Resenha: Multimodal discourse: the modes and media of contemporary communication. Gunther Kress & Theo Van Leeuwen, 2001.
1. RESENHA
Multimodal discourse: the modes and media of contemporary communication
KRESS, Gunter; Van Leeuwen, Theo
Hodder Education, 2001.137p.
Por Sonia Rodrigues Pereira1
O discurso multimodal, os modos e as mídias na comunicação contemporânea compreendem
a temática desta obra. Os textos escritos carregam em sua superfície as marcas da
multimodalidade, seja no desenho de uma letra ou nas cores que conferem a identidade a uma
logomarca. Nas diferentes instâncias da comunicação e das mídias o texto se faz multimodal,
sutilmente ou deliberadamente dialoga com outras formas semióticas e outros modos
discursivos.
Gunther Rolf Kress é professor de semiótica e diretor da School of Culture, Language and
Communication. Atua como co-investigador do projeto MODE - Multimodal Methodologies
for Researching Digital Data and Environment. Kress é pesquisador nas áreas de letramento,
semiótica social, multimodalidade, AD e teorias da aprendizagem. Tem interesse particular
nas inter-relações no texto contemporâneo, nos diferentes modos de comunicação, tais como
escrita, imagem, fala, música e nos efeitos que estes propiciam na aprendizagem e aquisição
do conhecimento. Kress é um pesquisador interessado em mudanças – seus efeitos,
consequências e, particularmente, na mudança da página para a tela digital.
Theo Van Leeuwen é decano na Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais na
Universidade de Tecnologia de Sidney. É pesquisador nas áreas de discurso mediático e
análise crítica do discurso. Trabalhou inicialmente como produtor de televisão e cinema na
Holanda e na Austrália. Estudou Linguística na Universidade de Sidney e lecionou teoria da
comunicação na Universidade Macquarie e no The London College of Printing.
Van
Leeuwen lecionou também na Universidade de Vancouver e é um dos fundadores da
publicação Visual Communication editado pela SAGE.
1
Mestranda em Estudo de Linguagens do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFETMG. soniagpereira@hotmail.com
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Uma primeira folheada nesta publicação já nos permite visualizar alguns postulados da teoria
da multimodalidade. São imagens, diagramas, cabeçalhos em negrito, sutilmente sublinhados.
O sumário se apresenta em projeção, destacado em negrito, fonte 16 ou 18. Prefácio,
referências bibliográficas e índice são itens do sumário sobre os quais pouco destaque se fez,
pois aparecem sem o negrito, nenhum relevo, fonte 10 ou 11. A multimodalidade se faz
presente também no topo das páginas iniciais de cada capítulo: um retângulo com 1 cm de
largura por 11cm de cumprimento, similar a uma tarja negra, decora a parte superior da
página. Os títulos
dos capítulos são inscritos na superfície negra da tarja, de forma
contrastiva, na cor branca e altura aproximada de 0,5cm. Já o número do capítulo, este se
apresenta na cor cinza e se equipara exatamente à largura da tarja negra. Essa diagramação
permite que o leitor manuseie a obra de forma confortável. O título de cada capítulo se
apresenta em itálico, fonte 12, dois espaços em branco e a seguir o número da página, tudo
alinhado na margem direita. Na perspectiva didática todos esses aspectos conferem a esta obra
a materialidade perfeita para o estudo das teorias da multimodalidade.
No primeiro capítulo, Introdução, os autores comentam sobre as dificuldades iniciais na
preparação da obra, devido à predominância dos textos monomodais. Ironicamente até eles,
metaforicamente falando, tinham um pé preso na monomodalidade. Kress & Van Leeuwen
enfatizam que para prosseguir com as pesquisas sobre multimodalidade foi preciso mudar o
foco. Eles assumem que foi preciso tomar um curso diferente, ou seja, abandonar de vez a
ideia de que nos textos multimodais os diferentes modos são propensos a ter limites e
conformações/parâmetros específicos, como por exemplo, em um filme no qual as imagens
oferecem a ação e a música a emoção. Abandonando então esta linha de pensamento Kress &
Van Leeuwen explicam que passaram então a considerar uma lógica de pesquisa na qual a
multimodalidade opera por meio de princípios semióticos comuns, de forma cruzada. Desta
forma a música poderia codificar a ação e a imagem codificar a emoção. Para os autores
essa mudança no direcionamento dos trabalhos se deve ao fato de que eles queriam criar uma
teoria semiótica, que fosse apropriada às práticas semióticas contemporâneas. É interessante
observar que os autores, já em 2001, ano de publicação desta obra, já destacavam o início da
era da digitalização. E assim os diferentes modos se tornaram os mesmos em algum nível de
representação e utilização, tal como uma convergência ou cruzamento entre eles
Desta
forma o aspecto semiótico passa a operar através de diferentes modos de representação,
como o som ou uma música, por exemplo.
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O capítulo 2 se refere ao discurso. Os autores oferecem uma visão panorâmica sobre os
discursos, que são materializados em conhecimentos de algum aspecto da realidade, em
contextos sociais específicos. A perspectiva paradoxal do discurso intriga o leitor, pois de um
lado há o discurso que se refere à linguagem e (existe na linguagem) e de outro o discurso
que existe por si só, independente de qualquer realidade material. Uma outra abordagem do
discurso enfatizada neste capítulo é da absoluta inter-relação do discurso com o seu modo,
ou da sua aparência no modo. Para Kress & Van Leeuwen os modos são recursos semióticos,
que permitem a realização simultânea de discursos e tipos de (inter)ação. Para eles a
narrativa é um tipo de modo e asseguram que o discurso aparece em vários modos, muitos. E
isto equivale dizer que todos os modos semióticos disponíveis para uso existem para tornar
possível a articulação do discurso em uma dada cultura. Assim, tomando como referência o
estilo de vida de uma família e o jeito como a casa é decorada, pode-se chegar a um exemplo
de semiose, como um ‘texto’, ou ‘textos praticamente vivos’. Um ponto relevante deste
capítulo refere-se à abordagem da ação discursiva, que se materializa em uma multiplicidade
de práticas e de modos, dentre os quais o próprio modo constituído pela ação ativa do ser
humano, quando profere o discurso. Os autores também chamam a atenção para a força da
cor na inter-relação discursiva, articulando os discursos, sendo a cor um modo inteiramente
distinto da linguagem, necessária para a descrição de um mundo multimodal. Votando ao
exemplo da casa, a linguagem escrita não dá conta de traduzir todos os objetos, texturas e
formas que compõe a decoração interior de uma casa, a não ser que se realize a agregação
dos modos. Assim teremos discursos em textos sobre a casa, que se articulam a objetos
‘textos’, que refletem o estilo de vida e até mesmo a ideologia daqueles que habitam o
espaço da casa.
O Design na contemporaneidade é o tema tratado no capítulo 3. Segundo Kress & Van
Leeuwen a relação do design com a multimodalidade não é apenas uma questão de ser uma
parceria ‘fashion’, mas
sim necessária. Para
eles é
simplesmente o fato de que a
multimodalidade em si mesma precisa do design2. A multimodalidade trouxe à tona questões
2
In the context of a book on multimodality, one answer to the questions we have just posed seems ready to
hand: it is the fact of multimodality itself which needs the notion of design. [KRESS, Gunter; VAN LEEUWEN,
2001, p.45]
4. 4
ligadas à comunicação e à representação e este contato fez emergir o conceito do design.
Interessante observar que na era da monomodalidade não havia esta questão que agora se
apresenta, ou seja, a liberalidade na escolha dos modos de representação e do enquadramento
para a representação. A linguagem era vista como sendo o único e completo meio de
representar a comunicação
e os recursos da linguagem estavam disponíveis para esta
representação. Outros modos de representação já existiam, mas eram parasitários ao modo
central da comunicação e também se subordinavam à monomodalidade. O design fez crescer
a demanda para além do texto escrito e surge então a pergunta: Qual modo e para qual
propósito? Kress & Van Leeuwen pontuam ainda que a tecnologia trouxe a perspectiva do
design na produção alinhada
aos modos e ao modelo de produção no qual um único
profissional integra várias práticas. O advento das novas tecnologias e as intervenções de
design também fizeram com que
o
jornalismo incorporasse
novos formatos. Merece
destaque neste capítulo o dialogo que Kress & Van Leeuwen estabelecem com as teorias de
Noam Chomsky, particularmente no que se refere ao aspecto da cor no design. As cores
obedecem a regras de uma colocação funcional, tal como em um jogo do tipo ‘qual delas vai
combinar melhor com qual?’.
O capitulo 4 tem como título ‘Produção’. Vamos saber logo no início que produção é o uso
comunicativo da mídia, de recursos materiais. A ideia do ‘midium’ inclui o corpo e a voz e as
ferramentas, que servem para estender a comunicação corporal, como por exemplo,
os
instrumentos musicais, os tamancos e as castanholas usadas na dança flamenca e até mesmo
os artefatos mais básicos usados na escrita ou na pintura, tais como o lápis, o papel, a lona, a
madeira etc. A produção exerce desta forma o papel de uma variável semiótica independente
na comunicação. Ainda neste capítulo temos uma situação polêmica colocada pelos autores,
que reside na afirmativa de que ‘o sentido não está apenas no discurso e no design’, ele
também está na produção. Ele, o sentido, resulta do engajamento humano com o mundo e os
recursos dos quais nos valemos para articular e construir sentido, conjugando tanto o modo
semiótico quanto a mídia semiótica. Nesta perspectiva os autores tomam como ilustração o
cheiro e o gosto, que conseguimos lembrar e somos capazes de guardar e assim é possível
que os sentidos também passem pelas mídias.
No capítulo 5 Kress & Van Leeuwen abordam o tema da distribuição. A teoria de Erving
Goffman abre a discussão acerca da preservação e da distribuição da mídia. Bastante
interessante a teoria de Goffman se orienta para as divisões do trabalho semiótico,
5. 5
compreendendo inicialmente a pessoa ou a instituição cujas crenças são ditas, contadas.
Temos
o autor, ou a pessoa que traduz os sentimentos, que estão sendo expressos em
palavras e, finalmente, o animador, metaforicamente, a caixa de som que fala. Ilustrando
essa teoria temos que o discurso de um político é um ato de fala de um animador, que fala
sobre ele mesmo e lê um texto que foi escrito por outro, no caso um escritor de discursos. A
perspectiva da distribuição passa então por dois aspectos sendo a gravação (recording) e a
transmissão, que eventualmente podem ser combinados. Os autores explicam que a
distribuição obteve ganhos razoáveis com a acessibilidade e isso acabou beneficiando muitas
pessoas. A pintura em tela, o livro, a música, a peça de teatro, tudo isto pode ser comprado e
levado para casa, na forma de reprodução ou gravação. Fica apenas, nesta situação, o
sentimento de perda, que segundo os autores impacta na multimodadidade, uma vez que se
trata da
transformação de um código em outro código, que gera perdas
e implica
necessariamente em redução.
O capitulo 6 encerra esta obra. De
forma bastante inovadora Kress & Van Leeuwen
apresentam assuntos e tópicos para uma agenda multimodal. Os autores apresentam neste
capítulo as ações e os trabalhos já realizados por eles e sinalizam as possibilidades futuras,
novos itens para a agenda da multimodalidade. Segundo eles uma das realizações importantes
diz respeito aos esforços para mostrar que ‘sentido’ é algo que pode ser realizado em
diferentes modos e sempre em diferentes modos e mídia, não se limitando à linguagem. Outra
ação relevante, mencionada
pelos autores foi o
‘esquema
da teoria multimodal da
comunicação’, concentrado em dois aspectos, sendo: primeiro; os recursos semióticos da
comunicação, os modos e a mídia usada e, segundo; as práticas comunicativas nas quais
estes recursos são usados. Kress & Van Leeuwen comentam ainda sobre a perspectiva de
alguns linguistas, que concebem a linguagem como única, porque
ela tem recursos de
realização, os quais não contribuem definitivamente para traduzir o sentido. Os autores
garantem que o sentido é realizado em qualquer lugar, em qualquer camada, na fonologia, na
gramática e na sintaxe. E sobre as possibilidades futuras de uma agenda multimodal os
autores sinalizam para uma averiguação acerca dos modos, da performance, da aplicabilidade,
bem como uma investigação a respeito dos signos, da perspectiva temporal das imagens ou os
aspetos dos tempos na fala e o potencial da narrativa.
Ao final do capítulo 6 encontram-se disponíveis as referências bibliográficas e um índice
remissivo, que auxilia na localização dos assuntos, remetendo diretamente a pagina.
6. 6
Multimodal Discourse
é
recomendado aos estudiosos
Linguística e Comunicação. Muito embora tenha sido
das áreas
de Artes, Design,
escrito em 2001 é uma obra
contemporânea e de vanguarda no que diz respeito às teorias de multimodalidade.