José Candido de Carvalho apresenta em O Coronel e o Lobisomem5. Era um homem de negócios, bem-sucedido no comércio do sisal, mas que soube habilmente utilizar os favores e benefícios em troca apoio político, poder e votos. Para conseguir seus objetivos, montou um carro pipa e, interessado em votos, aproveitando o flagelo da seca de 1970, saiu distribuindo água nas roças e povoados, pregando que o prefeito, juntamente com seus aliados, não dava assistência ao povo. Durante dois anos, fez isso e muito mais: doou cestas básicas, materiais de construção: (cimento, tijolos, blocos, telhas…), passagem de ônibus e outros benefícios, a ponto das pessoas denominá-lo de “pai da pobreza”. (OLIVEIRA, 2002, p. 79) 4 OLIVEIRA, Vanilson Lopes de. Conceição do Coité e os Sertões dos Tocos. Conceição do Coité: Clip Serviços Gráficos, 2002. p. 76 5 Romance brasileiro da década de 60, que inspirou filmes e minisséries com o mesmo nome desde os anos 1980. 30
  • 32. De modo irônico, poderíamos dizer que, caso não existisse o voto, estas seriam ações dignas da glória eterna. No entanto, esse comportamento é um remanescente óbvio da Primeira República, um dos inumeráveis meios pelos quais um autêntico coronel procuraria concentrar poder. Como bem pontua Pereira de Queiroz, a sutileza presente na relação de dependência econômica dos eleitores (dominantes e dominados), na troca de benefícios e favores e na distribuição de presentes em período eleitoral fazia do voto um bem de troca; uma permuta em retribuição aos benefícios recebidos. Uma informação que chama atenção é que as práticas clientelistas de Hamilton Rios já ocorriam entes mesmo de 1973; o clientelismo é posto como um facilitador para cativar os eleitores. A expressão “pai da pobreza” atribuída a Hamilton Rios alude fielmente a este paternalismo coronelista. Um exímio coronel que busca aproximar-se dos seus subordinados, a fim de eliminar os traços divisórios e contrastantes entre os dois. Sua postura objetiva demonstrar identificação com o eleitor, como alguém que conhece suas dificuldades cotidianas e que, inclusive, encara o pobre como um filho a ser cuidado. A chegada de Hamilton Rios ao executivo de Coité ocorreu em pleno governo do general Médice. Os Anos de Chumbo instituíram no pós-64 as novas diretrizes para as regras políticas em todo o país. Em tempos de centralização político-administrativa, de Atos Institucionais, de perseguições políticas, de censura e controle das oposições, o Estado brasileiro mantinha grandes interesses nas esferas municipais de poder. Por conta da importância de garantir legitimidade no âmbito municipal, o Estado procurou dialogar e formular laços de intimidade com as elites locais. Tendo em vista a nova atmosfera política, coube aos coronéis locais se adequarem, como nos lembra Chacon6, ao discurso de modernização, de crescimento capitalista e de urbanização. Em Conceição do Coité, no entanto, os bastidores políticos não estavam totalmente delimitados pelos mandamentos do Regime Militar. As posturas racionalistas e moralizantes emanadas verticalmente estiveram presentes (entenda-se esquecidas) mais em gabinetes que nas práticas político-eleitorais, e Hamilton Rios abraçou o carisma, o populismo, as práticas coronelistas e a dependência econômica como artifícios principais para ascensão. Burocratização do poder e personalidade não se contradiziam localmente, completavam-se e geraram uma coexistência estabilizada e profícua. Os juízos ditatoriais não tiveram reprodução ipsis litteris pelas políticas municipais, o que não desfazia o vínculo servil. Parecia, bem mais, uma harmonização vantajosa do que parecia incompatível; as lideranças 6 Ver Suely Salgueiro Chacon, O sertanejo e o caminho das águas: políticas públicas, modernidade e sustentabilidade no semi-árido, pp. 87-105. 31
  • 33. políticas de Coité vincularam-se à ARENA enquanto sobreviviam de práticas políticas como a intimidade, a manipulação e o apadrinhamento. A consideração anterior é análoga à visão de Roberto Schwarz sobre a presença de idéias européias incorporadas impropriamente no Brasil. Para o autor, a ideologia liberal que ancorou as lutas nacionais de independência permaneceu sendo contemporânea da escravidão. Dessa forma, as idéias liberais inspiradas pelas revoluções francesa, inglesas e americana estiveram, em nosso país, fora do seu ambiente previsível, se comparadas às experiências precedentes. A escravidão deveria desmentir e tornar impróprio o liberalismo, mas nada disso aconteceu. O Brasil burocrático, que queria se modernizar e se moralizar era o mesmo que, especialmente no campo municipal, não desprendia sua política dos veículos clientelistas e individualistas. A política nacional posterior ao golpe militar estava repartida por duas facções, a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) – reduto dos militares – e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que conjugava as oposições, e cada um com a possibilidade de originar sublegendas. No município de Coité, tanto a situação como a oposição abraçou a facção dos militares, definindo-se como Arena 1 a coligação do situacionismo e Arena 2 o grupo da oposição. As investidas da Arena 2 contra os remanescentes do grupo de Wercelêncio Calixto (Arena 1) era, no período, comandado por Evódio Ducas Resedá. Ainda pelo Partido Republicano, Evódio perdeu as eleições de 1963 para Antonio Ferreira de Oliveira, do Partido Social Democrático (PSD). Segundo Vanilson de Oliveira, em 1967, após um pacto com a situação, Evódio apóia Teógenes Antônio Calixto como candidato único para prefeito, a fim de receber semelhante apoio nas eleições seguintes. O acordo acaba em desafeto e na eleição posterior (1970), Evódio perde novamente para o último herdeiro do trono de seu Mota, Dr. Manoel Antonio Pinheiro. A partir daquele ano, Hamilton Rios passa a contestar a permanência dos discípulos de Wercelêncio Calixto na direção da prefeitura por mais de quatro décadas. Os sucessivos insucessos de Evódio contribuíram também para facilitar a adesão a uma liderança da “esquerda” (que também era ARENA). De qualquer modo, Hamilton transformou-se paulatinamente no mais cogitado nome à candidatura pela oposição, “apoiado pelo grupo de Evódio e por alguns dissidentes da situação, como foi o caso de Antonio Nunes, seu cunhado, ex-vereador e ex-prefeito interino de Coité”7. O interessante é que o discurso de aversão à longa continuação do grupo de Wercelêncio no poder feito por Hamilton foi imediatamente 7 OLIVEIRA, Vanilson Lopes de. Sisal, Suor e Poder: crônica de uma região. Conceição do Coité: Editora Clip. 2003. p. 76 32
  • 34. esquecido a partir de 1973. Antes da vitória, o discurso era conveniente e inspirava mudança; depois dela, tornou-se obsoleto e a era Mitinho só precisa contar os dias para poder comemorar o 40º aniversário de controle sobre a máquina pública de Conceição do Coité. Nas eleições, Hamilton tinha do lado oposto Misael Ferreira Oliveira, apoiado por Dr. Pinheiro, vinculado igualmente ao comércio do sisal, vereador e um expoente representante do distrito de Salgadália. Com perfis político-ideológicos e bases econômicas parecidas, ambos lançaram-se numa campanha eleitoral desenfreada. Segundo Vanilson Oliveira, a partir dos anos 70 surgiram os estrondosos comícios, com passeatas de carros e multidões pela cidade. Mas um grande diferencial do período foi, irrefutavelmente, o emprego desinibido das práticas clientelistas. Os dois adversários passaram a escancarar a premissa de que “é dando que se recebe” como estratégia política clientelista do imediatismo. Foi a partir dessa campanha, que se deliberou em definito o clientelismo e o assistencialismo: “o toma-lá-dá-cá”. Muito antes, esse clientelismo era feito disfarçadamente pela política dos “coronéis”: João Amâncio, Wercelêncio, Eustórgio Resedá e muitos outros, e, também pelo comerciante Teócrito Calixto que doava uma gravata, um sapato, ou uma meia, para quem votasse nele. (OLIVEIRA, 2002, p. 78) Visto assim, não podemos dizer que Hamilton Rios e Misael Ferreira montaram em 1972 uma nova rede de relações eleitoreiras; houve apenas um aprimoramento, uma adaptação às demandas da urgência. Assim como na Velha República, é perceptível a pouca importância que o voto, quase um século depois, representa para muitos eleitores. Seja pela inconsciência política, por um compromisso tradicional ou pela apaixonante sedução que a representatividade simbólica de um candidato ou facção constrói, muitos ainda acreditavam que trocar seu voto não implicaria no resultado das eleições (isso relembra o paradoxo da participação eleitoral discutido por Marcus Figueiredo). Na monografia de especialização, Francisco de Assis Alves dos Santos (Assis da Caixa ou Assis do PT) sinaliza que na história política de Coité os homens sobrepõem o campo das idéias, onde os discursos são arquitetados para a personalidade e a desmoralização das regras. No que tange à disputa entre Hamilton e Misael (1972), Assis é lacônico ao defender que: Desde 1972 os empresários do ramo do sisal Hamilton Rios de Araújo e Misael Ferreira de Oliveira, cada um de seu lado, têm tocado seus projetos políticos pessoais, desprovidos de quaisquer propostas de interesse público, e, em torno deles, reunido muitos defensores fiéis, alguns fanáticos. Ambos 33
  • 35. se notabilizaram pela prática do clientelismo e fisiologismo políticos (compram eleitores e aliados, distribuem e/ou prometem empregos públicos etc.). (SANTOS, 2000, p. 34) A estes defensores fiéis mencionados por Assis foi direcionada uma sistemática sedução simbólica. Doravante, uma visão maniqueísta foi estabelecida para o campo político de Coité, buscando construir simbologias onde cada grupo procurava direcionar seus interesses para o eleitorado em sua totalidade. A utilização de músicas em carros de som tinha – para além da função conotativa da linguagem – o desígnio de apontar que um grupo era melhor do que o outro. Pelos exemplos encontrados no livro de Vanilson Oliveira8, podemos dizer que o sucesso simbólico de um grupo era definido mais pela difamação do adversário do que pela apresentação de propostas, medidas e tendências necessárias à solução dos problemas que afligiam a população coiteense. Nas últimas décadas, a política municipal tem reservado enorme espaço à divergência entre a simbologia dos Azuis (representando todas e quaisquer oposições) e dos Vermelhos (deturpação da coloração comunista que, em Coité, passou a identificar os grupos da direita), independentemente dos problemas, significados, inutilidades ou objetivos que essa cisão possa ter.9 Em entrevista de 06 de janeiro 2010, Assis destaca que, ideologicamente, a chegada de Hamilton Rios ao poder em Conceição do Coité não representa uma mudança. Sua singularidade política foi o comportamento personalista e mandonista adotado a partir da década de 1970. A personalidade de Hamilton Rios, essa sim fez diferença, porque ele era populista, mais do que seu antecessor, por exemplo, que era um médico, um cidadão muito calmo, com estilo assim muito pacato, Dr. Pinheiro, e o Hamilton Rios um sujeito mais populista de comer farofa nos motores de sisal, de ir pra aquelas farras dançar com as mulheres dos compadres ou aquelas pessoas simples. Então ele era mais populista, mais perseguidor, você pode olhar que médicos, professores e demais servidores públicos estaduais que não comungavam com as idéias de Hamilton Rios, que não obedeciam politicamente Hamilton Rios eram expulsos de Conceição do Coité, eram transferidos pra municípios distantes, o mais distante possível e tinham uma alternativa de ou se submeter a isso ou sair do serviço público. (…) esse estilo pessoal de Hamilton Rios fez toda diferença, porque ideologicamente eles não tinham muita diferença não, uma vez que todos seguiam os poderosos de plantão, que eram os militares e o governador biônico indicado pelos militares, de maneira que o que houve de diferença 8 Ver o livro Conceição do Coité e os Sertões do Tocós. 9 Para maiores informações sobre prováveis possibilidades de origem, os problemas e imperfeições construídos pela divisão Vermelhos x Azuis, consultar Francisco de Assis Alves dos Santos, Na mira dos coronéis: Cartas a um Professor Coiteense, p. 39-45. 34
  • 36. foi a personalidade de Hamilton Rios, populista, mandão, perseguidor. (SANTOS. Entrevista concedida em 06 jan. 2010) Hamilton venceu Misael Ferreira para o mandato de 1973-1976 e de 1983-1988, embora ambos apoiassem a ARENA dos militares. Nesse intervalo o executivo foi governado por Walter Ramos Guimarães (1977-1982), apoiado inicialmente pela facção de Hamilton (seu sobrinho, Éwerton Rios, casara-se com a filha daquele) e beneficiado pela emenda do deputado Anísio de Souza que a Câmara aprovou em setembro de 1980, adiando as eleições municipais daquele ano pra 1982. Walter era, do mesmo modo, comerciante do sisal e no seu governo de 6 anos privilegiou reforma de estradas e construção de represas na zona rural (apesar de muitas serem ofertadas como propriedades privadas em todo município). Seu governo destacou-se também pela pavimentação de ruas em Coité e em povoados, a construção do Hospital Nossa Senhora da Conceição (hoje Almir Passos) na Sede e postos médicos em alguns povoados, a implantação de uma torre repetidora de TV e a construção do Centro de Abastecimento em Coité. O apoio de Walter ao governador Antonio Carlos Magalhães era incondicional, até porque sua administração dependia da bajulação ao coronel estadual. Hamilton, por outro lado, não desejava perder o gosto pela política, e cobiçava manter-se como autoridade na política municipal ainda na Gestão Walter. Sua interferência política causou um período de embate entre os dois, e o prefeito passou a apoiar Misael Ferreira, candidato rival de Hamilton, para sua sucessão em 1983. A revista Estados e Municípios10 publicou o evento de 10 de junho 1982, na Associação Cultural Castro Alves, no qual Walter Ramos foi premiado com o título de “Prefeito Expressão Nacional 81/82” pelo jornal Correio de Recife (cuja tendência, expressa pelo seu representante Viriato Rodrigues, sinaliza uma completa afinidade com a Ditadura). Todas as autoridades presentes (municipais, estaduais e federais) reafirmaram a necessidade de eleger Misael Ferreira como sucessor para o executivo, e o próprio Walter encerra seu pronunciamento com um apelo aos fiéis eleitores: “A única retribuição que quero de todos vocês é a escolha de Misael Ferreira, em 15 de novembro para prefeito da cidade. Assim procedendo, vocês terão a minha eterna gratidão”. Como História não é Ciência Exata, Hamilton venceu nas urnas e ficou no Executivo até 1988. Nas eleições seguintes, Hamilton passou o trono para seu sobrinho, Éwerton Rios D’Araújo Filho (Vertinho), que é o campeão de mandatos, 1989-1992, 1997-2000 e 2005- 10 Revista da Associação Brasileira de Municípios, Ano VII – Nº. 58 - 1982 35
  • 37. 2008. Eleito nas duas primeiras pelo Partido da Frente Liberal (PFL) e na última pelo Partido Progressista (PP), Vertinho migrou em 2009 para o Partido da República, liderado no Estado por César Borges. Hamilton também treinou seu filho, Wellington Passos de Araújo (PFL), o Tom, para uma gestão (2001-2004) que se misturou a escândalos, como o financiamento da COTESE, fábrica do seu pai e do irmão Marcelo Passos, com recursos públicos do município e do Estado (irregularidade constatada pelo Ministério Público) ou o fato do prefeito se ausentar com freqüência da cidade. O fato é que Tom terminou seu governo com baixa popularidade (problema indissolúvel até hoje) e a sucessão foi ocupada pelo terceiro mandato de Éwerton Rios. Para o interstício entre 1993-1996, Coité elegeu Diovando Carneiro Cunha como prefeito, um dissidente do grupo de Hamilton Rios que, mesmo vencendo “o grande chefe”, sua gestão não pode ser entendida como uma ruptura feita pela esquerda, afinal sua orientação política era uma reprodução da dos seus antecessores, e a relação de favores entre sociedade e poder público se repetia – como se repete até hoje – de modo intacto. Após 40 anos de Era Mitinho, podemos constatar, entretanto, que o município está longe de solucionar problemas graves administrativos. Além da enorme concentração de renda (a cidade tem o segundo maior PIB do Território do Sisal e, ao mesmo tempo, 10 mil famílias cadastradas no Programa Bolsa Família) há déficits em áreas fundamentais de uma administração, como a educação básica, que ocupa a 357º posição dentre os 417 municípios baianos11. Sobre os problemas municipais, Assis afirma que: Se você for analisar um município com 63 mil habitantes que não tem um único hospital público, (…) os estudantes tem uma nota média 2.6 nos exames sérios que são realizados pelo Estado e pelo Governo Federal pra aferir a capacidades dos alunos, se você for olhar um município que detém uma Escola Agrícola há vinte e tantos anos e que nunca formou um técnico agrícola, que possui um CAIC que seria uma escola em tempo integral, em tese, que tem toda uma estrutura física, que tá depredada e que nunca funcionou como escola em tempo integral, enfim, se você for olhar como andam as estradas, como andam as aguadas do município, se você olhar como são estabelecidas, como são realizadas, como se dão as relações da sociedade civil organizada, da população em geral com o poder público, aí você vai concluir que é um desastre administrativo. Agora, o grupo teve competência, entre aspas, pra se manter no poder por quatro décadas porque trafica influência nos órgãos públicos, manipula empregos públicos, adotou um esquema administrativo patrimonialista, enriqueceu-se, fortaleceu suas empresas, conquistou empresas à custa do erário e com isso tem muitos empregos, muito dinheiro, usa… usa arbitrariamente os órgãos e o dinheiro 11 Disponível em http://www.inep.gov.br/download/Ideb/Resultado/republicacao/Divulgacao_4serie_Municipios.xls, acesso em 8 de janeiro 2009. 36
  • 38. público, públicos no caso, e com isso se perpetua no poder, comprando votos, comprando apoiamentos e fidelizando os eleitores mais carentes através duma ambulância, da oferta de um emprego público. Enfim, é dessa maneira, com o desastre coletivo, mas com o sucesso grupal daqueles que detém o poder que eles tem se mantido durante quarenta anos. (SANTOS. Entrevista concedida em 06 jan. 2010) Segundo Assis, até o final da década de 1990, a oposição ao grupo de Hamilton Rios, feita pelo grupo dos Azuis (especialmente por Misael Ferreira), não fazia oposição sistemática, fiscalizando abusos de poder, do dinheiro público e desvios de recursos pelos Vermelhos, nem mesmo uma oposição efetiva na Câmara. Ao invés de uma regularidade, a esquerda só se organizava às vésperas das eleições, favorecendo novas vitórias da facção de Hamilton. A histórica oposição de Misael caiu por terra nas eleições 2000, quando apoiou Tom, filho do seu principal adversário, Hamilton Rios. Por um lado, esse fato recrudesceu o poder da direita (PFL e o Partido Progressista Brasileiro), mas por outro foi o momento em que o PT aproveitou para delimitar o espaço de uma nova – e diferente – esquerda. Foi um vácuo muito bem aproveitado pelo PT, foi ali que o PT teve candidato próprio, e a partir dali o PT, em 2004, veio como vice e em 2008 já veio com candidatura própria obtendo mais de 42%, de maneira que eu acredito que pela primeira vez os Vermelhos estão tendo uma oposição que faz política o tempo inteiro, os quatro anos, que faz oposição, que vai à Justiça, que denuncia abusos e que visita a população. Enfim, uma oposição que de fato e de direito atua. Isso tem deixado os Vermelhos preocupados, olha que eles estão começando a se dividir. A gente vai assistir essa divisão nas próximas eleições agora em 2010, (…) uma característica, talvez a principal, do grupo dos Vermelhos é que eles são monolíticos, eles nunca se dividiram numa eleição municipal, a gente não sabe se eles vão conseguir levar adiante isso na eleição de 2012. Mas que eles estão tendo, pela primeira vez, uma oposição atuante, que é o PT, isso estão, eles estão tendo o PT nos calcanhares deles e eles temem o PT em 2012. Agora não pense o PT que vai ser fácil derrubar alguém que tá há 40 anos no poder com todo no round, não vai ser fácil, mas vai ser uma campanha boa em 2012. (SANTOS. Entrevista concedida em 06 jan. 2010) Historicamente, as grandes dificuldades das oposições têm sido justamente a inexistência de uma liderança forte – excetua-se aí a organizada oposição pensada pelo Dr. Yêdo, mas que veio a falecer antes das eleições de 1988 –, o enfrentamento da máquina pública e do poder econômico, utilizados descabidamente pelo grupo de Hamilton Rios, e, finalmente, o fato de que a oposição nunca repetiu seu candidato em duas corridas eleitorais consecutivas. Segundo Assis, o PT de Conceição do Coité tem encontrado no passado as lições para a construção de sua luta e de uma nova administração. 37