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Beth era uma garota quieta e simples e educada quando saiu da Inglaterra e
foi para as ilhas do Caribe acompanhando Willard, seu noivo, um riquíssimo
fazendeiro. Mas bastou um olhar de Raul, jovem e orgulhoso empregado da
fazenda, para que Beth sentisse pela primeira vez em sua vida a estonteante
atração que uma mulher sente por um homem forte e viril. E, quando Raul a
convidou para tomar banho de mar á luz da lua, Beth sabia que esse
encontro lhe traria prazeres proibidos e traçoeiros... Mas, para uma mulher
apaixonada, o amor é mais forte do que tudo!
Prisioneira da desonra
“Rooted in dishounour”
Anne Mather
CAPITULO I
Uma suave rampa estendia-se desde a varanda da casa, até a praia. Tufos de
capim demar cavam a linha divisória com a branca
areia que formava um belo contraste com a luxuriante vegetação, de um
verde bri lhante, que em certos trechos avançava até o mar. Palmeiras
abriam suas folhagens generosas formando um verdadeiro oásis quando o sol
a pino tornava a temperatura insuportável, en quanto os carvalhos do
pântano projetavam sua própria sombra sobre a laguna. Na enseada, o mar
era mais calmo, refreado pelos recifes escarpados, visíveis ao longe, onde as
águas batiam com tal violência que seu fragor era ouvido na casa.
Era de manhã e o ar ainda estava fresco, pois na véspera tinha chovido ao
anoitecer. Mas já o calor do dia começava a manifestar-se através de
espirais de bruma que se levantavam ao redor das árvores. Logo o sol teria
se erguido completamentepor trás das montanhas que formavam uma
cordilheira no interior da ilha, banindo com seus raios abrasadores as
tartarugas e os caranguejos para esconderijos mais úmidos e frescos.
A mulher veio descendo a ladeira da casa, impaciente por não ter encontrado
seu morador, e esquadrilhou a laguna para ver se via alguém. Logo divisou
aquela cabeça morena, que tanto procurara, a poucos metros da praia. Ficou
espiando o corpo do homem surgindo das ondas e encaminhando-se para a
areia. Ele estava a certa distância, mas suficientemente perto para que ela
pudesse ver que estava completamentenu, com a água do mar escorrendo
pelo corpo bronzeado e musculoso. Um corpo que demonstrava não ser de
um homem que passava seus dias indolentementeem seu paraíso particular,
mas que trabalhava duramente, tanto quanto os outros, para tornar as
plantações rentáveis. Era alto, moreno e com cabelos castanhos queimados
de sol.
Ela desviou rapidamente o olhar e deu meia-volta quando percebeu que ele a
tinha visto. O homem apressou o passo em sua direção, enrolando
displicentementeuma toalha à volta da cintura. Contornou sua frágil figura
para fitá-la com aqueles olhos verdes e trocistas que caçoavam de seu
embaraço.
— Não devia vir procurar-mesem ser anunciada, irmã Bar bara — observou
impiedosamente. — E não venha me dizer que nunca me viu nadando nu por
aí, pois não vou acreditar.
— Antes de mais nada, não sou sua irmã! — declarou, com aspereza. — Pedi
que viesse até a casa grande ontem à tarde, e você não apareceu, nem deu
satisfação.
Ele levantou os ombros com indiferença. Começou a subir a rampa em
direção a casa e ela foi obrigada a segui-lo.
— Ontem tive um compromisso — disse ele, finalmente. Ao ouvir isso, ela
contraiu os lábios.
— No mínimo, andou visitando aquela mulher... Louise — acusou, e ele
ergueu as negras sobrancelhas.
— Por acaso, esteve me seguindo? — perguntou, docemente, e as faces
pálidas dela pegaram fogo.
— Claro que não — negou Barbara, mas a expressão dele era de quem não
estava acreditando.
Alcançaram a casa, uma espécie de bangalô, com a varanda suspensa por
pilares e sombreada por um telhado de madeira. As acomodações eram boas
e funcionais: uma sala de estar com algumas cadeiras de braço e estantes
para livros, a copa-cozinha, surpreendentemente bem equipada com os mais
mo dernos eletrodomésticos, e o dormitório com uma cama turca e um
guarda-roupa. Havia também um escritório, mas como Barbara pouco visitara
o lugar, nunca o usara.
Largos degraus levavam até a varanda, onde duas poltronas de cana-da-índia
e uma pequena mesa com tampo de vidro formavam uma segunda sala de
estar. Nesse momento, via-se sobre a mesa uma jarra com suco de laranja
gelado, uma fatia de melão, alguns pãezinhos, manteiga e um bule cheio de
café que exalava um delicioso aroma.
Providências de Tomas, supôs Barbara, mentalizando o criado negro que
vivia numa cabana, por trás do bangalô. Dedicara a vida ao patrão desde que
ele o salvara de uma quadrilha de jovens bêbados e desordeiros na
Martinica, há oito anos, e desde então morava na ilha, cuidando de seu
salvador. Barbara tinha considerado aquela história um tanto piegas e de
mau gosto e a presença de Tomas a irritava imensamente.
— Raul... — começou a dizer dando uma parada na varanda, mas o homem à
sua frente fez um gesto de recusa.
— Pelo menos, deixe que eu me vista antes.
Pouco depois Raul apareceu de volta, tendo como único traje um par de
calças jeans. Era uma exibição de masculinidade e ela sentiu-se impelida a
olhar para o medalhão de bronze que pendia sobre seu peito nu, seguro por
um cordão de couro.
— Você chama a isso vestir-se?
— Tenho certeza de que você não veio até aqui para discutir sobre minha
indumentária — respondeu ele secamente, en quanto despejava suco de
laranja no copo.
— Papai está voltando para casa! — ela informou, por fim, querendo mudar de
assunto.
— Essa é uma boa nova. Quando? Hoje? — perguntou Impaciente.
Barbara ficou desconfiada de que ele não estava mais prestando atenção à
sua pessoa. E tinha razão. Ele tinha destruído aquelas emoções a que se
referira e ela sofria a intensa agonia do ciúme, sabendo que Raul preferia
passar suas noites com Louise Pecares, do que em sua companhia. Não que
ele suspeitasse de seus sen timentos... Nunca suspeitara. A não ser que...
Seus pensamentos recolheram-senovamente aos meandros de seu cérebro.
Um dia, talvez, quando ela fosse dona absoluta da ilha... Mas isso levaria
tempo para acontecer. Seu pai era ainda um homem jovem. Apesar do ataque
de coração que sofrera e que o obrigara a passar uma longa temporada na
Inglaterra, estava ainda bem longe da morte. Tanto assim que planejava
casar-se novamente...
Suas mãos tremeram quando ela lembrou-se dos termos do telegrama que
recebera na tarde anterior, em que seu pai con tava -lhe que durante o tempo
que estivera internado num hos pital de Londres, conhecera uma enfermeira
mais jovem do que a própria filha, com a qual envolvera-se
sentimentalmente.
Era incrível, inaceitável. Tinha ficado viúvo por quase vinte anos e agora
estava pensando em casar-se com uma jovem trinta anos mais nova que ele.
Percebeu que Raul estava observando-a e anunciou, sem mais rodeios:
— Papai está pensando em casar-se novamente.
Com essa frase, conseguiu finalmente chamar a atenção sobre sua pessoa.
Os olhos verdes, curiosos, voltaram-se para ela.
— Casar-se? —. Ele fez eco. — E com quem?
— Uma moça — disse Barbara — com menos idade do que eu. A enfermeira
que cuidou dele!
— Deus do céu! — exclamou meio assustado, meio admirado.
— Isso é tudo o que tem a dizer? — retrucou Barbara, com raiva. — Ele deve
estar ficando louco, e você sabe disso. Qual a moça de vinte e quatro anos
que se casaria com ele a não ser pelo dinheiro?
Raul pegou no bule e despejou um pouco de café na xícara.
— Você acha que seu pai não tem nada mais a oferecer a uma mulher, a não
ser dinheiro?
— E o que mais poderia ser? Uma... uma pessoa dessa espécie!
— Por acaso, você a conhece?
— Lógico que não. Como poderia? Ele sacudiu os ombros, enfastiado.
— É que você fala com tanta segurança. Como pode saber se ela não está
apaixonada por seu pai?
— Eles se conhecem há apenas um mês!
— E dai? O tempo não quer dizer nada em matéria de amor. Pode ter havido
uma atração mútua fulminante.
— Não poderia esperar outra coisa de você! — Sua boca fez um trejeito de
desgosto. — Mas não se esqueça que se papai decidir casar-se, toda a
situação aqui poderá mudar, princi palmente se ele tiver um filho.
— Ah, agora estou entendendo! — Sua expressão era maldosa.
— Se quisermos ser realistas, é isso mesmo. — Barbara estava quase
suplicando, quando acrescentou: — Raul, o que nós vamos fazer?
— O que nós vamos fazer? — Terminou de saborear seu café e esticou-se na
poltrona preguiçosamente. — É favor não me envolver em seus projetos. Se o
velho Willie resolver que quer que uma vampira lhe sugue o sangue, não
tenho nada com isso.
— Você se sente superseguro, não é mesmo? E é tão con vencido! Você
cogitou na possibilidade de papai resolver vender a ilha caso... caso a mulher
não queira morar aqui? Sabe bem que no ano passado ele teve uma oferta
tentadora daquela companhia americana. Não se desprezam milhões de
dólares assim tão facilmente.
A boca de Raul contraiu-se mediante aquela hipótese. Era evi dente que ele
nunca levara em consideração essa eventualidade, e Barbara sentiu-se
satisfeita de ter encontrado seu ponto fraco.
— Por que seu pai iria vender agora, se ele sempre condenou esses
consórcios que vivem comprando ilhas para transformá-lasno paraíso dos
turistas?
— Já lhe disse, essa mulher deve ter uma maneira de pensar e de viver
tipicamente inglesa. O que lhe importaria esta ilha? E se estiver casando
com papai pelo dinheiro, onde iria gastá-lo neste lugar onde o Judas perdeu
as botas?
Barbara aproximou-se um pouco mais, de forma que seu braço nu roçou-lhe
os pêlos do peito. Ele não reagiu àquele contato e perguntou formalmente:
— Quando eles chegam?
— No começo da semana que vem. Embarcam em Londres na segunda-feira e
fazem um vôo direto para Santa Lúcia. Planejam passar a noite lá, para
chegarem aqui na terça-feira pela manhã.
— Terça de manhã — ele repetiu. — E como está seu pai? Disse-lhe se estava
melhor?
Barbara despejou a notícia com impaciência.
— Ele disse que nunca se sentiu melhor em toda a sua vida. Pode acreditar
nisso? Um homem daquela idade! E depois de somente quatro semanas do
ataque que sofreu?
Raul virou-se de frente para a janela e apoiou os cotovelos no parapeito.
— O amor faz milagres, como dizem por aí — disse ironicamente. Barbara
sentiu-se frustrada.
— Então? O que você acha disso tudo? Raul levantou os ombros, resignado.
— Deixe isso comigo. Vou pensar no assunto com carinho.
Ela olhou-o ansiosamente.
— Verdade?
— Já lhe disse que vou, não disse?
Barbara mordiscou o lábio superior e falou com ar insinuante:
— Você vai jantar lá em casa hoje ã noite?
— Acho que não.
— E por que não? — perguntou, entre furiosa e desapontada. Pelo menos
desta vez, ela esperou que ele aceitasse.
— Penso que seu pai não aprovaria — respondeu brincalhão. — Você jantando
com um simples empregado!
Os lábios de Barbara tremeramincontroladamente.
— Essa é uma desculpa muito esfarrapada e você sabe bem disso.
Os olhos verdes tornaram-se brandos.
— Não fique forçando, irmãzinha. Agora você vai tomar seu rumo, enquanto
eu vou tratar de ganhar dinheiro para comprar o pão de cada dia da rica
donzela.
Ela precipitou-se pelos degraus da escada abaixo, depois virou à direita,
passando por entre as árvores que formavam uma barreira entre a casa
grande e o refúgio de Raul, sacudindo a saia estampada de vermelho.
O sol já estava bem quente quando Raul subiu no empoeirado jipe que era
seu único meio de transporte. A ilha, conhecida pelo pitoresco nome de Sans
Souci, tinha poucos carros, pois a maioria dos habitantes contentava-secom
o lombo das mulas, as charretes, bicicletas ou simplesmente com os pés.
Mas havia quinze milhas diárias a percorrer e Raul precisava de um veí culo
motorizado para supervisionar os canaviais. Ligou o motor e dirigiu-se para a
estrada de terra que levava até o centro.
As plantações de Willie Petrie estendiam-se de um lado ao outro da ilha.
Desde o princípio, as terras foram destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar,e
para cada homem adulto que trabalhasse como lavrador, era doado meio
acre de terreno para que fizesse sua própria lavoura. Apesar de Raul saber
que a maior parte dessas terras doadas eram malbaratadas e deixadas
improdutivas, dava prazer a Petrie considerar-se um patrão generoso e
magnânimo.
As condições de vida na ilha não eram das melhores, mas pelo menos
contavam com um bom hospital e uma escola pri mária para as crianças.
Excetuando-se os Petrie e o próprio Raul, só havia outra família de brancos
que morava na ilha: Jacques Marin, que administrava o hospital, e sua
mulher Susi, que fazia o papel de assistente do marido. Tinham dois filhos:
um menino, Claude, com catorze anos, que estudava num colégio interno da
Martinica; e uma menina, Anette, com apenas seis anos, que era cuidada por
uma moça americana chamada Diane Fawcett. O restante da população era
consti tuída de uma mistura de mulatos, negros, alguns chineses e indianos,
com exceção de Isabelle Signy, diretora da escola, e que ninguém se atrevia
a classificar etnologicamente.
O engenho dos Petrie ficava nas cercanias da vila. Raul esta cionou o jipe
perto dos armazéns onde se processava o corte da cana, e caminhou até o
pequeno escritório, onde seu segundo homem, André Pecares, estava
atarefado até os olhos, às voltas com uma pilha de faturas. Este levantou a
cabeça e sorriu quando percebeu a presença de Raul, que retribuiu sua
saudação e foi sentar-se numa poltrona de couro, por trás da escrivaninha.
André terminou de conferir as faturas e levantou-se, indo em direção a um
fogareiro a gás onde havia um bule de café. Era um homem de trinta e
poucos anos, apenas cinco anos mais velho que Raul. Tal qual seu
empregador, tinha a pele bem queimada. Apesar disso, podia passar por um
homem branco e Raul já tinha pesquisado várias vezes qual seria o ancestral
dos Petrie, res ponsável por esse ramo tão peculiar da família.
— Algo de errado? — André fez a pergunta enquanto trazia até a mesa do
chefe um copinho de plástico com café, que Raul agradeceu.
— Barbara veio ver-me esta manhã, André.
Os olhos negros de André abaixaram-se compreensivamente.
— Ah... — disse ele. — Ela não está nada satisfeita com sua ligação com
Louise.
— Não diga! — exclamou Raul, irritado. — E você acha que estou ligando
muito para o que Barbara pensa? Se eu decidir passar todo meu tempo em
companhia de Louise, ela não tem nada com isso!
André olhou-o contrafeito.
— É que eu pensei...
— Eu sei. — A boca de Raul apertou-se numa linha dura e reta. — Desculpe
ter caído em cima de você desse jeito, mas a história não tem nada a ver
com Louise. É o Willard que está voltando para casa.
— Entendo. Ele já sarou?
— Pode-se até dizer que sarou bem demais.
— Que quer dizer com isso?
— Ele vem trazendo sua enfermeira, nem mais nem menos. Pelo que me
contou Barbara, eles pretendem casar-se.
— Não me diga! — André estava chocado. — Mas o sr. Petrie, ele deve estar
com... com...
— Cinquenta e seis anos, pelo que me consta. E essa moça, parece que só
tem vinte e quatro.
André até engasgou.
— Mas...
Interrompeu-se, mas Raul sabia bem o que ele queria dizer.
— Eu sei. Por que é que uma jovem de vinte e quatro anos desejaria casar-se
com um coroa de cinquenta e seis? A teoria de Barbara é que, na verdadeira
acepção da palavra, a moça só está atrás do dinheiro dele. Se assim for, será
que essa moça se sentiria feliz aqui em Sans Souci, sem nenhum dos
divertimentos e distrações da alta sociedade, que por certo ela ambiciona?
— Você quer dizer que talvez eles fossem morar noutro lugar? — aventurou-
se a dizer André precavidamente. — Até que seria uma boa solução, Raul.
Nós não precisamos de Petrie para dirigir a ilha. Você saiu-se muito bem
enquanto ele estava doente e sabe, tanto quanto eu, que a participação do
patrão nesses últimos anos tem deixado muito a desejar.
Raul deu um meio-sorriso.
— Bem, pode até ser. Mas a questão agora não é se eu ou ele vai dirigir a
ilha. Barbara está aflita por outro motivo. Ela teme que Willard possa ser
persuadido a vender a ilha.
— Vender? — André empalideceu. — Mas no ano passado...
— No ano passado ele não estava pensando em casar-se. Quem pode garantir
que a noiva não venha a persuadi-lo?
André tornou a voltar para a sua mesa e deixou-se cair na cadeira derreado.
— Você acha que ele seria capaz disso?
— Não sei. — Raul tomou mais um gole de café. — Não sei mesmo.
— Mas, casar-se! Na idade dele! — André voltou ao assunto inicial. — Quem é
ela? Qual é seu nome?
— Sei tanto quanto você. A única coisa que posso dizer-lhe é que a moça
tratou de Willard no hospital de Londres. Isso é tudo.
André soltou um suspiro.
— Não vamos sonhar com quimeras, André. Você sabe tanto quanto eu que,
presentemente, o cultivo da cana-de-açúcar é um negócio precário. Além do
mais, os homens jovens de agora estão propensos a arrumar empregos em
Trinidad e Martinica. O fato de haver uma onda de desemprego por lá, como
aliás no restante do mundo, pouco pesa. Eles vão em busca de maior
sofisticação e dentro em breve não teremos mais braços para as colheitas.
O subconsciente de Raul começou a enveredar pelo labirinto das
consequências que o casamento de Willard poderia trazer para suas próprias
vidas. Que Barbara vá para o inferno, pen sou com selvageria. Por que ela
colocou tantas dúvidas em sua cabeça? Queria, talvez, obrigá-lo a abandonar
o emprego? Wil lard logo arranjaria um substituto. Talvez o próprio André. Ou
Samuel, o gigantesco capataz negro que era capaz de fazer sozinho o
trabalho de doze homens. Ou ela pretendia que ele, Raul, seduzisse a moça,
entregando-a de volta ao noivo, cons purcada e ultrajada, para a destruição
de ambos?
Abriu a gaveta da escrivaninha e tirou um maço de charutos. Acendeu um e
deu uma longa tragada. O fumo aromático relaxou seus nervos tensos.
Talvez eles estivessem sendo inutilmente pes simistas, colocando a carroça
adiante dos bois. Barbara tinha ciúme de qualquer pessoa que pudesse
balançar sua posição. Ha via sido a dona da casa grande por tanto tempo!
Ninguém que chegasse para usurpar sua autoridade seria bem-vindo.
CAPITULO II
O piloto anunciara que estava chovendo em Castries e o avião começou a
descer furando as pesadas nuvens negras até Beth poder divisar uma praia
de areia tão branca e imaculada que mal podia acreditar em seus olhos. Pelo
restante da tarde, ficaram sobrevoando um oceano cor turquesa, bordado por
um arquipélago de ilhas tão pequenas, que custava convencer-se de que ali
morava gente. Pouco depois, eles se viram voando sobre Santa Lúcia e,
apesar das nuvens, a cor e a beleza da ilha eram visíveis e eston teantes. A
praia estava coberta por uma ressaca de espuma e ao longe, mais para a
esquerda, via-se a pista de aterrissagem do Aeroporto Internacional de Vigie.
— Essa é a praia de Vigie — disse Willard, debruçando-se sobre Beth e
apontando uma fileira de hotéis luxuosos que beiravam o mar. — E lá adiante
são os picos gêmeos: Gros Piton e Petit Piton, que constituem os limites da
ilha.
— Piton — repetiu Beth, fazendo um esforço de memória. — Isso quer dizer
"pico", não é? Temo que meu francês não esteja tão bom quanto
antigamente.
Willard passou o braço ao redor de seus ombros.
— Grande pico e pequeno pico — confirmou, sorrindo-lhe, e ela desviou o
olhar, fixando-o novamente na paisagem que se via da janela do avião.
O vôo fora demorado, mas Beth não estava cansada. Todavia, achou que
Willard estava começando a mostrar sinais de aba timento, mas isso não era
de estranhar, diante das circuns tâncias. Era o dia mais tumultuado e
cansativo que tinha en frentado, desde sua saída do hospital, e a excitação
do retorno ao lar estava começando a minar-lhe as energias.
Felizmente a preocupação com Willard tinha afastado de Beth sua própria
ansiedade por ter aceitado acompanhá-lo nes sa viagem incrível e até estava
contente por passar a noite num hotel em Castries, antes de chegarem em
Sans Souci.
Sans Souci, o nome a intrigava e, apesar de suas inibições, não pôde refrear
um frémito pela expectativa de passar o resto de sua vida nessa região do
mundo que sempre a atraíra e fascinara.
Olhou para a mão de Willard que repousava em seu ombro e suspirou. Faria
tudo para torná-lo feliz, propôs a si mesma, com determinação, ignorando os
olhares de curiosidade que o comis sário de bordo da primeira classe vinha
lançando sobre ela, du rante todo o vôo. Se estranhara o relacionamento
entre um homem evidentemente maduro e uma mulher tão jovem, problema
dele!
As formalidades do desembarque logo terminaram e um mo torista levou-os
numa limusine até a capital da ilha. Passaram pela praia e Beth se deliciou
com a vista esplêndida das águas mutantes que a cada momento variava de
tonalidade, passando desde o verde-escuro até o opalino translúcido. Era
tudo tão diferente e exótico! Desviou o olhar para as verdes colinas cobertas
de coqueiros. Willard esparramou-se sobre o assento indolentemente,
contentando-se em testemunhar o efeito que tudo aquilo exercia sobre ela.
Para ele, era suficiente saber que Beth estava ali, a seu lado, e os olhares de
admiração que ela atraía, quando o carro diminuía a velocidade, faziam com
que sentisse orgulho por estar acompanhado da mais bela mu lher das
redondezas.
Para Beth, essa inesperada companhia trazia um senso de confiança e
tranquilidade, e era um verdadeiro alívio sentir-se livre do assédio dos
homens de sua própria idade. Não era do tipo de encorajar ninguém com
flertes e olhares provocantes. Apenas aceitara o fato de que mulheres loiras
platinadas, de seu porte e altura, atraíam inevitavelmentea atenção de
todos os jovens disponíveis, e às vezes não disponíveis, ao seu redor. Só que
já estava começando a ficar enojada com tantas ten tativas de avanços e
consequentes repúdios. Pensava até estar ficando frígida, quando Willard
apareceu em cena. Seu charme e maneiras experientes e desenvoltas a
tinham desarmado e, pela primeira vez na vida, sentiu-se deveras mimada e
querida, e, mais do que isso, respeitada.
Naturalmente, a direção do hospital não aprovara sua atitude. As
enfermeiras, principalmente as mais categorizadas, eram acon selhadas a
não se deixarem envolver pelos pacientes e seus pri meiros entendimentos
com Wiliard foram supervisionados pelo olho clínico do médico que tratava
dele. De nada adiantara que o dr. Mike Compton tivesse sido um dos
apaixonados de Beth, pois Willard tornou-se mais do que um desafio para a
direção do hospital. Tão logo pôde, transferiu-se do hospital para uma clínica
particular, levando Beth consigo, na qualidade de enfermeira par ticular.
Todos os colegas a tinham condenado, dizendo-lhe que era uma tola
inconsequente e que se arrependeriade ter deixado seu posto. E que quando
ele voltasse para sua casa, nas índias Ocidentais, ela ia encontrar
dificuldades para arrumar outro cargo semelhante. Mas alguma coisa de
mais forte a tinha impelido, e agora ela sabia que era amor o que sentia por
aquele homem que estava a seu lado, prestes a tornar-se seu marido.
Quando chegaram ao hotel que dava de frente para a baía, Beth insistiu para
que Willard fosse direto para a cama.
— Foi um dia muito longo e exaustivo — afirmou, quando ele começou a
protestar. — Pela diferença de fusos horários, pode ser que aqui ainda seja
cedo para dormir, mas na Ingla terra já seria muito tarde e você precisa
poupar suas forças.
Willard olhou-a contrariado.
— Não sou nenhuma criança, Beth.
Apesar do protesto, começou a despir-se, enquanto Beth des fazia as malas
no quarto ao lado e separava os remédios que deveria ministrar-lhe.
Quando ela voltou, Willard já estava de pijama, coberto com os lençóis até o
queixo. Era um homem de constituição forte e grande, mas os sofrimentos
das últimas semanas tinham acabado com suas carnes e Beth considerou
que ele parecia bem mais magro do que quando chegara ao hospital. Apesar
disso, era ainda um belo homem, com sua pele morena e cabelos
abundantes, começando a ficar grisalhos.
Willard olhou-a com ar resignado.
— Nossa vida vai ser sempre assim, Beth? Você me pondo na cama, em vez
de ser ao contrário?
Beth sorriu, tirando duas drágeas de um vidrinho e pas sando-lhe um copo
com água.
— Você sabe que só o tempo e o repouso podem curá-lo definitivamente —
disse-lhe com objetividade, enquanto ele en golia as drágeas. — Bem, vai
precisar de algo mais?
— Só de você — respondeu afetuosamente, erguendo-se um pouco e
puxando-a para junto dele na cama. — Hummmm... que cheirinho gostoso!
— É o perfume que você comprou para mim, na loja Harrods — murmurou ela,
sentindo a pressão de seus dedos possessivos.
Não havia dúvidas de que suas forças estavam voltando, ela observou, muito
admirada de que aquela constatação a fizesse sentir tão vulnerável.
A lagosta dourada na manteiga, servida em seu ninho de alface era
realmente apetitosa. Mas ela estava elétrica demais, por causa da novidade
do vôo, das paisagens inéditas e dos sons que chegavam até o terraço da
suíte, e resolveu, em lugar de jantar bem, explorar um pouco o lugar. Depois
de comer uma porção mínima da refeição, preferiu ficar debruçada no
terraço, protegida pelas trevas de veludo, ouvindo apenas os sons
desencontrados dos arredores.
Já era tarde quando Beth recolheu-se ao leito, mas assim mesmo não pôde
conciliar o sono. Apesar dos sons externos já terem emudecido, sua cabeça
continuava a vibrar com a re cordação das últimas semanas febris que
passara. Era quase inacreditável pensar que há apenas oito semanas tinha
conhe cido Willard. Parecia-lhe que o conhecia há séculos e talvez isso
fizesse parte de seu charme. Desde o começo, sentira-se completamenteà
vontade com ele, mas mesmo assim tivera dúvidas pela instantânea atração
que demonstrara sentir por ela. É comum que os pacientes se apaixonem por
suas enfer meiras, principalmente quando estão seriamente doentes e, a
princípio, ela não o levara a sério. Após ter passado dois dias na Unidade de
Terapia Intensiva do hospital, Willard havia sido entregue aos seus cuidados.
Contara-lhe quem era, onde vivia, enfim, tudo sobre a ilha, e ela ouvira, com
a fascinação que as pessoas que levam uma vida metódica e comum tem por
tudo o que é desconhecido e exótico. O fato de Beth já se ter sentido atraída
por aquela região, de longa data, só serviu para aumentar seu entusiasmo e
ela desconfiou de que Willard valeu-se de sua reação para despertar-lhe
ainda mais interesse. Aos poucos, começaram a conversar sobre outras
coisas e outros lugares. Beth explicou-lhe que sempre tivera vocação para
enfermeira e contou-lhe o quanto ela e a mãe tinham batalhado para pagar
seus estudos, após a morte do pai, vítima de um acidente de barco, quando
ela tinha apenas quatro anos de idade. Mas se lembrava dele, e após a morte
da mãe, ocorrida há dois anos, não tinha mais ninguém no mundo.
— E quanto a casamento? — perguntou-lhe Willard. — Não acredito que não
tenham aparecido muitos pretendentes.
— Nunca pensei seriamente em casamento — respondera com sinceridade.
— Gosto de meu trabalho e já presenciei o fracasso de muitos casais amigos
meus para ter coragem de enfrentar o risco de cair no mesmo erro.
— Você acredita que hoje em dia os casamentos não possam dar certo? Com
todas as pressões a que vocês, os jovens, estão sujeitos? — fez a pergunta e
deu um sorrisinho quase paternal.
— Acho que pode, mas, depende das circunstâncias.
— E que circunstâncias são essas? Beth hesitou.
— Bem... desde que o casamento não se limite a uma simples legalização do
sexo. — Ela começou a emitir sua opinião e enrubesceu. — Desculpe, mas eu
penso assim.
Naquele dia Beth percebeu que o relacionamento dos dois tinha entrado
numa nova fase. Willard estava tentando conhe cer-lhe o íntimo, procurava
testá-la. Mas sempre asseguran do-se de que, de certa forma, ambos
poderiam estar no mesmo barco. Só depois disso é que o fazendeiro
perguntou-lhe que tal a idéia de trabalhar para ele como enfermeira
particular e se ela aceitaria acompanhá-lo de volta a Sans Souci.
De início, ela recusou. Tinha conquistado uma posição invejável no St.
Edmunds Hospital e não queria abrir mão de seu emprego. Mas, em seguida,
aconteceram problemas com Mike Compton e quando ela deu por si já tinha
pedido a demissão.
A partir daí sua vida mudou de forma bem mais drástica do que tinha
imaginado. Uma semana após a demissão, Willard a pediu em casamento.
A mútua atração que existia entre eles não era uma coisa passageira, Willard
sugeriu que só oficializassem o noivado quando chegassem a Sans Souci,
claro, desde que ela fosse junto. Assim teria mais tempo para pensar, mais
tempo para conhecê-lo melhor e para verificar se conseguiria adaptar-se a
viver num lugar tão diferente do que estava acostumada. Foi nesse ponto dos
acontecimentos que Beth teve certeza de que o amava, que não havia sido
um erro sair do St. Edmunds e que, após um curto noivado, estaria disposta a
casar-se, pois ele demonstrara preocupar-se mais com ela do que com ele
próprio.
Rolou na cama e abraçou-se ao travesseiro. Qual seria sua reação, quando
descobrisse que ela ainda era virgem? A enfer midade de Willard tinha
impedido, até o momento, qualquer in timidade maior, mas por certo ele
deveria estar pensando que ela já tivera algum caso no passado. Mike
Compton, por exemplo, tinha se comportado como se fosse seu dono e
proprietário.Além disso, hoje em dia, supunha-se que mulheres com sua
aparência fossem experientes e vividas. Mas ela não era.
Suspirou, e tornou a rolar na cama, sentindo que seus ca belos estavam
molhados de suor. Se não dormisse logo, no dia seguinte estaria cansada e
com olheiras e precisaria estar apre sentável para enfrentar a filha de
Willard.
A filha dele!
Fez uma careta no escuro. Barbara! Como reagiria ela perante a idéia de seu
pai casar-se com alguém quatro anos mais moça do que ela própria?
Duvidava muito de que fosse gostar disso. Tentando ser justa, Beth admitiu
que, se estivesse no lugar dela, também não iria gostar muito da idéia. No
fundo, não era nada agradável alguém pensar que o próprio pai sente
vontade de se casar de novo, principalmentecom uma moça que poderia ser
sua filha. Mas por outro lado, argumentou com equidade, só por que um
homem ficou viúvo, isso não quer dizer que seja obrigado a ficar sozinho pelo
resto da vida. Possivelmente, podia até querer ter mais filhos e Beth não via
nada de mais nisso. Claro que não imediatamente. Talvez mais tarde.
Deu um novo suspiro. Haveria um monte de problemas a enfrentar, alguns
imprevistos, pois ela não conhecia bem toda a situação. Sabia alguma coisa
sobre a ilha, sobre as plantações de cana, que eram a principal fonte de
renda, e sobre as culturas de bananas que não necessitavam de muito trato.
Sabia tam bém que Wiliard tinha dificuldade em contratar mão-de-obraem
virtude da inflação galopante que, aliás, atingia o mundo inteiro. Mas Willard
tinha lhe dito que havia doado boa parte das terras aos trabalhadores para
estimulá-los a ficarem, e Beth pensou com carinho que esta atitude, tão
generosa, era bem típica dele. Com exceção desses detalhes impessoais,
pouco tinha contado sobre sua vida, como por exemplo, sobre o seu
relacionamento com a filha. Aparentemente, viviam numa casa grande, com
muito terreno à volta, mas, pela carência de empregados, Barbara era
obrigada a fazer serviços domésticos. Isso fez Beth pensar como ficaria a
situação caso eles se casassem. Será que a filha admitiria que uma estranha
dirigisse a casa?
Afastou os lençóis e puxou a camisola para baixo, ajeitando-a melhor. Estava
sendo pessimista sem necessidade. Nem sequer conhecia a moça e já
estava supondo que ela lhe seria hostil. Ridículo! Barbara poderia muito bem
aceitar outra mulher na casa. Mas esta última suposição não a convenceu
muito.
Sans Souci apareceu no meio do mar, com suas graciosas curvas brancas e
seu interior muito verde, colorido pela densa vegetação. Só as vertentes das
colinas, que se viam ao longe, apresentavam um sombreado cor de púrpura,
sob a intensa luz do meio-dia. O restante da ilha parecia submerso numa
bruma de calor úmido. Em alguns lugares, as palmeiras che gavam até a
beira do mar. A areia cor de coral era banhada por constantes ondas de
espuma.
Quando se aproximaram do cais, a atenção de Beth foi des pertada pelo
colorido porto de Ste. Germaine, onde iates e barcos de pesca se
atravancavam ao longo do porto. No cais havia um grande movimento de
gente que perambulava pelas barracas do mercado, além do qual divisavam-
se ruelas, com suas casinhas de estuque, pintadas em todas as nuances de
tons pastel. Primaveras, rosas e violetas pendiam por todas as partes,
enquanto que os hibiscos eram cultivados em potes e vasos de terracota
alinhados nos balcões.
A lancha a motor que os trouxera de Santa Lúcia acostou ao cais, e Willard
segurou o braço de Beth.
— Que tal? Aprovado? — perguntou, como se fosse um desafio.
— Se aprovo? Não só aprovo, querido, como já estou amando este lugar.
— Querido... — ele repetiu, satisfeito, escorregandoa mão para a delgada
cintura de Beth.
O piloto da lancha sorriu-lhes e avisou-os que já podiam desembarcar.
Beth resolvera viajar de calças compridas. Era bem mais prático para pular
dentro e fora de lanchas, naquele tipo de viagem. Vestia também uma blusa
de malha de algodão à ma rinheira e protegera sua longa cabeleira platinada
com um lenço de seda.
O desembarque do casal foi tumultuado pois suscitou o in teresse de uma
porção de gente que veio cumprimentar Willard, perguntando-lhe pela sua
saúde. Parecia que todos sabiam de sua doença e Beth sentiu-se até
comovida por aquelas demons trações de interesse. Por sua vez, Beth foi
alvo da curiosidade geral e sentiu-se examinada dos pés à cabeça.
Percebendo que Willard começava a mostrar sinais de can saço, procurou
uma forma de sair dali o mais rápido possível, antes que ele começasse com
as apresentações. Viu um carro estacionado junto ao cais, com um homem
encostado que ace nava com o boné. Era alto, bem proporcionado e muito
moreno, vestindo calças de algodão rústico e quase nada mais. A pri meira
vista, pensou que se tratasse de um mulato, mas quando ele se moveu e
enfiou o boné novamente na cabeça, pôde ave riguar que era apenas um
moreno fortemente bronzeado. Es tava olhando para ela com uma
curiosidade insolente e Beth pensou que em todas as partes do mundo se
encontram homens como aquele, que encaram as pessoas atrevidamente.
Possi velmente, estaria pensando que ela se interessara por ele, con cluiu,
irritada, e resolveu desviar o olhar daquela figura deci didamente arrogante.
Pareceu-lhe ser um homem cruel e ficou aborrecida por ele ter estragado a
boa impressão que tivera da recepção espontânea e calorosa do pessoal da
ilha.
Onde estaria Barbara? Com toda a certeza não deixaria de vir ao encontro do
pai, após dois meses de ausência e tendo estado tão gravemente doente. Se
não estivesse por ali, já era um mau sinal para o futuro relacionamento.
— Desculpe-me...
Era o homem do carro quem falava. Parara defronte a Beth, numa atitude
displicente, com os dois polegares enfiados ao cinto e com todo o peso
apoiado num dos pés calçados com botas. Assim de perto, ela pôde ver a
barba cerrada que lhe sombreava o queixo, os maxilares de linhas fortes, e o
cabelo negro e reluzente que apontava por baixo do boné. Os olhos
semicerrados eram de um verde pouco comum em pessoas tão morenas,
encimados por espessas pestanas. Tudo nele era agressivamente masculino.
Beth olhou para Willard hesitante, mas este parecia não ter se apercebido da
presença do homem e então resolveu que caberia a ela fazê-lo entender que
estava perdendo seu tempo. Já tinha encontrado tipos semelhantes que
pensam que, ao primeiro olhar, todas as mulheres caem de quatro a seus
pés.
— Acho que está cometendo um engano — disse ela calma mente. — Se não
se importa... — E ia virando-lhe as costas.
— Importo-me, sim — retrucou ele enfastiado, e Beth ava liou-lhe a largura do
peito e a altura, desta vez contente por ela medir um metro e setenta e cinco
de altura.
— Deixe-me em paz — falou ela de forma pouco delicada, com um sorrisinho
de mofa.
Um ar de zombaria substituiu a expressão insolente do homem.
— Se prefere assim — concordou ele, girando sobre os cal canhares e
voltando para o carro empoeirado.
— Raul! —Um grito de Willard o fez parar no meio do caminho. Beth olhou
para o noivo embasbacada e ele desculpou-se
por ter se distraído com a recepção dos amigos, e em seguida acenou para o
homem, repetindo:
— Raul!
Para consternação de Beth, os dois homens se abraçaram efusivamente.
Por sobre o ombro de Willard, dois olhos verdes encontraram os dela e Beth
sentiu vontade de revidar a provocação que aqueles olhos exprimiam. Teve
que esperar pacientemente até que o noivo fizesse as apresentações.
Depois que o homem assegurou-se que Willard estava na mais perfeita forma,
o que não era bem verdade, este dirigiu-se a Beth:
— Minha querida, deixe que lhe apresente Raul Valerian, meu braço direito.
Raul, esta é a srta. Elizabeth Rivers, minha noiva.
Beth forçou um sorriso e estendeu a mão.
— Como vai sr. Valerian? — disse polidamente, e uns dedos longos e firmes
apertaram os dela por um breve momento.
Suas mãos eram fortes e calosas, mas as unhas eram limpas e bem
aparadas.
— Muito prazer, srta. Rivers — ele retrucou, com uma ligeira entonação de
ironia, só perceptível para ela.
Em seguida, indicou o carro empoeirado.
Willard entrou no veículo com evidente alívio, mas Beth ficou tolhida quando
Raul Valerian passou por ela para começar a acomodar a bagagem. Dois
homens negros, que tinham vindo desejar as boas-vindas, estavam
batalhando para carregar to das as malas para perto do carro, e Raul correu
em seu auxílio, pegando uma mala de cada um, e falando-lhes
amistosamente.
Beth esperou mais um pouco para certificar-se de que não necessitavam de
sua ajuda e também foi proteger-se sob a sombra acolhedora do carro.
Willard estava acomodado no banco de trás do veículo que, apesar de
empoeirado, era muito bem conservado interiormen te. Quando ela entrou,
percebeu que o noivo estava extrema mente pálido e com a fisionomia
desfeita.
— Foi cansativo demais para as suas condições — ela de clarou quase
profissionalmente. — Quando chegar em casa, vai ter que repousar um
pouco. Tem que me prometer.
Willard espichou-se para trás.
— Só espero que não se transforme numa dessas mulheres rabugentas, Beth
— exclamou e quando viu que ela se res sentira da observação, acrescentou,
justificando-se: — Descul pe, querida, mas é que eles são minha gente, meu
povo. Vieram cumprimentar-me e eu não podia ignorá-los.
— Não era minha intenção que o fizesse.
— Eu sei, eu sei... Você só estava pensando no meu bem-estar. — Sorriu-lhe
com ternura. — Só detesto que me faça sentir um inútil.
Beth olhou para fora da janela e depois para a bagagem que tinha sido
empilhada no porta-malas traseiro da perua. Raul agradeceu aos dois
homens pela ajuda, fechou o porta-malas e foi postar-se junto ao volante.
Ele era forte, mas não era magro, e os olhos treinados de Beth notaram que a
musculatura de suas costas se evidenciava por entre as omoplatas, a cada
movimento que fazia.
Bem que poderia ter vestido uma camisa, pensou critica mente, apesar de a
blusa que ela própria vestia ser tão aderente que teria exigido um sutiã para
disfarçar as formas do busto.
A perua foi se afastando do cais sob os acenos de adeus dos que ficaram, e
Raul informou:
— Barbara pediu-me para vir buscá-lo. Ela não estava se sentindo bem e eu
precisava vir mesmo até o centro...
— Então você se ofereceu como voluntário — completou Willard
jocosamente.
— Acertou.
— E Barbara, o que é que ela tem? Fez-se um breve silêncio e Raul
esclareceu:
— Uma de suas famosas enxaquecas, penso eu. Não sei bem. Ela mandou o
recado pela Maria.
Willard não pareceu estranhar, mas os nervos de Beth fi caram tensos.
Barbara poderia estar com dor de cabeça e até com uma enxaqueca de
verdade, mas nada justificava aquele descaso. Afinal de contas o pai
estivera ausente por dois meses. Se estivesse no lugar dela, precisaria
sentir-se seriamente mal para deixar de vir ao seu encontro.
Willard debruçou-se sobre o assento da frente.
— E como vai o trabalho, Raul? Conseguiu a nova lâmina para o trator? E a
roda dentada, foi substituída? E como vai o braço do Philippe?
— Não acha melhor maneirar um pouco? Em vez de começar a se preocupar
com coisas que já foram resolvidas há semanas? — interrompeu Raul, com
tolerância, olhando em torno até encontrar os olhos de Beth. — O que é que
sua... bem... sua enfermeira diz disso? Será que aprova você entrar nesse
ritmo logo no primeiro minuto de sua chegada?
Beth imaginou que ele ouvira as recomendações que fizera a Willard
enquanto esperavam pela bagagem, e seus lábios tremeram de raiva.
Willard pareceu não perceber sua indignação e enviando-lhe um olhar que
era um pedido de desculpas, respondeu:
— Beth é, antes de mais nada, minha noiva, e em segundo lugar, minha
enfermeira. Ela está bem a par do que sinto, não é, querida?
Ela deu um sorriso forçado.
— E você também sabe o que eu sinto, querido — contestou Beth,
provocando um gostoso carinho em Willard.
Apesar disso, ele continuou a fazer pergunta sobre pergunta e ela desviou a
atenção pelos lugares por onde estavam pas sando, tentando disfarçar o que
estava realmente sentindo.
Subiram por ladeiras e vielas da cidade, buzinando estri dentemente.
Crianças corriam descuidadas à frente do carro, mas saíam miraculosamente
ilesas, graças à habilidade do mo torista, teve que reconhecer Beth.
Ao longe, já fora do centro, divisavam-se os lindos campos cobertos de cana.
Willard fez uma pausa na conversação com Raul, para apon tar-lhe as
lavouras, mas ela achou mais atraente a vista da orla marítima que aparecia
na janela oposta.
A estradinha começou a descer, ladeada por ciprestes e acácias que se
entremeavam com palmeiras, tão abundantes na ilha. O cheiro dos pântanos
não era lá muito agradável e nem os trancos que dava a perua pela estrada
pavimentada de cascalhos. Ainda bem que os amortecedores pareciam ser
resistentes.
Agora estavam chegando perto do mar. Beth respirou fundo, inalando o
aroma salino que invadia o ar. Iria ser feliz ali, pensou com determinação, e
como que para confirmar sua con vicção, Willard voltou à sua posição no
assento, tomou-lhe a mão e disse carinhosamente:
— Estamos quase chegando ern casa, querida.
CAPITULO III
Beth não sabia seja tinham chegado ao destino, pois as árvores
atrapalhavam a visão. Só quando o carro entrou por entre dois pilares de
pedra que ladeavam um amplo portão e fez uma curva, por uma alameda de
pedregulhos, é que ela viu a casa. Ficou perplexa. A "casa grande", como era
conhecida a propriedade, era uma construção remanescente de eras
passadas, toda branca, com a fachada exibindo imponentes colunas dóricas
que sustentavam uma lon ga sacada. A parte central tinha portas altas de
duas folhas que, no momento, estavam escancaradas, e janelas de linhas
graciosas, simetricamentedistribuídas de cada lado da porta. No primeiro
andar repetia-se a mesma linha arquitetônica. Havia ainda um segundo
andar, com janelas menores, envi draçadas. Além do corpo central, abriam-
se lateralmentemais duas alas, possivelmente construídas posteriormente.
Apesar de os canteiros estarem invadidos por ervas daninhas e as alamedas
um tanto esburacadas, Beth ficou maravilhada.
Willard exultava com sua reação.
— Bem-vinda ao seu novo lar, querida.
Sem se importar que Raul pudesse vê-los pelo espelho re trovisor, ele
inclinou-se para junto dela e deu-lhe um caloroso beijo na boca. Raul levou o
carro até a escadaria de largos e baixos degraus que levava ao pórtico, e
Beth apressou-se em abrir a porta do carro para sair. Quando saltou, viu uma
nesga do oceano por entre as árvores, e um arrepio de excitação percorreu
todo seu corpo. Sua vontade era descer imediata mente até a praia de areia
coralina, afundar nela seus pés descalços e entrar por aquele mar adentro,
refrescando o corpo suado. Mas, por enquanto, este prazer tinha que esperar,
pois Willard estava precisando de sua atenção e cuidados.
Raul ajudou o patrão a descer do carro e deu a volta para junto do porta-
malas traseiro para começar a descarregar a bagagem, quando um preto
velho começou a descer os degraus da escada com a fisionomia radiante.
— Sr. Willard! — exclamou efusivamente. — Sr. Willard, meu senhor, seja
bem-vindo!
Beth virou-se para ele com uma certa timidez quando Wil lard foi
cumprimentá-lo,muito emocionado.
— Jonas! Jonas! Meu velho amigão! Não via a hora de rever essa cara feia!
Beth manteve-se de lado, testemunhandotodas aquelas ex pansões de
camaradagem e percebeu que Raul também os es tava observando. Havia
uma estranha expressão de cinismo em seu rosto quando ele descarregou as
malas. Por instantes olhou para Beth que desviou o olhar imediatamente
para que ele não pensasse que estava interessada em suas reações.
— Beth, este é Jonas — anunciou Willard, sem necessidade. — Acredite se
puder, mas nós crescemos juntos por estas ban das. A mãe dele trabalhava
para a minha, e até perdi a conta das travessuras que aprontamos juntos.
Terminados os cumprimentos, uma jovem criada, muito aca nhada, apareceu
por detrás de Jonas e desceu a escada para ajudar Raul a carregar as malas.
— Maria — disse Willard, distraidamente.
Beth notou que a moça não merecera a mesma atenção que Willard dera a
Jonas e notou também que todo o interesse de Maria estava concentrado em
Raul Valerian. Enquanto seguia o noivo e o velho criado escadas acima,
surpreendeu-se fazendo uma acerba crítica íntima ao comportamento da
jovem. O que tinha ela a ver se Maria se fizesse de engraçadinha com todo o
homem que encontrasse pela frente? Só esperava não ficar como aquelas
mulheres ranzinzas e carolas, sempre prontas a colocar em evidência as
falhas alheias. Quando Maria deu uma gargalhada debochada, todas as suas
boas intenções de tole rância foram por água abaixo, e ela sentiu pela
criadinha uma antipatia e um ressentimentopouco caridosos.
— Onde está minha filha?
Willard estava falando com Jonas e Beth prestou atenção à resposta do
velho criado.
— Está deitada — informou Jonas, meio sem jeito. — Hoje pela manhã não
estava se sentindo bem e mandou avisar o sr. Raul pela Maria...
— Isso eu estou sabendo — disse Willard com voz tensa. Beth viu que Willard
estava começando a parecer novamente
esgotado.
— Willard... — ela começou a falar, mas como se estivesse se antecipando às
suas palavras, o noivo perguntou impacien temente a Jonas:
— Prepararamos quartos? O meu e o da srta. Rivers?
— Sim, senhor — confirmou o criado.
Raul e Maria chegaram ao hall carregando as malas.
— Onde quer que sejam colocadas? — perguntou ele, e Beth apressou-se em
dizer:
— Pode deixar que me arranjo sozinha. Pode pô-las no chão que mais tarde
me encarrego delas.
— Maria poderá fazer isso por você — determinou Willard, e os olhos de Raul
cintilaram zombeteiramente.
— Queira me seguir — pediu Maria com polidez.
Beth estava abaixando-se para pegar a frasqueira, quando Willard interferiu.
— Deixe isso aí. A criada voltará para apanhá-la. Agora vá com Maria. Ela vai
mostrar-lhe seu quarto. Qual é mesmo? — perguntou, dirigindo-se para a
moça. — A suíte azul?
Maria confirmou com um gesto de cabeça e Willard pareceu satisfeito,
— Ótimo, vou subir em seguida.
Beth mordeu o lábio inferior, como se estivesse indecisa, olhando antes para
a escadaria onde Raul já alcançara o pri meiro lance e depois, para o noivo.
— Willard...
— Já lhe disse, subo logo — ele insistiu.
Seguindo Maria pelo corredor, passou por uma porta aberta e viu Raul
Valerian espreguiçando-se após ter depositado as malas de Willard aos pés
de uma grande cama quadrada com dossel. Sem saber por que, sentiu-se
estranhamentedesconcertada.
Suas acomodações eram pegadas ao quarto de Willard. Eram arejadas,
luminosas e amplas, com paredes pintadas de creme e painéis de cetim azul.
Havia uma espreguiçadeiraforrada do mesmo tecido, cujas franjas
acompanhavam o desenho e as cores do mosaico do pavimento. A cama era
semelhante à de Willard, porém um pouco menor. O quarto era mobiliado
também com um grande armário e duas cómodas com gavetões. Não viu ne
nhuma penteadeira, mas apenas um espelho redondo pendurado acima de
uma das cómodas. Tudo no quarto era antigo, mas funcional, e com exceção
da poeira sobre os móveis, que eviden ciava o desleixo nos cuidados
domésticos, era muito agradável.
— Obrigada, Maria — agradeceu, quando a jovem colocou as malas no chão.
— O quarto é muito bonito.
— O banheiro é por aqui, senhorita — indicou Maria, re servando seus
sorrisos para alguém mais importante do que ela. — Vou buscar o restante
de suas coisas.
— Espere um minuto. — E Beth não pôde deixar de perguntar: — Por acaso,
este quarto pertenceu à primeira senhora Petrie?
Maria sacudiu os ombros.
— Trabalho aqui há somente dois anos. E foi-se.
Beth olhou para as venezianas enfeitadas por longas cortinas de chifon.
Puxou-as para os lados e saiu para a sacada. Con forme previsto, os quartos
davam de frente para o mar. Uma areia fina e branca atapetava a praia e a
maré parecia estar subindo. Beth pensou em mergulhar naquela água tépida
e azul e deixar-se boiar, à mercê da maré.
— Está tudo a seu gosto?
O som da voz de Willard fez com que Beth voltasse para o quarto. Ele estava
apoiado pesadamente ao batente da porta. Beth precipitou-se angustiada
junto dele.
— Querido, é tudo perfeito, mas tenho que dizer-lhe que você parece exausto.
Não quer repousar um pouco? Tenho cer teza de que ninguém vai levar a
mal.
Willard respirou fundo.
— Quero — admitiu com um sorriso apagado. — Você tem razão. Sinto-me
arrasado. Mas Clarrie está preparando o almoço.
— Clarrie? — Beth perguntou, sem compreender, mas depois sacudiu a
cabeça. — Deixe para lá. Você poderá comer alguma coisa na cama se tiver
fome. Eu mesma posso servi-lo.
— Você é tão bondosa e... tão linda! — Respirou com difi culdade e afrouxou
o nó da gravata. — Então gostou do quarto? Era de Agnes, você sabe.
Barbara deve ter pensado que eu gostaria de ter você perto de mim.
Beth sentiu um choque. Era a primeira vez que Willard pronunciava o nome
de batismo da falecida esposa. E não se convenceu muito dos motivos
nobres que tinham levado Bar bara a designar-lhe aquele quarto. Achou
difícil engolir que aquilo tinha sido feito com boas intenções.
— Venha. Deixe que o ajude a deitar-se. Você me dirá depois quem é Clarrie.
Willard a seguiu de boa vontade e foi com alívio que Beth constatou que Raul
já tinha ido embora. Com muita eficiência, ajudou Willard a despir-se.
— Onde você guarda os pijamas? — perguntou, olhando em torno, e ele
indicou uma camiseira, a um canto.
— Estão ali — falou com voz fatigada, e Beth ficou contente em não ter que
remexer suas malas em busca de um pijama.
Beth ajudou-o a deitar-se. Depois fechou as venezianas e o quarto ficou na
penumbra.
— E agora — disse ela, reaproximando-se da cama. — Quer que lhe traga o
almoço ou prefere descansar um pouco antes?
— Prefiro descansar — confessou Willard, com relutância. Segurou-lhe a mão.
— Beth, sinto muito por causa de Barbara. Ela vai aparecer por aí, tenho
certeza.
Foi sua primeira menção ao fato de que alguma coisa não estava certa em
relação à filha, mas Beth não teve coragem de prolongar o assunto. Em vez
disso, debruçou-se sobre ele, beijou-lhe a testa, e disse suavemente:
— Procure dormir. Tudo vai correr bem, não se preocupe. Mas quando voltou
a seu quarto, Beth teve que reconhecer que
tinha dito aquilo com uma segurança que estava longe de sentir. Foi com
irritação que ponderou que Barbara chegara às raias do desaforo, deixando
de receber e cumprimentar o pai doente.
Maria já tinha trazido o restante de sua bagagem e ela colocou a mala maior
em cima da cama e abriu-a. Já tinha guardado metade de suas coisas
quando bateram à porta.
— Quem é? — Virou-se automaticamente e viu o rosto de Maria enfiado pela
fresta da porta.
— Clarrie mandou dizer que o almoço já está pronto — anun ciou, olhando
com indisfarçável curiosidade para as roupas e per tences de Beth que ainda
estavam espalhados sobre a cama.
— Obrigada, Maria. Vou descer já.
Desceram pelas majestosas escadas, e para maior segurança, Beth
escorregou a mão pelo requintado corrimão, não podendo furtar-se a uma
certa sensação de realização. Estava prestes a ser dona daquilo tudo,
pensou, incrédula, e um arrepio de excitação percorreu-lhea espinha.
Maria cruzou o hall e dirigiu-se para uma das numerosas portas em arco, a
qual se abria para uma enorme sala de estar. Sofás estilo regência, com a
forração um pouco desbotada, espalhavam-se pelo ambiente onde também
se viam cadeiras de alto espaldar, trabalhadas em madeira de lei, com
assentos de veludo e uma escrivaninha francesa, marchetada. Havia também
uma profusão de mesas, mesinhas, estantes, e algumas prateleiras e
cantoneiras mais modernas. Por sobre uma im ponente lareira estava
pendurado um retrato a óleo de Willard, envergando uma toga universitária
que Beth suspeitou ter sido pintado há muitos anos.
Atravessaram a sala de estar e saíram por uma porta dupla que dava para um
pátio sombreado por toldos. O almoço era servido ali, numa grande mesa
quadrada com tampo de vidro, ladeada por lindas cadeiras de ferro batido
laqueadas de branco, com assentos almofadados. A mesa estava posta para
duas pessoas e Beth logo advertiu que o noivo não lhe faria com panhia no
almoço.
— Vou avisar Clarrie — disse Maria, e afastou-se rapidamente. Voltou
acompanhada de uma mulher obesa e carrancuda.
— Então quer dizer que é a noiva do sr. Willard? — per guntou, fitando-a com
olho crítico. — Hummmm, um pouco jovem, talvez, mas suficientemente
mulher, penso eu.
As faces de Beth afoguearam-se.
— Você é Clarrie?
— Sou eu mesma. Já fui babá da srta. Barbara, mas agora sou cozinheira.
— Maria já lhe disse que o sr. Willard não vai querer almoçar agora?
— Já disse, sim senhora — confirmou Clarrie. — Encontrei com o patrão hoje
cedo, quando chegaram. — Fez uma pausa. — A srta. Barbara disse que a
senhora é enfermeira dele. Como vai ele? Está mesmo melhor?
Notava-se que também ela, tal como Jonas, tinha por Wil lard uma grande
afeição, e Beth resolveu dar uma satisfação à cozinheira.
— Ainda está um pouco fraco — admitiu. — Seu coração está se recuperando
aos poucos. Ele precisa cuidar-se por mais uns seis meses. Só o tempo
resolverá.
— Sim, senhora.
Clarrie ainda estava assimilando as explicações, quando Beth, num impulso,
inquiriu:
— E Barbara? Quando irei conhecê-la?
As comissuras da boca de Clarrie descaíram.
— A srta. Bárbara descerá quando lhe der na veneta — declarou
inexpressivamente, girando os calcanhares em direção a casa. — Vou trazer
a comida.
A refeição estava apetitosa: fatias de melão com presunto cru, uma salada
de mariscos ao vinagrete e frutas frescas. Mas Beth não fez jus à arte
culinária de Clarrie. Tentou convencer-se de que sua falta de apetite se devia
ao fato de estar comendo sozinha, sem ter com quem conversar, mas não era
só isso. Sentiu-se curiosamente vulnerável e não gostou da sensação.
Quando terminou o almoço, esperou que Clarrie ou Maria viessem tirar a
mesa para que pudesse perguntar-lhes se não haveria problema em conhecer
melhor a casa e os arredores. Mas passada mais de meia hora depois que
terminou o café, e não tendo aparecido ninguém, decidiu levantar-se e
atraves sou de volta o salão de estar, rumo ao hall de entrada. Na parte
oposta do salão havia outra ala que dava para uma sala de jantar formal,
com uma longa mesa e cadeiras estofadas de couro. Ali, viam-se outros
retratos de Willard e de seus cavalos, mas ela sentiu-se relutante em ir
adiante, sem per missão. Ainda não era sua esposa, e além disso, preferia
que ele mesmo fosse seu cicerone. Mesmo sem ter visto tudo, passou pela
sua cabeça que dificilmente alguém poderia viver em tan tos ambientes
daquela casa portentosa, e a sensação de todo aquele espaço chegou a
intimidá-la.
Suspirando, subiu as escadas e foi em direção a seu quarto, passando pela
porta de Willard na ponta dos pés. Ouviu-o ressonar e sorriu à constatação
de que estava dormindo. Fi nalmente ele estava em seu lar, tranquilo e em
paz. O restante viria por si só.
Como se fosse atraída por um imã, voltou novamente à sa cada para admirar
o oceano com volúpia. Certamente Willard não se incomodaria se ela fosse
dar uma caminhada pela praia, pensou indolentemente, mas suas roupas,
empapadas de suor, a detiveram. Se descesse até a praia, não resistiria à
tentação de entrar na água para refrescar-se, e isso era algo que não queria
fazer, no momento.
Deu uma olhada no banheiro e chegou a uma decisão. Pegou roupas limpas e
levou tudo para o banheiro, abrindo, em se guida, a torneira do chuveiro.
Quando terminou, estava tiritando de frio, e o mar, já longe, não lhe pareceu
tão convidativo. Mas o calor lá fora o era, e após ter escovado os cabelos até
deixar o couro cabeludo for migando, vestiu-se e saiu novamente do quarto.
A casa parecia vazia. Não viu ninguém e começou a andar lá fora, com uma
deprimente sensação de solidão. Quando pegou o caminho de seixos,
agradeceu a Deus por ter calçado um par de tênis, em vez de sandálias
abertas. Percorreu o relvado fronteiriço da sala de jantar, e andou por entre
as árvores, de onde se via uma nesga das águas brilhantes do mar. O ar
marítimo era picante e ela aspirou fundo, enchendo os pulmões, enquanto ad
mirava a curva da baía que se dobrava à sua direita.
Não resistindo ao apelo, descalçou-se e afundou os dedos na areia que
estava incrivelmente quente. Sentiu-se tão liberta e feliz, que começou a
ensaiar alguns passos de dança.
Em seguida, deu uma corrida até a beira do mar e deixou que pequenas
ondas acariciassem seus pés que iam deixando marcas na areia molhada.
Virou de frente para a fachada da casa e tentou localizar as janelas de seu
quarto e as do de Willard. Será que ele já teria acordado e estaria
imaginando onde ela se metera? Acreditava que não. Por certo, dormiria até
mais tarde e não pretenderia que ela ficasse sentada em seu quarto, à
espera de que ele despertasse.
Decidiu dar uma caminhada à beira-mar. O sol estava ar dendo, mas ela não
era do tipo de pessoa que se queima facilmente. Apesar de sua origem
escandinava, tinha facilidade para bronzear-se uniformemente. Um pequeno
passeio não iria fazer-lhe mal, resolveu, e pelo menos, a água do mar
refrescaria seus pés.
Quando percebeu o quanto havia percorrido, viu que se afas tara mais do que
o previsto. Dali, só se via o promontório, pois a casa estava encoberta pelas
árvores. Em compensação podia ver outra moradia que parecia suspensa
sobre estacas, no alto de uma rampa de grama. Parecia um refúgio, e Beth
matutou se também pertenceriaà Willard. Talvez fosse uma pequena casa de
veraneio ou uma espécie de estaleiro, apesar de não se verem trilhos
deslizantes.
Propulsionada por uma curiosidade crescente, pôs-se a ca minho da casa,
levando os tênis pendurados na mão. Parou a poucos passos da varanda.
Agora ela podia ver que só a frente da casa era apoiada sobre pilares, mas o
restante da construção, levantada em terra firme, parecia um rancho
desconjuntado. Enquanto estava ali parada, viu um negro aparecer na
varanda e ficar olhando para ela. Ficou encabulada, sentindo-se uma grande
intrometida. Virou-se rapidamente e foi ao encontro de algo rijo, molhado e
quente que, indubitavelmente, era um corpo humano.
— Oh... des... desculpe! — exclamou, dando um pulo para trás, como se Raul
Valerian fosse uma cobra venenosa.
Beth não sabia para onde olhar e para disfarçar seu embaraço, ergueu uma
mecha de cabelo que lhe caía sobre a testa, enquanto suspendia pelos laços
os tênis que levava pendurados na mão.
— Eu... eu não sabia que você estava aí atrás. Uma curva cínica e divertida
envergou sua boca.
— É que estava muito ocupada, examinando minha casa — comentou com
sarcasmo.
— Essa... essa é... é sua casa? — interrogou, sentindo-se desconcertada sob
aquele olhar avaliador.
— Isso mesmo. — Puxou para trás os cabelos molhados. — Gostaria de
conhecê-la?
— Quem? Eu? — Sacudiu a cabeça veementemente, como que para repelir
uma tentação. — Oh, não, não! Quero dizer, eu só estava passando por aqui...
— Eu sei. Eu a vi.
— Viu? — Transferiu nervosamenteos tênis de uma mão para a outra,
sabendo que estava numa posição desvantajosa. — Oh, você estava
nadando?
Ele fez uma cara de quem não gostou que ela se fizesse de desentendida.
— Claro. Não costumo andar por aí de calças molhadas — disse secamente.
— Mas pelo visto, estou condenado a receber visitas femininas quando não
estou em condições.
— Não entendi direito.
Beth preferiu não entender, e ele levantou os ombros. Ele era uns bons
centímetros mais alto do que ela. Os músculos do pescoço de Beth
chegaram a doer na tentativa de desviar o olhar daquele corpo atlético e
musculoso.
— Esqueça. Permite que lhe ofereça uma bebida?
— Sinceramente, — disse Beth, dando um passo atrás — preciso voltar.
— Por quê? — Franziu o sobrolho. — Por acaso seu... seu noivo está
esperando?
Até então a conversação tinha sido um tanto cerimoniosa e impessoal, mas
agora ele tinha enveredado para um tom diferente. Havia algo de insultuoso
na forma como dissera a palavra "noivo" e Beth sentiu-se quase contente por
ele ter lhe dado um motivo para uma recusa.
— Sim, ele está me esperando — disse, sem tentar disfarçar seu desagrado.
Raul sorriu.
— Em poucos meses, vai poder usar e abusar dele — declarou
ofensivamente.
Beth ficou vermelha de raiva e vergonha.
— Acho que você está profundamente enganado — retorquiu com frieza,
virando-se ostensivamente para ir embora.
Mas uma mão de ferro segurou-a pelo antebraço, puxando-a de volta. Sem
querer, ela encostou-se em sua coxa.
— Por que vai casar-se com ele?
Ela olhou para o homem negro que ainda estava debruçado na varanda, como
que reclamando por aquele tratamento e Pedindo ajuda.
— Se não me soltar imediatamente, direi ao sr. Petrie de Que forma fui
tratada aqui! — ela ameaçou, e ele soltou uma risada curta.
— Sr. Petrie! — ele imitou, caçoando. — E o que pensa que ele iria fazer
comigo?
— Despedi-lo, é o que merece — retrucou, olhando para o braço preso.
Ele seguiu seu olhar, até a curva do cotovelo de Beth, que tentava livrar-se
do aperto.
— Que pele tão macia!
Os seios de Beth arfaram e ela foi tomada por um pânico repentino.
— Largue-me. — Quase gritou, e dois olhos verdes apertados a encararam.
— Se insiste! — E afrouxou a mão, deixando-a cair pendente junto ao corpo.
Ela afastou-se dele o mais que pôde, tentando recompor-se. Mas na
confusão, um dos pés do ténis caiu na areia e ela teve que abaixar-se para
pegá-lo. Raul ficou observando-a, com os po legares enfiados nas
passadeiras do cinto das calças e seus olhos percorreram seus quadris e
coxas, antes que ela se levantasse.
— Então, não quer mesmo conhecer minha casa? — convidou
zombeteiramente.
Ela nem sequer lhe respondeu, e dando meia-volta, começou a se afastar,
sem olhar para trás.
Como a distância entre os dois aumentava sem que ele fi zesse o mínimo
esforço para segui-la, Beth recomeçou a respirar e tomou dois prolongados
sorvos de ar para acalmar-se.
Mal podia acreditar no que tinha acontecido, e suas sobran celhas estavam
quase unidas por uma ruga de ressentimento. Também estava tremendo e
para alguém tão segura como ela, capaz de controlar qualquer situação,
aquilo não tinha cabi mento. Não era a primeira vez que a insultavam.
Normalmente, as enfermeiras estão sujeitas a ser agredidas pelos pacientes,
mas até agora nenhum homem tinha se atrevido a tocá-la com tanto abuso.
Olhou novamente para o braço e viu, consternada, que as marcas vermelhas
dos dedos daquele bruto ainda lá estavam. O porco!, pensou furiosa. Como
pôde atrever-se a tratá-la daquele modo? Se Willard visse aquelas marcas...
A sequência de seus pensamentos foi interrompida.
Se! Claro que Willard as veria. E por que não? Ela não tinha nada do que se
envergonhar. Tudo o que tinha a fazer era contar-lhe que aquilo fora
provocado pelas mãos grosseiras de Raul Valerian, o qual, no caso, só tinha
uma saída: arrumar as malas e dar o fora.
Pressionou a mão nervosa sobre o pescoço, cuja jugular pal pitava
doidamente. Fazia poucas horas que estava naquele lugar e já criara uma
situação tão desagradável. O que diria Willard disso tudo? Afinal de contas,
ele mostrara uma evidente amizade por aquele homem e, sem dúvida, Raul
lhe falara com familia ridade. O que diriam os outros empregados se ela
causasse trans tornos ao patrão? Pensariam que ela já estava pondo as man-
guinhas de fora. Que eles também teriam que cuidar-se para não se verem
sujeitos a serem despedidos. Suspirou com tristeza. Era um beco sem saída.
E era óbvio que Raul Valerian não morria de amores pelos outros
empregados. Mas como ela poderia con vencer disso a Jonas, Maria, ou
mesmo Clarrie?
Chegou aos pés da rampa rochosa e olhou para cima. A casa grande lá
estava, com toda a sua majestade. E se Willard pensasse que ela estava se
comportando como uma mulher caprichosa e neurastênica? Como poderia
relatar-lhe o que Raul comentara sobre o relacionamento de ambos?
Duvidava de que pudesse repetir aquilo a quem quer que fosse. Além disso,
Raul sempre poderia negar tudo. O que lhe restava dizer? O que tinha ele
feito a mais? Agarrado seu braço e dito que ela tinha uma pele macia... Não
era uma coisa tão terrível assim. Encolheu uma perna e começou a calçar os
tênis distraida-mente, sabendo que agora não podia demorar-se nem mais um
minuto. Não havia meios de traduzir em palavras os senti mentos que a
dominaram durante o diálogo e nem a sensação de ameaça contida na
pressão daqueles dedos de aço. Seu maior desejo seria chegar junto a
Willard e poder contar-lhe toda a história. Não queria compartilhar de um
segredo com um ho mem do quilate de Raul Valerian que ela julgava um
inescru-puloso e imprevisível. Alguma coisa nele a repelia, e Beth fez o firme
propósito de nunca mais permitir que Raul tomasse aquele tipo de liberdade
com ela.
CAPITULO IV
Beth subiu pelo aclive rochoso e atravessou o gra dado em direção ao
pórtico. Sentia-se acalorada e com uma comichão por trás do pescoço,
causada, sem dúvida, pelo roçar dos longos cabelos. Willard preferia que ela
os prendesse, mas eram tão lisos e finos que não havia penteado que
durasse. Estava entrando no hall, suspendendo a longa cabeleira com a mão,
para refrescar-se, quando deparou com uma jovem des cendo o último
degrau da escadaria. Era morena clara, do tipo "mignon", como Beth sempre
sonhara ser, e seus traços, mar-cadamente arrogantes e orgulhosos. Não
teve dificuldade em reconhecer nela a filha de Willard.
— Barbara? — arriscou-se a perguntar, deixando cair os cabelos sobre os
ombros e movimentando-se em sua direção.
A moça já tinha dado quase meia-volta, para subir de novo, mas não teve
outra alternativa senão parar, e foi com relutância que desceu o degrau
restante, deslizando seu longo roupão pelo piso de mármore estriado.
— É a srta. Rivers, pois não? — inquiriu, com gelada polidez.
— Beth — respondeu, tentando não demonstrar seu desa pontamento. — Na
verdade, Elizabeth, mas ninguém me chama pelo nome, só pelo diminutivo.
— Como vai, srta. Rivers? — Barbara esticou a mão, evi tando qualquer
familiaridade.
— Está se sentindo melhor? — perguntou Beth, na convicção de que a outra
nunca se daria ao trabalho de puxar assunto.
Barbara a fuzilou com um olhar de superioridade.
— É a força do hábito, na qualidade de enfermeira, que a faz interessar-se
tanto por minha saúde?
Beth recusou sentir-se ofendida ou intimidada.
— Ainda não foi descoberta a cura para a enxaqueca, mas, se quiser, tenho
uns comprimidos que podem lhe dar algum alívio.
— Duvido. — O tom de Barbara era maligno. — Meu mal não tem causas
físicas e sim emocionais.
Beth mordeu os lábios.
— Sinto muito.
— Sente mesmo, srta. Rivers? Realmente sente muito? Beth começou a
perder a paciência. Positivamente, Barbara
não tinha qualquer intenção de ser cordial e não fosse o fato de ela estar
plantada bem no meio da escadaria, Beth já teria subido diretamente para o
quarto. Impossibilitada de seguir seu impulso, encaminhou-se para a sala de
estar que tinha visto pela manhã.
— Espero que limpe seus ténis antes de entrar na sala de visitas.
A detestável voz de Barbara a deteve.
— O que foi que disse?
— Seus tênis — repetiu Barbara, apontando para aquele calçado tão
ofensivamente informal. — Estão cheios de areia.
Beth molhou os lábios com a língua. Era uma verdade. Tinha calçado os ténis
rápido demais e agora o solado estava soltando uma areia fina sobre o
mármore do hall.
— Esteve andando na praia? — quis saber Barbara, estrei tando os olhos.
— Só uma breve caminhada — declarou, um tanto encabu lada, por notar a
cor traiçoeira que o sol lhe tinha deixado no pescoço e nas faces.
Barbara fechou o cenho.
— Encontrou com alguém nessa sua breve caminhada?
— Não.
Tinha respondido rapidamente demais, mas agora era tarde para correções,
portanto, resolveu aguentar a parada.
— Por quê? Deveria ter encontrado?
— Machucou o braço?
Barbara tinha notado as marcas vermelhas.
— Levei um escorregão numa rocha — Beth esperou ter sido convincente.
— Que azar!
Era evidente que Barbara não tinha acreditado nela, mas não ia se atrever a
chamá-la de mentirosa.
O som das vozes deve ter chamado a atenção de Clarrie. Ela veio carregando
uma grande bandeja, com a réplica de seu almoço, portanto sua presença
não era só motivada pela curiosidade. Pareceu duvidar de ver as duas juntas.
Barbara parecia ter ficado furiosa,
— Quer que leve isso para seu quarto, srta. Barbara? — perguntou Clarrie
com sua voz arrastada.
Beth começou a raciocinar. Agora estava entendendo. No mínimo, quando
vira a casa em silêncio, Barbara tinha se es gueirado até o térreo para
ordenar que o almoço fosse servido no quarto. Beth duvidava, e muito, que
ela estivesse com dor de cabeça e a maneira como expressou-se, em
seguida, tornou bem claro seu fingimento.
— Agora não tem mais cabimento, não é, Clarrie? — disse com pouco caso. —
Oh, ponha isso na mesa do pátio. Vou comer lá mesmo.
Clarrie saiu sacolejando o enorme quadril, levando a bandeja através do
salão de estar, e Barbara foi deixada para trás, enfrentando um indisfarçável
olhar de censura de Beth.
— Pois bem! Eu não sou obrigada a sentar na mesa com a amante de meu
pai! — agrediu, para defender-se.
— Acontece que não sou amante de seu pai — Beth olhou para a outra com
desprezo, de cima de sua altura, feliz de ter, pelo menos, quinze centímetros
a mais do que a adversária.
— E mesmo que fosse, sentiria mais respeito por mim mesmo do que por
alguém que parece estar pouco se importando se ele está morto ou vivo!
— Eu me importo e muito! — retorquiu Barbara,indignada.
— Então, você tem uma maneira muito engraçada de demons trar isso —
retrucou Beth, e ironizou: — Escondendo-se no quarto e fingindo que está
doente! Se tem alguma coisa contra o nosso casamento, então manifeste-se
e diga logo o que sente.
— Se tenho alguma coisa contra... — Barbara levou um lencinho branco aos
lábios. — Oh, recuso-me a ficar aqui dis cutindo isso com você. Nunca
entenderia.
— Gostaria que tentasse.
Barbara sacudiu a cabeça, teimosamente.
— Conheço mulheres como você — enunciou friamente. — Mulheres que
abusam da fraqueza dos homens para que lhes façam certas vontades que,
em outras circunstâncias, nem co gitariam fazer. — Deu uma parada brusca e
mudou de tom.
— Desculpe-me, srta. Rivers, mas temo que meu café esteja esfriando.
Beth entendeu que se perdesse as estribeiras, entraria no jogo de Barbara, e
encolhendo os ombros, ela subiu ao primeiro pavimento.
Parou em frente à porta de Willard, decidindo que mesmo se ele estivesse
dormindo, o acordaria, e girou a maçaneta.
A cama estava vazia e ela ficou olhando para os lençóis desfeitos quando ele
chegou, vindo do banheiro. Vestia calça esporte e uma camisa de seda
branca. Depois de ter tirado uma soneca reparadora, sua aparência era bem
melhor.
— Beth! — exclamou com terna alegria. — Onde esteve? Já ia sair por aí à
sua procura.
Beth desconversou e quando ele aproximou-se, enlaçando-a pela cintura,
colocou suas mãos sobre os ombros de Willard e perguntou:
— Dormiu bem? Como se sente?
Willard sorriu-lhe, conformado em ser alvo de tanto cuidado.
— Dormi bem e me sinto ótimo — assegurou, chegando mais perto. — E agora
responda-me: por onde andou?
— Oh, fui só dar uma voltinha. — Beth sentia-se tolhida.
— Fui lá embaixo na pra... oh!
Olhou repentinamente para os pés, e Willard, dando um passo atrás, fez o
mesmo,
— O que há?
— Meus tênis — gemeu, consternada. — Estão cheios de areia, Barbara
disse...
Parou de súbito, quando percebeu o que estava por dizer, e as comissuras
dos lábios de Willard fizeram uma curva de tristeza.
— Você falou com Barbara?
— Sim, falei.
— Eu também — declarou soturnamente. — Ela veio aqui no quarto há pouco
e me acordou. Conversamos por alguns minutos.
— Ela o acordou? — Egoisticamente, Beth sentiu-se revoltada, esquecendo-
se de que há pouco pretendera fazer o mesmo.
— O que... digo, como estava ela?
Willard aconchegou-se e aninhou a cabeça na curva de seu pescoço.
— Não vamos falar de Barbara agora. — E aspirando fundo, mudou de
conversa. — Hummm, seus cabelos estão suados. Esteve correndo? Com
esse calorão, não devia abusar, logo no primeiro dia, minha querida.
— Eu estava sufocando. — Justificou-se Beth, de forma vaga, tentando
esquecer a cena deprimente com Raul, cuja lembrança ainda tinha o poder
de fazer com que suasse frio.
— Se é isso, sugiro que tome um banho frio e depois vamos tomar chá juntos
— convidou Willard, segurando-a por ambas as faces e esticando os lábios,
em busca de um beijo. — Querida
— sussurrou emocionado. — Você é tão meiga e doce. Não sei o que seria de
mim sem você.
— Bem, não vai ser preciso ficar sem mim, ou vai? — pon derou Beth,
ajustando seu corpo ao dele, e Willard apertou-a mais ainda, antes de
permitir que ela se fosse.
— Ande logo — pediu. — Esperarei por você aqui para descermos juntos,
querida.
Graças a Deus, Barbara já tinha desocupado a mesa do pátio. Certamente,
voltara para o refúgio de seu quarto de onde sairia novamente quando não
houvesse ninguém à vista. Na verdade, Beth não estava ligando muito se ela
saísse ou ficasse, embora soubesse que aquela era uma atitude derrotista.
Cedo ou tarde, ela e Barbara seriam obrigadas a se enfrentar.
Contudo, era extremamente agradável ficar sentada ali no pátio, gozando o
frescor do entardecer e ouvindo Clarrie reco mendar ao patrão para que se
cuidasse. A gorda cozinheira o tratava com evidente carinho. Ela, como
Jonas, convivera com ele desde a infância.
O lanche consistia de bolinhos, sanduíches e um bule de chá da índia. Willard
gostava dele bem espesso, mas ultima mente contentava-se com um chá
mais fraco.
Apôs o lanche, ele propôs que fossem dar um passeio, e Beth concordou,
desde que ele prometesse não abusar.
— Vamos só até a piscina e voltamos — sugeriu, e Beth não pôde
argumentar, pois não sabia de que piscina se tratava.
Mas, a tal piscina era um tanque com açucenas, aberto entre uma vegetação
que crescia por trás das treliças do pátio.
— Quando era garoto, costumava criar peixinhos dourados aqui — comentou
Willard saudoso, e Beth tomou-lhe o braço, afastando-o.
— Prefiro o mar — disse ela, franzindo o nariz.
— Com certeza, amanhã você vai querer nadar. Se ao menos eu estivesse
bem para acompanhá-la! Essa droga de coração!
— Se seu coração não tivesse feito das suas, nunca nos teríamos conhecido
— considerou Beth gentilmente, e ele deu-lhe um ligeiro beijo no rosto.
— E verdade... não teria. Preciso não me esquecer disso. Foi a coisa mais
importante de minha vida.
— Oh, Willard! Não deve falar assim.
— Mas... é a pura verdade!
— E sua mulher, Agnes...
— Casei-me com Agnes porque, na ocasião, era conve niente. Mesmo
naquele tempo o dinheiro tinha o seu valor. Você tem uma idéia de quanto
custa levar adiante uma plan tação desse porte?
Beth não digeriu bem aquele comentário.
— Você está querendo dizer que se casou pela primeira vez por... por
dinheiro?
— Bem, não foi só por isso. Não posso negar que ela era uma mulher muito
atraente. Mas era bem mais velha do que eu e... bem... ora, não tem muita
importância porque nos casamos. Só sei que acabamos casando. E fomos
felizes à nossa moda.
Beth retirou a mão de seu braço, A frieza daquelas palavras parecia não
afetá-lo, mas ela achou difícil aceitar aquela nova imagem de Willard.
Sempre pensara que ele tinha amado a primeira esposa e que essa fora a
razão de ter ficado tantos anos viúvo. Mas parecia que as coisas não eram
bem assim.
— Beth! — Ele a alcançou e passou-lhe o braço pela cintura. — O que está
havendo? Eu a choquei?
E que eu pensei que você tivesse amado sua mulher, — murmurou, fazendo
força para se sentir à vontade junto dele.
— Oh, Beth. — Ele suspirou. — Aqui nas ilhas, a conve niência pesa mais do
que qualquer ideal romântico.
— Isso quer dizer que eu apenas lhe convenho? — ela per guntou, encarando-
o.
— Não é isso. — Segurou-lhe o queixo. — Você devia saber que o que sinto
por você não tem nada a ver com conveniências.
— Mas isso não contradiz o que você disse há pouco?
— E... pode ser.
Beth hesitou por um instante, mas vendo sua expressão abatida, apiedou-se.
— E quanto a Barbara? — solicitou gentilmente. — É por essa razão que ela
desaprova nosso casamento?
Willard passou o braço por cima do seu ombro, e eles foram andando
lentamente em direção à casa.
— Você chegou a essa conclusão? Estava com receio disso. Beth absteve-se
de contar exatamente o que se passara entre
ela e a filha de Willard, mas era evidente que Barbara lhe tinha dito quase a
mesma coisa.
— Ela está ressentida comigo — disse.
— É... — Willard concordou, penalizado. — Bem, era de se esperar...
Estavam já próximos da casa, e Beth, olhando para aquela fileira de janelas
fechadas, teve uma sensação de impotência e frustração. Desejaratanto
estar ali, e agora parecia que tudo estava dando errado.
Apesar dos receios de Beth de que Willard iria logo entre gar-se de corpo e
alma aos negócios do engenho, ele foi ma neirando por alguns dias,
parecendo conscientizar-se de que esforços inúteis iriam retardar sua
recuperação. Sarar era o que ele mais desejava na vida, porque estava
ciente de que ela não consentiria em se casar enquanto ele não estivesse
em forma. E desde que tinha chegado à ilha, o desejo de torná-la sua mulher
crescia dia a dia.
A situação na casa tinha melhorado em parte. Beth mal via Barbara e, às
vezes, ficava imaginando como a moça pas saria seu tempo. Quanto a ela,
costumava tomar o café da manhã no quarto de Willard e enquanto ele se
banhava, ia para seu próprio dormitório se arrumar. Depois desciam juntos.
Mais tarde, ainda pela manhã, andavam um pouco a pé pelas redondezas ou
então, Beth servia de motorista, dirigindo o carro pelas estradas da ilha, em
busca de novos panoramas.
Porém, as tardes eram intermináveis. Willard sempre se deitava por umas
duas horas depois do almoço, e ela ficava entregue a si mesma. Apesar de
ter planejado ir nadar na primeira oportunidade que se apresentasse, essa
oportunidade nunca chegava. Não que Willard a tivesse proibido de nadar.
Ele só a prevenira que seria perigoso entrar no mar sozinha pois, mesmo que
as águas da enseada fossem calmas, os recifes tinham brechas por onde
poderiam passar tubarões e barra-cudas. Não querendo preocupá-lo
inutilmente, Beth assegurou-lhe que não iria nadar sozinha e com isso,
acabou não indo.
As noites eram um pouco mais movimentadas. Algumas vezes, após o jantar,
iam de carro até San Germaine e, certa vez, foram convidados para um
drinque na casa do médico francês.
Beth gostara de Jacques Marin e da esposa. Susi era apenas oito anos mais
velha do que ela e apesar de Jacques já ser um quarentão, ainda era
bastante jovem e bem apessoado. Beth conheceu também Diane Fawcett,
uma professora ame ricana, mas veio a saber que era amiga de Barbara e,
como consequência, ela mostrou-se hostil com a visitante.
Numa manhã de sol, Willard falou para Beth:
— Precisamos oferecer um jantar. Que tal a idéia?
Beth, que estivera observando com satisfação o progressivo bronzeado de
suas pernas, olhou-o, em dúvida.
— Você acha que seria bom? Não seria melhor esperar um pouco mais?
— Até que eu esteja mais forte? Estou me sentindo mais vigoroso a cada dia
que passa e não vejo como um jantar possa me cansar tanto. Ontem eu
estava dizendo a Raul que...
Ele interrompeu-se bruscamente e Beth olhou-o admirada.
— Você viu Ra... o sr. Valerian ontem?
— A tarde — assentiu Willard descuidada mente. — Ele veio ver-me. Eu
estava descansando, mas estava acordado.
Beth baixou a cabeça, olhando para a barra de seu short.
— Acho que ele não deveria vir aqui na hora de sua sesta — admoestou,
muito tensa e apreensiva de que seu nome pu desse ter vindo à baila durante
a conversa.
Ela procurou-lhe uma censura no olhar, mas era ele quem estava com cara
de culpado.
— Se quer saber, fui eu quem o mandou chamar. — E acrescentou, na
defensiva: — Precisava falar-lhe. Sinto-me tão apartado de tudo. Aliás,
deveria ter dado um pulo no escritório há mais tempo.
Beth respirou melhor, mas não pôde evitar de se sentir aborrecida por Willard
ter conversado com Raul à sua revelia,
— Você sabe que o dr. Isherwood recomendou-lhe repouso absoluto por três
semanas, pelo menos — começou a dizer, mas foi interrompida.
— O dr. Isherwood não tem um canavial!
— Parece-me que... que o sr. Valerian soube tocar muito bem seus negócios
enquanto você esteve ausente.
— Aí é que está o dilema — exclamou Willard com impa ciência. — Tocou
mesmo, e se eu não tomar cuidado, daqui a pouco não consigo nem um
emprego de carregador no engenho.
— O que está me dizendo? Qne esse tal de Valerian pode criar uma situação
embaraçosa para você?
— Ora, não estou afirmando que ele vá fazer uma traição dessas. É ótimo
administrador. Mas os homens o consideram e o respeitam demais!
— Espero que também respeitem você!
— O quê? Um velho acabado como eu?
— Você não é um velho acabado!
— Vamos ver. Deixe que Raul tente fazer alguma coisa — balbuciou Willard
ressentido. — Sou dono deste lugar. Prefiro vender tudo do que deixar-me
vencer!
— Como é? Já está se aborrecendo, srta. Rivers?
A voz gélida de Barbara introduziu-se na conversação. Parecia que estivera
cavalgando pois vestia elegantes culotes, uma blusa de seda creme e tinha
um chicote enfiado no cano de uma das botas. Sua postura era arrogante e
dominadora, como se se sen tisse a dona do universo. Beth olhou-a, sem
entender.
— Eu, me aborrecendo? — Fez eco. — Não, de forma alguma.
— Não devia meter-se na conversa alheia. — Wiliard cha mou-lhe a atenção
com severidade. — Por onde andou? Não acha que já é tempo de deixar de
lado esse antagonismo absurdo e fazer um esforço para conhecer melhor sua
futura madrasta?
— Ela ainda não é minha madrasta — respondeu rude mente. — E mesmo que
você se case com ela, o que duvido muito, nunca vou considerar alguém
mais jovem do que eu como minha madrasta.
Willard esticou-se na cadeira, como se estivesse farto da filha.
— Francamente,Barbara. Quanta criancice!
— Pois que seja! Sempre fui sua criança, não fui? Ou já se esqueceu disso?
— O que não admito é que você insulte minha noiva! Se for preciso, sou até
capaz de construir outra casa na ilha ou em qualquer outra parte que você
prefira, e lá você poderá desabafar seus ressentimentose abusar de seu mau
humor!
Barbara retorquiu, cheia de autoconfiança:
— Você nunca faria uma coisa dessas!
— Não faria? Não queira desafiar-me!
Barbara lançou um olhar maligno em direção a Beth.
— Você não pode exigir que eu seja amiga... dela!
— E por que não? Vocês duas são praticamenteda mesma idade. Tenho
certeza de que Beth tem se aborrecido por aqui sozinha, como você
evidenciou tão educadamente. E eu gostaria que você a entretivesse.
— Ora, por favor — interferiu Beth. — Eu não preciso de entretenimentos...
— Você sabe andar a cavalo, não sabe?
Willard olhou para ela esperando uma resposta urgente e ela assentiu a
contragosto.
— Costumava cavalgar quando era menina. Por quê? Há cavalos por aqui?
— Papai os exilou nas cocheiras da fazenda depois que sofreu uma queda
grave — disse Barbara, malévola e indiscreta. — Não é mesmo, papai?
— É que não tinha quem cuidasse deles por aqui — explicou Willard
concisamente, e dirigindo-se a Beth, em especial: — Você já viu como é. Não
é fácil conseguir serviçais.
— Preferiria que não forçasse Barbara a fazer-me companhia — insistiu Beth,
mas Willard estava irredutível.
— Amanhã vocês vão cavalgar juntas — ordenou, encarando a filha. — Está
certo assim?
— A srta. Rivers tem algum traje de montaria? — perguntou Barbara
secamente. — Duvido de que minhas roupas sirvam nela — completou com
escárnio.
Era um insulto sutil, mas Willard fingiu não perceber. — Beth tem calças
compridas. Ela não vai participar da caça à raposa, só vai dar um galope com
você.
Beth abaixou a cabeça. Aquilo era horrível. Como poderia sair por aí a
passear, com alguém que a detestava tanto? Mas a nenhuma das duas foi
dada qualquer chance de escolha e Beth ficou imaginando que jeito daria, na
manhã seguinte, para simular também ela uma enxaqueca.
A sugestão de Willard de oferecer um jantar também era um problema a ser
considerado e aquela perspectiva a fez ca pacitar-se das dificuldades que
teria que enfrentar no futuro, quando se tornasse a dona da casa. Por
enquanto, era Barbara quem organizava os serviços de casa, escolhia os
cardápios e administrava as despesas.
Deslizando da cama, aproximou-se da sacada, incapaz de resistir ao
chamado do oceano. Trouxera vários maiôs, mas até agora, só tinham
servido para tomar banho de sol no ter raço. Nos lugares de veraneio da
Inglaterra tinha visto usarem biquinis junto com short ou saias, no lugar de
saídas de banho. Poderia fazer o mesmo e ir para a praia. Não havia ninguém
pelas redondezas e ela sabia que Barbara nunca se ofereceria para
acompanhá-la, a não ser obrigada. Nem imaginava que ela soubesse nadar.
Nunca a tinha visto no mar. Talvez pas sasse suas horas de lazer em outros
lugares.
Vestiu um provocante biquini marrom franjado de dourado. A cor combinava
com o bronzeado incipiente de sua pele, mas infelizmente, seu ventre branco
estava destoando do corpo quei mado. Deveria ter usado o sutiã do biquini,
em vez da frente única, em suas andanças, mas não sabia se Willard
aprovaria semelhantes trajes.
O sol estava quente e ofuscante, e ela colocou os óculos escuros.
Atravessou o gramado quase correndo, um tanto re ceosa de que alguém a
visse, e começou a descer pela rampa rochosa até a praia.
Liberdade! Deu um suspiro de felicidade, sentindo-se, todavia, meio culpada
quando olhou para os andares superiores da casa, visíveis entre a folhagem.
Ora, justificou-se, fazia dez dias que
estava ali. Tinha direito de experimentar aquele mar. Assim mes mo, ainda a
perseguia um senso de traição por violar a confiança de Willard, e
praticamente esgueirou-se, como uma criminosa para os lados de onde não
podia ser vista das janelas. Largou as san dálias na areia e foi para a beira
do mar. Iria dar só uma mo-lhadinha. Só entraria com água até a cintura e
boiaria um pouco.
Depois do primeiro impacto, a água pareceu-lhe incrivel mente morna. O sol
batia em cheio em suas costas e ela afundou até o pescoço. Que mal havia
nisso? Nenhum. A saia e os óculos escuros estavam lá na areia, ao lado das
sandálias. Foi com um sentimento de culpa, completamentedesproporcional
ao "crime" que estava cometendo, que ela deu um profundo mergulho,
furando uma onda.
Era maravilhoso! Nunca havia nadado em águas tão densas. Bastava uma
leve braçada para manter-se à tona, e ela começou a nadar para mais longe,
sentindo um prazer sensual ao contato daquela água tépida. Virou-se de
costas e deixou-se boiar, ad mirando o céu e um azul límpido, sem nuvens.
Pouco depois, começou a nadar de volta para a praia, com a vista ofuscada
pela intensa claridade.
Foi nesse momento que vislumbrou pelo rabo dos olhos aquela forma negra e
luzidia, deslizando ao nível da água. Jamais tinha visto um tubarão, mas lera
o bastante sobre seus hábitos para saber que a pouca profundidade da água
não constituía um obs táculo para detê-lo. Sua prática de enfermagem
aconselhou-a a não entrar em pânico, mas mesmo assim, seu coração
começou a bater como uma bigorna. Enquanto a cabeça dizia-lhe uma coisa,
o estômago dizia-lhe outra. A praia não estava assim tão distante. Seria fácil
alcançá-la a nado, mas o medo desorganizou-lhe os reflexos e parecia-lhe
que apesar dos esforços, não conseguia saú do lugar. Um soluço subiu-lhe à
garganta quando sentiu aquele corpo escuro e brilhante avançar
sinuosamente por baixo da água e foi com os olhos arregalados de pavor que
viu uma cabeça coberta Por uma máscara emergir da água, a seu lado.
Seu alívio foi tão grande, que parou de nadar e logo sentiu-se afundar entre
as ondas. A água penetrou pela boca aberta e pelas narinas, queimando-lhe
os olhos e impelindo-a a debater-se até voltar à superfície. Ficou sufocada
por um momento, até que um braço firme a agarrou por baixo do busto e a
arrastou até a praia.
Tossiu, cuspiu e esfregou os olhos e toda a gratidão de Beth transformou-se
em irritação. Começou a nadar pela praia aos tropeções, torcendo os
cabelos ensopados e notando, com raiva, que suas pernas tremiam como
gelatina.
Raul Valerian, e não podia ser outro, pensou amargamente. Ele tirou a
máscara, o tubo de oxigênio e todo o equipamento de pesca submarina e
atirando-o na areia, veio para perto dela que, a esta altura, caíra estatelada
na areia.
— Assustei você? — perguntou, sem parecer estar se im portando muito se
de fato a assustara.
Beth nem se dignou a responder. Estava mais preocupada com o fato de ter
esquecido a toalha para cobrir-se e não de sejava molhar a saia. O problema
de como voltar para casa naquelas condições tinha que esperar um pouco
mais para ser resolvido, e ela decidiu colocar os óculos escuros à guisa de
escudo que a protegesse do olhar apreciativo de Raul.
— Poderia ter acontecido que, em vez de ser eu, fosse mesmo um tubarão.
De vez em quando eles aparecem por aqui.
Beth olhou-o de soslaio.
— E não se deu conta de que estava me deixando apavorada? — perguntou
com maus modos.
Ele encolheu os ombros e olhou para o mar.
— Claro que sim. Mas que diabos queria que eu fizesse? Achei que desde que
me visse ficaria mais tranquila do que se eu tivesse sumido.
— Duvido que tenha ficado todo aquele tempo debaixo da água, de lá para
cá, a troco de nada.
Com uma risadinha caçoísta, estendeu-se perto dela, bai xando mais o zíper
do negro macacão de borracha, de forma a expor o musculoso tórax.
— Certo — ele concordou, sem tentar uma negativa. — Quer dizer que
continuo sendo um ignorante, um cretino, etc. etc.
Beth olhou-o inconformada.
— Nunca disse isso de você.
— Não? — Os estranhos olhos verdes estavam sombreados pelas negras
pestanas quando ele a olhou fixamente. — E o que diria então a meu
respeito? Pelo menos a vez em que nos encon tramos, parecia que queria
fugir de mim como o diabo da cruz.
— Aquela vez você foi muito grosseiro — disse Beth, enla çando as pernas
com os braços.
— Talvez queira dizer realista. — Rolou na areia e apoiou-se sobre os
cotovelos. — Seu noivo a preveniu sobre o perigo de nadar na enseada?
A última coisa que Beth desejava naquele momento era lem brar-se de
Willard. Tinha até proposto castigar-se, ficando na praia até que o biquini
secasse para poder vestir a saia. De qualquer forma, as pernas bambas não
lhe teriam permitido uma saída honrosa.
— Ele avisou-me para que não nadasse sozinha — con cedeu dizer.
— Mas você não o levou a sério, não é?
— Não... sim! Quer dizer, não tinha intenções de ir nadar — explicou
atabalhoadamente.
— Não ia nadar, mas veio de maiô!
— Como você é observador! As pessoas costumam tomar banho de sol de
maiô, ora essa.
— Ah... Mas você não vai bronzear-se como se deve, sentada nessa posição.
Beth cerrou os dentes.
— No momento, não estou pretendendo bronzear-me.
— Não está... O que está é desperdiçando seu tempo tentando esconder que
minha presença a perturba.
— Que homem mais presunçoso — disse ofegante, e dando uma risadinha de
desdém, continuou: — Pois saiba que fui embora da Inglaterra justamente
para fugir de tipos assim.
— Ora! — Ele torceu a cabeça para o lado. — Pois eu tinha a ilusão de que
você tinha deixado a Inglaterra porque ia ca sar-se com Willie.
Ela corou violentamente.
— Quer saber? Não tenho nenhuma obrigação de ficar aqui sentada, falando
com você. Agradeceria se fosse embora e me deixasse em paz.
— Por quê? Porque eu desmascarei suas intenções mercenárias?
— Mercen... Não sou nenhuma mercenária! — contestou energicamente,
dando um chute para o ar.
— Não é? — Ele imitou seu gesto. — Então por que ,vai casar-se com Willard?
— Porque vou... Essa é boa! Talvez lhe interesse saber que eu amo Willard!
Eu o amo, dá para entender? — gritou.
— Estou ouvindo muito bem o que você diz — concordou com cinismo,
baixando os olhos atrevidamente por todo o corpo de Beth.
— Belas pernas! — acrescentou, provocador.
Não havia como cobrir o corpo, e usar as mãos não teria sido muito
sugestivo, portanto, ela ficou na mesma posição, odiando aquele homem por
fazer com que ela se sentisse tão vulgar. Quis até pagar-lhe com a mesma
moeda, examinando-o de alto a baixo, mas o macacão de borracha marcava-
lhe as formas tão escandalosamente que ela desviou o olhar.
Ela apressou-se em levantar da areia e em vestir a saia. Mas suspendeu o
zíper com tanta afobação que os dentes pren deram-se ao tecido do biquini.
Por mais que tentasse, não con seguia fechá-lo. Ao ouvir suas imprecações
de exasperação, ele aproximou-se para ver o que estava acontecendo.
— Deixe que eu ajudo. — Ofereceu-se, mas foi fulminado com um olhar
furioso.
— Obrigada, eu mesma faço — retorquiu, e incomodada com seu olhar
observador, acrescentou: — Empregaria melhor seu tempo tirando esse
macacão do que ficando aí, olhando para mim!
— Não creio que aprovaria se o tirasse agora. Ora, já ia esquecendo que você
é enfermeira e deve estar acostumada a ver homens nus.
— Não nessas circunstâncias — exclamou, escandalizada. — Eu... eu não
sabia que... não pensei que... oh, você é desprezível!
— Só porque estou aqui na sua frente, lembrando-lhe as coisas boas que vai
perder na vida?
Ela arquejou.
— Como você se supervaloriza!
— Julga assim?
Subitamente, seus dedos abriram uma trilha de fogo, desde os macios
ombros de Beth até a extremidade do decote do sutiã.
Ela pulou para trás, segurando a saia com uma mão, e com a outra,
esfregando a pele nos lugares por onde tinham passado aqueles dedos
ardentes.
— Não me toque! — gritou, e então, não conseguindo mais esconder a chama
do desejo que iluminava seus olhos, saiu correndo cambaleante, pela praia
afora...
CAPITULO V
Barbara tinha um DKW que usava para per correr a ilha, e estava encostada
ao pára-lama, quando Beth apareceu no pórtico da casa. Maria a tinha in
formado que Barbara iria para as cocheiras às nove horas da manhã. Beth
vestira calças de brim muito justas e um blusão. Depois descera para a sala,
dera um beijo em Willard, e o deixara terminando o desjejum sozinho.
Tudo levava a crer que seu entusiasmo para que Beth fosse cavalgar se
devia, em grande parte, à liberdade que teria para tratar dos negócios do
engenho durante sua ausência. E ela não tinha como impedir que Willard
entrasse em contato com seus empregados. Só estava nervosa pela
possibilidade de ele encontrar-se com Raul durante a manhã e que este lhe
relatasse
O que a noiva andara fazendo no dia anterior.
No dia anterior, depois que alcançara seu quarto, sem maiores percalços,
Beth decidira totalmente não contar nada a Willard sobre onde estivera e o
que fizera. Apesar de ter afirmado para si mesma que a razão de sua omissão
era não dar aborrecimentos ao noivo, na verdade, ela não queria era
mencionar seu encontro com Raul. Agora percebia como fora leviana. Se
Raul a denun ciasse, e por que não o faria?, Willard poderia imaginar que
havia motivos condenáveis para ela esconder aquele encontro.
Suspirou, conformada. Agora era tarde demais para chorar sobre o leite
derramado e, resignadamente,desceu os degraus da escada para ir ao
encontro de Barbara.
Como sempre, a moça estava vestida impecavelmente, em trajes de
montaria. Seu boné de equitação estava jogado no assento traseiro do DKW.
Perto dela, Beth sentiu-se granda1hona e mal-arrumada.
— Já está pronta? — ela perguntou, lançando um olhar crítico para a outra.
— Já. Vamos indo? — propôs Beth.
Uma paixão proibida na ilha
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7 ano C
 

Uma paixão proibida na ilha

  • 1. Beth era uma garota quieta e simples e educada quando saiu da Inglaterra e foi para as ilhas do Caribe acompanhando Willard, seu noivo, um riquíssimo fazendeiro. Mas bastou um olhar de Raul, jovem e orgulhoso empregado da fazenda, para que Beth sentisse pela primeira vez em sua vida a estonteante atração que uma mulher sente por um homem forte e viril. E, quando Raul a convidou para tomar banho de mar á luz da lua, Beth sabia que esse encontro lhe traria prazeres proibidos e traçoeiros... Mas, para uma mulher apaixonada, o amor é mais forte do que tudo! Prisioneira da desonra “Rooted in dishounour” Anne Mather CAPITULO I Uma suave rampa estendia-se desde a varanda da casa, até a praia. Tufos de capim demar cavam a linha divisória com a branca areia que formava um belo contraste com a luxuriante vegetação, de um verde bri lhante, que em certos trechos avançava até o mar. Palmeiras abriam suas folhagens generosas formando um verdadeiro oásis quando o sol a pino tornava a temperatura insuportável, en quanto os carvalhos do pântano projetavam sua própria sombra sobre a laguna. Na enseada, o mar era mais calmo, refreado pelos recifes escarpados, visíveis ao longe, onde as águas batiam com tal violência que seu fragor era ouvido na casa. Era de manhã e o ar ainda estava fresco, pois na véspera tinha chovido ao anoitecer. Mas já o calor do dia começava a manifestar-se através de espirais de bruma que se levantavam ao redor das árvores. Logo o sol teria se erguido completamentepor trás das montanhas que formavam uma cordilheira no interior da ilha, banindo com seus raios abrasadores as tartarugas e os caranguejos para esconderijos mais úmidos e frescos. A mulher veio descendo a ladeira da casa, impaciente por não ter encontrado seu morador, e esquadrilhou a laguna para ver se via alguém. Logo divisou aquela cabeça morena, que tanto procurara, a poucos metros da praia. Ficou espiando o corpo do homem surgindo das ondas e encaminhando-se para a areia. Ele estava a certa distância, mas suficientemente perto para que ela pudesse ver que estava completamentenu, com a água do mar escorrendo pelo corpo bronzeado e musculoso. Um corpo que demonstrava não ser de um homem que passava seus dias indolentementeem seu paraíso particular,
  • 2. mas que trabalhava duramente, tanto quanto os outros, para tornar as plantações rentáveis. Era alto, moreno e com cabelos castanhos queimados de sol. Ela desviou rapidamente o olhar e deu meia-volta quando percebeu que ele a tinha visto. O homem apressou o passo em sua direção, enrolando displicentementeuma toalha à volta da cintura. Contornou sua frágil figura para fitá-la com aqueles olhos verdes e trocistas que caçoavam de seu embaraço. — Não devia vir procurar-mesem ser anunciada, irmã Bar bara — observou impiedosamente. — E não venha me dizer que nunca me viu nadando nu por aí, pois não vou acreditar. — Antes de mais nada, não sou sua irmã! — declarou, com aspereza. — Pedi que viesse até a casa grande ontem à tarde, e você não apareceu, nem deu satisfação. Ele levantou os ombros com indiferença. Começou a subir a rampa em direção a casa e ela foi obrigada a segui-lo. — Ontem tive um compromisso — disse ele, finalmente. Ao ouvir isso, ela contraiu os lábios. — No mínimo, andou visitando aquela mulher... Louise — acusou, e ele ergueu as negras sobrancelhas. — Por acaso, esteve me seguindo? — perguntou, docemente, e as faces pálidas dela pegaram fogo. — Claro que não — negou Barbara, mas a expressão dele era de quem não estava acreditando. Alcançaram a casa, uma espécie de bangalô, com a varanda suspensa por pilares e sombreada por um telhado de madeira. As acomodações eram boas e funcionais: uma sala de estar com algumas cadeiras de braço e estantes para livros, a copa-cozinha, surpreendentemente bem equipada com os mais mo dernos eletrodomésticos, e o dormitório com uma cama turca e um guarda-roupa. Havia também um escritório, mas como Barbara pouco visitara o lugar, nunca o usara. Largos degraus levavam até a varanda, onde duas poltronas de cana-da-índia e uma pequena mesa com tampo de vidro formavam uma segunda sala de estar. Nesse momento, via-se sobre a mesa uma jarra com suco de laranja gelado, uma fatia de melão, alguns pãezinhos, manteiga e um bule cheio de café que exalava um delicioso aroma. Providências de Tomas, supôs Barbara, mentalizando o criado negro que vivia numa cabana, por trás do bangalô. Dedicara a vida ao patrão desde que ele o salvara de uma quadrilha de jovens bêbados e desordeiros na Martinica, há oito anos, e desde então morava na ilha, cuidando de seu
  • 3. salvador. Barbara tinha considerado aquela história um tanto piegas e de mau gosto e a presença de Tomas a irritava imensamente. — Raul... — começou a dizer dando uma parada na varanda, mas o homem à sua frente fez um gesto de recusa. — Pelo menos, deixe que eu me vista antes. Pouco depois Raul apareceu de volta, tendo como único traje um par de calças jeans. Era uma exibição de masculinidade e ela sentiu-se impelida a olhar para o medalhão de bronze que pendia sobre seu peito nu, seguro por um cordão de couro. — Você chama a isso vestir-se? — Tenho certeza de que você não veio até aqui para discutir sobre minha indumentária — respondeu ele secamente, en quanto despejava suco de laranja no copo. — Papai está voltando para casa! — ela informou, por fim, querendo mudar de assunto. — Essa é uma boa nova. Quando? Hoje? — perguntou Impaciente. Barbara ficou desconfiada de que ele não estava mais prestando atenção à sua pessoa. E tinha razão. Ele tinha destruído aquelas emoções a que se referira e ela sofria a intensa agonia do ciúme, sabendo que Raul preferia passar suas noites com Louise Pecares, do que em sua companhia. Não que ele suspeitasse de seus sen timentos... Nunca suspeitara. A não ser que... Seus pensamentos recolheram-senovamente aos meandros de seu cérebro. Um dia, talvez, quando ela fosse dona absoluta da ilha... Mas isso levaria tempo para acontecer. Seu pai era ainda um homem jovem. Apesar do ataque de coração que sofrera e que o obrigara a passar uma longa temporada na Inglaterra, estava ainda bem longe da morte. Tanto assim que planejava casar-se novamente... Suas mãos tremeram quando ela lembrou-se dos termos do telegrama que recebera na tarde anterior, em que seu pai con tava -lhe que durante o tempo que estivera internado num hos pital de Londres, conhecera uma enfermeira mais jovem do que a própria filha, com a qual envolvera-se sentimentalmente. Era incrível, inaceitável. Tinha ficado viúvo por quase vinte anos e agora estava pensando em casar-se com uma jovem trinta anos mais nova que ele. Percebeu que Raul estava observando-a e anunciou, sem mais rodeios: — Papai está pensando em casar-se novamente. Com essa frase, conseguiu finalmente chamar a atenção sobre sua pessoa. Os olhos verdes, curiosos, voltaram-se para ela. — Casar-se? —. Ele fez eco. — E com quem? — Uma moça — disse Barbara — com menos idade do que eu. A enfermeira que cuidou dele!
  • 4. — Deus do céu! — exclamou meio assustado, meio admirado. — Isso é tudo o que tem a dizer? — retrucou Barbara, com raiva. — Ele deve estar ficando louco, e você sabe disso. Qual a moça de vinte e quatro anos que se casaria com ele a não ser pelo dinheiro? Raul pegou no bule e despejou um pouco de café na xícara. — Você acha que seu pai não tem nada mais a oferecer a uma mulher, a não ser dinheiro? — E o que mais poderia ser? Uma... uma pessoa dessa espécie! — Por acaso, você a conhece? — Lógico que não. Como poderia? Ele sacudiu os ombros, enfastiado. — É que você fala com tanta segurança. Como pode saber se ela não está apaixonada por seu pai? — Eles se conhecem há apenas um mês! — E dai? O tempo não quer dizer nada em matéria de amor. Pode ter havido uma atração mútua fulminante. — Não poderia esperar outra coisa de você! — Sua boca fez um trejeito de desgosto. — Mas não se esqueça que se papai decidir casar-se, toda a situação aqui poderá mudar, princi palmente se ele tiver um filho. — Ah, agora estou entendendo! — Sua expressão era maldosa. — Se quisermos ser realistas, é isso mesmo. — Barbara estava quase suplicando, quando acrescentou: — Raul, o que nós vamos fazer? — O que nós vamos fazer? — Terminou de saborear seu café e esticou-se na poltrona preguiçosamente. — É favor não me envolver em seus projetos. Se o velho Willie resolver que quer que uma vampira lhe sugue o sangue, não tenho nada com isso. — Você se sente superseguro, não é mesmo? E é tão con vencido! Você cogitou na possibilidade de papai resolver vender a ilha caso... caso a mulher não queira morar aqui? Sabe bem que no ano passado ele teve uma oferta tentadora daquela companhia americana. Não se desprezam milhões de dólares assim tão facilmente. A boca de Raul contraiu-se mediante aquela hipótese. Era evi dente que ele nunca levara em consideração essa eventualidade, e Barbara sentiu-se satisfeita de ter encontrado seu ponto fraco. — Por que seu pai iria vender agora, se ele sempre condenou esses consórcios que vivem comprando ilhas para transformá-lasno paraíso dos turistas? — Já lhe disse, essa mulher deve ter uma maneira de pensar e de viver tipicamente inglesa. O que lhe importaria esta ilha? E se estiver casando com papai pelo dinheiro, onde iria gastá-lo neste lugar onde o Judas perdeu as botas?
  • 5. Barbara aproximou-se um pouco mais, de forma que seu braço nu roçou-lhe os pêlos do peito. Ele não reagiu àquele contato e perguntou formalmente: — Quando eles chegam? — No começo da semana que vem. Embarcam em Londres na segunda-feira e fazem um vôo direto para Santa Lúcia. Planejam passar a noite lá, para chegarem aqui na terça-feira pela manhã. — Terça de manhã — ele repetiu. — E como está seu pai? Disse-lhe se estava melhor? Barbara despejou a notícia com impaciência. — Ele disse que nunca se sentiu melhor em toda a sua vida. Pode acreditar nisso? Um homem daquela idade! E depois de somente quatro semanas do ataque que sofreu? Raul virou-se de frente para a janela e apoiou os cotovelos no parapeito. — O amor faz milagres, como dizem por aí — disse ironicamente. Barbara sentiu-se frustrada. — Então? O que você acha disso tudo? Raul levantou os ombros, resignado. — Deixe isso comigo. Vou pensar no assunto com carinho. Ela olhou-o ansiosamente. — Verdade? — Já lhe disse que vou, não disse? Barbara mordiscou o lábio superior e falou com ar insinuante: — Você vai jantar lá em casa hoje ã noite? — Acho que não. — E por que não? — perguntou, entre furiosa e desapontada. Pelo menos desta vez, ela esperou que ele aceitasse. — Penso que seu pai não aprovaria — respondeu brincalhão. — Você jantando com um simples empregado! Os lábios de Barbara tremeramincontroladamente. — Essa é uma desculpa muito esfarrapada e você sabe bem disso. Os olhos verdes tornaram-se brandos. — Não fique forçando, irmãzinha. Agora você vai tomar seu rumo, enquanto eu vou tratar de ganhar dinheiro para comprar o pão de cada dia da rica donzela. Ela precipitou-se pelos degraus da escada abaixo, depois virou à direita, passando por entre as árvores que formavam uma barreira entre a casa grande e o refúgio de Raul, sacudindo a saia estampada de vermelho. O sol já estava bem quente quando Raul subiu no empoeirado jipe que era seu único meio de transporte. A ilha, conhecida pelo pitoresco nome de Sans Souci, tinha poucos carros, pois a maioria dos habitantes contentava-secom o lombo das mulas, as charretes, bicicletas ou simplesmente com os pés. Mas havia quinze milhas diárias a percorrer e Raul precisava de um veí culo
  • 6. motorizado para supervisionar os canaviais. Ligou o motor e dirigiu-se para a estrada de terra que levava até o centro. As plantações de Willie Petrie estendiam-se de um lado ao outro da ilha. Desde o princípio, as terras foram destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar,e para cada homem adulto que trabalhasse como lavrador, era doado meio acre de terreno para que fizesse sua própria lavoura. Apesar de Raul saber que a maior parte dessas terras doadas eram malbaratadas e deixadas improdutivas, dava prazer a Petrie considerar-se um patrão generoso e magnânimo. As condições de vida na ilha não eram das melhores, mas pelo menos contavam com um bom hospital e uma escola pri mária para as crianças. Excetuando-se os Petrie e o próprio Raul, só havia outra família de brancos que morava na ilha: Jacques Marin, que administrava o hospital, e sua mulher Susi, que fazia o papel de assistente do marido. Tinham dois filhos: um menino, Claude, com catorze anos, que estudava num colégio interno da Martinica; e uma menina, Anette, com apenas seis anos, que era cuidada por uma moça americana chamada Diane Fawcett. O restante da população era consti tuída de uma mistura de mulatos, negros, alguns chineses e indianos, com exceção de Isabelle Signy, diretora da escola, e que ninguém se atrevia a classificar etnologicamente. O engenho dos Petrie ficava nas cercanias da vila. Raul esta cionou o jipe perto dos armazéns onde se processava o corte da cana, e caminhou até o pequeno escritório, onde seu segundo homem, André Pecares, estava atarefado até os olhos, às voltas com uma pilha de faturas. Este levantou a cabeça e sorriu quando percebeu a presença de Raul, que retribuiu sua saudação e foi sentar-se numa poltrona de couro, por trás da escrivaninha. André terminou de conferir as faturas e levantou-se, indo em direção a um fogareiro a gás onde havia um bule de café. Era um homem de trinta e poucos anos, apenas cinco anos mais velho que Raul. Tal qual seu empregador, tinha a pele bem queimada. Apesar disso, podia passar por um homem branco e Raul já tinha pesquisado várias vezes qual seria o ancestral dos Petrie, res ponsável por esse ramo tão peculiar da família. — Algo de errado? — André fez a pergunta enquanto trazia até a mesa do chefe um copinho de plástico com café, que Raul agradeceu. — Barbara veio ver-me esta manhã, André. Os olhos negros de André abaixaram-se compreensivamente. — Ah... — disse ele. — Ela não está nada satisfeita com sua ligação com Louise. — Não diga! — exclamou Raul, irritado. — E você acha que estou ligando muito para o que Barbara pensa? Se eu decidir passar todo meu tempo em companhia de Louise, ela não tem nada com isso!
  • 7. André olhou-o contrafeito. — É que eu pensei... — Eu sei. — A boca de Raul apertou-se numa linha dura e reta. — Desculpe ter caído em cima de você desse jeito, mas a história não tem nada a ver com Louise. É o Willard que está voltando para casa. — Entendo. Ele já sarou? — Pode-se até dizer que sarou bem demais. — Que quer dizer com isso? — Ele vem trazendo sua enfermeira, nem mais nem menos. Pelo que me contou Barbara, eles pretendem casar-se. — Não me diga! — André estava chocado. — Mas o sr. Petrie, ele deve estar com... com... — Cinquenta e seis anos, pelo que me consta. E essa moça, parece que só tem vinte e quatro. André até engasgou. — Mas... Interrompeu-se, mas Raul sabia bem o que ele queria dizer. — Eu sei. Por que é que uma jovem de vinte e quatro anos desejaria casar-se com um coroa de cinquenta e seis? A teoria de Barbara é que, na verdadeira acepção da palavra, a moça só está atrás do dinheiro dele. Se assim for, será que essa moça se sentiria feliz aqui em Sans Souci, sem nenhum dos divertimentos e distrações da alta sociedade, que por certo ela ambiciona? — Você quer dizer que talvez eles fossem morar noutro lugar? — aventurou- se a dizer André precavidamente. — Até que seria uma boa solução, Raul. Nós não precisamos de Petrie para dirigir a ilha. Você saiu-se muito bem enquanto ele estava doente e sabe, tanto quanto eu, que a participação do patrão nesses últimos anos tem deixado muito a desejar. Raul deu um meio-sorriso. — Bem, pode até ser. Mas a questão agora não é se eu ou ele vai dirigir a ilha. Barbara está aflita por outro motivo. Ela teme que Willard possa ser persuadido a vender a ilha. — Vender? — André empalideceu. — Mas no ano passado... — No ano passado ele não estava pensando em casar-se. Quem pode garantir que a noiva não venha a persuadi-lo? André tornou a voltar para a sua mesa e deixou-se cair na cadeira derreado. — Você acha que ele seria capaz disso? — Não sei. — Raul tomou mais um gole de café. — Não sei mesmo. — Mas, casar-se! Na idade dele! — André voltou ao assunto inicial. — Quem é ela? Qual é seu nome? — Sei tanto quanto você. A única coisa que posso dizer-lhe é que a moça tratou de Willard no hospital de Londres. Isso é tudo.
  • 8. André soltou um suspiro. — Não vamos sonhar com quimeras, André. Você sabe tanto quanto eu que, presentemente, o cultivo da cana-de-açúcar é um negócio precário. Além do mais, os homens jovens de agora estão propensos a arrumar empregos em Trinidad e Martinica. O fato de haver uma onda de desemprego por lá, como aliás no restante do mundo, pouco pesa. Eles vão em busca de maior sofisticação e dentro em breve não teremos mais braços para as colheitas. O subconsciente de Raul começou a enveredar pelo labirinto das consequências que o casamento de Willard poderia trazer para suas próprias vidas. Que Barbara vá para o inferno, pen sou com selvageria. Por que ela colocou tantas dúvidas em sua cabeça? Queria, talvez, obrigá-lo a abandonar o emprego? Wil lard logo arranjaria um substituto. Talvez o próprio André. Ou Samuel, o gigantesco capataz negro que era capaz de fazer sozinho o trabalho de doze homens. Ou ela pretendia que ele, Raul, seduzisse a moça, entregando-a de volta ao noivo, cons purcada e ultrajada, para a destruição de ambos? Abriu a gaveta da escrivaninha e tirou um maço de charutos. Acendeu um e deu uma longa tragada. O fumo aromático relaxou seus nervos tensos. Talvez eles estivessem sendo inutilmente pes simistas, colocando a carroça adiante dos bois. Barbara tinha ciúme de qualquer pessoa que pudesse balançar sua posição. Ha via sido a dona da casa grande por tanto tempo! Ninguém que chegasse para usurpar sua autoridade seria bem-vindo. CAPITULO II O piloto anunciara que estava chovendo em Castries e o avião começou a descer furando as pesadas nuvens negras até Beth poder divisar uma praia de areia tão branca e imaculada que mal podia acreditar em seus olhos. Pelo restante da tarde, ficaram sobrevoando um oceano cor turquesa, bordado por um arquipélago de ilhas tão pequenas, que custava convencer-se de que ali morava gente. Pouco depois, eles se viram voando sobre Santa Lúcia e, apesar das nuvens, a cor e a beleza da ilha eram visíveis e eston teantes. A praia estava coberta por uma ressaca de espuma e ao longe, mais para a esquerda, via-se a pista de aterrissagem do Aeroporto Internacional de Vigie. — Essa é a praia de Vigie — disse Willard, debruçando-se sobre Beth e apontando uma fileira de hotéis luxuosos que beiravam o mar. — E lá adiante são os picos gêmeos: Gros Piton e Petit Piton, que constituem os limites da ilha. — Piton — repetiu Beth, fazendo um esforço de memória. — Isso quer dizer "pico", não é? Temo que meu francês não esteja tão bom quanto antigamente.
  • 9. Willard passou o braço ao redor de seus ombros. — Grande pico e pequeno pico — confirmou, sorrindo-lhe, e ela desviou o olhar, fixando-o novamente na paisagem que se via da janela do avião. O vôo fora demorado, mas Beth não estava cansada. Todavia, achou que Willard estava começando a mostrar sinais de aba timento, mas isso não era de estranhar, diante das circuns tâncias. Era o dia mais tumultuado e cansativo que tinha en frentado, desde sua saída do hospital, e a excitação do retorno ao lar estava começando a minar-lhe as energias. Felizmente a preocupação com Willard tinha afastado de Beth sua própria ansiedade por ter aceitado acompanhá-lo nes sa viagem incrível e até estava contente por passar a noite num hotel em Castries, antes de chegarem em Sans Souci. Sans Souci, o nome a intrigava e, apesar de suas inibições, não pôde refrear um frémito pela expectativa de passar o resto de sua vida nessa região do mundo que sempre a atraíra e fascinara. Olhou para a mão de Willard que repousava em seu ombro e suspirou. Faria tudo para torná-lo feliz, propôs a si mesma, com determinação, ignorando os olhares de curiosidade que o comis sário de bordo da primeira classe vinha lançando sobre ela, du rante todo o vôo. Se estranhara o relacionamento entre um homem evidentemente maduro e uma mulher tão jovem, problema dele! As formalidades do desembarque logo terminaram e um mo torista levou-os numa limusine até a capital da ilha. Passaram pela praia e Beth se deliciou com a vista esplêndida das águas mutantes que a cada momento variava de tonalidade, passando desde o verde-escuro até o opalino translúcido. Era tudo tão diferente e exótico! Desviou o olhar para as verdes colinas cobertas de coqueiros. Willard esparramou-se sobre o assento indolentemente, contentando-se em testemunhar o efeito que tudo aquilo exercia sobre ela. Para ele, era suficiente saber que Beth estava ali, a seu lado, e os olhares de admiração que ela atraía, quando o carro diminuía a velocidade, faziam com que sentisse orgulho por estar acompanhado da mais bela mu lher das redondezas. Para Beth, essa inesperada companhia trazia um senso de confiança e tranquilidade, e era um verdadeiro alívio sentir-se livre do assédio dos homens de sua própria idade. Não era do tipo de encorajar ninguém com flertes e olhares provocantes. Apenas aceitara o fato de que mulheres loiras platinadas, de seu porte e altura, atraíam inevitavelmentea atenção de todos os jovens disponíveis, e às vezes não disponíveis, ao seu redor. Só que já estava começando a ficar enojada com tantas ten tativas de avanços e consequentes repúdios. Pensava até estar ficando frígida, quando Willard apareceu em cena. Seu charme e maneiras experientes e desenvoltas a
  • 10. tinham desarmado e, pela primeira vez na vida, sentiu-se deveras mimada e querida, e, mais do que isso, respeitada. Naturalmente, a direção do hospital não aprovara sua atitude. As enfermeiras, principalmente as mais categorizadas, eram acon selhadas a não se deixarem envolver pelos pacientes e seus pri meiros entendimentos com Wiliard foram supervisionados pelo olho clínico do médico que tratava dele. De nada adiantara que o dr. Mike Compton tivesse sido um dos apaixonados de Beth, pois Willard tornou-se mais do que um desafio para a direção do hospital. Tão logo pôde, transferiu-se do hospital para uma clínica particular, levando Beth consigo, na qualidade de enfermeira par ticular. Todos os colegas a tinham condenado, dizendo-lhe que era uma tola inconsequente e que se arrependeriade ter deixado seu posto. E que quando ele voltasse para sua casa, nas índias Ocidentais, ela ia encontrar dificuldades para arrumar outro cargo semelhante. Mas alguma coisa de mais forte a tinha impelido, e agora ela sabia que era amor o que sentia por aquele homem que estava a seu lado, prestes a tornar-se seu marido. Quando chegaram ao hotel que dava de frente para a baía, Beth insistiu para que Willard fosse direto para a cama. — Foi um dia muito longo e exaustivo — afirmou, quando ele começou a protestar. — Pela diferença de fusos horários, pode ser que aqui ainda seja cedo para dormir, mas na Ingla terra já seria muito tarde e você precisa poupar suas forças. Willard olhou-a contrariado. — Não sou nenhuma criança, Beth. Apesar do protesto, começou a despir-se, enquanto Beth des fazia as malas no quarto ao lado e separava os remédios que deveria ministrar-lhe. Quando ela voltou, Willard já estava de pijama, coberto com os lençóis até o queixo. Era um homem de constituição forte e grande, mas os sofrimentos das últimas semanas tinham acabado com suas carnes e Beth considerou que ele parecia bem mais magro do que quando chegara ao hospital. Apesar disso, era ainda um belo homem, com sua pele morena e cabelos abundantes, começando a ficar grisalhos. Willard olhou-a com ar resignado. — Nossa vida vai ser sempre assim, Beth? Você me pondo na cama, em vez de ser ao contrário? Beth sorriu, tirando duas drágeas de um vidrinho e pas sando-lhe um copo com água. — Você sabe que só o tempo e o repouso podem curá-lo definitivamente — disse-lhe com objetividade, enquanto ele en golia as drágeas. — Bem, vai precisar de algo mais?
  • 11. — Só de você — respondeu afetuosamente, erguendo-se um pouco e puxando-a para junto dele na cama. — Hummmm... que cheirinho gostoso! — É o perfume que você comprou para mim, na loja Harrods — murmurou ela, sentindo a pressão de seus dedos possessivos. Não havia dúvidas de que suas forças estavam voltando, ela observou, muito admirada de que aquela constatação a fizesse sentir tão vulnerável. A lagosta dourada na manteiga, servida em seu ninho de alface era realmente apetitosa. Mas ela estava elétrica demais, por causa da novidade do vôo, das paisagens inéditas e dos sons que chegavam até o terraço da suíte, e resolveu, em lugar de jantar bem, explorar um pouco o lugar. Depois de comer uma porção mínima da refeição, preferiu ficar debruçada no terraço, protegida pelas trevas de veludo, ouvindo apenas os sons desencontrados dos arredores. Já era tarde quando Beth recolheu-se ao leito, mas assim mesmo não pôde conciliar o sono. Apesar dos sons externos já terem emudecido, sua cabeça continuava a vibrar com a re cordação das últimas semanas febris que passara. Era quase inacreditável pensar que há apenas oito semanas tinha conhe cido Willard. Parecia-lhe que o conhecia há séculos e talvez isso fizesse parte de seu charme. Desde o começo, sentira-se completamenteà vontade com ele, mas mesmo assim tivera dúvidas pela instantânea atração que demonstrara sentir por ela. É comum que os pacientes se apaixonem por suas enfer meiras, principalmente quando estão seriamente doentes e, a princípio, ela não o levara a sério. Após ter passado dois dias na Unidade de Terapia Intensiva do hospital, Willard havia sido entregue aos seus cuidados. Contara-lhe quem era, onde vivia, enfim, tudo sobre a ilha, e ela ouvira, com a fascinação que as pessoas que levam uma vida metódica e comum tem por tudo o que é desconhecido e exótico. O fato de Beth já se ter sentido atraída por aquela região, de longa data, só serviu para aumentar seu entusiasmo e ela desconfiou de que Willard valeu-se de sua reação para despertar-lhe ainda mais interesse. Aos poucos, começaram a conversar sobre outras coisas e outros lugares. Beth explicou-lhe que sempre tivera vocação para enfermeira e contou-lhe o quanto ela e a mãe tinham batalhado para pagar seus estudos, após a morte do pai, vítima de um acidente de barco, quando ela tinha apenas quatro anos de idade. Mas se lembrava dele, e após a morte da mãe, ocorrida há dois anos, não tinha mais ninguém no mundo. — E quanto a casamento? — perguntou-lhe Willard. — Não acredito que não tenham aparecido muitos pretendentes. — Nunca pensei seriamente em casamento — respondera com sinceridade. — Gosto de meu trabalho e já presenciei o fracasso de muitos casais amigos meus para ter coragem de enfrentar o risco de cair no mesmo erro.
  • 12. — Você acredita que hoje em dia os casamentos não possam dar certo? Com todas as pressões a que vocês, os jovens, estão sujeitos? — fez a pergunta e deu um sorrisinho quase paternal. — Acho que pode, mas, depende das circunstâncias. — E que circunstâncias são essas? Beth hesitou. — Bem... desde que o casamento não se limite a uma simples legalização do sexo. — Ela começou a emitir sua opinião e enrubesceu. — Desculpe, mas eu penso assim. Naquele dia Beth percebeu que o relacionamento dos dois tinha entrado numa nova fase. Willard estava tentando conhe cer-lhe o íntimo, procurava testá-la. Mas sempre asseguran do-se de que, de certa forma, ambos poderiam estar no mesmo barco. Só depois disso é que o fazendeiro perguntou-lhe que tal a idéia de trabalhar para ele como enfermeira particular e se ela aceitaria acompanhá-lo de volta a Sans Souci. De início, ela recusou. Tinha conquistado uma posição invejável no St. Edmunds Hospital e não queria abrir mão de seu emprego. Mas, em seguida, aconteceram problemas com Mike Compton e quando ela deu por si já tinha pedido a demissão. A partir daí sua vida mudou de forma bem mais drástica do que tinha imaginado. Uma semana após a demissão, Willard a pediu em casamento. A mútua atração que existia entre eles não era uma coisa passageira, Willard sugeriu que só oficializassem o noivado quando chegassem a Sans Souci, claro, desde que ela fosse junto. Assim teria mais tempo para pensar, mais tempo para conhecê-lo melhor e para verificar se conseguiria adaptar-se a viver num lugar tão diferente do que estava acostumada. Foi nesse ponto dos acontecimentos que Beth teve certeza de que o amava, que não havia sido um erro sair do St. Edmunds e que, após um curto noivado, estaria disposta a casar-se, pois ele demonstrara preocupar-se mais com ela do que com ele próprio. Rolou na cama e abraçou-se ao travesseiro. Qual seria sua reação, quando descobrisse que ela ainda era virgem? A enfer midade de Willard tinha impedido, até o momento, qualquer in timidade maior, mas por certo ele deveria estar pensando que ela já tivera algum caso no passado. Mike Compton, por exemplo, tinha se comportado como se fosse seu dono e proprietário.Além disso, hoje em dia, supunha-se que mulheres com sua aparência fossem experientes e vividas. Mas ela não era. Suspirou, e tornou a rolar na cama, sentindo que seus ca belos estavam molhados de suor. Se não dormisse logo, no dia seguinte estaria cansada e com olheiras e precisaria estar apre sentável para enfrentar a filha de Willard. A filha dele!
  • 13. Fez uma careta no escuro. Barbara! Como reagiria ela perante a idéia de seu pai casar-se com alguém quatro anos mais moça do que ela própria? Duvidava muito de que fosse gostar disso. Tentando ser justa, Beth admitiu que, se estivesse no lugar dela, também não iria gostar muito da idéia. No fundo, não era nada agradável alguém pensar que o próprio pai sente vontade de se casar de novo, principalmentecom uma moça que poderia ser sua filha. Mas por outro lado, argumentou com equidade, só por que um homem ficou viúvo, isso não quer dizer que seja obrigado a ficar sozinho pelo resto da vida. Possivelmente, podia até querer ter mais filhos e Beth não via nada de mais nisso. Claro que não imediatamente. Talvez mais tarde. Deu um novo suspiro. Haveria um monte de problemas a enfrentar, alguns imprevistos, pois ela não conhecia bem toda a situação. Sabia alguma coisa sobre a ilha, sobre as plantações de cana, que eram a principal fonte de renda, e sobre as culturas de bananas que não necessitavam de muito trato. Sabia tam bém que Wiliard tinha dificuldade em contratar mão-de-obraem virtude da inflação galopante que, aliás, atingia o mundo inteiro. Mas Willard tinha lhe dito que havia doado boa parte das terras aos trabalhadores para estimulá-los a ficarem, e Beth pensou com carinho que esta atitude, tão generosa, era bem típica dele. Com exceção desses detalhes impessoais, pouco tinha contado sobre sua vida, como por exemplo, sobre o seu relacionamento com a filha. Aparentemente, viviam numa casa grande, com muito terreno à volta, mas, pela carência de empregados, Barbara era obrigada a fazer serviços domésticos. Isso fez Beth pensar como ficaria a situação caso eles se casassem. Será que a filha admitiria que uma estranha dirigisse a casa? Afastou os lençóis e puxou a camisola para baixo, ajeitando-a melhor. Estava sendo pessimista sem necessidade. Nem sequer conhecia a moça e já estava supondo que ela lhe seria hostil. Ridículo! Barbara poderia muito bem aceitar outra mulher na casa. Mas esta última suposição não a convenceu muito. Sans Souci apareceu no meio do mar, com suas graciosas curvas brancas e seu interior muito verde, colorido pela densa vegetação. Só as vertentes das colinas, que se viam ao longe, apresentavam um sombreado cor de púrpura, sob a intensa luz do meio-dia. O restante da ilha parecia submerso numa bruma de calor úmido. Em alguns lugares, as palmeiras che gavam até a beira do mar. A areia cor de coral era banhada por constantes ondas de espuma. Quando se aproximaram do cais, a atenção de Beth foi des pertada pelo colorido porto de Ste. Germaine, onde iates e barcos de pesca se atravancavam ao longo do porto. No cais havia um grande movimento de gente que perambulava pelas barracas do mercado, além do qual divisavam-
  • 14. se ruelas, com suas casinhas de estuque, pintadas em todas as nuances de tons pastel. Primaveras, rosas e violetas pendiam por todas as partes, enquanto que os hibiscos eram cultivados em potes e vasos de terracota alinhados nos balcões. A lancha a motor que os trouxera de Santa Lúcia acostou ao cais, e Willard segurou o braço de Beth. — Que tal? Aprovado? — perguntou, como se fosse um desafio. — Se aprovo? Não só aprovo, querido, como já estou amando este lugar. — Querido... — ele repetiu, satisfeito, escorregandoa mão para a delgada cintura de Beth. O piloto da lancha sorriu-lhes e avisou-os que já podiam desembarcar. Beth resolvera viajar de calças compridas. Era bem mais prático para pular dentro e fora de lanchas, naquele tipo de viagem. Vestia também uma blusa de malha de algodão à ma rinheira e protegera sua longa cabeleira platinada com um lenço de seda. O desembarque do casal foi tumultuado pois suscitou o in teresse de uma porção de gente que veio cumprimentar Willard, perguntando-lhe pela sua saúde. Parecia que todos sabiam de sua doença e Beth sentiu-se até comovida por aquelas demons trações de interesse. Por sua vez, Beth foi alvo da curiosidade geral e sentiu-se examinada dos pés à cabeça. Percebendo que Willard começava a mostrar sinais de can saço, procurou uma forma de sair dali o mais rápido possível, antes que ele começasse com as apresentações. Viu um carro estacionado junto ao cais, com um homem encostado que ace nava com o boné. Era alto, bem proporcionado e muito moreno, vestindo calças de algodão rústico e quase nada mais. A pri meira vista, pensou que se tratasse de um mulato, mas quando ele se moveu e enfiou o boné novamente na cabeça, pôde ave riguar que era apenas um moreno fortemente bronzeado. Es tava olhando para ela com uma curiosidade insolente e Beth pensou que em todas as partes do mundo se encontram homens como aquele, que encaram as pessoas atrevidamente. Possi velmente, estaria pensando que ela se interessara por ele, con cluiu, irritada, e resolveu desviar o olhar daquela figura deci didamente arrogante. Pareceu-lhe ser um homem cruel e ficou aborrecida por ele ter estragado a boa impressão que tivera da recepção espontânea e calorosa do pessoal da ilha. Onde estaria Barbara? Com toda a certeza não deixaria de vir ao encontro do pai, após dois meses de ausência e tendo estado tão gravemente doente. Se não estivesse por ali, já era um mau sinal para o futuro relacionamento. — Desculpe-me... Era o homem do carro quem falava. Parara defronte a Beth, numa atitude displicente, com os dois polegares enfiados ao cinto e com todo o peso
  • 15. apoiado num dos pés calçados com botas. Assim de perto, ela pôde ver a barba cerrada que lhe sombreava o queixo, os maxilares de linhas fortes, e o cabelo negro e reluzente que apontava por baixo do boné. Os olhos semicerrados eram de um verde pouco comum em pessoas tão morenas, encimados por espessas pestanas. Tudo nele era agressivamente masculino. Beth olhou para Willard hesitante, mas este parecia não ter se apercebido da presença do homem e então resolveu que caberia a ela fazê-lo entender que estava perdendo seu tempo. Já tinha encontrado tipos semelhantes que pensam que, ao primeiro olhar, todas as mulheres caem de quatro a seus pés. — Acho que está cometendo um engano — disse ela calma mente. — Se não se importa... — E ia virando-lhe as costas. — Importo-me, sim — retrucou ele enfastiado, e Beth ava liou-lhe a largura do peito e a altura, desta vez contente por ela medir um metro e setenta e cinco de altura. — Deixe-me em paz — falou ela de forma pouco delicada, com um sorrisinho de mofa. Um ar de zombaria substituiu a expressão insolente do homem. — Se prefere assim — concordou ele, girando sobre os cal canhares e voltando para o carro empoeirado. — Raul! —Um grito de Willard o fez parar no meio do caminho. Beth olhou para o noivo embasbacada e ele desculpou-se por ter se distraído com a recepção dos amigos, e em seguida acenou para o homem, repetindo: — Raul! Para consternação de Beth, os dois homens se abraçaram efusivamente. Por sobre o ombro de Willard, dois olhos verdes encontraram os dela e Beth sentiu vontade de revidar a provocação que aqueles olhos exprimiam. Teve que esperar pacientemente até que o noivo fizesse as apresentações. Depois que o homem assegurou-se que Willard estava na mais perfeita forma, o que não era bem verdade, este dirigiu-se a Beth: — Minha querida, deixe que lhe apresente Raul Valerian, meu braço direito. Raul, esta é a srta. Elizabeth Rivers, minha noiva. Beth forçou um sorriso e estendeu a mão. — Como vai sr. Valerian? — disse polidamente, e uns dedos longos e firmes apertaram os dela por um breve momento. Suas mãos eram fortes e calosas, mas as unhas eram limpas e bem aparadas. — Muito prazer, srta. Rivers — ele retrucou, com uma ligeira entonação de ironia, só perceptível para ela. Em seguida, indicou o carro empoeirado.
  • 16. Willard entrou no veículo com evidente alívio, mas Beth ficou tolhida quando Raul Valerian passou por ela para começar a acomodar a bagagem. Dois homens negros, que tinham vindo desejar as boas-vindas, estavam batalhando para carregar to das as malas para perto do carro, e Raul correu em seu auxílio, pegando uma mala de cada um, e falando-lhes amistosamente. Beth esperou mais um pouco para certificar-se de que não necessitavam de sua ajuda e também foi proteger-se sob a sombra acolhedora do carro. Willard estava acomodado no banco de trás do veículo que, apesar de empoeirado, era muito bem conservado interiormen te. Quando ela entrou, percebeu que o noivo estava extrema mente pálido e com a fisionomia desfeita. — Foi cansativo demais para as suas condições — ela de clarou quase profissionalmente. — Quando chegar em casa, vai ter que repousar um pouco. Tem que me prometer. Willard espichou-se para trás. — Só espero que não se transforme numa dessas mulheres rabugentas, Beth — exclamou e quando viu que ela se res sentira da observação, acrescentou, justificando-se: — Descul pe, querida, mas é que eles são minha gente, meu povo. Vieram cumprimentar-me e eu não podia ignorá-los. — Não era minha intenção que o fizesse. — Eu sei, eu sei... Você só estava pensando no meu bem-estar. — Sorriu-lhe com ternura. — Só detesto que me faça sentir um inútil. Beth olhou para fora da janela e depois para a bagagem que tinha sido empilhada no porta-malas traseiro da perua. Raul agradeceu aos dois homens pela ajuda, fechou o porta-malas e foi postar-se junto ao volante. Ele era forte, mas não era magro, e os olhos treinados de Beth notaram que a musculatura de suas costas se evidenciava por entre as omoplatas, a cada movimento que fazia. Bem que poderia ter vestido uma camisa, pensou critica mente, apesar de a blusa que ela própria vestia ser tão aderente que teria exigido um sutiã para disfarçar as formas do busto. A perua foi se afastando do cais sob os acenos de adeus dos que ficaram, e Raul informou: — Barbara pediu-me para vir buscá-lo. Ela não estava se sentindo bem e eu precisava vir mesmo até o centro... — Então você se ofereceu como voluntário — completou Willard jocosamente. — Acertou. — E Barbara, o que é que ela tem? Fez-se um breve silêncio e Raul esclareceu:
  • 17. — Uma de suas famosas enxaquecas, penso eu. Não sei bem. Ela mandou o recado pela Maria. Willard não pareceu estranhar, mas os nervos de Beth fi caram tensos. Barbara poderia estar com dor de cabeça e até com uma enxaqueca de verdade, mas nada justificava aquele descaso. Afinal de contas o pai estivera ausente por dois meses. Se estivesse no lugar dela, precisaria sentir-se seriamente mal para deixar de vir ao seu encontro. Willard debruçou-se sobre o assento da frente. — E como vai o trabalho, Raul? Conseguiu a nova lâmina para o trator? E a roda dentada, foi substituída? E como vai o braço do Philippe? — Não acha melhor maneirar um pouco? Em vez de começar a se preocupar com coisas que já foram resolvidas há semanas? — interrompeu Raul, com tolerância, olhando em torno até encontrar os olhos de Beth. — O que é que sua... bem... sua enfermeira diz disso? Será que aprova você entrar nesse ritmo logo no primeiro minuto de sua chegada? Beth imaginou que ele ouvira as recomendações que fizera a Willard enquanto esperavam pela bagagem, e seus lábios tremeram de raiva. Willard pareceu não perceber sua indignação e enviando-lhe um olhar que era um pedido de desculpas, respondeu: — Beth é, antes de mais nada, minha noiva, e em segundo lugar, minha enfermeira. Ela está bem a par do que sinto, não é, querida? Ela deu um sorriso forçado. — E você também sabe o que eu sinto, querido — contestou Beth, provocando um gostoso carinho em Willard. Apesar disso, ele continuou a fazer pergunta sobre pergunta e ela desviou a atenção pelos lugares por onde estavam pas sando, tentando disfarçar o que estava realmente sentindo. Subiram por ladeiras e vielas da cidade, buzinando estri dentemente. Crianças corriam descuidadas à frente do carro, mas saíam miraculosamente ilesas, graças à habilidade do mo torista, teve que reconhecer Beth. Ao longe, já fora do centro, divisavam-se os lindos campos cobertos de cana. Willard fez uma pausa na conversação com Raul, para apon tar-lhe as lavouras, mas ela achou mais atraente a vista da orla marítima que aparecia na janela oposta. A estradinha começou a descer, ladeada por ciprestes e acácias que se entremeavam com palmeiras, tão abundantes na ilha. O cheiro dos pântanos não era lá muito agradável e nem os trancos que dava a perua pela estrada pavimentada de cascalhos. Ainda bem que os amortecedores pareciam ser resistentes. Agora estavam chegando perto do mar. Beth respirou fundo, inalando o aroma salino que invadia o ar. Iria ser feliz ali, pensou com determinação, e
  • 18. como que para confirmar sua con vicção, Willard voltou à sua posição no assento, tomou-lhe a mão e disse carinhosamente: — Estamos quase chegando ern casa, querida. CAPITULO III Beth não sabia seja tinham chegado ao destino, pois as árvores atrapalhavam a visão. Só quando o carro entrou por entre dois pilares de pedra que ladeavam um amplo portão e fez uma curva, por uma alameda de pedregulhos, é que ela viu a casa. Ficou perplexa. A "casa grande", como era conhecida a propriedade, era uma construção remanescente de eras passadas, toda branca, com a fachada exibindo imponentes colunas dóricas que sustentavam uma lon ga sacada. A parte central tinha portas altas de duas folhas que, no momento, estavam escancaradas, e janelas de linhas graciosas, simetricamentedistribuídas de cada lado da porta. No primeiro andar repetia-se a mesma linha arquitetônica. Havia ainda um segundo andar, com janelas menores, envi draçadas. Além do corpo central, abriam- se lateralmentemais duas alas, possivelmente construídas posteriormente. Apesar de os canteiros estarem invadidos por ervas daninhas e as alamedas um tanto esburacadas, Beth ficou maravilhada. Willard exultava com sua reação. — Bem-vinda ao seu novo lar, querida. Sem se importar que Raul pudesse vê-los pelo espelho re trovisor, ele inclinou-se para junto dela e deu-lhe um caloroso beijo na boca. Raul levou o carro até a escadaria de largos e baixos degraus que levava ao pórtico, e Beth apressou-se em abrir a porta do carro para sair. Quando saltou, viu uma nesga do oceano por entre as árvores, e um arrepio de excitação percorreu todo seu corpo. Sua vontade era descer imediata mente até a praia de areia coralina, afundar nela seus pés descalços e entrar por aquele mar adentro, refrescando o corpo suado. Mas, por enquanto, este prazer tinha que esperar, pois Willard estava precisando de sua atenção e cuidados. Raul ajudou o patrão a descer do carro e deu a volta para junto do porta- malas traseiro para começar a descarregar a bagagem, quando um preto velho começou a descer os degraus da escada com a fisionomia radiante. — Sr. Willard! — exclamou efusivamente. — Sr. Willard, meu senhor, seja bem-vindo! Beth virou-se para ele com uma certa timidez quando Wil lard foi cumprimentá-lo,muito emocionado. — Jonas! Jonas! Meu velho amigão! Não via a hora de rever essa cara feia! Beth manteve-se de lado, testemunhandotodas aquelas ex pansões de camaradagem e percebeu que Raul também os es tava observando. Havia
  • 19. uma estranha expressão de cinismo em seu rosto quando ele descarregou as malas. Por instantes olhou para Beth que desviou o olhar imediatamente para que ele não pensasse que estava interessada em suas reações. — Beth, este é Jonas — anunciou Willard, sem necessidade. — Acredite se puder, mas nós crescemos juntos por estas ban das. A mãe dele trabalhava para a minha, e até perdi a conta das travessuras que aprontamos juntos. Terminados os cumprimentos, uma jovem criada, muito aca nhada, apareceu por detrás de Jonas e desceu a escada para ajudar Raul a carregar as malas. — Maria — disse Willard, distraidamente. Beth notou que a moça não merecera a mesma atenção que Willard dera a Jonas e notou também que todo o interesse de Maria estava concentrado em Raul Valerian. Enquanto seguia o noivo e o velho criado escadas acima, surpreendeu-se fazendo uma acerba crítica íntima ao comportamento da jovem. O que tinha ela a ver se Maria se fizesse de engraçadinha com todo o homem que encontrasse pela frente? Só esperava não ficar como aquelas mulheres ranzinzas e carolas, sempre prontas a colocar em evidência as falhas alheias. Quando Maria deu uma gargalhada debochada, todas as suas boas intenções de tole rância foram por água abaixo, e ela sentiu pela criadinha uma antipatia e um ressentimentopouco caridosos. — Onde está minha filha? Willard estava falando com Jonas e Beth prestou atenção à resposta do velho criado. — Está deitada — informou Jonas, meio sem jeito. — Hoje pela manhã não estava se sentindo bem e mandou avisar o sr. Raul pela Maria... — Isso eu estou sabendo — disse Willard com voz tensa. Beth viu que Willard estava começando a parecer novamente esgotado. — Willard... — ela começou a falar, mas como se estivesse se antecipando às suas palavras, o noivo perguntou impacien temente a Jonas: — Prepararamos quartos? O meu e o da srta. Rivers? — Sim, senhor — confirmou o criado. Raul e Maria chegaram ao hall carregando as malas. — Onde quer que sejam colocadas? — perguntou ele, e Beth apressou-se em dizer: — Pode deixar que me arranjo sozinha. Pode pô-las no chão que mais tarde me encarrego delas. — Maria poderá fazer isso por você — determinou Willard, e os olhos de Raul cintilaram zombeteiramente. — Queira me seguir — pediu Maria com polidez. Beth estava abaixando-se para pegar a frasqueira, quando Willard interferiu.
  • 20. — Deixe isso aí. A criada voltará para apanhá-la. Agora vá com Maria. Ela vai mostrar-lhe seu quarto. Qual é mesmo? — perguntou, dirigindo-se para a moça. — A suíte azul? Maria confirmou com um gesto de cabeça e Willard pareceu satisfeito, — Ótimo, vou subir em seguida. Beth mordeu o lábio inferior, como se estivesse indecisa, olhando antes para a escadaria onde Raul já alcançara o pri meiro lance e depois, para o noivo. — Willard... — Já lhe disse, subo logo — ele insistiu. Seguindo Maria pelo corredor, passou por uma porta aberta e viu Raul Valerian espreguiçando-se após ter depositado as malas de Willard aos pés de uma grande cama quadrada com dossel. Sem saber por que, sentiu-se estranhamentedesconcertada. Suas acomodações eram pegadas ao quarto de Willard. Eram arejadas, luminosas e amplas, com paredes pintadas de creme e painéis de cetim azul. Havia uma espreguiçadeiraforrada do mesmo tecido, cujas franjas acompanhavam o desenho e as cores do mosaico do pavimento. A cama era semelhante à de Willard, porém um pouco menor. O quarto era mobiliado também com um grande armário e duas cómodas com gavetões. Não viu ne nhuma penteadeira, mas apenas um espelho redondo pendurado acima de uma das cómodas. Tudo no quarto era antigo, mas funcional, e com exceção da poeira sobre os móveis, que eviden ciava o desleixo nos cuidados domésticos, era muito agradável. — Obrigada, Maria — agradeceu, quando a jovem colocou as malas no chão. — O quarto é muito bonito. — O banheiro é por aqui, senhorita — indicou Maria, re servando seus sorrisos para alguém mais importante do que ela. — Vou buscar o restante de suas coisas. — Espere um minuto. — E Beth não pôde deixar de perguntar: — Por acaso, este quarto pertenceu à primeira senhora Petrie? Maria sacudiu os ombros. — Trabalho aqui há somente dois anos. E foi-se. Beth olhou para as venezianas enfeitadas por longas cortinas de chifon. Puxou-as para os lados e saiu para a sacada. Con forme previsto, os quartos davam de frente para o mar. Uma areia fina e branca atapetava a praia e a maré parecia estar subindo. Beth pensou em mergulhar naquela água tépida e azul e deixar-se boiar, à mercê da maré. — Está tudo a seu gosto? O som da voz de Willard fez com que Beth voltasse para o quarto. Ele estava apoiado pesadamente ao batente da porta. Beth precipitou-se angustiada junto dele.
  • 21. — Querido, é tudo perfeito, mas tenho que dizer-lhe que você parece exausto. Não quer repousar um pouco? Tenho cer teza de que ninguém vai levar a mal. Willard respirou fundo. — Quero — admitiu com um sorriso apagado. — Você tem razão. Sinto-me arrasado. Mas Clarrie está preparando o almoço. — Clarrie? — Beth perguntou, sem compreender, mas depois sacudiu a cabeça. — Deixe para lá. Você poderá comer alguma coisa na cama se tiver fome. Eu mesma posso servi-lo. — Você é tão bondosa e... tão linda! — Respirou com difi culdade e afrouxou o nó da gravata. — Então gostou do quarto? Era de Agnes, você sabe. Barbara deve ter pensado que eu gostaria de ter você perto de mim. Beth sentiu um choque. Era a primeira vez que Willard pronunciava o nome de batismo da falecida esposa. E não se convenceu muito dos motivos nobres que tinham levado Bar bara a designar-lhe aquele quarto. Achou difícil engolir que aquilo tinha sido feito com boas intenções. — Venha. Deixe que o ajude a deitar-se. Você me dirá depois quem é Clarrie. Willard a seguiu de boa vontade e foi com alívio que Beth constatou que Raul já tinha ido embora. Com muita eficiência, ajudou Willard a despir-se. — Onde você guarda os pijamas? — perguntou, olhando em torno, e ele indicou uma camiseira, a um canto. — Estão ali — falou com voz fatigada, e Beth ficou contente em não ter que remexer suas malas em busca de um pijama. Beth ajudou-o a deitar-se. Depois fechou as venezianas e o quarto ficou na penumbra. — E agora — disse ela, reaproximando-se da cama. — Quer que lhe traga o almoço ou prefere descansar um pouco antes? — Prefiro descansar — confessou Willard, com relutância. Segurou-lhe a mão. — Beth, sinto muito por causa de Barbara. Ela vai aparecer por aí, tenho certeza. Foi sua primeira menção ao fato de que alguma coisa não estava certa em relação à filha, mas Beth não teve coragem de prolongar o assunto. Em vez disso, debruçou-se sobre ele, beijou-lhe a testa, e disse suavemente: — Procure dormir. Tudo vai correr bem, não se preocupe. Mas quando voltou a seu quarto, Beth teve que reconhecer que tinha dito aquilo com uma segurança que estava longe de sentir. Foi com irritação que ponderou que Barbara chegara às raias do desaforo, deixando de receber e cumprimentar o pai doente. Maria já tinha trazido o restante de sua bagagem e ela colocou a mala maior em cima da cama e abriu-a. Já tinha guardado metade de suas coisas quando bateram à porta.
  • 22. — Quem é? — Virou-se automaticamente e viu o rosto de Maria enfiado pela fresta da porta. — Clarrie mandou dizer que o almoço já está pronto — anun ciou, olhando com indisfarçável curiosidade para as roupas e per tences de Beth que ainda estavam espalhados sobre a cama. — Obrigada, Maria. Vou descer já. Desceram pelas majestosas escadas, e para maior segurança, Beth escorregou a mão pelo requintado corrimão, não podendo furtar-se a uma certa sensação de realização. Estava prestes a ser dona daquilo tudo, pensou, incrédula, e um arrepio de excitação percorreu-lhea espinha. Maria cruzou o hall e dirigiu-se para uma das numerosas portas em arco, a qual se abria para uma enorme sala de estar. Sofás estilo regência, com a forração um pouco desbotada, espalhavam-se pelo ambiente onde também se viam cadeiras de alto espaldar, trabalhadas em madeira de lei, com assentos de veludo e uma escrivaninha francesa, marchetada. Havia também uma profusão de mesas, mesinhas, estantes, e algumas prateleiras e cantoneiras mais modernas. Por sobre uma im ponente lareira estava pendurado um retrato a óleo de Willard, envergando uma toga universitária que Beth suspeitou ter sido pintado há muitos anos. Atravessaram a sala de estar e saíram por uma porta dupla que dava para um pátio sombreado por toldos. O almoço era servido ali, numa grande mesa quadrada com tampo de vidro, ladeada por lindas cadeiras de ferro batido laqueadas de branco, com assentos almofadados. A mesa estava posta para duas pessoas e Beth logo advertiu que o noivo não lhe faria com panhia no almoço. — Vou avisar Clarrie — disse Maria, e afastou-se rapidamente. Voltou acompanhada de uma mulher obesa e carrancuda. — Então quer dizer que é a noiva do sr. Willard? — per guntou, fitando-a com olho crítico. — Hummmm, um pouco jovem, talvez, mas suficientemente mulher, penso eu. As faces de Beth afoguearam-se. — Você é Clarrie? — Sou eu mesma. Já fui babá da srta. Barbara, mas agora sou cozinheira. — Maria já lhe disse que o sr. Willard não vai querer almoçar agora? — Já disse, sim senhora — confirmou Clarrie. — Encontrei com o patrão hoje cedo, quando chegaram. — Fez uma pausa. — A srta. Barbara disse que a senhora é enfermeira dele. Como vai ele? Está mesmo melhor? Notava-se que também ela, tal como Jonas, tinha por Wil lard uma grande afeição, e Beth resolveu dar uma satisfação à cozinheira.
  • 23. — Ainda está um pouco fraco — admitiu. — Seu coração está se recuperando aos poucos. Ele precisa cuidar-se por mais uns seis meses. Só o tempo resolverá. — Sim, senhora. Clarrie ainda estava assimilando as explicações, quando Beth, num impulso, inquiriu: — E Barbara? Quando irei conhecê-la? As comissuras da boca de Clarrie descaíram. — A srta. Bárbara descerá quando lhe der na veneta — declarou inexpressivamente, girando os calcanhares em direção a casa. — Vou trazer a comida. A refeição estava apetitosa: fatias de melão com presunto cru, uma salada de mariscos ao vinagrete e frutas frescas. Mas Beth não fez jus à arte culinária de Clarrie. Tentou convencer-se de que sua falta de apetite se devia ao fato de estar comendo sozinha, sem ter com quem conversar, mas não era só isso. Sentiu-se curiosamente vulnerável e não gostou da sensação. Quando terminou o almoço, esperou que Clarrie ou Maria viessem tirar a mesa para que pudesse perguntar-lhes se não haveria problema em conhecer melhor a casa e os arredores. Mas passada mais de meia hora depois que terminou o café, e não tendo aparecido ninguém, decidiu levantar-se e atraves sou de volta o salão de estar, rumo ao hall de entrada. Na parte oposta do salão havia outra ala que dava para uma sala de jantar formal, com uma longa mesa e cadeiras estofadas de couro. Ali, viam-se outros retratos de Willard e de seus cavalos, mas ela sentiu-se relutante em ir adiante, sem per missão. Ainda não era sua esposa, e além disso, preferia que ele mesmo fosse seu cicerone. Mesmo sem ter visto tudo, passou pela sua cabeça que dificilmente alguém poderia viver em tan tos ambientes daquela casa portentosa, e a sensação de todo aquele espaço chegou a intimidá-la. Suspirando, subiu as escadas e foi em direção a seu quarto, passando pela porta de Willard na ponta dos pés. Ouviu-o ressonar e sorriu à constatação de que estava dormindo. Fi nalmente ele estava em seu lar, tranquilo e em paz. O restante viria por si só. Como se fosse atraída por um imã, voltou novamente à sa cada para admirar o oceano com volúpia. Certamente Willard não se incomodaria se ela fosse dar uma caminhada pela praia, pensou indolentemente, mas suas roupas, empapadas de suor, a detiveram. Se descesse até a praia, não resistiria à tentação de entrar na água para refrescar-se, e isso era algo que não queria fazer, no momento. Deu uma olhada no banheiro e chegou a uma decisão. Pegou roupas limpas e levou tudo para o banheiro, abrindo, em se guida, a torneira do chuveiro.
  • 24. Quando terminou, estava tiritando de frio, e o mar, já longe, não lhe pareceu tão convidativo. Mas o calor lá fora o era, e após ter escovado os cabelos até deixar o couro cabeludo for migando, vestiu-se e saiu novamente do quarto. A casa parecia vazia. Não viu ninguém e começou a andar lá fora, com uma deprimente sensação de solidão. Quando pegou o caminho de seixos, agradeceu a Deus por ter calçado um par de tênis, em vez de sandálias abertas. Percorreu o relvado fronteiriço da sala de jantar, e andou por entre as árvores, de onde se via uma nesga das águas brilhantes do mar. O ar marítimo era picante e ela aspirou fundo, enchendo os pulmões, enquanto ad mirava a curva da baía que se dobrava à sua direita. Não resistindo ao apelo, descalçou-se e afundou os dedos na areia que estava incrivelmente quente. Sentiu-se tão liberta e feliz, que começou a ensaiar alguns passos de dança. Em seguida, deu uma corrida até a beira do mar e deixou que pequenas ondas acariciassem seus pés que iam deixando marcas na areia molhada. Virou de frente para a fachada da casa e tentou localizar as janelas de seu quarto e as do de Willard. Será que ele já teria acordado e estaria imaginando onde ela se metera? Acreditava que não. Por certo, dormiria até mais tarde e não pretenderia que ela ficasse sentada em seu quarto, à espera de que ele despertasse. Decidiu dar uma caminhada à beira-mar. O sol estava ar dendo, mas ela não era do tipo de pessoa que se queima facilmente. Apesar de sua origem escandinava, tinha facilidade para bronzear-se uniformemente. Um pequeno passeio não iria fazer-lhe mal, resolveu, e pelo menos, a água do mar refrescaria seus pés. Quando percebeu o quanto havia percorrido, viu que se afas tara mais do que o previsto. Dali, só se via o promontório, pois a casa estava encoberta pelas árvores. Em compensação podia ver outra moradia que parecia suspensa sobre estacas, no alto de uma rampa de grama. Parecia um refúgio, e Beth matutou se também pertenceriaà Willard. Talvez fosse uma pequena casa de veraneio ou uma espécie de estaleiro, apesar de não se verem trilhos deslizantes. Propulsionada por uma curiosidade crescente, pôs-se a ca minho da casa, levando os tênis pendurados na mão. Parou a poucos passos da varanda. Agora ela podia ver que só a frente da casa era apoiada sobre pilares, mas o restante da construção, levantada em terra firme, parecia um rancho desconjuntado. Enquanto estava ali parada, viu um negro aparecer na varanda e ficar olhando para ela. Ficou encabulada, sentindo-se uma grande intrometida. Virou-se rapidamente e foi ao encontro de algo rijo, molhado e quente que, indubitavelmente, era um corpo humano.
  • 25. — Oh... des... desculpe! — exclamou, dando um pulo para trás, como se Raul Valerian fosse uma cobra venenosa. Beth não sabia para onde olhar e para disfarçar seu embaraço, ergueu uma mecha de cabelo que lhe caía sobre a testa, enquanto suspendia pelos laços os tênis que levava pendurados na mão. — Eu... eu não sabia que você estava aí atrás. Uma curva cínica e divertida envergou sua boca. — É que estava muito ocupada, examinando minha casa — comentou com sarcasmo. — Essa... essa é... é sua casa? — interrogou, sentindo-se desconcertada sob aquele olhar avaliador. — Isso mesmo. — Puxou para trás os cabelos molhados. — Gostaria de conhecê-la? — Quem? Eu? — Sacudiu a cabeça veementemente, como que para repelir uma tentação. — Oh, não, não! Quero dizer, eu só estava passando por aqui... — Eu sei. Eu a vi. — Viu? — Transferiu nervosamenteos tênis de uma mão para a outra, sabendo que estava numa posição desvantajosa. — Oh, você estava nadando? Ele fez uma cara de quem não gostou que ela se fizesse de desentendida. — Claro. Não costumo andar por aí de calças molhadas — disse secamente. — Mas pelo visto, estou condenado a receber visitas femininas quando não estou em condições. — Não entendi direito. Beth preferiu não entender, e ele levantou os ombros. Ele era uns bons centímetros mais alto do que ela. Os músculos do pescoço de Beth chegaram a doer na tentativa de desviar o olhar daquele corpo atlético e musculoso. — Esqueça. Permite que lhe ofereça uma bebida? — Sinceramente, — disse Beth, dando um passo atrás — preciso voltar. — Por quê? — Franziu o sobrolho. — Por acaso seu... seu noivo está esperando? Até então a conversação tinha sido um tanto cerimoniosa e impessoal, mas agora ele tinha enveredado para um tom diferente. Havia algo de insultuoso na forma como dissera a palavra "noivo" e Beth sentiu-se quase contente por ele ter lhe dado um motivo para uma recusa. — Sim, ele está me esperando — disse, sem tentar disfarçar seu desagrado. Raul sorriu. — Em poucos meses, vai poder usar e abusar dele — declarou ofensivamente. Beth ficou vermelha de raiva e vergonha.
  • 26. — Acho que você está profundamente enganado — retorquiu com frieza, virando-se ostensivamente para ir embora. Mas uma mão de ferro segurou-a pelo antebraço, puxando-a de volta. Sem querer, ela encostou-se em sua coxa. — Por que vai casar-se com ele? Ela olhou para o homem negro que ainda estava debruçado na varanda, como que reclamando por aquele tratamento e Pedindo ajuda. — Se não me soltar imediatamente, direi ao sr. Petrie de Que forma fui tratada aqui! — ela ameaçou, e ele soltou uma risada curta. — Sr. Petrie! — ele imitou, caçoando. — E o que pensa que ele iria fazer comigo? — Despedi-lo, é o que merece — retrucou, olhando para o braço preso. Ele seguiu seu olhar, até a curva do cotovelo de Beth, que tentava livrar-se do aperto. — Que pele tão macia! Os seios de Beth arfaram e ela foi tomada por um pânico repentino. — Largue-me. — Quase gritou, e dois olhos verdes apertados a encararam. — Se insiste! — E afrouxou a mão, deixando-a cair pendente junto ao corpo. Ela afastou-se dele o mais que pôde, tentando recompor-se. Mas na confusão, um dos pés do ténis caiu na areia e ela teve que abaixar-se para pegá-lo. Raul ficou observando-a, com os po legares enfiados nas passadeiras do cinto das calças e seus olhos percorreram seus quadris e coxas, antes que ela se levantasse. — Então, não quer mesmo conhecer minha casa? — convidou zombeteiramente. Ela nem sequer lhe respondeu, e dando meia-volta, começou a se afastar, sem olhar para trás. Como a distância entre os dois aumentava sem que ele fi zesse o mínimo esforço para segui-la, Beth recomeçou a respirar e tomou dois prolongados sorvos de ar para acalmar-se. Mal podia acreditar no que tinha acontecido, e suas sobran celhas estavam quase unidas por uma ruga de ressentimento. Também estava tremendo e para alguém tão segura como ela, capaz de controlar qualquer situação, aquilo não tinha cabi mento. Não era a primeira vez que a insultavam. Normalmente, as enfermeiras estão sujeitas a ser agredidas pelos pacientes, mas até agora nenhum homem tinha se atrevido a tocá-la com tanto abuso. Olhou novamente para o braço e viu, consternada, que as marcas vermelhas dos dedos daquele bruto ainda lá estavam. O porco!, pensou furiosa. Como pôde atrever-se a tratá-la daquele modo? Se Willard visse aquelas marcas... A sequência de seus pensamentos foi interrompida.
  • 27. Se! Claro que Willard as veria. E por que não? Ela não tinha nada do que se envergonhar. Tudo o que tinha a fazer era contar-lhe que aquilo fora provocado pelas mãos grosseiras de Raul Valerian, o qual, no caso, só tinha uma saída: arrumar as malas e dar o fora. Pressionou a mão nervosa sobre o pescoço, cuja jugular pal pitava doidamente. Fazia poucas horas que estava naquele lugar e já criara uma situação tão desagradável. O que diria Willard disso tudo? Afinal de contas, ele mostrara uma evidente amizade por aquele homem e, sem dúvida, Raul lhe falara com familia ridade. O que diriam os outros empregados se ela causasse trans tornos ao patrão? Pensariam que ela já estava pondo as man- guinhas de fora. Que eles também teriam que cuidar-se para não se verem sujeitos a serem despedidos. Suspirou com tristeza. Era um beco sem saída. E era óbvio que Raul Valerian não morria de amores pelos outros empregados. Mas como ela poderia con vencer disso a Jonas, Maria, ou mesmo Clarrie? Chegou aos pés da rampa rochosa e olhou para cima. A casa grande lá estava, com toda a sua majestade. E se Willard pensasse que ela estava se comportando como uma mulher caprichosa e neurastênica? Como poderia relatar-lhe o que Raul comentara sobre o relacionamento de ambos? Duvidava de que pudesse repetir aquilo a quem quer que fosse. Além disso, Raul sempre poderia negar tudo. O que lhe restava dizer? O que tinha ele feito a mais? Agarrado seu braço e dito que ela tinha uma pele macia... Não era uma coisa tão terrível assim. Encolheu uma perna e começou a calçar os tênis distraida-mente, sabendo que agora não podia demorar-se nem mais um minuto. Não havia meios de traduzir em palavras os senti mentos que a dominaram durante o diálogo e nem a sensação de ameaça contida na pressão daqueles dedos de aço. Seu maior desejo seria chegar junto a Willard e poder contar-lhe toda a história. Não queria compartilhar de um segredo com um ho mem do quilate de Raul Valerian que ela julgava um inescru-puloso e imprevisível. Alguma coisa nele a repelia, e Beth fez o firme propósito de nunca mais permitir que Raul tomasse aquele tipo de liberdade com ela. CAPITULO IV Beth subiu pelo aclive rochoso e atravessou o gra dado em direção ao pórtico. Sentia-se acalorada e com uma comichão por trás do pescoço, causada, sem dúvida, pelo roçar dos longos cabelos. Willard preferia que ela os prendesse, mas eram tão lisos e finos que não havia penteado que durasse. Estava entrando no hall, suspendendo a longa cabeleira com a mão,
  • 28. para refrescar-se, quando deparou com uma jovem des cendo o último degrau da escadaria. Era morena clara, do tipo "mignon", como Beth sempre sonhara ser, e seus traços, mar-cadamente arrogantes e orgulhosos. Não teve dificuldade em reconhecer nela a filha de Willard. — Barbara? — arriscou-se a perguntar, deixando cair os cabelos sobre os ombros e movimentando-se em sua direção. A moça já tinha dado quase meia-volta, para subir de novo, mas não teve outra alternativa senão parar, e foi com relutância que desceu o degrau restante, deslizando seu longo roupão pelo piso de mármore estriado. — É a srta. Rivers, pois não? — inquiriu, com gelada polidez. — Beth — respondeu, tentando não demonstrar seu desa pontamento. — Na verdade, Elizabeth, mas ninguém me chama pelo nome, só pelo diminutivo. — Como vai, srta. Rivers? — Barbara esticou a mão, evi tando qualquer familiaridade. — Está se sentindo melhor? — perguntou Beth, na convicção de que a outra nunca se daria ao trabalho de puxar assunto. Barbara a fuzilou com um olhar de superioridade. — É a força do hábito, na qualidade de enfermeira, que a faz interessar-se tanto por minha saúde? Beth recusou sentir-se ofendida ou intimidada. — Ainda não foi descoberta a cura para a enxaqueca, mas, se quiser, tenho uns comprimidos que podem lhe dar algum alívio. — Duvido. — O tom de Barbara era maligno. — Meu mal não tem causas físicas e sim emocionais. Beth mordeu os lábios. — Sinto muito. — Sente mesmo, srta. Rivers? Realmente sente muito? Beth começou a perder a paciência. Positivamente, Barbara não tinha qualquer intenção de ser cordial e não fosse o fato de ela estar plantada bem no meio da escadaria, Beth já teria subido diretamente para o quarto. Impossibilitada de seguir seu impulso, encaminhou-se para a sala de estar que tinha visto pela manhã. — Espero que limpe seus ténis antes de entrar na sala de visitas. A detestável voz de Barbara a deteve. — O que foi que disse? — Seus tênis — repetiu Barbara, apontando para aquele calçado tão ofensivamente informal. — Estão cheios de areia. Beth molhou os lábios com a língua. Era uma verdade. Tinha calçado os ténis rápido demais e agora o solado estava soltando uma areia fina sobre o mármore do hall. — Esteve andando na praia? — quis saber Barbara, estrei tando os olhos.
  • 29. — Só uma breve caminhada — declarou, um tanto encabu lada, por notar a cor traiçoeira que o sol lhe tinha deixado no pescoço e nas faces. Barbara fechou o cenho. — Encontrou com alguém nessa sua breve caminhada? — Não. Tinha respondido rapidamente demais, mas agora era tarde para correções, portanto, resolveu aguentar a parada. — Por quê? Deveria ter encontrado? — Machucou o braço? Barbara tinha notado as marcas vermelhas. — Levei um escorregão numa rocha — Beth esperou ter sido convincente. — Que azar! Era evidente que Barbara não tinha acreditado nela, mas não ia se atrever a chamá-la de mentirosa. O som das vozes deve ter chamado a atenção de Clarrie. Ela veio carregando uma grande bandeja, com a réplica de seu almoço, portanto sua presença não era só motivada pela curiosidade. Pareceu duvidar de ver as duas juntas. Barbara parecia ter ficado furiosa, — Quer que leve isso para seu quarto, srta. Barbara? — perguntou Clarrie com sua voz arrastada. Beth começou a raciocinar. Agora estava entendendo. No mínimo, quando vira a casa em silêncio, Barbara tinha se es gueirado até o térreo para ordenar que o almoço fosse servido no quarto. Beth duvidava, e muito, que ela estivesse com dor de cabeça e a maneira como expressou-se, em seguida, tornou bem claro seu fingimento. — Agora não tem mais cabimento, não é, Clarrie? — disse com pouco caso. — Oh, ponha isso na mesa do pátio. Vou comer lá mesmo. Clarrie saiu sacolejando o enorme quadril, levando a bandeja através do salão de estar, e Barbara foi deixada para trás, enfrentando um indisfarçável olhar de censura de Beth. — Pois bem! Eu não sou obrigada a sentar na mesa com a amante de meu pai! — agrediu, para defender-se. — Acontece que não sou amante de seu pai — Beth olhou para a outra com desprezo, de cima de sua altura, feliz de ter, pelo menos, quinze centímetros a mais do que a adversária. — E mesmo que fosse, sentiria mais respeito por mim mesmo do que por alguém que parece estar pouco se importando se ele está morto ou vivo! — Eu me importo e muito! — retorquiu Barbara,indignada. — Então, você tem uma maneira muito engraçada de demons trar isso — retrucou Beth, e ironizou: — Escondendo-se no quarto e fingindo que está
  • 30. doente! Se tem alguma coisa contra o nosso casamento, então manifeste-se e diga logo o que sente. — Se tenho alguma coisa contra... — Barbara levou um lencinho branco aos lábios. — Oh, recuso-me a ficar aqui dis cutindo isso com você. Nunca entenderia. — Gostaria que tentasse. Barbara sacudiu a cabeça, teimosamente. — Conheço mulheres como você — enunciou friamente. — Mulheres que abusam da fraqueza dos homens para que lhes façam certas vontades que, em outras circunstâncias, nem co gitariam fazer. — Deu uma parada brusca e mudou de tom. — Desculpe-me, srta. Rivers, mas temo que meu café esteja esfriando. Beth entendeu que se perdesse as estribeiras, entraria no jogo de Barbara, e encolhendo os ombros, ela subiu ao primeiro pavimento. Parou em frente à porta de Willard, decidindo que mesmo se ele estivesse dormindo, o acordaria, e girou a maçaneta. A cama estava vazia e ela ficou olhando para os lençóis desfeitos quando ele chegou, vindo do banheiro. Vestia calça esporte e uma camisa de seda branca. Depois de ter tirado uma soneca reparadora, sua aparência era bem melhor. — Beth! — exclamou com terna alegria. — Onde esteve? Já ia sair por aí à sua procura. Beth desconversou e quando ele aproximou-se, enlaçando-a pela cintura, colocou suas mãos sobre os ombros de Willard e perguntou: — Dormiu bem? Como se sente? Willard sorriu-lhe, conformado em ser alvo de tanto cuidado. — Dormi bem e me sinto ótimo — assegurou, chegando mais perto. — E agora responda-me: por onde andou? — Oh, fui só dar uma voltinha. — Beth sentia-se tolhida. — Fui lá embaixo na pra... oh! Olhou repentinamente para os pés, e Willard, dando um passo atrás, fez o mesmo, — O que há? — Meus tênis — gemeu, consternada. — Estão cheios de areia, Barbara disse... Parou de súbito, quando percebeu o que estava por dizer, e as comissuras dos lábios de Willard fizeram uma curva de tristeza. — Você falou com Barbara? — Sim, falei. — Eu também — declarou soturnamente. — Ela veio aqui no quarto há pouco e me acordou. Conversamos por alguns minutos.
  • 31. — Ela o acordou? — Egoisticamente, Beth sentiu-se revoltada, esquecendo- se de que há pouco pretendera fazer o mesmo. — O que... digo, como estava ela? Willard aconchegou-se e aninhou a cabeça na curva de seu pescoço. — Não vamos falar de Barbara agora. — E aspirando fundo, mudou de conversa. — Hummm, seus cabelos estão suados. Esteve correndo? Com esse calorão, não devia abusar, logo no primeiro dia, minha querida. — Eu estava sufocando. — Justificou-se Beth, de forma vaga, tentando esquecer a cena deprimente com Raul, cuja lembrança ainda tinha o poder de fazer com que suasse frio. — Se é isso, sugiro que tome um banho frio e depois vamos tomar chá juntos — convidou Willard, segurando-a por ambas as faces e esticando os lábios, em busca de um beijo. — Querida — sussurrou emocionado. — Você é tão meiga e doce. Não sei o que seria de mim sem você. — Bem, não vai ser preciso ficar sem mim, ou vai? — pon derou Beth, ajustando seu corpo ao dele, e Willard apertou-a mais ainda, antes de permitir que ela se fosse. — Ande logo — pediu. — Esperarei por você aqui para descermos juntos, querida. Graças a Deus, Barbara já tinha desocupado a mesa do pátio. Certamente, voltara para o refúgio de seu quarto de onde sairia novamente quando não houvesse ninguém à vista. Na verdade, Beth não estava ligando muito se ela saísse ou ficasse, embora soubesse que aquela era uma atitude derrotista. Cedo ou tarde, ela e Barbara seriam obrigadas a se enfrentar. Contudo, era extremamente agradável ficar sentada ali no pátio, gozando o frescor do entardecer e ouvindo Clarrie reco mendar ao patrão para que se cuidasse. A gorda cozinheira o tratava com evidente carinho. Ela, como Jonas, convivera com ele desde a infância. O lanche consistia de bolinhos, sanduíches e um bule de chá da índia. Willard gostava dele bem espesso, mas ultima mente contentava-se com um chá mais fraco. Apôs o lanche, ele propôs que fossem dar um passeio, e Beth concordou, desde que ele prometesse não abusar. — Vamos só até a piscina e voltamos — sugeriu, e Beth não pôde argumentar, pois não sabia de que piscina se tratava. Mas, a tal piscina era um tanque com açucenas, aberto entre uma vegetação que crescia por trás das treliças do pátio. — Quando era garoto, costumava criar peixinhos dourados aqui — comentou Willard saudoso, e Beth tomou-lhe o braço, afastando-o. — Prefiro o mar — disse ela, franzindo o nariz.
  • 32. — Com certeza, amanhã você vai querer nadar. Se ao menos eu estivesse bem para acompanhá-la! Essa droga de coração! — Se seu coração não tivesse feito das suas, nunca nos teríamos conhecido — considerou Beth gentilmente, e ele deu-lhe um ligeiro beijo no rosto. — E verdade... não teria. Preciso não me esquecer disso. Foi a coisa mais importante de minha vida. — Oh, Willard! Não deve falar assim. — Mas... é a pura verdade! — E sua mulher, Agnes... — Casei-me com Agnes porque, na ocasião, era conve niente. Mesmo naquele tempo o dinheiro tinha o seu valor. Você tem uma idéia de quanto custa levar adiante uma plan tação desse porte? Beth não digeriu bem aquele comentário. — Você está querendo dizer que se casou pela primeira vez por... por dinheiro? — Bem, não foi só por isso. Não posso negar que ela era uma mulher muito atraente. Mas era bem mais velha do que eu e... bem... ora, não tem muita importância porque nos casamos. Só sei que acabamos casando. E fomos felizes à nossa moda. Beth retirou a mão de seu braço, A frieza daquelas palavras parecia não afetá-lo, mas ela achou difícil aceitar aquela nova imagem de Willard. Sempre pensara que ele tinha amado a primeira esposa e que essa fora a razão de ter ficado tantos anos viúvo. Mas parecia que as coisas não eram bem assim. — Beth! — Ele a alcançou e passou-lhe o braço pela cintura. — O que está havendo? Eu a choquei? E que eu pensei que você tivesse amado sua mulher, — murmurou, fazendo força para se sentir à vontade junto dele. — Oh, Beth. — Ele suspirou. — Aqui nas ilhas, a conve niência pesa mais do que qualquer ideal romântico. — Isso quer dizer que eu apenas lhe convenho? — ela per guntou, encarando- o. — Não é isso. — Segurou-lhe o queixo. — Você devia saber que o que sinto por você não tem nada a ver com conveniências. — Mas isso não contradiz o que você disse há pouco? — E... pode ser. Beth hesitou por um instante, mas vendo sua expressão abatida, apiedou-se. — E quanto a Barbara? — solicitou gentilmente. — É por essa razão que ela desaprova nosso casamento? Willard passou o braço por cima do seu ombro, e eles foram andando lentamente em direção à casa.
  • 33. — Você chegou a essa conclusão? Estava com receio disso. Beth absteve-se de contar exatamente o que se passara entre ela e a filha de Willard, mas era evidente que Barbara lhe tinha dito quase a mesma coisa. — Ela está ressentida comigo — disse. — É... — Willard concordou, penalizado. — Bem, era de se esperar... Estavam já próximos da casa, e Beth, olhando para aquela fileira de janelas fechadas, teve uma sensação de impotência e frustração. Desejaratanto estar ali, e agora parecia que tudo estava dando errado. Apesar dos receios de Beth de que Willard iria logo entre gar-se de corpo e alma aos negócios do engenho, ele foi ma neirando por alguns dias, parecendo conscientizar-se de que esforços inúteis iriam retardar sua recuperação. Sarar era o que ele mais desejava na vida, porque estava ciente de que ela não consentiria em se casar enquanto ele não estivesse em forma. E desde que tinha chegado à ilha, o desejo de torná-la sua mulher crescia dia a dia. A situação na casa tinha melhorado em parte. Beth mal via Barbara e, às vezes, ficava imaginando como a moça pas saria seu tempo. Quanto a ela, costumava tomar o café da manhã no quarto de Willard e enquanto ele se banhava, ia para seu próprio dormitório se arrumar. Depois desciam juntos. Mais tarde, ainda pela manhã, andavam um pouco a pé pelas redondezas ou então, Beth servia de motorista, dirigindo o carro pelas estradas da ilha, em busca de novos panoramas. Porém, as tardes eram intermináveis. Willard sempre se deitava por umas duas horas depois do almoço, e ela ficava entregue a si mesma. Apesar de ter planejado ir nadar na primeira oportunidade que se apresentasse, essa oportunidade nunca chegava. Não que Willard a tivesse proibido de nadar. Ele só a prevenira que seria perigoso entrar no mar sozinha pois, mesmo que as águas da enseada fossem calmas, os recifes tinham brechas por onde poderiam passar tubarões e barra-cudas. Não querendo preocupá-lo inutilmente, Beth assegurou-lhe que não iria nadar sozinha e com isso, acabou não indo. As noites eram um pouco mais movimentadas. Algumas vezes, após o jantar, iam de carro até San Germaine e, certa vez, foram convidados para um drinque na casa do médico francês. Beth gostara de Jacques Marin e da esposa. Susi era apenas oito anos mais velha do que ela e apesar de Jacques já ser um quarentão, ainda era bastante jovem e bem apessoado. Beth conheceu também Diane Fawcett, uma professora ame ricana, mas veio a saber que era amiga de Barbara e, como consequência, ela mostrou-se hostil com a visitante. Numa manhã de sol, Willard falou para Beth:
  • 34. — Precisamos oferecer um jantar. Que tal a idéia? Beth, que estivera observando com satisfação o progressivo bronzeado de suas pernas, olhou-o, em dúvida. — Você acha que seria bom? Não seria melhor esperar um pouco mais? — Até que eu esteja mais forte? Estou me sentindo mais vigoroso a cada dia que passa e não vejo como um jantar possa me cansar tanto. Ontem eu estava dizendo a Raul que... Ele interrompeu-se bruscamente e Beth olhou-o admirada. — Você viu Ra... o sr. Valerian ontem? — A tarde — assentiu Willard descuidada mente. — Ele veio ver-me. Eu estava descansando, mas estava acordado. Beth baixou a cabeça, olhando para a barra de seu short. — Acho que ele não deveria vir aqui na hora de sua sesta — admoestou, muito tensa e apreensiva de que seu nome pu desse ter vindo à baila durante a conversa. Ela procurou-lhe uma censura no olhar, mas era ele quem estava com cara de culpado. — Se quer saber, fui eu quem o mandou chamar. — E acrescentou, na defensiva: — Precisava falar-lhe. Sinto-me tão apartado de tudo. Aliás, deveria ter dado um pulo no escritório há mais tempo. Beth respirou melhor, mas não pôde evitar de se sentir aborrecida por Willard ter conversado com Raul à sua revelia, — Você sabe que o dr. Isherwood recomendou-lhe repouso absoluto por três semanas, pelo menos — começou a dizer, mas foi interrompida. — O dr. Isherwood não tem um canavial! — Parece-me que... que o sr. Valerian soube tocar muito bem seus negócios enquanto você esteve ausente. — Aí é que está o dilema — exclamou Willard com impa ciência. — Tocou mesmo, e se eu não tomar cuidado, daqui a pouco não consigo nem um emprego de carregador no engenho. — O que está me dizendo? Qne esse tal de Valerian pode criar uma situação embaraçosa para você? — Ora, não estou afirmando que ele vá fazer uma traição dessas. É ótimo administrador. Mas os homens o consideram e o respeitam demais! — Espero que também respeitem você! — O quê? Um velho acabado como eu? — Você não é um velho acabado! — Vamos ver. Deixe que Raul tente fazer alguma coisa — balbuciou Willard ressentido. — Sou dono deste lugar. Prefiro vender tudo do que deixar-me vencer! — Como é? Já está se aborrecendo, srta. Rivers?
  • 35. A voz gélida de Barbara introduziu-se na conversação. Parecia que estivera cavalgando pois vestia elegantes culotes, uma blusa de seda creme e tinha um chicote enfiado no cano de uma das botas. Sua postura era arrogante e dominadora, como se se sen tisse a dona do universo. Beth olhou-a, sem entender. — Eu, me aborrecendo? — Fez eco. — Não, de forma alguma. — Não devia meter-se na conversa alheia. — Wiliard cha mou-lhe a atenção com severidade. — Por onde andou? Não acha que já é tempo de deixar de lado esse antagonismo absurdo e fazer um esforço para conhecer melhor sua futura madrasta? — Ela ainda não é minha madrasta — respondeu rude mente. — E mesmo que você se case com ela, o que duvido muito, nunca vou considerar alguém mais jovem do que eu como minha madrasta. Willard esticou-se na cadeira, como se estivesse farto da filha. — Francamente,Barbara. Quanta criancice! — Pois que seja! Sempre fui sua criança, não fui? Ou já se esqueceu disso? — O que não admito é que você insulte minha noiva! Se for preciso, sou até capaz de construir outra casa na ilha ou em qualquer outra parte que você prefira, e lá você poderá desabafar seus ressentimentose abusar de seu mau humor! Barbara retorquiu, cheia de autoconfiança: — Você nunca faria uma coisa dessas! — Não faria? Não queira desafiar-me! Barbara lançou um olhar maligno em direção a Beth. — Você não pode exigir que eu seja amiga... dela! — E por que não? Vocês duas são praticamenteda mesma idade. Tenho certeza de que Beth tem se aborrecido por aqui sozinha, como você evidenciou tão educadamente. E eu gostaria que você a entretivesse. — Ora, por favor — interferiu Beth. — Eu não preciso de entretenimentos... — Você sabe andar a cavalo, não sabe? Willard olhou para ela esperando uma resposta urgente e ela assentiu a contragosto. — Costumava cavalgar quando era menina. Por quê? Há cavalos por aqui? — Papai os exilou nas cocheiras da fazenda depois que sofreu uma queda grave — disse Barbara, malévola e indiscreta. — Não é mesmo, papai? — É que não tinha quem cuidasse deles por aqui — explicou Willard concisamente, e dirigindo-se a Beth, em especial: — Você já viu como é. Não é fácil conseguir serviçais. — Preferiria que não forçasse Barbara a fazer-me companhia — insistiu Beth, mas Willard estava irredutível.
  • 36. — Amanhã vocês vão cavalgar juntas — ordenou, encarando a filha. — Está certo assim? — A srta. Rivers tem algum traje de montaria? — perguntou Barbara secamente. — Duvido de que minhas roupas sirvam nela — completou com escárnio. Era um insulto sutil, mas Willard fingiu não perceber. — Beth tem calças compridas. Ela não vai participar da caça à raposa, só vai dar um galope com você. Beth abaixou a cabeça. Aquilo era horrível. Como poderia sair por aí a passear, com alguém que a detestava tanto? Mas a nenhuma das duas foi dada qualquer chance de escolha e Beth ficou imaginando que jeito daria, na manhã seguinte, para simular também ela uma enxaqueca. A sugestão de Willard de oferecer um jantar também era um problema a ser considerado e aquela perspectiva a fez ca pacitar-se das dificuldades que teria que enfrentar no futuro, quando se tornasse a dona da casa. Por enquanto, era Barbara quem organizava os serviços de casa, escolhia os cardápios e administrava as despesas. Deslizando da cama, aproximou-se da sacada, incapaz de resistir ao chamado do oceano. Trouxera vários maiôs, mas até agora, só tinham servido para tomar banho de sol no ter raço. Nos lugares de veraneio da Inglaterra tinha visto usarem biquinis junto com short ou saias, no lugar de saídas de banho. Poderia fazer o mesmo e ir para a praia. Não havia ninguém pelas redondezas e ela sabia que Barbara nunca se ofereceria para acompanhá-la, a não ser obrigada. Nem imaginava que ela soubesse nadar. Nunca a tinha visto no mar. Talvez pas sasse suas horas de lazer em outros lugares. Vestiu um provocante biquini marrom franjado de dourado. A cor combinava com o bronzeado incipiente de sua pele, mas infelizmente, seu ventre branco estava destoando do corpo quei mado. Deveria ter usado o sutiã do biquini, em vez da frente única, em suas andanças, mas não sabia se Willard aprovaria semelhantes trajes. O sol estava quente e ofuscante, e ela colocou os óculos escuros. Atravessou o gramado quase correndo, um tanto re ceosa de que alguém a visse, e começou a descer pela rampa rochosa até a praia. Liberdade! Deu um suspiro de felicidade, sentindo-se, todavia, meio culpada quando olhou para os andares superiores da casa, visíveis entre a folhagem. Ora, justificou-se, fazia dez dias que estava ali. Tinha direito de experimentar aquele mar. Assim mes mo, ainda a perseguia um senso de traição por violar a confiança de Willard, e praticamente esgueirou-se, como uma criminosa para os lados de onde não podia ser vista das janelas. Largou as san dálias na areia e foi para a beira
  • 37. do mar. Iria dar só uma mo-lhadinha. Só entraria com água até a cintura e boiaria um pouco. Depois do primeiro impacto, a água pareceu-lhe incrivel mente morna. O sol batia em cheio em suas costas e ela afundou até o pescoço. Que mal havia nisso? Nenhum. A saia e os óculos escuros estavam lá na areia, ao lado das sandálias. Foi com um sentimento de culpa, completamentedesproporcional ao "crime" que estava cometendo, que ela deu um profundo mergulho, furando uma onda. Era maravilhoso! Nunca havia nadado em águas tão densas. Bastava uma leve braçada para manter-se à tona, e ela começou a nadar para mais longe, sentindo um prazer sensual ao contato daquela água tépida. Virou-se de costas e deixou-se boiar, ad mirando o céu e um azul límpido, sem nuvens. Pouco depois, começou a nadar de volta para a praia, com a vista ofuscada pela intensa claridade. Foi nesse momento que vislumbrou pelo rabo dos olhos aquela forma negra e luzidia, deslizando ao nível da água. Jamais tinha visto um tubarão, mas lera o bastante sobre seus hábitos para saber que a pouca profundidade da água não constituía um obs táculo para detê-lo. Sua prática de enfermagem aconselhou-a a não entrar em pânico, mas mesmo assim, seu coração começou a bater como uma bigorna. Enquanto a cabeça dizia-lhe uma coisa, o estômago dizia-lhe outra. A praia não estava assim tão distante. Seria fácil alcançá-la a nado, mas o medo desorganizou-lhe os reflexos e parecia-lhe que apesar dos esforços, não conseguia saú do lugar. Um soluço subiu-lhe à garganta quando sentiu aquele corpo escuro e brilhante avançar sinuosamente por baixo da água e foi com os olhos arregalados de pavor que viu uma cabeça coberta Por uma máscara emergir da água, a seu lado. Seu alívio foi tão grande, que parou de nadar e logo sentiu-se afundar entre as ondas. A água penetrou pela boca aberta e pelas narinas, queimando-lhe os olhos e impelindo-a a debater-se até voltar à superfície. Ficou sufocada por um momento, até que um braço firme a agarrou por baixo do busto e a arrastou até a praia. Tossiu, cuspiu e esfregou os olhos e toda a gratidão de Beth transformou-se em irritação. Começou a nadar pela praia aos tropeções, torcendo os cabelos ensopados e notando, com raiva, que suas pernas tremiam como gelatina. Raul Valerian, e não podia ser outro, pensou amargamente. Ele tirou a máscara, o tubo de oxigênio e todo o equipamento de pesca submarina e atirando-o na areia, veio para perto dela que, a esta altura, caíra estatelada na areia. — Assustei você? — perguntou, sem parecer estar se im portando muito se de fato a assustara.
  • 38. Beth nem se dignou a responder. Estava mais preocupada com o fato de ter esquecido a toalha para cobrir-se e não de sejava molhar a saia. O problema de como voltar para casa naquelas condições tinha que esperar um pouco mais para ser resolvido, e ela decidiu colocar os óculos escuros à guisa de escudo que a protegesse do olhar apreciativo de Raul. — Poderia ter acontecido que, em vez de ser eu, fosse mesmo um tubarão. De vez em quando eles aparecem por aqui. Beth olhou-o de soslaio. — E não se deu conta de que estava me deixando apavorada? — perguntou com maus modos. Ele encolheu os ombros e olhou para o mar. — Claro que sim. Mas que diabos queria que eu fizesse? Achei que desde que me visse ficaria mais tranquila do que se eu tivesse sumido. — Duvido que tenha ficado todo aquele tempo debaixo da água, de lá para cá, a troco de nada. Com uma risadinha caçoísta, estendeu-se perto dela, bai xando mais o zíper do negro macacão de borracha, de forma a expor o musculoso tórax. — Certo — ele concordou, sem tentar uma negativa. — Quer dizer que continuo sendo um ignorante, um cretino, etc. etc. Beth olhou-o inconformada. — Nunca disse isso de você. — Não? — Os estranhos olhos verdes estavam sombreados pelas negras pestanas quando ele a olhou fixamente. — E o que diria então a meu respeito? Pelo menos a vez em que nos encon tramos, parecia que queria fugir de mim como o diabo da cruz. — Aquela vez você foi muito grosseiro — disse Beth, enla çando as pernas com os braços. — Talvez queira dizer realista. — Rolou na areia e apoiou-se sobre os cotovelos. — Seu noivo a preveniu sobre o perigo de nadar na enseada? A última coisa que Beth desejava naquele momento era lem brar-se de Willard. Tinha até proposto castigar-se, ficando na praia até que o biquini secasse para poder vestir a saia. De qualquer forma, as pernas bambas não lhe teriam permitido uma saída honrosa. — Ele avisou-me para que não nadasse sozinha — con cedeu dizer. — Mas você não o levou a sério, não é? — Não... sim! Quer dizer, não tinha intenções de ir nadar — explicou atabalhoadamente. — Não ia nadar, mas veio de maiô! — Como você é observador! As pessoas costumam tomar banho de sol de maiô, ora essa. — Ah... Mas você não vai bronzear-se como se deve, sentada nessa posição.
  • 39. Beth cerrou os dentes. — No momento, não estou pretendendo bronzear-me. — Não está... O que está é desperdiçando seu tempo tentando esconder que minha presença a perturba. — Que homem mais presunçoso — disse ofegante, e dando uma risadinha de desdém, continuou: — Pois saiba que fui embora da Inglaterra justamente para fugir de tipos assim. — Ora! — Ele torceu a cabeça para o lado. — Pois eu tinha a ilusão de que você tinha deixado a Inglaterra porque ia ca sar-se com Willie. Ela corou violentamente. — Quer saber? Não tenho nenhuma obrigação de ficar aqui sentada, falando com você. Agradeceria se fosse embora e me deixasse em paz. — Por quê? Porque eu desmascarei suas intenções mercenárias? — Mercen... Não sou nenhuma mercenária! — contestou energicamente, dando um chute para o ar. — Não é? — Ele imitou seu gesto. — Então por que ,vai casar-se com Willard? — Porque vou... Essa é boa! Talvez lhe interesse saber que eu amo Willard! Eu o amo, dá para entender? — gritou. — Estou ouvindo muito bem o que você diz — concordou com cinismo, baixando os olhos atrevidamente por todo o corpo de Beth. — Belas pernas! — acrescentou, provocador. Não havia como cobrir o corpo, e usar as mãos não teria sido muito sugestivo, portanto, ela ficou na mesma posição, odiando aquele homem por fazer com que ela se sentisse tão vulgar. Quis até pagar-lhe com a mesma moeda, examinando-o de alto a baixo, mas o macacão de borracha marcava- lhe as formas tão escandalosamente que ela desviou o olhar. Ela apressou-se em levantar da areia e em vestir a saia. Mas suspendeu o zíper com tanta afobação que os dentes pren deram-se ao tecido do biquini. Por mais que tentasse, não con seguia fechá-lo. Ao ouvir suas imprecações de exasperação, ele aproximou-se para ver o que estava acontecendo. — Deixe que eu ajudo. — Ofereceu-se, mas foi fulminado com um olhar furioso. — Obrigada, eu mesma faço — retorquiu, e incomodada com seu olhar observador, acrescentou: — Empregaria melhor seu tempo tirando esse macacão do que ficando aí, olhando para mim! — Não creio que aprovaria se o tirasse agora. Ora, já ia esquecendo que você é enfermeira e deve estar acostumada a ver homens nus. — Não nessas circunstâncias — exclamou, escandalizada. — Eu... eu não sabia que... não pensei que... oh, você é desprezível! — Só porque estou aqui na sua frente, lembrando-lhe as coisas boas que vai perder na vida?
  • 40. Ela arquejou. — Como você se supervaloriza! — Julga assim? Subitamente, seus dedos abriram uma trilha de fogo, desde os macios ombros de Beth até a extremidade do decote do sutiã. Ela pulou para trás, segurando a saia com uma mão, e com a outra, esfregando a pele nos lugares por onde tinham passado aqueles dedos ardentes. — Não me toque! — gritou, e então, não conseguindo mais esconder a chama do desejo que iluminava seus olhos, saiu correndo cambaleante, pela praia afora... CAPITULO V Barbara tinha um DKW que usava para per correr a ilha, e estava encostada ao pára-lama, quando Beth apareceu no pórtico da casa. Maria a tinha in formado que Barbara iria para as cocheiras às nove horas da manhã. Beth vestira calças de brim muito justas e um blusão. Depois descera para a sala, dera um beijo em Willard, e o deixara terminando o desjejum sozinho. Tudo levava a crer que seu entusiasmo para que Beth fosse cavalgar se devia, em grande parte, à liberdade que teria para tratar dos negócios do engenho durante sua ausência. E ela não tinha como impedir que Willard entrasse em contato com seus empregados. Só estava nervosa pela possibilidade de ele encontrar-se com Raul durante a manhã e que este lhe relatasse O que a noiva andara fazendo no dia anterior. No dia anterior, depois que alcançara seu quarto, sem maiores percalços, Beth decidira totalmente não contar nada a Willard sobre onde estivera e o que fizera. Apesar de ter afirmado para si mesma que a razão de sua omissão era não dar aborrecimentos ao noivo, na verdade, ela não queria era mencionar seu encontro com Raul. Agora percebia como fora leviana. Se Raul a denun ciasse, e por que não o faria?, Willard poderia imaginar que havia motivos condenáveis para ela esconder aquele encontro. Suspirou, conformada. Agora era tarde demais para chorar sobre o leite derramado e, resignadamente,desceu os degraus da escada para ir ao encontro de Barbara. Como sempre, a moça estava vestida impecavelmente, em trajes de montaria. Seu boné de equitação estava jogado no assento traseiro do DKW. Perto dela, Beth sentiu-se granda1hona e mal-arrumada. — Já está pronta? — ela perguntou, lançando um olhar crítico para a outra. — Já. Vamos indo? — propôs Beth.