1. 10
INTRODUÇÃO
Na atual conjuntura socioeconômica, a busca pelo conhecimento e informação tem
sido continua. Neste sentido, destacamos a importância da leitura para a formação
de sujeitos críticos, reflexivos e socialmente incluídos.
Mediante as necessidades educativas do modelo social vigente, compreendemos a
biblioteca pública como espaço privilegiado de produção e construção do
conhecimento, através da ação e interação dos sujeitos, uma vez, que é através das
práticas de leitura na biblioteca pública, que os eventos sociais de letramento se
dão.
Tendo em vista estas questões, o presente trabalho tem o objetivo de conhecer as
práticas de leitura na biblioteca pública municipal e suas contribuições para a
formação de sujeitos letrados, verificando o que a biblioteca oferece para os
usuários e para a comunidade em geral.
Esta pesquisa foi motivada pela necessidade de refletir sobre a biblioteca pública
municipal Profª. Zenáurea Terezinha Campos Dias, como mediadora da construção
do conhecimento. Para tanto, traçamos o perfil histórico da biblioteca pública na
Brasil e no mundo, da antiguidade ao dias atuais, trazendo teóricos como Martins
(1998), Milanesi (1983; 1997; 2000), Suaiden (1980; 2000). Assim como,
percorremos o caminho da leitura nas suas diversas concepções, fundamentados
em Freire (1990; 2002) Silva (1991; 2005), Solé (1998), Morais (1996), Koch (2007),
Olson (1997), Orlandi, (1993). E finalmente, perpassamos os conceitos e práticas de
2. 11
letramento embasados em Kleiman (1995; 1998), Zilberman, (2007), Tfouni (2006),
Soares (1995; 1998; 2003), Di Nucci (2008), Barbato (2007).
Neste sentido, considerando a relação dinâmica entre universo real e sujeito, este
trabalho compreende elementos de pesquisa qualitativa. Utilizando dos seguintes
instrumentos de coleta de dados: observação participante, entrevista semi-
estruturada, questionário fechado, análise documental, e pesquisa bibliográfica. E
para a organização dos dados levantados, ao longo da pesquisa, este trabalho esta
dividido em quatro capítulos, a saber:
No primeiro capítulo, apresentamos a movimentação para a proposta da pesquisa,
nossas interrogações e inquietações quanto à delimitação do tema, nossos objetivos
e a relevância do presente estudo.
O segundo capítulo compõe-se de um breve histórico das bibliotecas públicas, sua
origem, suas concepções, e transformações sofridas ao longo dos séculos. Alem
disso, apresenta considerações sobre as práticas de leitura necessárias para a
construção cidadã. E ainda, discute algumas concepções e práticas de letramento
no contexto social.
No terceiro capítulo, abordamos a trajetória da Biblioteca Pública Prof.ª Zenáurea
Terezinha Campos Dias, trazendo um resgate histórico, bem como a caracterização
dos sujeitos escolhidos para a pesquisa e os instrumentos utilizados para a coleta de
dados.
O quarto capítulo trata da análise e interpretação dos dados, mediante as
informações colhidas, acerca da Biblioteca Pública de Senhor do Bonfim. Apresenta
3. 12
o perfil do leitor-usuário, e as construções que foram possíveis de ser evidenciadas
através das nossas leituras a respeito do universo estudado e seus sujeitos.
Nas considerações finais, apresentamos reflexões tecidas acerca do papel da
biblioteca pública no contexto social, como mediadora do desenvolvimento individual
e coletivo.
4. 13
CAPÍTULO I
ALGUMAS INTERROGAÇÕES À REALIDADE: CONTORNANDO A PESQUISA
1.1 – Movimentação para a proposta de pesquisa
A sociedade contemporânea vem se tornando cada vez mais exigente no que diz
respeito à formação intelectual dos sujeitos, seja no campo social, econômico ou
cultural. A busca pelo conhecimento e informação é crescente, na mesma
proporção da intensa necessidade do uso das novas tecnologias de informação e
comunicação, que por sua vez, tem exigido incessantemente sujeitos capazes do
uso competente destas tecnologias. Nessa perspectiva, a demanda educativa é
evidente, e também, cada vez mais crescente, estando presente nas mais diversas
esferas da vida do sujeito, desde o lazer, a participação política e social, às
oportunidades de desenvolvimento econômico e cultural do individuo, e da
sociedade.
Desse modo, vemos que um dos instrumentos absolutamente precisos para uma
formação que possibilite sujeitos-cidadãos competentes, críticos frente a sua
realidade, reflexivos e autônomos, é a leitura. Prática esta que se constitui
historicamente no processo civilizatório da humanidade, é incontestavelmente, um
elemento de suma importância para a formação, progresso social e econômico de
um país, e para a realização individual dos sujeitos, pois, a leitura enquanto
atividade humana e prática social permite ao leitor, não só compreende a sua
5. 14
sociedade com maior alcance intelectual, mas pode estender sua visão do mundo
como um todo, reconhecendo no texto escrito o que está além da palavra escrita,
passando a constituir o legado da história humana e a fazer parte desta história
(KLEIMAN,1989).
A leitura em sua natureza comunicativa e reflexiva permite ao sujeito abrir-se para
novos horizontes e experimentar outras alternativas de existência, e de maneira
direta ou indireta, refletir sobre o contexto social em que está inserido. Dessa forma,
o ato de ler é essencial à vida dos indivíduos em meio à sociedade em constante
evolução, é uma necessidade que leva o sujeito à aquisição de significados na vida
cotidiana repleta de oportunidades que requerem o uso da leitura, fazendo desta
uma prática cultural transformadora, (SILVA, 1997).
No âmbito escolar a formação de leitores, é sem sombra de dúvidas, um dos
principais objetivos, pois educar leitores para o convívio social, ou ainda, promover
os estudantes a leitores participantes e atuantes, é papel da escola em sua função
social e emancipadora. Pois, a nível de intenção, a instituição escola quer educar e
promover o progresso de um tipo de leitor que não seja conveniente, ou que se
ajuste ingenuamente à realidade que esta aí, mas que, pelos processos de leitura
(praticados e aprendidos na escola), participe ativamente da transformação social,
(SILVA, 1991). Uma vez que, é imprescindível, esta formação tomada como
finalidade básica estabelecida mediante as práticas de leitura na escola, provocando
o aluno a compreensões, reflexões e ações transformadoras.
A escola enquanto elemento básico para a formação e orientação de leitores,
constitui-se no ambiente mais favorável para o despertar do gosto pela leitura e à
promoção do hábito da leitura nas crianças e jovens, uma vez que sua importância
6. 15
neste processo se deve, principalmente, ao fato de que nela os alunos adquirem a
habilitação inicial na prática de leitura. (ZILBERMAN, 1989). Porém, muito tem se
observado que o exercício da leitura, na escola, tem se restringido a mera
decodificação de símbolos em sons fonéticos, o que não desperta no aluno o gosto
e o prazer pela leitura, resumindo-a num ato puramente mecânico sem atribuição de
sentido, transformando-a num ato enfadonho, acrítico e mecânico.
O que se faz nas escolas é apropriação da decodificação mecânica de
símbolos. Deste modo os alunos apreendem a ler, mas não se tornam
leitores, o que contribui para afastar o aluno, sobretudo os das camadas
populares, do conhecimento (SOARES,1988).
O que se vê no meio escolar, é a colocação das práticas de leitura como verdadeiras
camisas-de-força nos estudantes (SILVA, 1991), agindo de maneira oposta,
afastando seu público de qualquer chance de gosto pela leitura, ao invés do que se
espera que é o favorecimento ao desenvolvimento das habilidades e competências,
e ao desenvolvimento do potencial de leitura dos alunos, sujeitos do processo.
Mediante esse contexto, o aluno acaba por afastar-se dos livros fazendo com que
desconheça o mundo ao seu redor, alienando-se das informações e,
conseqüentemente omitindo sua participação na sociedade. Além disso, ele
distancia-se de descobrir o ato de ler como um momento de prazer, e a leitura como
fonte de lazer.
Nesta perspectiva, observando-se a necessidade da formação de leitores para a
participação social, que por sua vez está condicionada à visão de mundo do sujeito,
seus valores, seus conhecimentos, suas reflexões e visão crítica, enfim, está
condicionada ao uso e as práticas de leitura como instrumento de conhecimento,
destacamos a importância da biblioteca pública como meio de aquisição da leitura e
de acesso ao mundo letrado. A biblioteca assume lugar de prestígio no processo de
7. 16
democratização da leitura, junto à escola, visto que, as práticas de leitura no âmbito
da biblioteca se amarram ao projeto de libertação das classes oprimidas (SILVA,
1991).
Num país como o nosso historicamente marcado pela desigualdade de classes,
onde as condições de leitura são visivelmente precárias, as escolas e bibliotecas
públicas são, sem dúvida, as duas instâncias mais diretamente ligadas à formação
do leitor, e ao acesso ao mundo da escrita (ZILBERMAN, 1989). Visto isso, é
inegável que a formação e sustentação do gosto pela leitura são fruto da
aproximação básica entre leitor e a biblioteca, pois a promoção da leitura e a
educação de leitores atravessam, indiscutivelmente, o contexto da biblioteca pública,
uma vez que partes das obrigações escolares são realizadas dentro deste espaço.
E ainda, a leitura tomada como prática social e de cidadania, construídas a partir das
práticas de leitura realizadas dentro do espaço da biblioteca pública, aqui
considerada como espaço de interação entre indivíduo e sociedade, promove o leitor
à ação participativa e reflexiva para o exercício da cidadania. Assim, do ponto de
vista educacional ―a biblioteca tem um papel importante na democratização do
saber, uma vez que facilita oportunidade de formação, oferecendo a cada individuo
condições de desenvolver suas aptidões particulares‖ (ZILBERMAN, pág. 18, 1989).
Em razão do contexto acima indicado, da dinâmica que se estabelece entre aluno
letrado, escola, biblioteca e sociedade, e das mais variadas formas que se
apresentam às necessidades educativas urgentes, consideramos oportuno o
desenvolvimento de uma pesquisa sobre o tema, por considerar primordial a análise
e compreensão da importância do acesso ao mundo da leitura e escrita, numa
sociedade que vem se tornando cada vez mais exigente no que diz respeito à
8. 17
formação intelectual dos sujeitos, seja no campo social, econômico ou cultural.
Embora contraditoriamente, a grande massa da população ainda seja mantida longe
do mundo letrado e da cultura escrita, de modo geral.
Tendo em vista todas estas questões, tornam-se fundamentais algumas reflexões no
tocante à leitura, formação de sujeitos letrados e a biblioteca pública municipal como
espaço de construção do conhecimento, através da ação e interação dos sujeitos.
Propusemo-nos, a conhecer quem seriam os sujeitos a fazerem uso deste espaço,
quais os anseios que os levam a freqüentar assiduamente ou não, a biblioteca
pública, o que esta biblioteca oferece para a comunidade, quais as práticas de
leitura e de letramento que acontecem ali, em que elas contribuem para a formação
destes sujeitos e para a comunidade de modo geral. Uma vez que, a biblioteca
pública tomada como produtora-condutora do conhecimento através das práticas de
leitura que acontecem no seu interior; é também, elemento básico no processo de
educação de leitores praticantes; e necessariamente, espaço legítimo de luta pela
democratização da leitura. Estaremos garantindo a sobrevivência mais digna aos
sujeitos-cidadãos, numa sociedade onde livros e bibliotecas estiveram,
historicamente, presentes no cotidiano da vida das elites, excluindo as camadas
mais pobres do acesso ao mundo letrado.
Elegemos como elementos a constituírem o problema a ser pesquisado as práticas
de leitura na Biblioteca Pública Municipal Profa. Zenáurea Terezinha Campos Dias,
no município de Senhor do Bonfim, e suas contribuições para a formação de sujeitos
letrados. Além das indagações elucidadas, ainda uma pergunta que nos motivou
para a realização desta pesquisa: Quais os objetivos do leitor ao consultar o acervo
da biblioteca pública municipal?
9. 18
Reunindo todas as questões que norteiam esta discussão delimitamos como
objetivos compreender as práticas de leitura que ocorrem no interior da biblioteca,
seu uso e significados; verificar o que a biblioteca pública municipal oferece para os
usuários e comunidade em geral; conhecer quem é o leitor usuário deste espaço, de
onde provem esta demanda; e ainda analisar quais os usos da leitura e os
significados produzidos por esta prática.
A relevância desta pesquisa consiste em estudar a biblioteca pública municipal
Profa. Zenáurea Terezinha Campos Dias, como agente mediadora na construção do
conhecimento, compreender as práticas que ocorrem no seu interior, e analisar
fatores que contribuem para a formação de sujeitos letrados que possam atender a
estas novas demandas educativas impostas na vida cotidiana e no meio social
desses sujeitos. Contribuindo para o desenvolvimento de políticas públicas e ações
comunitárias que viabilizem um número cada vez maior de sujeitos interessados na
leitura e no desenvolvimento intelectual e social, possível através desta prática no
contexto da biblioteca. Visto que, a biblioteca pública, é porta de entrada para o
conhecimento, proporcionando condições básicas para a aprendizagem
permanente, autonomia de decisão e desenvolvimento cultural aos indivíduos e
grupos sociais. Tem papel importante no desenvolvimento e manutenção de uma
sociedade democrática, ao disponibilizar para o individuo acesso ao conhecimento.
10. 19
CAPÍTULO II
EVENTOS E PRÁTICAS SOCIAS DE LEITURA E LETRAMENTO
NA BIBLIOTECA PÚBLICA
2.1 – A Origem das Bibliotecas no Brasil e no Mundo
2.1.1 – Bibliotecas da Antiguidade: do Sagrado ao Profano
A trajetória histórica da humanidade aponta diversas relações do homem com a
construção do conhecimento, nos seus múltiplos aspectos. A possibilidade do
registro do saber marca e define a sociedade humana, num fazer contínuo que se
transforma a cada instante, neste âmbito, muitos séculos depois da invenção da
escrita, a biblioteca surge como organismo de vital importância social na
preservação do conhecimento.
Na Idade Antiga, ou Antiguidade, período compreendido entre 4000 a.C. a 3500
a.C., fase da história em que surge a escrita, a humanidade passa a utilizar de
mecanismos e suportes materiais para o armazenamento do conhecimento
produzido. Deste período, há registros de escritos dos povos assírios, sumérios e
babilônicos datados por volta do século VII a.C. em conjuntos de placas de argila
que eram usados para registrar a escrita, o que pôde ser compreendida como
11. 20
biblioteca (MILANESI, 1983). Além da argila, foram usados o papiro, pelos egípcios,
no terceiro milênio a.C., e posteriormente o pergaminho, como suporte da escrita.
Durante a Antiguidade, as bibliotecas foram uma espécie de ―depósito de livro‖,
templos e palácios não acessíveis ao público, tinha a função mais de esconder do
que divulgar seus escritos. Da antiguidade até a Renascença, o acesso ao livro não
esteve à disposição dos profanos, as bibliotecas eram como organismos mais ou
menos sagrados, ou pelos menos, religioso, pois somente os sacerdotes, igualmente
sagrados ou religiosos, detinham o saber (MARTINS, 1998).
Entre as bibliotecas deste período, está a mais antiga, datada do século VII a.C., a
grande biblioteca de Nínive, criada pelo Rei Assurbanipal. Entretanto, a mais celebre
da Antiguidade fora a biblioteca de Alexandria, datada do século IV a.C. Apesar da
existência desta biblioteca, a precariedade física do suporte material fez com que a
maior parte do registro do pensamento humano da época se perdesse, a exemplo, a
biblioteca de Alexandria que existiu mais de setenta mil volumes que se perderam
durante três incêndios sofridos. (MILANESI, 1983; FERNÁNDEZ ABAD, 2006).
Não muito diferente da Antiguidade, as bibliotecas da Idade Medieval conservaram
seu caráter religioso, e a concepção de biblioteca como conservatório e depositário
de livro. No reduto de conventos e mosteiros, ainda durante muitos séculos, foram
os religiosos que contribuíram para a conservação das obras literárias e Escrituras
religiosas, e por vezes, também os escritos profanos. No entanto, o acesso aos
livros e à bibliotecas medievais era restrito aos pertencentes à ordem religiosa, de
modo que o controle também se estendia ao trabalho dos monges escribas que se
ocupavam da transcrição de manuscritos clássicos. Contudo, durante este período
da história, ocorreu que:
12. 21
[... o livro medieval conservou os conhecimentos, guardou-os para a
Renascença, hibernou-os nos conventos, e preparou, em conseqüência,
sem o saber e, em certo sentido, sem o querer, o movimento intelectual que
substituiria a tábua medieval de valores. A Renascença não teria sido
possível, no que concerne às obras escritas, se a Idade Média não tivesse
possuído esses enormes silos que foram as suas bibliotecas monásticas,
universitárias e particulares...]. (MARTINS, p.96, 1998)
A antiga biblioteca medieval de um mosteiro beneditino, onde eram guardadas as
grandes e preciosas obras da sabedoria grega e latina conservada através dos
séculos pelos monges, foi descrita pelo crítico literário italiano Umberto Eco, em obra
―O Nome da Rosa‖:
Homens devotos trabalharam durante séculos, seguindo férreas regras. A
biblioteca nasceu segundo um desenho que permaneceu obscuro a todos
durante séculos e que nenhum dos monges é dado conhecer. Somente o
bibliotecário recebeu o segredo do bibliotecário que o precedeu, e o
comunica, ainda em vida, ao ajudante-bibliotecário, de modo que a morte
não o surpreenda, privando a comunidade desse saber. E os lábios de
ambos estão selados pelo segredo. (ECO, 1983, p. 53)
Essas bibliotecas, segundo Eco (1983), eram ―labirintos espirituais e labirintos
terrenos‖, por isso, não podia ser penetrada por qualquer mortal, e o saber
registrado nos livros eram valiosos segredos ―Porque nem todas as verdades são
para todos os ouvidos, nem todas as mentiras podem ser reconhecidas como tais
por uma alma piedosa... (ECO, 1983, p. 54)‖. Os monges, monopolizadores de fato
e de direito de toda a língua escrita, eram ao mesmo tempo, os monopolizadores de
todos os conhecimentos religiosos, literários, científicos (MILANESI, 1983;
MARTINS, 1998).
Todavia, foi a partir da Renascença, que as bibliotecas surgiram como fenômeno de
ordem social, sofrendo uma nítida e mais sólida laicização, pela perda do caráter
sagrado e secreto do livro, para se transformar num instrumento de trabalho posto
ao alcance de todas as mãos (MARTINS, 1998, p.323). Visto que, na história das
bibliotecas ocorre um grande marco, que foi o aparecimento das universidades e a
difusão do livro, no início da Renascença, que acelerou o processo de disseminação
13. 22
democrática do livro, permitindo que o conhecimento humano registrado pela escrita
chegasse a um número de pessoas cada vez mais crescente, expandindo a
circulação das idéias, pois o livro (bem material) deixa os arredores dos conventos,
fazendo das bibliotecas um serviço (bem consumível), deixando de ser considerada
um tesouro. Desse modo, de acordo com Martins (1998):
Para que a Renascença, movimento laico por excelência, pudesse ocorrer é
necessário supor que os profanos tivessem acesso, um acesso cada vez
maior, às bibliotecas, ou, pelo menos, que tivessem conhecimento dos
manuscritos que somente nas bibliotecas existiam‖. (p.97)
Grandes bibliotecas fizeram parte da história neste período, exemplo, as do Monte
Atons, na Turquia, as italianas como a própria biblioteca do Vaticano datada do
século XV, a de Saint-Gall, na França, famosíssima pelo numero de volumes, e de
Fulda, na Prússia. Mas a que mais se destacou, sendo referência intelectual,
adjetivando trabalhos de grande valor, foi a biblioteca da ordem dos Beneditinos.
Logo, foi neste período da história, que os mosteiros salvaram, através das cópias
sucessivas, grande parte da riqueza literária da Antiguidade. Pois, ao lado da oração
com as regras dos mosteiros, estava o trabalho manual das infinitas cópias de
manuscritos antigos. (MORIGI, 2006).
Foi ainda na Renascença que as bibliotecas começaram a tomar seu sentido
moderno, passando a serem entendidas já como organismo democrático em seu
processo de evolução, de laicização, e de socialização, alargando o acesso ao livro,
e sua circulação geral na sociedade. De modo que uma nova concepção de
biblioteca começava a ser delineada:
A biblioteca não é mais, por conseqüência, um mero depósito de livros:
esse o mais importante de todos os pontos característicos na evolução do
seu conceito. A sua passividade substitui-se um salutar dinamismo, a
iniciativa de uma obra que é, ao mesmo tempo, de socialização,
especialização, democratização e laicização da cultura. Ela desempenha
dessa forma por menos que pareça, o papel essencial na vida das
14. 23
comunidades modernas; é em torno dela que circulam todas as outras
correntes da existência social. (MARTINS, 1998, p. 325)
Porém, o acesso às bibliotecas permaneceu restrito a um grupo de privilegiados até
o século XX, pois as grandes coleções pertenciam ao Estado e à Igreja, a idéia de
biblioteca atendia a idéia de arquivo-museu. Somente após a Revolução Industrial
com a expansão do operariado, a biblioteca passou a ser oferecida como serviço
com determinada função educativa, acreditava-se no poder moralizador e educativo
das leituras, sobre a comunidade. Posteriormente, após a segunda metade do
século XX delineou-se uma nova função à biblioteca, a de sistematizar o acesso a
informação passando a ser considerado um centro cultural sendo anexado a seu
acervo novos suportes informacionais. (MILANESI, 1983; MARTINS, 1998;
BARRETO, 2008; AQUINO, 2004).
2.1.2 – História da Biblioteca Pública do Brasil: da Realeza à Popularização
O conceito de biblioteca pública é um conceito contemporâneo. O Congresso de
Bibliotecários, promovido pela UNESCO, de 03 a 12 de outubro de 1951, assim
definiu as bibliotecas públicas:
A biblioteca pública, criação da democracia moderna está na vanguarda da
luta encetada para assegurar plenamente a educação popular; seu papel
consiste em conservar e organizar os conhecimentos humanos a fim de
colocá-los ao serviço de toda a coletividade, sem distinção de profissão, de
religião, de classe ou de raça. Seus objetivos são os seguintes:
1. Fornecer ao público informações, livros, material e facilidades
diversas em vista de melhor servir seus interesses e de satisfazer às suas
necessidades intelectuais;
2. Estimular a liberdade de expressão e favorecer uma crítica
construtiva dos problemas sociais;
3. Dar ao homem uma formação que lhe permita exercer uma atividade
criadora no quadro da coletividade e trabalhar no aperfeiçoamento da
compreensão entre os indivíduos, entre os grupos e entre as nações;
15. 24
4. Completar a ação dos estabelecimentos de ensino oferecendo à
população a possibilidade de continuar a se instruir. (UNESCO. Le
développement des bibliothèques publiques en Amérique latine, 1951, P.3,
tradução nossa)
No Brasil o documento que marca o início da história da biblioteca é datado de 05 de
fevereiro de 1811, foi quando Pedro Gomes Ferrão de Castello Branco encaminhou
um projeto ao Governo da Capitania da Bahia, solicitando a aprovação do plano
para fundação da biblioteca. Este documento representa o princípio do acesso ao
livro e das preocupações com a educação no Brasil. ―O plano foi aprovado, e a
Biblioteca inaugurada no Colégio dos Jesuítas, em 04 de agosto de 1811‖
(SUAIDEN, 2000, p. 52). No entanto, a Biblioteca Real trazida de Portugal por D.
João VI foi aberta ao público em 1814, a que viria a se transformar na Biblioteca
Nacional anos mais tarde.
Na República Velha como na Primeira República, as bibliotecas eram geralmente
improvisadas, grande parte do acervo era formado a partir de doações, as
instalações e os recursos humanos adequados eram precários (MARTINS, 1998).
Durante a Primeira República, foram criadas muitas bibliotecas, mas foi somente a
partir de 1937 que começaram a ser criadas políticas de incentivo à leitura. A criação
do Instituto Nacional do Livro (INL) ―alavancou contribuições expressivas ao
desempenho das bibliotecas públicas‖ (BARRETO, 2008, p. 30).
Pela primeira vez encontra-se uma iniciativa nacional de estruturação da biblioteca
pública, no ano de 1961 pelo Decreto Lei 51 223, foi criado o Serviço Nacional de
Biblioteca, a fim de incentivar a criação de bibliotecas públicas em todo o país.
Porém não é encontrado nenhuma menção à subsídios que favoreça o incentivo da
leitura, e nenhuma política voltada para o interesse da população. (CALDAS, 2005)
16. 25
No entanto, não foram alcançados os objetivos propostos pelo Serviço Nacional de
Biblioteca, e em 1968 o Decreto Lei 62 239 incorporou o Serviço Nacional de
Biblioteca ao INL. No referido período,
Era necessário que a instituição biblioteca fosse dedicada à propagação de
uma política de leitura. Mas a preocupação predominante era a preservação
do material bibliográfico, e muitas se negavam a fazer o empréstimo
domiciliar com receio de o livro ser furtado, e assim o profissional teria de
dar conta do material permanente. (SUAIDEN, 2000, p. 54)
Em 1989, primeira vez em que o termo leitura é mencionado por uma Fundação, o
INL e a Biblioteca Nacional passam a integrar a Fundação Nacional Pró-Leitura, em
1990, o acervo e atribuições são transferidos para a Biblioteca Nacional.
No ano de 1992, instituído pelo Decreto Presidencial nº. 520, foi criado o Sistema
Nacional de Bibliotecas Públicas – SNBP, como objetivo principal de fortalecer as
Bibliotecas Públicas do país. Seguindo os seguintes objetivos:
I – incentivar a implantação de serviços bibliotecários em todo o território
nacional;
II – promover a melhoria do funcionamento da atual rede de bibliotecas,
para que atuem como centros de ação cultural e educacional permanentes;
III – desenvolver atividades de treinamento e qualificação de recursos
humanos, para o funcionamento adequado das bibliotecas brasileiras;
IV – manter atualizado o cadastramento de todas as bibliotecas brasileiras;
V – incentivar a criação de bibliotecas em municípios desprovidos de
bibliotecas públicas;
VI – proporcionar, obedecida a legislação vigente, a criação e atualização
de acervos, mediante repasse de recursos financeiros aos sistemas
estaduais e municipais;
VII – favorecer a ação dos coordenadores dos sistemas estaduais e
municipais, para que atuem como agentes culturais, em favor do livro e de
uma política de leitura no País;
VIII – assessorar tecnicamente as bibliotecas e coordenadorias dos
sistemas estaduais e municipais, bem assim fornecer material informativo e
orientador de suas atividades;
17. 26
IX – firmar convênios com entidades culturais, visando à promoção de livros
e de bibliotecas. (FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL. Disponível em:
http://www.bn.br/snbp)
Foi a partir desse momento que se fortaleceram as iniciativas voltadas ao incentivo e
a disseminação da leitura, provocadas pelo interesse político e mais os contingentes
sociais (BARRETO, 2008).
2.1.3 – Biblioteca Pública no Brasil, hoje
A capacidade de gerar conhecimento é uma característica marcante da sociedade
contemporânea. No entanto, são claras as diferenças sociais e econômicas entre os
que têm acesso e os que não têm acesso a situações e espaços onde as
informações se fazem presentes. Nesse contexto, a biblioteca pública vem atuar
como instrumento democrático, proporcionando igualdade de acesso e
disponibilidade de todo tipo de conhecimento para todos. (PERROTTI; 1990)
É evidente a relevância da existência da biblioteca na sociedade brasileira, dentro
dos preceitos da modernidade, em seu papel social e informativo de caráter
educacional e cultural, possibilitando a democratização do conhecimento e da
informação, e contribuir para a formação do leitor. A Biblioteca Nacional guardiã
máxima do registro do saber em nosso país (Fundação Biblioteca Nacional, 2000),
traz em seu manual Biblioteca Pública, princípios e diretrizes, o conceito de
biblioteca pública e suas características:
18. 27
O conceito de biblioteca pública baseia-se na igualdade de acesso para
todos sem restrição de idade, raça, sexo, status social, etc. na
disponibilização à comunidade de todo tipo de conhecimento. [...] é um elo
de ligação entre a necessidade de informação de um membro da
comunidade e o recurso informacional que nela se encontra organizado e à
sua disposição [...]. Assim, as bibliotecas públicas caracterizam-se por: 1)
destinar-se a toda coletividade,ao contrário de outras que têm funções mais
específicas; 2) possuir todo tipo de material (sem restrições de assuntos ou
de materiais); 3) ser subvencionada pelo poder público (federal, estadual ou
municipal). Ela difere da biblioteca comunitária/popular, que surge da
comunidade e é por ela gerida, sendo o atendimento feito, geralmente, por
voluntários. (Fundação Biblioteca Nacional, 2000, p.17-18).
Suaiden (2000), traz discussões sobre os diversos segmentos da sociedade e as
diferentes expectativas em relação ao papel da biblioteca púbica. Os educadores
acreditam ser a biblioteca um alicerce do ensino-aprendizagem. Os intelectuais
enxergam um espaço rico em literatura de ficção. O trabalhador comum a vê como
um local para solucionar problemas cotidianos. O autor discute ainda, sobre a
utilização do termo ―biblioteca pública‖ e critica o parcial atendimento que realiza.
A própria denominação "biblioteca pública" pressupõe uma entidade
prestando serviços ao público em geral, independentemente das condições
sociais, educacionais e culturais. Nesse aspecto, reside a grande falha da
biblioteca pública, pois, até hoje, o único segmento da sociedade que é
atendido parcialmente, em pequena proporção, é o dos estudantes de
primeiro e segundo graus. (SUAIDEN, 2000, p.57)
E segue com a afirmativa, ―Na batalha que trava para responder às inquietações da
sociedade sobre o seu papel, a biblioteca pública perde cada vez mais prestígio e
poder, deixando de ser o grande centro disseminador da informação, por tentar ―ser
tudo para todos‖ (SUAIDEN, 2000, p.57).
Em novembro de 1994, a Federação Internacional das Associações de Bibliotecários
e de Bibliotecas (IFLA), junto com a UNESCO aprovam o MANIFESTO DA UNESCO
SOBRE BIBLIOTECAS PÚBLICAS acerca do papel e importância da biblioteca
pública, donde citamos um ponto básico:
19. 28
A biblioteca pública é o centro local de informação, tornando prontamente
acessíveis aos seus utilizadores o conhecimento e a informação de todos os
gêneros. Os serviços da biblioteca pública devem ser oferecidos com base
na igualdade de acesso para todos, sem distinção de idade, raça, sexo,
religião, nacionalidade, língua ou condição social. Serviços e materiais
específicos devem ser postos à disposição dos utilizadores que, por
qualquer razão, não possam usar os serviços e os materiais correntes,
como por exemplo, minorias lingüísticas, pessoas com deficiências,
hospitalizadas ou reclusas. (Manifesto da IFLA/UNESCO Sobre Bibliotecas
Públicas, 1994. disponível em: http://archive.ifla.org/VII/s8/unesco/port.htm
Este Manifesto expressa ainda o caráter gratuito da biblioteca pública e quanto ao
seu financiamento e legislação, ―os serviços da biblioteca pública devem, por
princípio, ser gratuitos. A biblioteca pública é da responsabilidade das autoridades
locais e estatais. Deve ser objeto de uma legislação específica e financiada pelos
governos nacionais e locais‖. E assegura a formulação de políticas de
funcionamento e gestão dizendo ―Deve ser formulada uma política clara, definindo
objetivos, prioridades e serviços, relacionados com as necessidades da comunidade
local‖.
No entanto, o advento das novas tecnologias, e todas as questões e discussões
advindas desse contexto, têm mudado consideravelmente, alterando e ampliando, a
função da biblioteca pública. ―No início do século XXI, o cenário das bibliotecas é
alterado principalmente em relação às formas de acesso às informações; as
bibliotecas buscam encontrar novos caminhos na sociedade da informação‖.
(MARCELINO, 2009, p.87) na tentativa de garantir nesse espaço as oportunidades
para desenvolver o hábito e a difusão da leitura e informação.
Gradualmente as bibliotecas, que passam por transformações de estruturas físicas,
e de processos, vem se apropriando das inovações tecnológicas. ―A biblioteca deixa
de ser um tranqüilo depósito de livros para tornar-se o ponto focal de pesquisa
variada, acessada a qualquer hora por usuários virtuais de vários lugares do
20. 29
mundo‖. (LEVACOV, 1997, p.126). Logo, o que pode se dizer, é que de fato cresce a
consciência de que a biblioteca não é mais única fonte de informação.
Através das tecnologias de informação, pode-se melhorar em muito o
processamento de informação, a relação biblioteca e desenvolvimento intelectual e
social de seus usuários. Pois, a biblioteca pública em seu caráter social, é um
espaço democrático por excelência que pode minimizar as diferenças entre os que
têm acesso e usam as informações e os que estão excluídos desse processo,
garantindo a democratização da informação. Bem como diz Cunha (2003):
A sociedade da informação, nos diferentes espaços geográficos em que
vem sendo concebida, atribui à biblioteca pública a missão especial de
assegurar a democratização do acesso em rede, a oferta de produtos e
serviços de qualidade que contribuam para diminuir as desigualdades
sociais e estimular os usuários a utilizar a Internet como instrumento de
ampliação de conhecimento e convivência‖. (p.72)
Nesse sentindo, o novo cenário que desponta no âmbito da biblioteca pública,
favorece o desenvolvimento humano, permitindo a disseminação das informações,
através da adoção de novas medidas tecnológicas. No cenário tecnológico da
sociedade da informação, as bibliotecas passam por um avanço progressivo e
caminham para uma biblioteca que pode tornar-se totalmente digital. Seja como for,
a democratização e a socialização da biblioteca pública são em nossos dias, uma
realidade indiscutível (MARTINS, 1998, p. 331).
21. 30
2.2 – Práticas de Leitura: Condição para Construção Cidadã
A sociedade moderna traz no seu bojo diversos meios e fontes que permitem o
acesso as informações e conhecimentos. Em meio a essa diversidade de
informações e tecnologias que avançam e se superam diariamente, estão presentes
as habilidades desenvolvidas pelo homem desde os primórdios, a leitura e a escrita.
Que correspondem às habilidades essenciais necessárias para que os sujeitos desta
realidade possam vivenciar um cotidiano repleto de mudanças, refletindo sobre
estas transformações que ocorrem no meio social, econômico e cultural num ritmo
muito acelerado.
Neste panorama, dentro de uma sociedade desenvolvida, a leitura se coloca como
via de acesso eficaz ao conhecimento – ainda que pelo intenso progresso da mídia e
dos diversos meios eletrônicos de comunicação – o acesso ao conhecimento,
depende primordialmente dos livros e das habilidades e competências
imprescindíveis do leitor. Por que ler pouco ou não ler numa sociedade letrada, torna
o ser humano inferiorizado, provocando desvantagens profundas entre os que
adquirem, e os que não adquirem essa aprendizagem. (ZILBERMAN, 1989; SOLÉ
1998)
Não nos restam dúvidas de que a leitura é uma questão pública e social. Pública, no
que diz respeito às informações que circulam no meio social, veiculadas através da
leitura e da escrita. ―A leitura é uma questão pública. É um meio de aquisição de
informação (e a escrita um meio de transmissão de informação), portanto, um
componente de um ato social‖ (MORAIS, 1996, p. 12). E social, quando o
22. 31
desenvolvimento intelectual e econômico de uma sociedade depende
primordialmente das oportunidades de acessos a estas práticas de leitura e escrita.
Leitura é indiscutivelmente um problema da sociedade. O desenvolvimento
econômico é condicionado pela possibilidade que terão os homens e
mulheres ativos (e não apenas certas camadas sociais), de tratar a
informação escrita de uma maneira eficaz. (MORAIS, 1996, p. 12).
Neste sentido, as necessidades de conhecimento e informação extrapolam as
situações cotidianas de ler o anúncio do jornal ou ler a bula do remédio. Tornou-se
uma exigência de grau elevado quando nos defrontamos com a vida profissional,
uma vez que as ofertas de bons empregos estão condicionadas ao nível de
formação intelectual do sujeito.
Assim, a formação intelectual disponibilizada pela prática de leitura oferece, além da
aquisição de habilidades necessárias para a vivência diária em sociedade, acessos
ao conhecimento organizado e acumulado por esta sociedade, através da escrita, ou
seja, acesso a informação e desenvolvimento tecnológico, acesso ao mercado de
trabalho, e as mais diversas possibilidades de ascensão profissional e pessoal. Na
perspectiva de Osakabe (1993),
Aprender a ler não corresponde simplesmente à aquisição de um novo
código ou de um simples desenvolvimento de um tipo de percepção através
do acréscimo de uma habilidade. Aprender a ler, é também, ter acesso a um
mundo distinto daquele em que a oralidade se instala e organiza: o mundo
da escrita. (p. 149)
Dentro da perspectiva de Koch (2007), a leitura é uma atividade interativa altamente
complexa de produção de sentido, que requer a mobilização de um vasto conjunto
de saberes no interior do evento comunicativo. É uma atividade que leva em conta
as experiências, as informações e os conhecimentos do leitor, o que propicia a
construção de sentido, pois permite que o leitor critique, avalie e chegue a um dos
vários significados do texto. Pois, ―considerar o leitor e seus conhecimentos e que
23. 32
estes conhecimentos são diferentes de um leitor para o outro implica aceitar uma
pluralidade de leituras e de sentidos em relação a um mesmo texto‖ (p.21).
Visto isso, ao mesmo tempo em que leitura propõe sentido, provoca criticidade, pois,
o leitor crítico atenta não só o que o texto diz, ou quer dizer, mas também para a
intenção do autor, distinguindo o que o autor tenta fazer crer daquilo que ele, o leitor,
esta querendo acreditar (OLSON, 1997).
É nesse movimento que se dá a relação autor e leitor, no que se revela a partir da
interpretação do leitor, daquilo que não esta propriamente nas palavras do texto, que
não o compreende na sua literalidade. ―Quando se lê, considera-se não apenas o
que está dito, mas também o que está implícito: aquilo que não está dito e que
também está significado‖ (ORLANDI, 1993).
A leitura corresponde também, a um modo particular e individual de integração entre
os homens, a história e as gerações. Proporciona a experiência fundamental da
realidade, que permite a compreensão dos registros culturais que representam o
passado, e a compreensão do real, que significa utilizar do seu próprio
conhecimento proporcionado pelas diversas experiências pessoais. De acordo com
Kleiman (1989),
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela
utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já
sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a
interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento
lingüístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue
construir o sentido do texto. E porque o leitor justamente utiliza diversos
níveis de conhecimento que interagem entre si, a leitura é considerada um
processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento
do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão. (p.13)
Evidentemente através das experiências da leitura o sujeito encontra novas formas
de compreender o mundo, de interagir com as pessoas e o meio social. Neste
24. 33
sentido, a leitura permite a construção e atribuição de significado ao mundo a partir
de pontos de vista elaborados e verificações permitidas por esta prática. Que para
Zilberman (1993), ―Compreendida de modo mais amplo, a ação de ler caracteriza
toda a relação racional entre o indivíduo e o mundo que o cerca‖ (p.17).
Silva (2004) propõe que o texto, é como tudo aquilo que provoca e possibilita
significados. Portanto, as habilidades de leitura e compreensão, desenvolvidas por
meio dos textos, dos símbolos, das imagens, proporcionam encontros com o
conhecimento, com as experiências e possibilidades de conhecer e compreender a
realidade que compõe o nosso cotidiano, que consistem a existência humana se
concretiza no ato de ler, pois ―é na e com a comunidade que se aprende a ler e a
atribuir significado aos textos nela contido‖, (SILVA, 2004, p.17).
Para perspectiva freiriana, inicialmente, experimentamos e aprendemos a ler o
mundo, na tentativa de compreender as múltiplas situações que permeiam o nosso
dia-a-dia. A leitura do mundo no seu sentido mais amplo condiciona o homem ao
convívio com os demais sujeitos, habilita-o para a compreensão do real e das
palavras. Assim, desenvolver a capacidade de ler e escrever a palavra, de modo que
alguém possa ler em outro momento, é como diz Freire (1990), ―precedidos do
aprender como ‗escrever‘ o mundo, isto é, ter experiência de mudar o mundo e de
estar em contato com o mundo‖ (p.31).
O ato de ler coloca-nos a refletir sobre a leitura em sua essência, mais que
decodificar símbolos. É, portanto, através da própria leitura em um processo
contínuo de reflexão que nos reconhecemos como seres humanos sociais dotados
de capacidades e entendimento.
25. 34
Ler não é decifrar palavras, mas consiste num exercício de compreensão
que, talvez pela sua complexidade, se torna um fator atrativo envolto num
mundo cheio de mistérios, até porque o ato de ler é, antes de tudo,
compreender o mundo‖. (Santos-Théo, 2003, p.01)
Visto isso, compreendemos que o ato de ler transcende a decodificação daquilo que
está escrito, significa pensar e desenvolver posição crítica sobre valores e idéias, é
um processo contínuo de trocas entre o indivíduo e o mundo. Freire (2002), nos
ensina sobre o ator de ler:
[...] uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na
decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se
antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede
a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir
da continuidade da leitura daquele. (p.11)
Desse modo, podemos compreender a leitura como uma atividade essencialmente
humana. A leitura se constitui num processo de construção do leitor, que
proporciona compreensão e reflexões sobre os diversos textos e mundos que nos
cercam. Estas construções resultam da atividade comunicativa e da interação social
humana, pois a leitura de um texto, ou da palavra, exige uma análise, um
conhecimento, uma leitura dentro do conhecimento real/social que o sujeito se
insere. ―O ato de ler e escrever é um ato criativo que implica uma compreensão
crítica da realidade‖. (FREIRE, 1990, p. 105)
Sob este mesmo ponto de vista, Silva (2005), enfoca a leitura como uma forma de
encontro e comunicação entre os sujeitos. Pois, a relação dos homens entre si,
portanto, as experiências vividas a partir da participação da realidade sócio-cultural,
são garantidas através da mediação dos signos impressos. Visto que, a diversidade
de informações adquiridas através da leitura de diversos gêneros instiga o sujeito à
construção de diálogo e comunicação mais autênticos. Neste sentido, ―ler é
realmente participar mais crítica e ativamente da comunicação humana‖ (p. 41).
26. 35
Desse modo, como instrumento social as práticas das leituras críticas e reflexivas,
desembocam na ação libertadora da leitura, mostrando-se agente de
democratização, cidadania e transformação social. Como afirma Silva (1991),
O cidadão, além de possuir consciência de responsabilidade e direitos
(equilibrados entre si), constitui-se pelas práticas de posicionamentos,
críticas, participação e autonomia. A linguagem indubitavelmente permeia
todas essas práticas à medida que elas são, no fundo, práticas
comunicativas, exigindo a interação entre os homens. E é exatamente aqui
que eu vejo a relação básica e fundamental entre a leitura, tomada como
prática social, e a cidadania. Para me situar nos diferentes contextos
sociais, tenho, necessariamente, de ver, ler ou ouvir [...]. A penetração e a
participação nos mundos da escrita das imagens e/ou dos gestos pela
leitura, percebendo e compreendendo a riqueza, a variedade e as
alternativas contidas nesses universos, são condições básicas para a
realização da cidadania. (p. 24)
Dentre as reflexões aqui apresentadas compreendemos que o ato de ler envolve um
sujeito ativo, que decodifica, analisa, processa informações levando em conta seu
meio social, suas necessidades intelectuais e seus objetivos de leitura. Pois, os
objetivos da leitura determinam à forma em que um leitor se situa frente ela e
controla a consecução do seu objetivo, isto é, a compreensão do texto, (SOLÉ,
1998).
2.3 – Letramento: Concepções e Práticas
O termo letramento, segundo Soares (1998), foi introduzido no Brasil a partir da
segunda metade da década de 80, por teóricos que buscavam definir a utilização do
termo, e distinguir a palavra letramento de alfabetização. E desde então o termo vem
sendo empregado no campo da Educação e das Ciências Lingüísticas. Porém as
discussões sobre a utilização ainda não se encerraram.
27. 36
A palavra letramento trata-se da versão em português da palavra “literacy”, de
origem inglesa, que vem do latim ―littera” (letra), mais o sufixo “cy”, que designa
condição, qualidade (MICHAELIS, 1998). Embora várias posições teóricas tenham
sido tomadas quanto ao termo, discutiremos aqui o uso de letramento nas
perspectivas de Kleiman (1995; 1998), Zilberman, (2007), Tfouni (2006) e Magda
Soares (1995; 1998; 2003).
Na concepção de Kleiman (1995), o letramento é compreendido como ―uma prática
discursiva de um determinado grupo social, que está relacionada ao papel da escrita
para tornar significativa a interação oral, mas que não envolve, necessariamente, as
atividades específicas de ler e de escrever‖ (p.18).
Nesta concepção de letramento, considera-se o fato de estarmos constantemente
em contato com a leitura e a escrita, praticarmos essas habilidades no meio social,
ou seja, nos tornamos letrados ao posso que habilitamo-nos a utilizar o sistema
simbólico no meio letrado, nas palavras da autora, ―letramento como as práticas e
eventos relacionados com uso, função e impacto social da escrita‖ (KLEIMAN, 1998,
p. 181).
Outra teoria sobre letramento é discutida por Tfouni (2006), que conceitua o termo
em confronto com a alfabetização. De modo a entender o letramento como um
processo mais amplo que se diferencia do termo alfabetização, no entanto é
intimamente ligado ao código escrito, focalizando os aspectos sócio-históricos da
aquisição de um sistema escrito, enquanto que a alfabetização se ocupa da
aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo de indivíduos.
28. 37
Ainda sob o ponto de visa da referida autora, o letramento são conseqüências
sociais e históricas da introdução da escrita em uma sociedade.
Entre outros casos, procura estudar e descrever o que ocorre nas
sociedades quando adotam um sistema de escritura de maneira restrita ou
generalizada; procura ainda saber quais práticas psicossociais substituem
as práticas ―letradas‖ em sociedades ágrafas. (TFOUNI, 2006, p. 9-10)
Para Zilberman (2007), o universo onde a criança está inserida dever ser repleto de
oportunidades que viabilizam o letramento, ela precisa estar exposta a iniciativas do
meio, das histórias infantis, sejam elas contadas oralmente, lidas por outra pessoa,
ou visualizada através de imagens, ou ainda através dos diversos meios
tecnológicos. Portanto, o letramento está sempre presente sob diversas perspectivas
seja na escola, antes da escola, dentro ou fora deste espaço.
O letramento é um processo que se inicia antes mesmo de a criança
aprender a ler, supondo a convivência com universo de sinais escritos e
sendo precedido pelo domínio da oralidade. Outros fatores associam-se ao
processo de letramento, já que a convivência com a escrita começa no
âmbito da família e intensifica-se na escola, quando o mundo do livro é
introduzido à infância. (p. 246)
Desse modo, Kleiman (1995; 1998), Zilberman, (2007), e Tfouni (2006) comungam
da concepção de letramento como práticas de leitura e escrita que extrapolam o
conceito de alfabetização.
No entanto, Soares (1995; 1998; 2003), ainda que no mesmo foco de práticas
sociais de leitura e escrita, compreende o letramento para além da alfabetização,
como ela mesmo se refere, e das concepções apresentados até aqui.
[...] é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e
escrever. Implícita nesse conceito está a idéia de que a escrita traz
conseqüências sociais, culturais, políticas, econômicas, cognitivas,
lingüísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida, quer para o
indivíduo que aprenda a usá-la (SOARES, 1998, p.17).
29. 38
A concepção argumentada pela autora é de que os indivíduos dominam o uso da
leitura e escrita desenvolvendo habilidades para a participação ativa em meio que se
fazem necessárias estas práticas. Letramento é, pois, ―o resultado da ação de
ensinar ou de aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquiri um
grupo social, ou indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita‖
(SOARES, 1998, p.18).
Diante das discussões sobre o conceito e empregabilidade do termo letramento
pelas teóricas até aqui apresentadas, pareceu-nos que estas autoras convergem na
mesma direção no que se refere aos aspectos práticos e sociais do letramento. No
entanto, outros teóricos tem recentemente contribuído nas discussões deste termo.
Nas palavras de Di Nucci (2008), a leitura e a escrita trazem para o sujeito
conseqüências socioculturais, um novo modo de viver em sociedade e de se inserir
na cultura, e também conseqüências lingüísticas, uma vez que o sujeito sofre
influência da língua escrita sobre o modo oral de se expressar.
―O letramento permite ao indivíduo participar efetivamente de uma cultura
letrada que exige diferentes usos da escrita no cotidiano. Assim, podemos
considerar que o letramento pressupõe e possibilita novas formas de
inserção cultural‖ (p. 55).
O processo de letramento envolve práticas de pensar o mundo e agir sobre o mundo
por meio de símbolos, palavras, contextos, e diversos instrumentos. Uma vez que, a
convivência com o universo letrado coloca a disposição do indivíduo situações de
aprendizagem que o levam ao desenvolvimento, exercício e amadurecimento de
competências que o direcionam ao letramento, em distintos momentos e em
diversos espaços da vida do sujeito.
30. 39
Segundo a teórica Di Nucci (2008), o letramento permite ao indivíduo participar
efetivamente de uma cultura letrada que exige diferentes usos da escrita no
cotidiano. Assim, podemos considerar que o letramento pressupõe e possibilita
novas formas de inserção cultural.
Visto isso, o desenvolvimento da participação cidadã crítica consciente está
intimamente ligada ao processo de construção do conhecimento individual e
coletivo, viabilizado pelo letramento, que consiste no uso das habilidades de ler e
escrever, no cotidiano em função das necessidades sociais. (KLEIMAN, 1995;
SOARES, 1998; DI NUCCI, 2008)
As situações de convívio com a leitura e a escrita no cotidiano, condicionam o sujeito
ao letramento. Logo, estar envolvido em eventos de práticas de leitura e escrita no
ambiente familiar faz parte do processo social e individual de letramento.
Pois, ler o jornal, escrever um bilhete, entre outras situações fazem parte do
cotidiano dos indivíduos, podendo ser caracterizado como eventos de letramento,
pois ―[...] o letramento envolve a aprendizagem social e histórica da leitura e da
escrita em contexto informais e os usos contextualizados no cotidiano do individuo.‖
(DI NUCCI, 2008, p.54)
O indivíduo letrado vive momentos de socialização e interação com meio, que torna
viável o processo de significação produzido pelo sujeito. Existem caminhos
diferentes para o aprendizado da leitura e da escrita e diferentes processos de
letramento, definidos relativamente à história das práticas culturais de cada grupo e
às demandas dos diferentes contextos situacionais. (BARBATO, 2007). Portanto, as
situações de letramento são vivenciadas a partir de momentos de desenvolvimento
31. 40
cultural e de identificação pessoal, e estão profundamente relacionadas com o
contexto histórico da vida do sujeito.
32. 41
CAPÍTULO III
DIRETRIZES E PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA
A complexidade da organização da vida social do homem moderno esta
intrinsecamente ligada à pesquisa e ao conhecimento científico produzido ao longo
dos séculos. Compreendemos a pesquisa científica como suporte metodológico que
garante o processo de ampliação do conhecimento acumulado.
Estamos chamando de pesquisa o procedimento formal, com método de
pensamento reflexivo, que requer um tratamento científico e se constitui no caminho
para conhecer a realidade ou para descobrir verdades parciais, (LAKATOS, 2005).
As ciências sociais no campo da educação, por sua vez, vêm através do tempo
desenvolvendo instrumentos teórico-metodológicos, legitimando sua grande
diversidade de modelos próprios de fazer pesquisa e analogicamente constituindo-
se em rigor e confiabilidade, adequando métodos e técnicas de acordo com a
natureza dos fenômenos por ela estudados. No campo da ciência o primeiro
princípio é a pesquisa, que se estabelece numa atitude processual de investigação
diante do desconhecido e dos limites que a natureza e a sociedade impõem, e que
por objetivo fundamental compreender conhecimento humano em evolução.
Neste sentindo, o respectivo trabalho compreende elementos de pesquisa
qualitativa, por compreendermos que este tipo de abordagem considera a existência
de uma relação dinâmica entre universo real e sujeito, ouvindo e explorando as
33. 42
idéias, compreensões e preocupações sobre determinado fato, ou fenômeno. Seu
foco principal é o processo. A investigação num enfoque qualitativo abrange um
conjunto de procedimentos para coleta de dados que permitem sistematizar os
diferentes componentes que expressam os fenômenos do mundo social, implica
alcançar dados descritivos, apanhados no contato direto do pesquisador com a
situação estudada, salientando mais o processo do que o produto e se preocupa em
representar a perspectiva dos participantes. (LUDKE e ANDRÉ, 1986).
A pesquisa numa abordagem qualitativa permite a análise dos resultados num
panorama contextualizado do sujeito pesquisado, no intuito de observar, registrar,
compreender e co-relacionar os fatores e fenômenos sem manipulá-los. Pois, nesta
perspectiva busca-se conhecer e compreender as diversas situações e relações que
ocorrem na vida social, política, econômica, (CERVO, 2007).
3.1 – Caracterizando o Lócus e Sujeitos de Estudo
A pesquisa foi realizada na biblioteca pública municipal Professora Zenáurea
Terezinha Campos Dias, localizada na cidade de Senhor do Bonfim, município da
Região Centro-Norte do Estado da Bahia.
A referida biblioteca pública é mantida pela Prefeitura Municipal de Senhor do
Bonfim, e administrada pela Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes.
Esta inclusa na Lei municipal nº. 1137/2009 de 02 de outubro de 2009, que trata do
Sistema Municipal de Cultura - SMC, com a finalidade de captar e canalizar recursos
34. 43
para a área cultural, contando com um representante no Conselho Municipal de
Cultura regulamentado pela mesma Lei.
Para o desenvolvimento desta pesquisa tomamos como sujeitos de estudo os
usuários da biblioteca pública municipal. Foi analisado um grupo de amostragem
composto por vinte e sete usuários, escolhidos aleatoriamente, que participaram do
estudo respondendo a um questionário. Em seguida foi escolhido, também pelo
critério de aleatoriedade, um a cada três destes sujeitos que participaram da
segunda etapa do estudo, respondendo a uma entrevista.
3.2 – Os Instrumentos de Pesquisa
O momento de coleta de dados se configura numa etapa de verificação, que
necessita ser sistematizada através de instrumentos e técnicas. Os procedimentos
metodológicos aqui selecionados estiveram diretamente relacionados ao objeto de
estudo, afim de melhor atender as necessidades do pesquisador de forma ordenada
e completa.
Em função dos objetivos propostos esta pesquisa empregou a entrevista semi-
estruturada e pesquisa bibliográfica como principais técnicas de coleta de dados,
além de outros métodos complementares, como a observação participante, o
questionário fechado, e a análise documental a fim de alcançarmos o proposto e
melhor compreender os fenômenos estudados.
35. 44
Justifica-se a escolha da técnica de entrevista por ser um dos principais
procedimentos de coleta de dados utilizada pelos pesquisadores em ciências
sociais, no intuito de obterem dados que não estão expressos em fontes
documentais, mas podem ser obtidos através da fala dos sujeitos. ―É uma conversa
orientada para um objetivo definido: recolher, por meio do interrogatório do
informante, dados para a pesquisa‖, (CERVO, pág. 51, 2007). Optamos pela
entrevista do tipo semi-estruturada, que se caracteriza numa série de perguntas
abertas feitas verbalmente em ordem pré-estabelecidas, mas que permite ao
investigador explorar mais adequadamente as questões, como numa conversa
informal na intenção de melhor atender as necessidades da pesquisa. Este
instrumento foi delineado cuidadosamente observando os objetivos propostos, pois
sua flexibilidade requer do pesquisador grande controle e direcionamento das
questões, no entanto permite obter informações mais ricas e fecundas mantendo a
qualidade da pesquisa (CERVO, 2007). A entrevista foi registrada com o auxilio de
um gravador digital para garantia da fidelidade e veracidade das informações
colhidas, com prévia autorização dos entrevistados, que posteriormente foram
transcritas para a categorização e análise dos dados.
Outra relevante categoria de procedimentos de coleta que utilizamos foi a pesquisa
bibliográfica, que se constitui num suporte de extrema importância na coleta,
manipulação e análise das informações, propiciando maior rigor na abordagem do
estudo, pois estivemos em contato direto com as possibilidades já estudadas sobre
a temática.
A escolha pela observação participante se deu por permitir a participação real do
pesquisador na comunidade ou grupo estudado (LAKATOS, 2005). O pesquisador
36. 45
integra-se a situação e participa da vida do grupo em estudo, no intuito de
compreendê-lo no sentido de dentro, de fazer parte daquele meio, é uma
participação direta e pessoal.
A pesquisa fez uso do procedimento denominado questionário, que é um
instrumento de coleta de dados constituído por uma série ordenada de perguntas,
que devem ser respondidas por escrito na ausência do entrevistador. Sua natureza
impessoal garante a uniformidade na avaliação e possibilita a coleta de informações
e respostas mais concretas. Justificamos sua utilização por viabilizar o levantamento
de dados referentes aos aspectos sócio-culturais dos sujeitos e por atender a
finalidade do estudo. O questionário foi do tipo fechado, pois permite respostas mais
rápidas e precisas, facilidade na aplicação, manipulação e analise das informações
obtidas.
Os procedimentos metodológicos adotados para a instrumentalização desta
pesquisa foram aqui empregados, de modo, a se tornarem suportes de comunicação
favoráveis entre o investigador e sujeito investigado. Pois, entendemos que a
operacionalização da pesquisa e o alcance dos objetivos estão intimamente ligados
a escolha das técnicas e procedimento de coleta, logo os instrumentos devem ser
adequados aos objetivos da pesquisa a fim de alcançar seus propósitos,
(TRIVINOS, 1987).
37. 46
CAPÍTULO IV
A ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
Este capítulo apresenta a análise e interpretação dos dados obtidos durante a
pesquisa. Destacamos que, as interpretações foram norteadas pelos nossos
objetivos, tendo como ponto de referência o quadro teórico.
No intuito de proteger a identidade dos entrevistados, utilizaremos um código para
identificar os discursos aqui transcritos. Será utilizada a letra ―L‖ (que é uma
abreviação da palavra ―Leitor‖), seguida de um numeral (01, 02, 03, etc.).
Para apresentação dos resultados organizamos os dados em categorias
estabelecidas levando-se em consideração as informações colhidas. Uma vez que,
as categorias são modos de organizar os conteúdos dos discursos que nos
permitem encontrar os ―sentidos‖ que nos auxiliam na interpretação, como explica o
autor:
A categorização é uma operação de classificação de elementos
constitutivos de um conjunto, por diferentes e, seguidamente, por
reagrupamento segundo o gênero (analogia) com critérios previamente
definidos. As categorias são rubricas ou classes, as quais reúne um grupo
de elementos (unidades de registro, no caso da análise de conteúdo) sob
um título genérico, agrupamento esse efetuado em razão dos caracteres
comuns destes elementos (BARDIN, 1977, p.117).
Neste sentido, apresentaremos os nossos resultados nas seguintes categorias: A
primeira categoria, Biblioteca pública de Senhor do Bonfim, Subdividida em
38. 47
subcategorias: a) Breve Histórico de Senhor do Bonfim; b) Trajetória Histórica da
Biblioteca Municipal de Senhor do Bonfim.
A segunda categoria, Traçando o Perfil do Leitor-Usuário, traz o perfil dos usuário
da biblioteca pública de Senhor do Bonfim.
A terceira categoria Os Significados que a Leitura Produz, analisa a compreensão
que os sujeitos têm sobre leitura. Deste modo, as informações estão organizadas
em subcategorias: a) Ler é conhecimento; b) Ler é interagir, é construção de sentido
e visão de mundo; c) Leitura para a alfabetização e o letramento; d) Aspectos sociais
da leitura.
A quarta categoria, As Possibilidades de Leitura e de Letramento na Biblioteca
Pública, analisa as possibilidades de leitura e letramento que ocorrem no âmbito da
biblioteca pública. Apresentadas nas subcategorias: a) Objetivos dos usuários:
obrigações escolares, leitura e estudos; b) A importância da biblioteca para a
comunidade.
E por fim, A Biblioteca Pública como Espaço Mediador, analisa a biblioteca como
mediadora de leitura e eventos de letramento na sociedade. Apresentadas nas
subcategorias: a) Inclusão Social; b) Oportunidade...; c) Projetos de Incentivo a
Leitura?
4.1 – Biblioteca Pública em Senhor do Bonfim
39. 48
4.1.1 – Breve História de Senhor do Bonfim
Na região baiana denominada Piemonte Norte do Itapicuru, está localizada a cidade
de Senhor do Bonfim, com uma população de 76.113 habitantes em 2009, de acordo
com o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Senhor do Bonfim distancia-se 374 quilômetros da Capital Salvador. Tem um relevo
constituído pelo Pediplano Sertanejo, seu clima é caracterizado pelos tipos semi-
árido, seco e subúmido, e sua vegetação possui características da caatinga arbórea,
florestas estacionais e grande variedade de vegetais, além das árvores frutíferas. O
município é banhado pela bacia do Itapicuru, e seus principais rios são o Itapicuru
Mirin, o rio da Prata, o Jaguarari, o Tamanduá e o Coité (MACHADO, 2007).
A história da cidade de Senhor do Bonfim teve início no Brasil Colônia, mais
precisamente no ano de 1697. Quando o local abrigava apenas rancharia de
tropeiros e mercantes, pois era ponto obrigatório destes que vinham do Piauí,
Longal, Maranhão e do rio São Francisco, ―em direção das terras onde se cavava o
ouro, aí descansavam e armavam os seus ranchos à beira da lagoa‖ (SILVA, 1970,
p. 13).
Na metade do século XVIII, os tropeiros e mercantes que por ali ficaram,
constituindo família e moradia, já se tornavam um pequeno povoado que em ―1750 a
rancharia se transformara em um arraial que tinha o nome de Arraial do Senhor do
Bonfim da Tapera‖ (MACHADO, 2007, p. 44).
40. 49
Após receber oficialmente o nome de Arraial do Senhor do Bonfim da Tapera, a
localidade já contava com cerca de 600 habitantes, fato que contribuiu para a
elevação do arraial a vila. Pois em 8 de junho de 1796, foi encaminhado pelos
moradores ao Governo o pedido de criação da vila, mas só em 1º de outubro de
1799, através do Auto de criação especial é que a localidade foi elevada a vila
recebendo o nome de Vila Nova da Rainha (MACHADO, 2007). Nome que
homenageou Dona Maria I, rainha de Portugal, em nome da qual seu filho, o futuro
D. João VI, que dirigia o trono no impedimento da soberana homologou a nobre
causa (SILVA, 1970).
Em 28 de maio 1885, pela Lei provincial nº 2.499, a Vila Nova da Rainha foi elevada
à categoria de cidade, chamando-se dai para frente Cidade de Senhor do Bonfim.
Instalada em 7 de janeiro de 1887, pelo juiz de direito interino Dr. Aurélio Pires de
Carvalho e Albuquerque (MACHADO, 2007).
4.1.2 – Trajetória da Biblioteca Municipal de Senhor do Bonfim
A década de 30 é marcada pela entrada do Brasil no mundo capitalista de produção
e acumulação de capital, o que exigiu mão-de-obra especializada e investimentos na
área da educação. Dentre as ações do governo federal se destaca a criação do
Instituto Nacional do Livro, em 1937 que contribuiu expressivamente para o
desenvolvimento das bibliotecas públicas (SUAIDEN, 2000).
41. 50
No mesmo período, em Senhor do Bonfim, ano de 1934, foi fundada no governo de
Mariano Ventura, a biblioteca ―Borges de Barros‖, que 70 anos depois, pela Lei nº
924/04, de 20 de julho de 2004, passou a se chamar ―Biblioteca Pública Profª
Zenáurea Terezinha Campos Dias‖.
Pouco se sabe sobre a trajetória histórica da Biblioteca Pública Profª Zenáurea
Terezinha Campos Dias, já que os documentos pertencentes a esta se perdedam no
tempo em meio a reformas e mudanças. Porém, Adolfo Silva (1970), faz mensão as
biliotecas que Senhor do Bonfim já possuiu ao longo de sua história, entre elas está
a ―Borges de Barros‖, hoje Biblioteca Pública Profª Zenáurea Terezinha Campos
Dias.
―A primeira biblioteca foi instalada, em 1912, pela Soc. União e Recreio, na
sua sede na rua Cons. Franco, transferida para a rua 02 de Julho, com
1.928 volumes. A segunda ―Borges de Barros‖ foi fundada em 1934, com
3.916 volumes, pertencente à Prefeitura Municipal, em cujo prédio funciona.
Foram fundadas as bibliotecas ―União e Mocidade‖, em 1940, com 645
volumes, pertencentes à Igreja Presbiteriana; ―Manoel Quirino‖, em 1942,
com 439 volumes, na rua Rui Barbosa, pertencente à Associação
Beneficente e Cultural dos Artífices; ―Rui Barbosa‖, em 1948, com 1.344
volumes, na rua 2 de Julho, pertencente à agência do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística; ―Pedro Calmon‖, em 1957, com 280 volumes,
pertencente às Escolas Reunidas; ―Pio XII‖, em 1959, com 1.200, volumes,
pertencente ao bispado, funcionado no Seminário N.S.de Lourdes. (p. 55)
Contudo, encontramos no arquivo da Biblioteca Pública Profª Zenáurea Terezinha
Campos Dias uma circular expedida pelo Instituto Nacional do Livro, no ano de 1988
(anexo 01), que confirma o cadastro desta biblioteca, no referido orgão Federal, hoje
Fundação Nacional do Livro.
Outros documentos também confirmam o registro desta biblioteca em outras
instituições como no Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (circular
datada de 06 de janeiro de 1999, remetida a então ―Borges de Barros‖ — ver anexo
42. 51
02) e no Conselho Regional de Bibliteconomia - 5ª Região (ofício expedido em 19 de
março de 1996 — ver anexo 03)
No entanto, o mais importante documento encontrado nos arquivos da biblioteca
municipal, que comprova sua existência mediante os orgãos de administração
pública municipal, estadual e federal, foi um formulário do Serviço de Estatística da
Educação e Cultura – SEEC, do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
(anexo 04). No documento datado de 27 de junho de 1984 constam as informações
de que a ―Biblioteca Borges de Barros‖ foi fundada em 1934 e que ficava localizada
na Praça Juracy Magalhães, reafirmando o que Silva (1970) já havia constatado. É
esclarecido ainda que a entidade mantenedora é a Prefeitura Municipal de Senhor
do Bonfim. O acervo bibliográfico, na época, era formado por 1.654 exemplares.
No verso do documento citado no parágrafo anterior, encontramos a seguinte
informação ―confirma-se o registro e esclarecemos que os funcionários existentes
não são bibliotecários formados e nem treinados. E sim, funcionários da prefeitura.‖
(IBGE, 1983). Logo, diante deste documento e de relatos de antigos funcionários
ouvidos ao longo desta pesquisa descobrimos que na história da Biblioteca Pública
Profª Zenáurea Terezinha Campos Dias nunca houve um profissional formado na
área. Ainda, no mesmo documento encontramos a informação de que em 1983,
houve uma reforma na biblioteca, mas nada se sabe sobre esta reforma.
Diante dos relatos de antigos usuários e funcionários observamos que o acervo da
biblioteca pública é mantido por doações de alguns órgãos, de usuários, e de
pessoas da comunidade local. Hoje a Biblioteca Pública Profª Zenáurea Terezinha
Campos Dias é a única biblioteca pública municipal em funcionamente na cidade de
43. 52
Senhor do Bonfim, e fica situada no local conhecido como Pirâmide, à Praça
Alexandre Góis.
4.2 – Traçando o Perfil do Leitor-Usuário
O primeiro momento da coleta de dados foi realizado por meio de um questionário
estruturado formado por 8 questões, que teve como objetivo conhecer quem é o
leitor-usuário da Biblioteca Pública Profª. Zenáurea Terezinha Campos Dias, e de
onde provem esta demanda. Dos 252 usuários-leitores que freqüentaram a
biblioteca pública no período de realização do trabalho de investigação,
compreendido entre os dias 01 a 30 de novembro de 2009, variando entre os
períodos matutino e vespertino, 27 responderam ao questionário. Número que
representa um índice de 11% do total dos freqüentadores. Para análise dos
questionários consideramos as características e hábitos dos usuários-leitores.
Em um país como o nosso onde ainda não se cultiva o hábito de leitura, mas que,
também, não deixa de ter práticas leitoras, a biblioteca como uma instituição
destinada ao ato de ler exerce um importante papel de mediação entre a leitura e a
formação do leitor, num contexto social em constantes mudanças e de inúmeras
exigências. Pois, todos independente de idade ou classe social têm livres acesso a
este espaço.
Em nossa pesquisa detectamos que, 33% dos respondentes relataram freqüentar a
biblioteca uma vez por semana, 30% freqüentam mais de uma vez por semana, 11%
44. 53
freqüentam uma vez por mês, 26% raramente freqüentam. Com base nesses dados,
observa-se que mais da metade dos respondentes informaram ter usado
assiduamente os serviços e produtos oferecidos pela biblioteca. Os perfis desses
respondentes serão discutidos adiante.
No tocante as características do grupo respondente, constatamos que quanto à
idade, 33% encontram-se na faixa etária entre 11 e 15 anos, 30% entre 16 e 19
anos, 30% entre 20 e 25 anos, e 7% entre 24 e 30 anos. Estas informações indicam
que o público atendido na biblioteca pública de Senhor do Bonfim é primordialmente
de jovens, o que sinaliza serem alunos de ensino fundamental e médio, dados que
confirmaremos e discutiremos nas análises a seguir. Em relação ao gênero, 48%
são do sexo feminino, e 52% do sexo masculino.
Figura 1
Faixa etária
7% Entre 11 e 15 anos
33%
30% Entre 16 e 19 anos
Entre 20 e 25 anos
Entre 24 e 30 anos
30%
Fonte: dados da pesquisa
Quando perguntamos sobre a ocupação dos respondentes, 93% responderam não
trabalhar. A maioria dos usuários-leitores que responderam ao questionário, 74%
cursam ou tem o nível médio de ensino, 15% cursam ou tem o nível superior
45. 54
incompleto, e 11% cursam ou tem o ensino fundamental, informação que reforça a
hipótese de que o público potencial da biblioteca pública em estudo é de estudantes.
Com os dados analisados e apresentados na figura 1 e figura 2 pudemos verificar
que a Biblioteca Pública Profª. Zenáurea Terezinha Campos Dias, sofre o que
Suaiden (2000) chamou de fenômeno da escolarização das bibliotecas públicas.
Pois em um levantamento histórico feito pelo autor sobre o contexto social da
biblioteca pública entre as décadas de 30 e 50, demonstrou que a falta de biblioteca
escolar fez com que os alunos se utilizassem da biblioteca pública existentes, ―que
passou a dar prioridade para o atendimento estudantil em detrimento a outros
segmentos‖ (p.55). Fato que após 50 anos ainda é notado, pois entre os serviços
prestados ao público em geral, aqui reside a grande falha da biblioteca, até hoje, o
único segmento da sociedade que é atendido parcialmente, em pequena proporção,
é o dos estudantes do ensino fundamental e médio (SUAIDEN, 2000).
Figura 2
Nível de Escolaridade
74
Ensino Sup.
Incompleto
Ensino Médio
15
11 Ensino
Fundamental
Fonte: dados da pesquisa
Das instituições públicas preocupadas com o processo de construção e
democratização do conhecimento, as bibliotecas públicas são consideradas um
46. 55
espaço privilegiado e consagrado à prática de leitura, uma vez que, facilita
oportunidades de formação e condições de desenvolvimento individuais e coletivas,
pois as situações que ali se desenvolvem possibilitam a interação do leitor com o
que é lido, contribuindo para as construções e significações realizadas por meio da
prática da leitura (ZILBERMAN, 1989; SILVA, 1997).
Analisando o segundo aspecto verificado durante a pesquisa, os hábitos dos
usuários-leitores da Biblioteca Pública Profª. Zenáurea Terezinha Campos Dias,
consideramos que a biblioteca tem favorecido ao desenvolvimento cognitivo e
cultural dos sujeitos, através das situações de práticas leitoras que surgem no
interior deste espaço, subsidio imprescindível para o desenvolvimento sócio-cultural
dos indivíduos participantes da relação leitura e biblioteca. Pois, no que diz respeito
à utilização de outra biblioteca, nota-se, que 56% não freqüentam outra biblioteca. E
do total de respondentes que freqüentam outras bibliotecas (44%), 75% declararam
utilizar de bibliotecas escolares, e 25% de bibliotecas universitárias.
Figura 3
Freqüência de outras bibliotecas
Não freqüentam outras
11%
bibliotecas
Freqüentam bibliotecas
escolares
33% 56%
Freqüentam bibliotecas
universitárias
Fonte: dados da pesquisa
47. 56
Ao examinarmos as informações da figura 4, podemos destacar que o tipo de livro
que os usuários-leitores mais fazem uso é o de literatura (34%). Em segundo lugar,
aparece o livro didático (31%). Em terceiro, a poesia (19%). E finalmente o livro de
ficção científica (16%) como o menos citado. Esclarecemos que alguns usuários-
leitores optaram por mais de um tipo de livro.
Observando que o maior índice de preferência de livros recai sobre o livro de
literatura, indica que os usuários-leitores utilizam deste tipo leitura como fonte de
prazer. Uma vez que, a literatura é uma forma de apropriação lúdica do real, pois
dos textos escritos, o literário, introduz na dimensão da leitura o lado do prazer
desinteressado que outros textos não o fazem, liberando o leitor do peso da
realidade. (ZIBERMAN, 1989). Outra possível e importante indicação dos dados é de
que os livros de literatura, e os livros didáticos, tem sido preferência por exigências
dos vestibulares e de professores de língua portuguesa, o que reforça a hipótese de
que o público freqüentador da Biblioteca Pública Profª. Zenáurea Terezinha Campos
Dias é de estudantes.
Figura 4
Preferência Literária
34 Literatura
31
Didático
19
16 Poesia
Ficção
Científica
Fonte: dados da pesquisa
48. 57
Ao perguntamos quantos livros os usuários-leitores haviam lido, no ano de 2009
(ano da pesquisa), excetuando os livros escolares, obtivermos o seguinte
percentual: 82% responderam ter lido mais de três livros, 7% dois livros, 7% um livro,
e 4% responderam nenhum. Estes dados são de grande relevância, visto que,
pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Leitura, em 2007 revela que a média brasileira
de livros lidos é de 3,7 livros por habitantes/ano.
A comparação da média nacional com os 82% dos respondentes que afirmaram ter
lido mais de três livros no ano de 2009, sinaliza que o espaço da Biblioteca Pública
Profª. Zenáurea Terezinha Campos Dias tem sido utilizado para a formação do
hábito de leitura entre os freqüentadores daquele espaço, o que contribui para a
inclusão e participação desses sujeitos na sociedade. Visto que, para Silva (1986;
2004), sem dúvida o gosto pela leitura resulta de práticas de leitura, uma vez que o
texto é um modo de se inteirar das realidades e interagir com a coletividade, que
serve como instrumento de inserção das pessoas no mundo e para seus
relacionamentos como os grupos sociais com os quais estão envolvidas e que
constituem nosso cotidiano.
Figura 5
Quantidade de livros lidos no ano de 2009
4% 7%
Um livro
7%
Dois
Mais de três livros
82%
Nenhum livro
Fonte: dados da pesquisa
49. 58
A leitura exerce papel fundamental no modelo de sociedade vigente onde são cada
vez mais fortes as necessidades de obter conhecimento e informação. O processo
de construção do sujeito enquanto cidadão, de desenvolver-se social e
intelectualmente, está diretamente relacionado com seus hábitos e práticas de
leitura, no entanto os dados da nossa pesquisa revelam que 63% dos respondentes
não realizam compra de livros, e o restante (37%) declara comprar livros, como
mostra a figura 6.
Figura 6
Compra de Livros
63
Compram livros
37
Não compram
livros
Fonte: dados da pesquisa
De acordo com a análise destes dados pudemos verificar que mais da metade dos
respondentes tem acesso restrito ao livro, portanto, de todo o conhecimento e
informação registrados pela escrita e significado pela leitura. O que para Silva
(1986), está diretamente relacionada com o poder aquisitivo das classes
trabalhadoras, uma vez que a falta de acesso ou acesso restrito torna empobrecida
as condições sócio-culturais do povo. Pois, a prática de leitura tem relação direta
com as condições econômicas das famílias e dos indivíduos.
50. 59
4.3 – Os Significados que a Leitura Produz
Nos parágrafos seguintes pretendemos analisar, através das falas dos sujeitos
entrevistados que freqüentam a Biblioteca Pública Profª. Zenáurea Terezinha
Campos Dias, os usos e significados que as práticas leitoras produzem no âmbito da
biblioteca, e suas contribuições para a formação do sujeito letrado.
Alguns exemplos das falas mostram como os sujeitos concebem a noção de leitura
em suas vidas e para as suas vidas. A recorrência aos termos utilizados para o
conceito do que poderia definir o ler possibilitou propormos as categorias que a
seguir apresentaremos.
4.3.1 – Ler é adquirir conhecimento
O ato de ler é conceituado por Silva (1986), como fundamentalmente um ato de
conhecimento. Possibilitando-nos a adquirir informações, elaborarmos sentidos e
desenvolvermos reflexões críticas sobre os mais variados assuntos que se
apresentam a nossa volta.
A idéia que os sujeitos expressaram sobre a leitura direciona-se à compreensão de
que a leitura é uma via de acesso ao conhecimento, aproximando-se do que o autor
acima citado expõe. Sejam conhecimentos de ordem informacionais, ou sobre
conhecimentos educacionais, sociais, políticos, ou do cotidiano.
51. 60
“Leitura é conhecimento. É via de acesso ao conhecimento”.
(L. 06)
“É fonte de informação, conhecimento”. (L. 08)
Na resposta seguinte é expressa, mesmo que inconscientemente, a idéia de leitura
que afasta o sujeito do senso comum, uma vez que, os processos de leitura da
palavra proporcionam o acesso, a compreensão e a reflexão sobre os diversos
textos e situações, ao mesmo tempo em que propiciam o questionamento e a
transformação dos mundos que nos circundam. (SILVA, 2004)
“[...] sem a leitura a pessoa não vai a lugar nenhum, não
aprende nada”. (L. 04)
A idéia expressa a importância da leitura para a vida do sujeito na sociedade letrada,
onde o poder da palavra impressa é fator determinante nas relações existentes no
mundo dos dominantes exploradores e dos explorados oprimidos.
4.3.2 – Ler é interagir, é construção de sentido
Na perspectiva interacional da leitura onde leitor e autor interagem mutuamente
através do texto, as interpretações e reações do leitor são respostas previstas pelo
autor, ou seja, provocações intencionais. Esta também, é uma das concepções de
leitura apresentadas em uma das falas dos entrevistados.
“Leitura é uma forma de você interagir com o tema [...]”. (L 03)
“É abrir a mente, deixa a gente informado, trabalha a mente”.
(L. 07)
52. 61
O ato de ler então não se constitui numa relação de leitor-receptor e de autor-
receptador. A atividade de leitura é uma interação a distância entre leitor e autor via
texto. O leitor constrói um sentido global para o texto, formula e reformula hipóteses,
aceita ou não aceita as conclusões do autor. (KLEIMAN, 1989)
A idéia de leitura interacional requer a participação efetiva e permanente do leitor na
construção de sentido. Pois, a interação e construção de sentido estão
condicionadas ao conhecimento do leitor, seus valores, suas vivências, e seu lugar
social. (SILVA, 2004; KOCH, 2007).
Essa construção de sentido significa, também, aprender a ler o mundo. Podemos
reconhecer que através do ato de ler estamos condicionados a conhecer valores,
princípios, idéias que estão presos a nossa realidade de acordo com o contexto de
cada sujeito. Isso significa que as reflexões que somos capazes de realizar, os
pensamentos que organizamos acerca das situações cotidianas, as opiniões que
emitimos de forma crítica e autônoma, são capacidades desenvolvidas a partir da
leitura, não necessariamente da leitura da palavra, mas da leitura do mundo.
Durante a análise das informações obtidas encontramos o conceito de leitura de
mundo explicitada nas respostas dos usuários-leitores.
“Ela me ajuda no estudo, é ver o mundo”. (L 09)
“É uma forma de se expressar melhor. De entender as coisas o
mundo. Com a leitura a gente consegue desenvolver certas
capacidades que até então não eram percebidas por nós e
pelos outro”. (L 02)
Em seu artigo A importância do ato de ler, Freire (2002, p.12), declara: ―A leitura do
mundo precede a leitura da palavra; a leitura desta implica a continuidade da leitura
daquele‖. Não nos resta dúvida quanto à pertinência de tal declaração. Pois, ler a
53. 62
palavra implica compreender uma diversidade de realidades que permeiam os
envolvidos no processo da leitura e interpretação.
Nesse sentido, as diversas experiências e possibilidades de conhecer e de aprender
essas múltiplas realidades através da leitura, vão muito além da leitura dos signos.
4.3.3 – Leitura para a alfabetização e o letramento
Compreendemos que ser letrado, é ser um sujeito capaz de utilizar as habilidades
de ler e escrever em eventos de práticas sociais. Pois, segundo Kleiman (1995, p.
19): ―Podemos definir hoje o letramento como um conjunto de práticas sociais que
usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos
específicos, para objetivos específicos‖.
O termo letramento está implícito na fala do usuário-leitor L 02, ―[...] Com a leitura a
gente consegue desenvolver certas capacidades que até então não eram percebidas
por nós e pelos outro”. (L 02). Pois, os usos da escrita e a utilização das habilidades
de leitura estão ligados às práticas sociais, individuais e coletivas da leitura, e a
capacidade do indivíduo de participar ativamente em situações de práticas de leitura
e escrita na sociedade letrada. Ou seja: coerentemente com o conceito apresentado
em Soares (1998), letramento é o estado ou condição de indivíduos ou de grupos
sociais de sociedades letradas que exercem efetivamente as práticas sociais de
leitura e de escrita, participam competentemente de eventos de letramento.