1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
TURNO NOTURNO
ENSAIO MONOGRÁFICO
A Teoria Histórico Cultural de Vygotsky
Daniella Ferreira Bezerra
2007.2
5
3. Este Ensaio Monográfico pretende enfoca a Teoria Histórico Cultural
de
Vygotsky,
destacando
a
importância
dessa
teoria
na
psicologia
contemporânea, de modo direto ou indireto.
Este trabalho discorre sobre a teoria de Vygotsky, fazendo
primeiramente um “balanço” sobre sua trajetória pessoal e logo após
enfocando a construção de sua teoria, que teve por base o desenvolvimento do
indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel
da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria
considerada
histórico-social.
Sua
questão
central
é
a
aquisição
de
conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.
O presente Ensaio Monográfico, também destaca O Desenvolvimento
na Teoria Histórico Cultural de Vygotsky, analisando: O Desenvolvimento da
Criança na Primeira Infância; A Zona de Desenvolvimento Proximal na Teoria
Histórico Cultural; A Zona de Desenvolvimento Proximal e a prática em
professores e a A formação dos conceitos segundo a Teoria Histórico Cultural.
Por fim as considerações finais.
1.0. A Teoria de Vygotsky
Lev Semyonovitch Vigotsky nasceu na BIELO-RÚSSIA em 5 de
novembro de 1896. Graduou-se em Direito pela Universidade de Moscou,
dedicando-se, posteriormente, à pesquisa literária. Entre 1917 e 1923 atuou
como professor e pesquisador no campo de Artes, Literatura e Psicologia.
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4. A partir de 1924, em Moscou, aprofundou sua investigação no
campo da Psicologia, enveredando também para o da Educação de
Deficientes. No período de 1925 a 1934, desenvolveu, com outros cientistas,
estudos nas áreas de Psicologia e anormalidades físicas e mentais. Ao concluir
outra formação, em Medicina, foi convidado para dirigir o Departamento de
Psicologia do Instituto Soviética de Medicina Experimental. Faleceu em 11 de
junho de 1934. A divulgação e circulação de suas obras foi proibida durante
muito tempo na União Soviética, porque embora fosse um militante do Partido
Comunista, ele ressaltou o aspecto individual da formação da consciência, e
portanto, a concepção de que uma coletividade constitui-se através de pessoas
com singularidades próprias.
O contexto social vivido por Vigotsky e seus colaboradores,
especialmente Luria e Leontiev, influenciou decisivamente os seus estudos.
Participando de um momento conturbado da História, a Revolução Comunista,
na Rússia, o foco de suas preocupações foi o desenvolvimento do indivíduo e
da espécie humana, como resultado de um processo sócio-histórico.
Vygotsk Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do
indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel
da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria
considerada
histórico-social.
Sua
questão
central
é
a
aquisição
de
conhecimentos pela interação do sujeito com o meio.
Se fosse necessário definir o caráter específico da teoria de Vygotsky
mediante uma série de palavras chaves, seria preciso que fossem
mencionadas ao menos as seguintes: sociabilidade do homem, interação
social, signo e instrumento, cultura, história e funções mentais superiores. E, se
fosse necessário organizar essas palavras em uma única expressão, pode-se
dizer que a teoria de Vygotsky é uma "teoria sócio-histórico-cultural do
desenvolvimento das funções mentais superiores", ainda que ela seja mais
conhecida com o nome de "teoria histórico-cultural".
2.0 O Desenvolvimento na Teoria Histórico Cultural de
Vygotsky
8
5. Vygotsky teve contato com a obra de Piaget e, embora teça elogios
a ela em muitos aspectos, também a critica, por considerar que Piaget não deu
a devida importância à situação social e ao meio. Ambos atribuem grande
importância ao organismo ativo, mas Vygotsky destaca o papel do contexto
histórico e cultural nos processos de desenvolvimento e aprendizagem, sendo
chamado de sociointeracionista, e não apenas de interacionista como Piaget.
Piaget coloca ênfase nos aspectos estruturais e nas leis de caráter universal
(de origem biológica) do desenvolvimento, enquanto Vygotsky destaca as
contribuições da cultura, da interação social e a dimensão histórica do
desenvolvimento mental.
Enquanto para Piaget a aprendizagem depende do estágio de
desenvolvimento atingido pelo sujeito, para Vigotsky, a aprendizagem favorece
o desenvolvimento das funções mentais: "O aprendizado adequadamente
organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários
processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de
acontecer." (Vigotsky, 1987:101).
Esse aprendizado se inicia muito antes da criança entrar na escola,
pois, desde que nasce e durante seus primeiros anos de vida, encontra-se em
interação com diferentes sujeitos - adultos e crianças - e situações, o que vai
lhe permitindo atribuir significados a diferentes ações, diálogos e vivências.
Muito embora a aprendizagem que ocorre antes da chegada da criança à
escola seja importante para o seu desenvolvimento, Vigotsky atribui um valor
significativo à aprendizagem escolar que, no seu dizer, "produz algo
fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança". (1987:95).
A aprendizagem é fundamental ao desenvolvimento dos processos
internos na interação com outras pessoas. Ao observar a zona proximal ( que
será vista mas detalhadamente adiante), o educador pode orientar o
aprendizado no sentido de adiantar o desenvolvimento potencial de uma
criança, tornando-o real.
2.1. O Desenvolvimento da Criança na Primeira Infância
A sociabilidade da criança é o ponto de partida das interações sociais
com o meio que o rodeia. Os problemas de interesse da psicologia da interação
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6. social são atualmente bastante conhecidos. Por origem e por natureza o ser
humano não pode existir nem experimentar o desenvolvimento próprio de sua
espécie como uma ilha isolada, tem necessariamente seu prolongamento nos
demais; de modo isolado não é um ser completo.
Ao nascer, a criança se integra em uma história e uma cultura: a história
e a cultura de seus antepassados, próximos e distantes, que se caracterizam
como peças importantes na construção de seu desenvolvimento. Ao longo
dessa construção estão presentes: as experiências, os hábitos, as atitudes, os
valores e a própria linguagem daqueles que interagem com a criança, em seu
grupo familiar. Então, ainda, presentes nesta construção a história e a cultura
de outros indivíduos com quem a criança se relaciona e em outras instituições
próximas como, por exemplo, a escola, ou contextos mais distantes da própria
cidade, estado, país ou outras nações.
Para o desenvolvimento da criança principalmente na primeira
infância, o que se reveste de importância primordial são as interações
assimétricas, isto é, as interações com os adultos portadores de todas as
mensagens da cultura. Nesse tipo de interação o papel essencial corresponde
aos signos, aos diferentes sistemas semióticos, que, do ponto de vista
genético, tem primeiro uma função de comunicação e logo uma função
individual: começam a ser utilizados como instrumentos de organização e de
controle do comportamento individual. (Oliveira, 1993: 56-57).
Para Vygotsky, já no nascimento da criança, há uma relação entre
aprendizagem
e
desenvolvimento.
Mesmo
concordando
que
o
desenvolvimento é construído, em parte, pelo processo de maturação do
sujeito, assegura que é a aprendizagem que viabiliza o surgimento dos
processos psicológicos internos, e que estes ocorrem graças à interação do
indivíduo com o ambiente cultural.
2.2. A Zona de Desenvolvimento Proximal na Teoria Histórico Cultural
Para entender a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, em
Vigotsky, torna-se necessária a compreensão do conceito de zona de
desenvolvimento proximal.
10
7. Segundo este autor, a Psicologia sempre esteve preocupada em detectar
o nível de desenvolvimento real do indivíduo, ou seja, aquele que revela a
possibilidade de uma atuação independente do sujeito. Um exemplo desta
preocupação pode ser encontrada entre os psicólogos que utilizam estes
testes, ou que se apoiam em escalas, visando detectar o nível de
desenvolvimento do indivíduo.
Durante os testes ou observações que fazem, estes profissionais
assumem uma posição neutra, distante, sem oferecer qualquer tipo de ajuda.
Medem o desempenho observado ao final do processo, procurando
compatibilizar erros e acertos, mas não consideram o processo vivenciado pelo
indivíduo na resolução de problemas.
Do mesmo modo, a escola tende a valorizar, ainda hoje, apenas o
nível de desenvolvimento real dos alunos, seja durante as aulas, seja nos
momentos de avaliação. Muitos professores, ao aplicarem suas provas, exigem
que os alunos as realizem sozinhos, sem discutirem as questões com ele,
professor, ou com colegas. Este tipo de avaliação leva em conta apenas o
produto, ou seja, o que os alunos conseguem responder e não como
conseguiram chegar às respostas. Perde-se, assim, a oportunidade de
observar que muitas questões não respondidas, ou que apresentam respostas
"erradas", se realizadas com a mediação do professor, ou a de colegas mais
experientes, teriam tido respostas positivas.
Daí porque Vigotsky aponta a existência de outro nível de
desenvolvimento (o proximal ou potencial) que, tanto quanto o nível real deve
ser considerado na prática pedagógica.
Quando alguém não consegue realizar sozinho determinada tarefa, mas
o faz com a ajuda de outros parceiros mais experientes, está nos revelando o
seu nível de desenvolvimento proximal, que já contém aspectos e partes mais
ou menos desenvolvidas de instituições, noções e conceitos.
Portanto, o nível de desenvolvimento mental de um aluno, não pode ser
determinado apenas pelo que consegue produzir de forma independente; é
necessário conhecer o que consegue realizar, muito embora ainda necessite
do auxílio de outras pessoas para fazê-lo.
O conhecimento do processo que a criança realiza mentalmente é
fundamental. O desempenho correto nem sempre significa uma operação
11
8. mental bem realizada. O acerto pode significar, apenas, uma resposta
mecânica. Daí a importância do professor conhecer o processo que a criança
utiliza para chegar às respostas. Do mesmo modo, conhecendo esse processo,
e intervindo, provocando, estimulando ou apoiando quando a criança
demonstra dificuldade num determinado ponto, torna-se possível trabalhar
funções que ainda não estão de todo consolidadas. Quando estas funções que
se encontram em processo de consolidação não são consideradas, ela deixa
de atuar na zona de desenvolvimento proximal, que é a distância entre o nível
de desenvolvimento real e o nível de desenvolvimento potencial.
Através de experiências de aprendizagem compartilhadas, atua-se nesta
zona de desenvolvimento proximal, de modo que funções ainda não
consolidadas venham a amadurecer. Para Onrubia (1998:123), "A boa
aprendizagem
é aquela que consolida e,
sobretudo
cria
zonas
de
desenvolvimento proximal sucessivas."
Esse aprendizado se inicia muito antes da criança entrar na escola, pois, desde
que nasce e durante seus primeiros anos de vida, encontra-se em interação
com diferentes sujeitos - adultos e crianças - e situações, o que vai lhe
permitindo atribuir significados a diferentes ações, diálogos e vivências.
Muito embora a aprendizagem que ocorre antes da chegada da criança à
escola seja importante para o seu desenvolvimento, Vigotsky atribui um valor
significativo à aprendizagem escolar que, no seu dizer, "produz algo
fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança". (1987:95).
2.3. A Zona de Desenvolvimento Proximal e a prática em professores
Este conceito traz uma série de implicações para a prática pedagógica,
porque, o processo de constituição de conhecimentos passa a ter uma
importância vital e, portanto, deve ser considerado tão importante quanto o
produto (avaliação final); o papel do professor muda radicalmente, a partir
dessa concepção. Ele não é mais aquele professor que se coloca como centro
do processo, que "ensina" para que os alunos passivamente aprendam;
tampouco é aquele organizador de propostas de aprendizagem que os alunos
12
9. deverão desenvolver sem que ele tenha que intervir. Ele é o agente mediador
deste processo, propondo desafios aos seus alunos e ajudando-os a resolvêlos, realizando com eles ou proporcionando atividades em grupo, em que
aqueles que estiverem mais adiantados poderão cooperar com os demais.
Com suas intervenções estará contribuindo para o fortalecimento de funções
ainda não consolidadas, ou para a abertura de zonas de desenvolvimento
proximal. Não podemos nos esquecer de que a aprendizagem é fundamental
para o desenvolvimento; nesta perspectiva rompe-se com a falsa verdade de
que o aluno deve, sozinho, descobrir suas respostas; de que a aprendizagem é
resultante de uma atividade individual, basicamente interpessoal. Aquilo que o
aluno realiza hoje com a ajuda dos demais estará realizando sozinho
amanhã; a aprendizagem escolar implica apropriação de conhecimentos, que
exigem planejamento constante e reorganização contínua de experiências
significativas
para
os
alunos;
a
reorganização
das
experiências
de
aprendizagem deve considerar o quanto de colaboração o aluno ainda
necessita, para chegar a produzir determinadas atividades, de forma
independente. Desta forma o professor poderá avaliar, durante o processo, não
somente o nível das propostas que estão sendo feitas, mas, sobretudo, o nível
de desenvolvimento real do aluno - revelado através da produção independente
- bem como seu nível de desenvolvimento proximal - onde ainda necessita de
ajuda. Chega-se, assim, a um conhecimento muito maior da realidade do
aluno, do "curso interno de seu desenvolvimento" (Vigotsky), tendo condições
de prever o quanto de ajuda ainda necessita, e como se deve reorientar o
planejamento para apoiar este aluno; para que todo este processo tenha
condição de se consolidar, o diálogo deve permear constantemente o trabalho
escolar; para Vigotsky a linguagem é a ferramenta psicológica mais importante;
desta maneira é possível verificar não apenas o que o aluno é num dado
momento, mas o que pode vir a ser; rompe-se com o conceito de que as
turmas devem ser organizadas buscando-se uma homogeneidade.
2.4. A formação dos conceitos segundo a Teoria Histórico Cultural
A função comunicativa da linguagem permite ao homem vivenciar um
processo de interlocução constante com seus semelhantes. No entanto, a
13
10. linguagem não exerce apenas o papel de instrumento de comunicação. Ela
permite ao homem formular conceitos e, portanto, abstrair e generalizar a
realidade, através de atividades mentais complexas.
Vigotsky (1987:50) afirma que: "A formação de conceitos é o resultado
de uma atividade complexa, em que todas as funções intelectuais básicas
tomam parte. No entanto, o processo não pode ser reduzido à atenção, à
associação, à formação de imagens, à inferência, ou às tendências
determinantes. Todas são indispensáveis, porém insuficientes sem o uso do
signo, ou palavra, como meio pelo qual conduzimos as nossas operações
mentais, controlamos o seu curso e as canalizamos em direção à solução do
problema que enfrentamos."
Através da palavra designamos objetos, os representamos, mas,
também, abstraímos e generalizamos suas características. A palavra "gato",
por exemplo, designa qualquer tipo de gato: branco, preto, selvagem,
doméstico, persa, angorá, grande, pequeno, etc.
A função de generalização garante a comunicação entre pessoas. Isto
porque, quando nos comunicamos com outra pessoa, e durante uma conversa
nos referimos a determinado objeto, um "relógio", por exemplo, mesmo que o
nosso interlocutor não faça a mesma imagem que estamos fazendo
(imaginamos um relógio redondo e ele um quadrado), o entendimento ocorre
pois se mantém preservada a sua característica essencial. Essa capacidade de
generalizar e abstrair, incluindo os objetos, outros seres, ou mesmo ações, em
determinadas categorias, nos liberta dos limites da experiência concreta. Nós
não precisamos estar em contato direto com o relógio, para conversarmos
sobre ele (continuando o exemplo).
Para que se torne compreensível a perspectiva de Vigotsky sobre
desenvolvimento de conceitos, é necessário entender que o significado da
palavra transforma-se ao longo do desenvolvimento do sujeito; o significado da
palavra evolui, posto que integra novos sentidos, novas conotações. Assim, o
desenvolvimento conceitual não se dá de forma definitiva, mas gradual, porque
também, gradativamente, evolui o significado da palavra.
Se, inicialmente, a criança formula conceitos a partir de uma relação
direta que estabelece com a realidade concreta, aos poucos ela vai isolando
determinados atributos do objeto, rumo a abstrações e generalizações cada
14
11. vez mais complexos. Vigotsky investigou dois tipos de conceitos: os conceitos
"cotidianos" e os conceitos "científicos".
Por conceitos cotidianos ele compreende aqueles que durante seu
processo de desenvolvimento, a criança vai formulando na medida em que
utiliza a linguagem para nomear objetos e fatos, presentes em sua vida diária.
Ao falar, ela vai referindo-se à realidade exterior e, quanto mais interage
dialogicamente com seus semelhantes, mais vai se distanciando de uma fase
em que o conceito está diretamente ligado ao concreto, para tornar cada vez
mais abstrata a forma de generalizar a realidade. Por exemplo, a criança,
quando bem pequena, para falar de um carro, tem que estar diante dele, mas,
aos poucos, vai se distanciando desta situação, em que o nome faz parte do
objeto para se referir a ele, ou seja, é possível falar de um carro, mesmo que
não esteja diante de um.
Por conceitos científicos, Vigotsky considerou aqueles formados a partir
da aprendizagem sistematizada e, portanto, a partir do momento em que a
criança se defronta com o trabalho escolar. Os conceitos científicos são todos
aqueles que derivam de um corpo articulado de conhecimento e que aparecem
nas propostas curriculares, como fundamentais na organização de conteúdos a
serem trabalhados com os alunos.
Geralmente, as crianças formulam os conceitos cotidianos, mas não
conseguem defini-los por meio de palavras, a não ser numa fase mais
adiantada de sua vida. Vejamos: uma criança pode utilizar o conceito de
"carro", por exemplo, em sua vivência diária. Mas se lhe perguntarmos "O que
é um carro?" não chegará à definição do mesmo, respondendo, na maioria das
vezes, a partir de seu caráter funcional: "Serve para passear", ou a partir de
dados relacionados às suas experiências: "O meu pai tem um carro".
Com os conceitos científicos o processo de formação ocorre de forma
inversa. Ao iniciar o seu aprendizado na escola, auxiliada pelas explicações e
colaborações de seus professores, o aluno chega à definição dos conceitos
científicos, mas a apropriação destes conceitos só ocorre a partir das
atividades escolares.
2.5. O Papel Atribuído à Linguagem pela Teoria Histórico Cultural
15
12. Durante muito tempo, face aos trabalhos de Piaget, colocou-se excessiva
ênfase no processo de construção do conhecimento, como um fenômeno
fundamentalmente individual, fruto da interação do sujeito com o objeto do
conhecimento. A construção do conhecimento é vista, neste enfoque teórico,
como uma atividade auto-estruturante.
Embora não se discorde de que a atividade do sujeito seja básica para a
construção do conhecimento, e que há momentos específicos a serem
respeitados, isto não implica necessariamente que a influência do professor e o
tipo de interações em que a criança estiver envolvida, não tenham peso nesta
construção. Pelo contrário, há razões para se crer que a interação mediada
pela linguagem, tem papel importante, não apenas na construção do
conhecimento escolar, como também no desenvolvimento de diferentes
processos psicológicos.
Se para Piaget o desenvolvimento cognitivo é concebido,
fundamentalmente, como a construção de um plano interno do indivíduo - a
equilibração das estruturas operatórias - de forma que as relações
interpessoais, suas características e repercussões dependam do nível
alcançado por esta construção, para Vigotsky e os seguidores da Teoria
Histórico Cultural, é grande o papel da interação social no desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores.
Em seus trabalhos, Vigotsky aponta para a importância da linguagem
como instrumento de pensamento, afirmando que a função planejadora da fala,
introduz
mudanças
qualitativas
na
forma
de
cognição
da
criança,
reestruturando diversas funções psicológicas, como a memória, a atenção
voluntária, a formação de conceitos, etc.
Para Vigotsky, a linguagem age decisivamente na estrutura do
pensamento, e é ferramenta básica para a construção de conhecimentos. A
linguagem, em seu sentido amplo, é considerada por este autor como um
instrumento, pois ela atuaria para modificar o desenvolvimento e a estrutura
das funções psicológicas superiores, tanto quanto os instrumentos criados
pelos homens modificam as formas humanas de vida. Ele afirma também que,
num primeiro momento, o conhecimento se constrói de forma inter-subjetiva
(entre pessoas) e num segundo momento, de forma intra-subjetiva (no interior
do sujeito).
16
13. Quando um bebê estende a mão para trocar um objeto e o adulto o
aproxima dele, aos poucos a criança internalizará este gesto como o de
apontar. Se no início, a criança usa esta forma de linguagem difusamente,
gradativamente passará a estabelecer elos entre sua ação difusa e a
organizada por outra pessoa. Os adultos que cuidam de um bebê não lhe
proporcionam apenas cuidados físicos, mas colocam sobre eles certas
representações sociais (imagens, idéias, expectativas) que o introduzem no
mundo da cultura.
O bebê nasce num mundo simbólico, onde significados vão sendo
usados pelos indivíduos para controlar seu ambiente a si próprios. É na
interação que estabelece com outros membros da sua cultura (mãe, pai,
irmãos, colegas e professores) e com os meios de comunicação em geral, que
as crianças vão construindo seu próprio sistema de significados.
Entretanto, ao mesmo tempo em que depende de sua constituição
orgânica, e das possibilidades de ação e interação que lhe são oferecidas pelo
ambiente,
as
crianças
podem
escolher
entre
diferentes
modos
de
comportamento, construindo novos modos de ação. As diferentes interações a
que estão submetidas são fundamentadas para que isto ocorra.
Passo a passo as crianças vão construindo significados, conhecimentos,
valores, num diálogo consigo próprias, com o outro e com o mundo, levantando
mentalmente as várias posições (opiniões, concepções, perspectivas) sobre
determinado assunto.
Nas Salas de Aulas das Escolas Públicas de 1( grau o uso das palavras,
sua combinação em frases e seus significados, muitas vezes revelam que o
poder cabe apenas aos professores. No entanto, sem cair na armadilha do
"democratismo" que esconde a necessidade de um hierarquia, é preciso que os
mestres saibam dar voz a seus alunos, pois é desta relação, deste diálogo
interessado de parte a parte, que nascem conhecimentos e valores
significativos e portanto duradouros e úteis.
Com o apoio de Vigotsky discute-se hoje, a constituição do pensamento e
a construção do conhecimento, incorporando-se o papel do outro, discute-se
como o que ele vê, ouve... assume significados. Que operação mental entra
neste jogo? Como se compreende palavras ditas e também aquilo que não
depende de palavras, depende de gestos, expressões, imagens, silêncios?
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14. Para este autor, a transição entre pensamento e palavra, passa pelo
significado, tanto que ele nos dirá que "Um pensamento é como uma nuvem
descarregando uma chuva de palavras"... (Vigotsky 1987:129). A palavra tem
um significado dicionarizado a um sentido particular. Este sentido está ligado a
certos enlaces que vão se fazendo a todo o momento, dependendo de
operações que se fazem o tempo todo. Há sempre uma troca, uma
intermediação entre os significados emitidos e os sentidos de cada um.
Entrecruzam-se o tempo todo afetos, desejos, memórias, emoções. A ênfase
na importância da linguagem não equivale, no entanto, à valorização da
transmissão de conteúdos de forma verbalista, numa volta ao ensino
tradicional, linear onde "o mestre ensina e os alunos aprendem”... Paulo Freire
em sua grande obra já mostrou o engano desta visão.
Para Vigotsky, a linguagem é o sistema simbólico básico de todos os
grupos humanos, sendo a principal mediadora entre o sujeito e o objeto do
conhecimento. Em cada situação de interação, o sujeito está em um momento
de sua trajetória particular, trazendo consigo determinadas possibilidades de
interpretação do material que obtém do mundo externo. (Oliveira, 1993: 43-44).
3.0. Considerações Finais
A referência do estudo deste ensaio monográfico foi à Teoria
Histórico Cultural de Vygotsky cujas proposições nucleares dão conta de que
foi graças à sua teoria que se introduziu na psicologia contemporânea, de
modo direto ou indireto, todo um conjunto de novos problemas de investigação
empírica que se revestem da maior importância para a educação:
18
15. investigações sobre a sociabilidade precoce da criança que tem contribuído
para uma melhor compreensão da primeira infância; as relações entre as
interações sociais e o desenvolvimento cognoscitivo; as atuais investigações
sobre a mediação semiótica, o papel que desempenham os sistemas
semióticos no desenvolvimento mental e desenvolvimento da linguagem; são
todas fortemente influenciadas pelas teses de Vygotsky, entre tantas outras.
Em face às discussões apresentadas no decorrer do trabalho, creio ser
lícito concluir que de acordo com o pensamento vygotskiano há uma
transformação do homem, enquanto ser biológico, em homem ser social. Esta
transformação se dá através de um processo de internalização de suas
atividades, de seus comportamentos e dos símbolos que ele adquire ao longo
de uma relação com a cultura. O estudo de sua obra nos leva a refletir sobre
como funciona o pensamento humano e como se aplica este estudo à ação
pedagógica.
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