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E d i t o r a d o g r u p o D i r e ç ã o e x e c u t i v a
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EUDF. M A R T I N S
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A L D O M E N E Z E S
Ed i t o r i ¡1 s
O B R A S D E INTERESSE GERAL
O B R A S TEOLÓGICAS E DF REFERÊNCIA
O B R A S PARA IGREJA E FAMÍLIA
O B R A S EM LÍNGUA PORTUGUESA
OBRAS INFANTIS E JUVENIS
BÍBLLAS
Outros livros da série
Como vencer a rejeição
Como vencer as crises
Como vencer a injustiça
Como vencer o medo
P e i e m e s m o a u t o r
52 esboços de mensagem de
encorajamento (Vida)
A cura pelo perdão (Vida)
A presença (MK)
As crises de todos nós
(Rd. Carisma)
As difíceis tarefas da vida (MK)
Desobedecendo à desobediência
(Igreja de Nova Vida)
Que vontade é esta
(Nova Vida Comunicações)
Senhor, ensina-me a amar
(Carisma)
Sentimento de culpa
(Carisma)
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Oscar, T i t o -
A dor da perda / Tico Oscar — S ã o Paulo : Edirora Vida, 2 0 0 3 . — (Serie
C o m o Vencer)
isBN- 8 5 - 7 3 6 7 - 7 8 4 - 8
1. Alegria 2. C o n d u t a de vida 3. 1-iherdade 4 . Motivação 5. Perda (Psi-
cologia) - Aspeaos religiosos - Cristianismo 6. Vida cristã J . J í t i i l o . II. Serie.
índice para catálogo sistemático
1. Perdas : Vida crista : Cristianismo 2 4 8 . 4
Que as pequenas dificuldades
de cada dia façam cantar
nossa alma, como os seixos
fazem cantar o riacho.
Saint-Exupéry
SUMÁRIO
Prefácio 9
C A P Í T U L O U M
UM MUNDO FEITO DE RETALHOS 13
C A P Í T U L O D O I S
NOSSAS PERDAS DE CADA DIA 21
C A P Í T U L O T R Ê S
BUSCANDO o QUE SE PERDEU 39
C A P Í T U L O Q U A T R O
QUANDO SE PERDE A UBERDADE 49
C A P Í T U L O CINCO
É PRECISO SE ACOSTUMAR 69
Conclusão 77
Sobre o Autor 79
PREFÁCIO
Diz o ditado popular que "gosto não se discute".
Pessoalmente, não aprecio uma mesa por mais bem
servida, e visualmente convidativa, que tenha como
tempero básico a cebola. Não considero esta planta
bulbosa, conhecida como allium cepa, uma adversária
intragável. Tanto é que, em determinadas circuns-
tâncias, quando ela se apresenta esmagada, moída,
triturada, até que não é difícil tê-la como companheira
de refeição.
Esse pequeno retalho, que faz parte da colcha de
minha vida, tem uma razão de ser. Estou colocando
um alimento diante da mesa de sua vida. E preciso
dizer logo de início que não o aprecio. Mas nem por
isso tenho deixado de prová-lo com uma freqüência
que não traduz minha aversão por ele.
Esse prato não tão delicioso assim, mas impor-
tante na formação de nossa constituição física,
emocional e espiritual chama-se perdas. E sobre ele
vamos caminhar à luz da Palavra de Deus.
Muitas vezes, lemos livros maravilhosos sobre a
dor, o sofrimento, as perdas e decidimos colocar em
prática tudo o que o autor nos sugere. No entanto,
basta um pequeno tremor, um simples desajuste na
engrenagem para que o coração se desmanche em
lágrimas e caia no desespero. Saber perder é uma
arte que deve ser aprendida e praticada por todos os
que desejam viver uma vida sadia e equilibrada. Pre-
cisamos ser, como afirmou Augusto Cury, "um agen-
te modificador de nossa história".1
Saber perder implica saber viver. Isto porque no
compasso da vida surge repentinamente umafermata.
Uma parada inexplicável, e com ela uma perda. Nes-
tas horas, não podemos interromper a melodia que
Deus nos deu para executar. É preciso continuar de-
dilhando o instrumento como o fez Paganini. Con-
ta-se que um dia ele estava se apresentando num
grande auditório, quando uma corda de seu violino se
partiu. Todos pararam surpresos e estarrecidos. Me-
nos o artista. Ele continuou tocando, quando de re-
pente uma nova corda também se rompe. Novo
silêncio. O próprio maestro não sabia o que fazer.
'Treinando a emoção, São Paulo, Academia de Inteligência,
2001, p. 20.
Paganini, no entanto, continuava tirando as notas das
cordas restantes. Até que num determinado momen-
to, com uma única corda no instrumento, ele conse-
gue finalizar o concerto. A máxima desta pequena
história é que não podemos parar, interromper o rit-
mo da vida, quando uma corda se rompe. Mesmo
cjue você tenha de tocar sua melodia com apenas uma
corda, vá em frente. Sua vida voltará a vibrar.
As perdas não foram feitas para nos derrotar. Elas
servem como oportunidades de Deus para abrir no-
vas portas, novos horizontes.
A proposta deste livro é ajudar você a superar os
momentos que angustiam a alma e provocam muitas
dúvidas no coração. Não se trata de um livro técni-
co, mas de um instrumento que poderá despertar o
seu espírito, para que a vida continue fluindo cheia
de graça e de alegria.
Ao introduzir seu livro O espírito das disciplinas,
Dallas Willard afirma o seguinte: "Conquanto haja
uma torrente de técnicas de auto-ajuda, ainda assim
lemos uma epidemia de depressão, suicídio, vazio
pessoal e escapismo por meio das drogas e do álcool.
E também uma obsessão por ocultismo, consumismo
exarcerbado, sexo e violência — tudo isso combina-
do com uma incapacidade de se manter relaciona-
mentos pessoais profundos e duradouros. Assim,
obviamente, o problema é espiritual, e o remédio para
ele precisa ser da mesma natureza".2
Concordo com o autor quando afirma que o re-
médio para enfrentarmos as perdas é espiritual. Por
isso nosso propósito não é apresentar uma série de
técnicas sobre como enfrentar as perdas da vida. O
alvo é mostrar, por intermédio da Palavra de Deus,
as possibilidades de continuar tecendo a vida, tocan-
do a vida, vivendo a vida com os recursos dados pelo
nosso Deus.
Uma boa leitura para você.
T I T O OSCAR, BISPO
2
Rio de Janeiro, Danprewan, 2003, p. 9.
C A P Í T U L O U M
UM MUNDO FEITO
DE RETALHOS
Lembro-me dos tempos em que minha mãe, espo-
sa de um alfaiate, aproveitava pequenos retalhos de
cores variadas para construir lindas colchas. Elas fa-
ziam grande sucesso em nossa pequena cidade.
Ela ajuntava pedaços de pano e, depois, com um
cuidado todo especial, separava os mais resistentes
e coloridos. Centenas de pedacinhos de tecido com-
punham o trabalho. Num exercício de paciência e
dedicação, minha mãe dava um lindo destino a eles.
Elza Hermínia, escritora mineira, autora de Reta-
lhos de vida} descreve a existência do homem: "A vida
de um homem, ainda que se considere só, é formada
e transformada por pedaços de vidas, por situações à
parte de nós mesmos, que contudo não nos deixam
'Uberaba, Pinti, 1985, p. 9.
de influenciar, numa ou noutra circunstância. Quem
passa pela vida experimentando alegrias, tristezas,
angústias, sonhos e fantasias, não poderá ser jamais
o mesmo; não conseguirá permanecer inerte ao pro-
cesso de seu amadurecimento".
Nem sempre os retalhos apanhados aqui e acolá
são de um tecido lindo, colorido e resistente. Na
maioria das vezes, o tecido se compõe de um pedaço
de tristeza costurado em um pedaço de amargura ou
desesperança. Muitas vidas são tecidas, entrelaçadas,
com sobras de panos usados e desgastados. Por isso
esse tecido não consegue resistir aos impactos e aos
puxões que o mundo provoca a cada passo.
Isso não significa que o material colocado a nossa
disposição por Deus seja de má ou péssima quali-
dade. Na verdade, entre tantas coisas ruins, há mui-
tas coisas boas na vida. Afinal, nosso universo não
foi resultado de uma explosão cósmica, mas foi for-
mado pelas mãos do próprio Criador. A Bíblia nos
assegura que toda a criação divina tinha o selo de
qualidade.
No entanto, de acordo com o estado de espírito e
das tendências daquele que tece a colcha da vida,
esta se transformará numa peça admirada por mui-
tos ou, ao contrário, desprezada e rejeitada pela tris-
teza, pobreza e derrota que transmite.
Costurar a vida é uma arte que poucos con-
seguem dominar. Tomar a agulha do tempo e tecer
sonhos, projetos, conquistas, panoramas lindos e
admirados é uma tarefa hercúlea. Muitas vezes pica-
mos o dedo do espírito, ao tentar emendar um pano
no outro. Outras vezes, movidos pela pressa e pelas
pressões externas, cosemos a vida com linhas fracas,
que se rompem ao menor impacto ou puxão.
O escritor Roque Schneider2
afirma: "A vida é
uma sucessão de momentos. Momentos neutros.
Momentos um pouco amargos, por vezes". Isso
significa que, para construir uma existência bonita
e saudável, é necessário valorizar o momento pre-
sente, seja eivado de alegria, graça, entusiasmo, ma-
gia, entusiasta criatividade, seja marcado por medo,
doença, solidão, cansaço, desânimo e perdas.
ESCOLHA DO MATERIAL
Nosso grande desafio é escolher o tipo de vida que
almejamos viver. A experiência nos ensina que nin-
guém de livre e espontânea vontade escolhe uma vida
tecida com material inferior ou ruim. Ao contrário,
nossa ambição é construir uma existência capaz de
2
Pequenos recados para gente apressada, São Paulo, Vozes, 1977,
p. 7.
vencer os contratempos, as surpresas infelizes e as
ameaças que possam pesar sobre ela.
Para isso, entretanto, é fundamental que obser-
vemos com cuidado os pedacinhos de tecido que
Deus lança no chão de nossa existência. É importan-
te também estarmos conscientes de que o Criador
oferece as mesmas oportunidades a todos. Jovens e
adultos, ricos e pobres, doentes e sãos, todos rece-
beram em determinado tempo o material para cons-
truir a vida.
Jesus, ao terminar o Sermão do Monte, explicou
por que certas casas conseguem resistir aos impactos
da natureza, enquanto outras caem ao menor sopro
dos ventos. Ele mostrou que a casa que o homem
construiu sobre a rocha resistiu às forças da nature-
za, enquanto o outro, que a construiu sobre a areia,
assistiu a seu desabamento quando a chuva come-
çou a cair (Mateus 7.24-28).
O primeiro escolheu um lugar apropriado para
construí-la — a rocha. Para tanto, teve de trabalhar
duro, quebrar a pedra e retirar o entulho, mas foi
recompensado no final. O outro, ao contrário, prefe-
riu erguê-la num local mais fácil de ser trabalhado. A
areia não oferece resistência, mas também não ga-
rante estabilidade.
Essa orientação diz respeito à construção de uma
vida. Você pode optar no momento por um lugar que
exija menos esforço e menos dedicação. Pode querer
aproveitar o tempo, sem querer trabalhar duro nem
se cansar para poder curtir seus dias, sua juventude e
saúde. Você não pode esquecer que mais dia, menos
dia o tempo pode mudar.
Salomão, entre tantos conselhos de altíssima sa-
bedoria, nos deixou uma séria advertência: "Lem-
bre-se do seu Criador nos dias da sua juventude,
antes que venham os dias difíceis e se aproximem
os anos em que você dirá: 'Não tenho satisfação
neles'" (Eclesiastes 12.1).
Certa ocasião, fui pescar com alguns amigos e
um cunhado. De repente, meu cunhado disse: "Va-
mos embora porque o tempo vai mudar". Para uma
pessoa inexperiente, nada indicava que aquelas
águas, até então serenas, de um momento para ou-
tro se agitariam. Enquanto decidíamos o que fazer,
formaram-se ondas enormes no rio. Por pouco não
naufragamos. Foi preciso jogar o barco contra o bar-
ranco, para salvá-lo.
Na vida acontece o mesmo. De repente, você per-
cebe que a situação se complica. Tudo acontece num
piscar de olhos. Você sai de manhã para o trabalho
sem grandes preocupações, mas basta virar a esqui-
na para que surja um imprevisto. O que fazer numa
hora dessas?
A Bíblia conta a história de um rei chamado Josafá.
Ele vivia tranqüilamente com seu povo. No entanto,
três outros reis resolveram atacá-lo repentinamente.
Sem saber o que fazer, e obrigado a tomar uma pro-
vidência, Josafá entrou em crise. A primeira atitude
dele foi levantar uma oração a Deus, e por essa ora-
ção percebemos quanto ele estava fragilizado: "Ó
nosso Deus, não irás tu julgá-los? Pois não temos
força para enfrentar esse exército imenso que vem
nos atacar. Não sabemos o que fazer, mas os nossos
olhos se voltam para ti" (2Crônicas 2 0 . 1 2 ) .
Quando Josafá disse que não sabia o que fazer,
acabou fazendo a única coisa possível: voltou seus
olhos para Deus. Em lugar de convocar os exércitos,
aliás poderosos, ele simplesmente optou por confiar
em Deus, o que se revelou uma excelente escolha.
Ele preferiu deixar com Deus a solução do proble-
ma, e o resultado da batalha mostra que Josafá agiu
corretamente. Deus deu a ele uma grande vitória.
Saber escolher os elementos que vão compor
nossa vida é o segredo para superar as crises, os re-
veses e os desenlaces que todos nós, sem exceção,
enfrentamos.
Meu desejo nessas reflexões é mostrar que nem
sempre as perdas podem ser consideradas perda.
Tudo dependerá do modo como escolhemos os
pedacinhos de tecido que compõem nossa vida. Em
nossa caminhada, perdemos coisas e valores, mas
nunca permanecemos de mãos vazias. A cada perda,
ganhamos algo, seja concretamente, seja em termos
de experiência, seja em forma de uma nova visão. O
fundamental é estarmos atentos a nós mesmos e a
tudo a nosso redor, para detectarmos o que pode ser
positivo sobre o futuro.
Alguém afirmou o seguinte: "Não importa o que
fizeram com você. O que importa é o que você faz
com aquilo que fizeram com você".
Lembre-se de que nada acontece por acaso. A vida
desenvolve-se de modo natural, e não é possível fa-
zer absolutamente nada para impedir seu avanço. Po-
demos — e devemos — escolher, contudo, os ele-
mentos que vão compor o tecido de nossa existência.
C A P Í T U L O D O I S
NOSSAS PERDAS
DE CADA DIA
U m traçado eletrocardiográfico é a melhor analo-
gia para definir a vida. Durante os muitos anos que
trabalhei numa clínica cardiológica, vi várias pessoas
partirem desta vida após sofrerem violento ataque
cardíaco. Logo que o paciente, com suspeita de
enfarte, chegava à clínica era submetido a um eletro-
cardiograma. Muitas vezes, ao se instalar o apare-
lho, notava-se apenas um risco, uma linha marcando
o monitor, sinal de que o coração deixara de pulsar.
O traçado de um eletrocardiograma mostra uma
linha que sobe e desce, de acordo com os batimentos
cardíacos. Quando essa linha se torna paralela à li-
nha do horizonte, é sinal de que a vida se foi. En-
quanto as linhas estiverem subindo e descendo,
mesmo em ritmo descontrolado, há evidência de que
o coração está pulsando. Esse é o melhor sinal de
que há chance de salvar o paciente.
Muitos sonham com uma vida retilínea, sem pro-
blemas, sem crises nem perdas. Mas essa vida não
existe. Se existe, é nos contos, nas novelas e nos ro-
mances. No dia-a-dia é muito diferente!
O problema é que as pessoas não estão prepara-
das para os vaivéns da vida. Querem permanecer aci-
ma das turbulências e sonham com um futuro calmo,
cercado por mordomias, saúde e prosperidade.
Eu e minha esposa tivemos um filho, Luiz. Vítima
de um acidente de carro, hoje está com o Senhor.
Nosso filho era um jovem apaixonado por esporte.
Jogava pólo aquático pelo Clube Guanabara, no Rio
de Janeiro, e era torcedor do Fluminense. Quando
sua equipe perdia, ainda que fosse nos treinos, ele
chorava à beira da piscina. Quantas vezes ele usou a
toalha de banho para enxugar as lágrimas da derrota!
O fato é que ninguém gosta de perder. Toda per-
da gera um sentimento de dor e frustração. Perder
um emprego, um parente, uma oportunidade de
melhorar a vida pessoal, um carinho ou uma amiza-
de e, pior que tudo isso, perder para um trapaceiro e
assaltante, é um desafio que poucos têm força para
encarar.
Na verdade, a perda é um personagem que ja-
mais deixa de se apresentar no palco de nosso mun-
do. Todos nós perdemos alguma coisa a cada minuto
que passa. Cada instante vivido é um milagre que
não se repete. Ele já passou, se perdeu na contagem
do tempo e nunca mais voltará a ser o mesmo. Mu-
damos a cada instante. São mudanças biológicas,
somadas às mudanças naturais, que mudam tudo a
todo instante. Em um momento estamos sorrindo;
no outro, derramando lágrimas.
MESMO FIEL
Nenhum comentário sobre perdas pode deixar de fora
uma análise, ainda que simplista, da vida de Jó. Esse
patriarca é um exemplo claro de como o traçado da
vida determina os momentos bons e ruins.
Jó viveu um tempo em que tudo parecia correr
maravilhosamente bem em seu mundo. Os ventos
lhe eram favoráveis. Suas linhas cardiográficas eram
mais acentuadas na parte superior do traçado. A lei-
tura de sua história pregressa não revela nenhuma
experiência de dor, tristeza ou perda.
Sua caminhada, até então tranqüila, de repente é
atingida por um grande terremoto, que altera o mo-
vimento das linhas de sua existência.
Os primeiros relatos bíblicos sobre Jó revelam que
ele vivia em um ambiente saturado de harmonia. Seu
lar era aquecido pela comunhão e participação de toda
a família. Ele não desfrutava apenas de prosperida-
de material, mas usufruía um sentimento maior, que
permeava o coração de todos os seus. Até mesmo
entre os irmãos — um tanto incomum em nossos
dias — havia muita amizade e participação.
Sobre ele pairava a bênção da integridade como
chefe de seu lar. A Bíblia descreve: "Na terra de Uz
vivia um homem chamado Jó. Era homem íntegro e
justo; temia a Deus e evitava o mal" (Jó 1.1).
O versículo 2 mostra que Deus abençoara a des-
cendência dele: "Tinha ele sete filhos e três filhas".
Ter filhos na época era um sinal de que as bênçãos
de Deus estavam sobre o lar. Os filhos eram consi-
derados "herança do SENHOR" (Salmos 127.3).
Além da família harmoniosa e bem ajustada, sua
prosperidade era visível e conhecida por todos seus
conterrâneos. Sem dúvida ele era o perfeito repre-
sentante de um homem feliz, realizado e acima de
tudo agraciado por Deus.
No entanto, o cenário desse lar bem-aventurado
mudou radicalmente de um momento para outro.
Enquanto Jó descansava em sua casa, e seus filhos
celebravam um banquete na casa do irmão mais ve-
lho, o ritmo de normalidade começou a se alterar. Aí
vieram as perdas.
A primeira ocorreu no campo. Enquanto os bois
aravam a terra, e os jumentos se alimentavam tran-
qüilamente, um bando atacou e matou todos os em-
pregados, além de levar embora o rebanho. Essa foi
a primeira alteração no traçado da vida de Jó. Mal
recebera essa informação, outro mensageiro chegou
correndo para lhe dizer que um incêndio dizimara as
ovelhas e os que delas cuidavam. O mensageiro ain-
da estava na presença de Jó, quando outro entrou
correndo para informá-lo de que os camelos tinham
sido atacados por três grupos de bandidos. Tanto os
animais como os empregados estavam mortos.
Para completar o infortúnio daquele dia, outro
mensageiro lhe traz a informação mais dolorosa. Os
filhos de Jó estavam comendo na casa de um dos
irmãos, quando um vento muito forte atingiu os qua-
tro cantos da casa. Tudo veio abaixo. Jó acabara de
perder os dez filhos!
MEU MUNDO CAIU
Antes que o sol se escondesse, deixando de iluminar
a terra, a vida de Jó já estava cercada por uma imen-
sa escuridão. Tudo o que construíra durante os anos
de vigor desaparecera em poucas horas.
Seu mundo desabara. O mundo de um homem
íntegro, temente a Deus, que fazia tudo para ser uma
testemunha viva de seu Criador, estava no chão. E
agora? Como continuar crendo em um Deus que
permite a invasão de forças destruidoras sobre tudo
o que temos?
E interessante observar que o grande tema do li-
vro de Jó não é o sofrimento dele, embora sejamos
defrontados com esse sentimento em cada página.
O âmago da mensagem está em seu amor por Deus
e em sua compreensão de que o Senhor é o único
dono de tudo o que o homem possui. O livro de Jó
mostra que, quando o coração está cheio de Deus, é
possível manter a posição de adorador, mesmo quan-
do os ventos são contrários.
A tese defendida por Satanás era simples: basta-
ria Jó perder tudo o que construíra para amaldiçoar a
Deus. Satanás insistia em defender o argumento de
que o homem só adora a Deus por interesse. E Jó
não haveria de ser exceção.
E importante examinar como o dia dele terminou.
Após todos os mensageiros saírem, ele ficou sozi-
nho. Em sua solidão amarga, ele se prostrou diante
do Senhor e disse: "Saí nu do ventre da minha mãe,
e nu partirei. O SENHOR O deu, o SENHOR O levou;
louvado seja o nome do SENHOR" (JÓ 1.21).
Jó não acusou a Deus por nada do que lhe havia
acontecido. Não questionou a perda de um só ani-
mal, de um só servo e, por incrível que pareça, não
falou da morte dos filhos: "Em tudo isso Jó não pe-
cou e não culpou a Deus de coisa alguma" (Jó 1.22).
Com muita propriedade, o dr. João Mohana apon-
ta três elementos necessários para compreender o
sofrimento: a humildade, o espírito de sacrifício e a
sede de perfeição.
Segundo Mohana, "pela humildade não tomamos
logo uma atitude hostil, não nos empolgamos de re-
volta, nem cindimos nossas energias para o comba-
te. A humildade concentra tudo o que dentro de nós
pode lutar. Une e reforça. Por causa disso aumenta a
possibilidade de êxito".1
0 espírito de sacrifício é bem diferente da resig-
nação. A capacidade de saber perder o melhor pelo
não tão bom, de saber continuar a remar quando o
companheiro já cansou, é muito importante em tem-
pos de águas turbulentas.
E Mohana conclui: "A sede de perfeição não é só
de fecundação do sofrimento; é o elemento de fe-
cundação da própria vida [...] Jesus Cristo não pediu
nada que já antes não estivesse em crisálida dentro
de nós [...] E por isso é que, quando todos os lados
estão cercados de cruzes, só há uma maneira de ex-
pandir-se. E para o alto".2
Jó foi impecável em sua
reação. Seu mundo caiu, mas ele permaneceu de pé
diante de Deus.
A DOR SE INTENSIFICA
Como se não bastasse tirar tudo o que Jó possuía,
Satanás ainda queria mais. Volta-se para Deus e diz:
1
Sofrer e amar, Rio de Janeiro, Agir, 1976, p. 67-9.
2
Ibid.
"Tele por pele!', respondeu Satanás. 'Um homem
dará tudo o que tem por sua vida. Estende a tua mão
e fere a sua carne e os seus ossos, e com certeza ele
te amaldiçoará na tua face'!" (Jó 2.4,5).
Mal se refizera dos efeitos das notícias, mas Jó
ainda é visto como um homem que não confia intei-
ramente em Deus. E mais uma vez Satanás investe
com toda sua fúria contra ele. O amor e o temor que
Jó demonstrava para com Deus não eram argumen-
tos para afastar Satanás de seu propósito maligno.
O alvo agora não era tirar algo que Jó ainda pos-
suísse, mas tocar em sua própria carne. Com a per-
missão de Deus, Satanás começa seu trabalho de
atormentar a vida do patriarca. De repente, Jó come-
çou a sentir-se mal. Surgiram-lhe chagas no corpo.
Com muitas dores e sem entender o que acontecia,
Jó sentou-se entre cinzas e pôs-se a raspar as feridas
com um caco de louça. "Agora era só esperar, para
vê-lo negar a fé em Deus", pensava Satanás.
DESAPEGO
Sabemos que a perda de emprego provoca uma an-
siedade profunda no coração daquele que sofreu a
perda. Muitos não suportam o estresse causado pela
demissão. O desespero de não dispor de recursos para
as despesas mensais da família tem esmagado o âni-
mo e a fé de muitas pessoas.
Conheço uma família que após anos de sacrifício
conseguiu comprar uma pequena casa. Finalmente o
sonho de se livrar do aluguel havia se realizado. Anos
depois essa família teve de abrir mão da propriedade
para cobrir as despesas com a enfermidade de um
dos filhos. Nunca mais eles foram os mesmos. A dis-
posição de continuar lutando desapareceu como por
encanto.
A perda de um filho levou uma família bem-
estruturada a um desencontro tão grande, que aca-
bou provocando sua destruição. O peso da perda foi
tão tremendo que nem os pais, nem os irmãos acei-
taram a morte do jovem. O casal hoje está separado,
em razão dos atropelos provocados pela perda.
Nossa formação psicológica e emocional é muito
frágil. Desde crianças, somos protegidos e guarda-
dos para não perdermos nada. A pedagogia da perda
não entra no currículo de muitos lares. Ninguém gos-
ta de falar sobre derrotas, desastres e perdas. Somos
ensinados a viver acima da linha do horizonte.
Mas perder faz parte do jogo! Entramos na vida
para ganhar e para perder. O importante é sabermos
administrar as perdas, sem deixar que anulem nossa
capacidade de reação.
Jó perdeu os bens e o apoio da esposa. As vezes,
as perdas são menos dolorosas que a falta de compre-
ensão daqueles que convivem conosco e deveriam,
por dever de amor, estender o consolo, a compreen-
são e o conforto de que tanto necessitamos num mo-
mento em que nossas mãos se esvaziam.
O padre Antônio Vieira comenta sobre a reação
da esposa de Jó: "Estava Jó coberto de chagas [...]
quando chega a própria mulher, e em lugar das lá-
grimas e das lástimas com que se devia compadecer
de um homem e tal homem, quando não fora seu
marido e Rei, tendo-o conhecido em tão diferente
estado, quais foram as palavras que lhe disse? 'Você
ainda mantém a sua integridade? Amaldiçoe a Deus,
e morra!'".3
A reação de Jó foi surpreendente. Ele
respondeu à sua mulher: '"Você fala como uma in-
sensata. Aceitaremos o bem dado por Deus, e não o
mal?' Em tudo isso Jó não pecou com seus lábios!"
(Jó 2.10).
O grande problema é que as perdas provocam na
maioria das pessoas um sentimento de revolta. Per-
der tem um sentido pejorativo: só perde quem é fra-
co, quem não luta e se entrega. Esse é um conceito
muito difundido em nossa sociedade.
A melhor maneira de anular a dor da perda é não
deixar que o objeto ou a pessoa que se foi continue
governando nossos atos e sentimentos. O velho pa-
triarca soube magistralmente anular toda a força que
''Sermões, v. 2, São Paulo, Hedra, 2001, p. 522.
o comprimia. Mesmo perdendo todos os bens mate-
riais, os filhos, a compreensão da esposa e, finalmen-
te, a própria saúde, ele ainda assim conseguiu vencer.
O segredo de Jó estava calcado em um elemento
que a psicologia descobriu: quanto mais a pessoa
se apega às coisas, maior será sua dor na perda. E se
considerarmos a perda como uma devolução? Como
uma devolução, talvez, de alguma coisa que nos foi
emprestada por um tempo, e agora está sendo
cobrada.
Se, por exemplo, uma pessoa já não o procura,
demonstra desprezo e parece não se importar com
você, devolva essa pessoa a si mesma. Afinal, quem
perderá mais com a separação: você ou ela? É isso
mesmo: não lute nem esbraveje contra as perdas.
Muitas delas são, na verdade, devoluções ao dono.
As vezes, é provável que estejamos devolvendo a
Deus alguém que deveria estar com ele, livre de per-
das irreversíveis. Por que não conservar os pés no
chão e a cabeça nas estrelas, como afirmou Lair Ri-
beiro? Ou seja, por que não aceitar a vida como se
nos apresenta e nos concentrar tão-somente naquilo
que podemos mudar, encarando nossas falhas e apren-
dendo com elas, para aumentar as chances de sucesso
na próxima vez?
Acredite: os erros e as perdas podem ser grandes
instrumentos em nossa existência. Não pense em
cantar apenas quando está feliz, sem ter sofrido ne-
nhuma perda. Faça como o passarinho: "Ele não can-
ta porque está feliz. Ele está feliz porque canta!",
como tão inteligentemente lembra Lair Ribeiro. E
prossegue: "Sempre pensaram que para agir era pre-
ciso sentir. A verdade é que se você começa a agir o
sentimento aparece [...] Se você está deprimido, co-
mece a agir como se estivesse feliz. Logo passará a
se sentir feliz. Aí você está a um passo de ser feliz.
Não espere se sentir feliz para fazer algo. Comece a
fazer, que o sentimento aparece. Lembre-se: inten-
ção sem ação é só ilusão".4
William Rezende Araújo,5
escreveu: "A verdadei-
ra causa da dor e o fator que determinará a sua in-
tensidade e duração é o nosso apego. Quase todos
temos apego em maior ou menor intensidade, e ele
é por si só um dos maiores fatores causadores da
nossa infelicidade. Quanto mais apegado a alguém
ou a alguma coisa, maior o sentimento de perda e
de dor".
Isso não significa que devemos nos desapegar de
tudo na vida. Não, de modo nenhum! Temos de nos
apegar ao canto, para nos sentirmos felizes; à ação, e
4
P « no chão, cabeça nas estrelas, Rio de Janeiro, Objetiva,
p. 28.
3
www.autoencontro.org. br/apego, htm.
não à inércia; ao eu positivo e construtivo, e não ao
eu pessimista e demolidor. Enfim, é preciso apegar-
nos ao que constrói, e não ao que derruba; à espe-
rança e ao que traz promessa de vida, e não ao que
traz enfado, cansaço, desilusão e muitas perdas!
Em nenhum momento Jó demonstrou o menor
sinal de apego, de certeza de posse em relação aos
bens que compunham sua vida. Era muito rico, mas
sua riqueza não exercia nenhum domínio sobre seu
comportamento e caráter. Sabia desfrutar as bênçãos
de sua prosperidade, mas não vivia atado a ela. Em
certo sentido, Jó era totalmente desapegado, mas não
por desinteresse ou indiferença. Seu sofrimento não
foi decorrente das perdas sofridas. Ele sofreu muito
mais pela incompreensão daqueles que tentaram
ajudá-lo. O fato de haver chorado e coberto o corpo
de cinzas mostra quanto ele valorizava tudo o que
possuía. Mas o texto bíblico não diz que ele recla-
mou pelas perdas, nem pela desventura de ver os
filhos mortos.
Quando se referiu às perdas, Jó não ousou culpar
a Deus por nada, nem muito menos valorizou os ata-
ques de Satanás. Segundo Ricardo Barbosa de Sou-
za: "Logo após ter sido violentamente afligido pelas
catástrofes provocadas por Satanás, ele não diz: 'O
Senhor deu e Satanás tomou; agora devo amarrar e
reivindicar o que me foi tirado'. Ao contrário, sua
afirmação revela que, mesmo tendo sido Satanás o
autor de toda a desgraça que sobreveio a ele e sua
família, ele continuou colocando Deus no centro de
todos os acontecimentos, ao declarar: 'O SENHOR O
deu, o SENHOR O tomou; bendito seja o nome do
SENHOR'".6
Em cada nascer do sol, nascem muitos
sofrimentos e muitas dores, não apenas alegrias e
vitórias. Os sofrimentos independem de nossa po-
sição social, posses e crenças. Simplesmente acon-
tecem sem nossa permissão. São como intrujões que
adentram nossa casa. E inútil tentar fugir deles ou
lhes impedir a entrada. Teríamos de ser privilegia-
dos, mas ninguém no mundo tem a ventura de es-
capar ao destino de sofrer e lutar; de enfrentar
dissabores e perdas.
Creio que nessas horas amargas Deus nos revela
sua graça e bondade. O próprio Jesus não foi pou-
pado da cruz. No entanto, na cruz ele contou com o
socorro do Pai. Comentando sobre o sofrimento, o
padre João Mohana afirma: "Deus entra muitas ve-
zes por um coto de braço, numa amputação; pelas
articulações, num reumatismo; pelos olhos, numa
cegueira; por qualquer parte do corpo. Deus não
tem exigências estéticas para entrar numa alma.
''Janelas para a vida, Curitiba, Encontro, 1999, p. 27.
Se o coração se abriu é o que importa; por qualquer
beco ele [o Senhor] chega até ele".7
VENCENDO A DOR DAS PERDAS
A maneira como Jó superou as perdas que atingiram
sua vida chega a incomodar nosso espírito analítico.
Ele não as negou, tampouco as sublimou. Simples-
mente enfrentou tudo da perspectiva de Deus. Pode
parecer um tanto simplório, mas foi o que realmente
aconteceu. Não fosse a insistência dos amigos em
culpá-lo por sua infelicidade, o livro certamente não
comportaria 42 capítulos. A partir do capítulo 3, o
tema gira em torno das acusações de seus compa-
nheiros e de sua defesa.
Para vencermos as dores das perdas, e não as per-
das, pois essas são reais e constantes, é necessário
entender que não somos o que perdemos. Nossa vida
é maior que as perdas sofridas. Mesmo que a dor se-
ja intensa, como na perda de uma pessoa querida ou
na ruptura de um relacionamento que foi saturado
de alegria e felicidade, a vida continua.
Quando ocorre a perda, é importante colocar em
prática alguns princípios que ajudam a superar essas
horas que parecem durar uma eternidade.
'Sofrer e amar, Rio de Janeiro, Agir, 1976, p, 44.
CORTANDO O CORDÃO UMBILICAL
Em primeiro lugar, corte o cordão umbilical que o
prendia ao que se perdeu. Quanto mais você esti-
ver ligado à pessoa que se foi, ao trabalho que já
não existe ou a outro elemento hoje distante, mais
sofrerá.
Quando você insiste em preservar esse cordão
intacto, a dor fica presente em todos os passos. Isso
não significa que você deva esquecer completamen-
te o que foi perdido, o que, aliás, é quase impossí-
vel. Você deve guardar as boas lembranças, os
momentos aprazíveis vividos, as saudades de um tem-
po em que o que você perdeu preencheu todo seu
mundo, mas sem nenhum pesar. Olhar para o passa-
do com o sentimento de amargura, perda e derrota
dominando o coração, só aumentará a dor.
Ió teve um momento em que se deixou levar pelo
sentimento de perda. Na tentativa de defender-se
das acusações dos amigos, ele buscou argumentos
no passado. Deixou, desse modo, que as boas lem-
branças que poderiam ajudá-lo a caminhar com
maior segurança se transformassem num copo de fel.
Ele desabafou: '"Como tenho saudade dos me-
ses que se passaram, dos dias em que Deus cuidava
de mim, quando a sua lâmpada brilhava sobre a
minha cabeça e por sua luz eu caminhava em meio
às trevas! Como tenho saudade dos dias do meu
vigor, quando a amizade de Deus abençoava a mi-
nha casa, quando o Todo-poderoso ainda estava co-
migo e meus filhos estavam ao meu redor". E con-
clui a lamentação: 'Mas agora eles zombam de mim"
(Jó 29.1-5; 30.1).
Se você deseja superar a dor de uma perda, corte
o cordão umbilical que o prendia. Não deixe nada
que provoque tristeza, angústia e, muitas vezes, sen-
timento de culpa colar em seu espírito.
DESISTA DE SER VALENTE
Em segundo lugar, desista de ser valente. Não tente
demonstrar uma coragem que você, no fundo, não
tem nem precisa ter. Participo de muitas cerimónias
fúnebres, por minha missão pastoral e, muitas ve-
zes, me vejo derramando lágrimas ao oficiar a ceri-
mônia, mesmo sem ter nenhum laço de parentesco
com a pessoa velada. No entanto, é comum nessas
horas ver os parentes mais chegados demonstrando
coragem e tranqüilidade, quando na verdade o que
mais queriam era derramar-se em lágrimas. Não há
nada mais reconfortante que chorar. As lágrimas la-
vam a alma e o espírito. "Nunca devemos corar de
nossas lágrimas", diz Dickens. Elas nos ajudam a
recompor nossa estrutura emocional.
Portanto, liberte-se de qualquer regra ou da
pseudocoragem, que não contribui para melhorar o
estado emocional. Seja você mesmo.
NÃO FUJA DA VIDA
Em terceiro lugar, não fuja da vida. Olhe de frente
seu mundo e continue caminhando rumo a novas
conquistas. Lembre-se de que há um espaço vazio,
deixado pela perda. Trate de preenchê-lo. Quando
perdemos nosso filho Luiz, sepultado em uma quar-
ta-feira, eu não me escondi; não abandonei um dia
sequer o trabalho. No domingo seguinte já estava
no púlpito, pregando e louvando a Deus.
Deus restaurou a sorte de Jó de maneira muito
singular. Jó foi chamado para interceder por seus
amigos, que durante um longo tempo haviam tenta-
do esmagá-lo com acusações e sentimentos de cul-
pa. Deus não permitiu que Jó continuasse se escon-
dendo. Ele o trouxe de volta à vida. Mesmo sendo a
pessoa mais carente e necessitada do grupo, ele foi
escolhido para orar. E, quando orou, a dor desapare-
ceu. Jó foi totalmente curado e abençoado em dobro
pelo Senhor.
Portanto, seja mais forte que a dor. Aprenda a
olhá-la com ousadia e fé. Lembre-se de que você não
está sozinho em sua caminhada. Assim como Deus
esteve ao lado de Jó em todos os momentos de dor,
ele estará com você, segurando suas mãos, firmando
seu coração e lhe devolvendo o que você perdeu, da
maneira que ele julgar conveniente, é claro.
C A P Í T U L O T R Ê S
BUSCANDO O QUE SE PERDEU
N e m todas as perdas podem ser consideradas per-
da. O sentido de perder é ficar privado de algo que
se possuía. A perda, no entanto, pode ser permanen-
te — no caso de morte de um ente querido — ou
temporária. Perdem-se tantas coisas, até mesmo den-
tro de casa, que muitos já estão acostumados com a
perda.
E preciso relembrar que a dor de uma perda tem-
porária pode ter o sabor amargo de uma perda
irreparável. Conheço uma pessoa que perdeu o cão
de estimação. Ela sofreu demais, mas dias depois do
desaparecimento do animal lhe telefonaram infor-
mando que ele fora encontrado. De repente, todo
aquele sofrimento se desvaneceu como por milagre.
Mas, durante a ausência do estimado animal, ela
viveu momentos de profunda tristeza.
Saber lidar com a perda pode fazer uma grande
diferença no processo de cura. Quando um senti-
mento de derrota ou fracasso se estende por um
tempo além do normal — pois o ciclo normal da
vida é finito —, é sinal de que a perda não foi assi-
milada.
Rollo May diz em seu excelente livro A coragem
àc criar: "Temos uma escolha. Fugir em pânico ante
a iminência do desmoronamento das nossas estru-
turas; acovardar-nos com a perda dos portos conhe-
cidos; ficar paralisados, inertes e apáticos. Fazendo
isso estamos abrindo mão da oportunidade de par-
ticipar da formação do futuro".
Atingidos pela perda, precisamos saber acolhê-la,
do mesmo modo que os pneus de um carro absor-
vem os choques das pedras do caminho, sem estou-
rar. Antigamente os pneus eram tão rígidos que
estouravam com muita freqüência. Hoje o material
usado é mais flexível, mais apto a absorver os im-
pactos, por isso os pneus suportam os golpes com
maior facilidade. Podemos aplicar essa situação à
vida. Sem dúvida, para suportar e amenizar o sofri-
mento da perda, temos de relaxar, ceder, amolecer
nossa estrutura quase sempre inflexível. Não conse-
guimos esse estado de relaxamento apenas dizendo;
"Vou vencer! Vou esquecer!", mas sim treinando dia
após dia, em um treino maduro e quase inconscien-
te, aliado a uma fé invencível, inabalável!
É essencial ainda entender os desencontros, os
vaivéns, o ritual da vida. E tão importante quanto
compreender que todo ser vivo vai morrer e somente
os vivos correm o risco da perda. Talvez o emprego
da palavra entender seja inadequado. Pensando bem,
muitas vezes, ou na maioria delas, não conseguimos
compreender a razão das perdas sofridas. Mas Jó,
exato e inteligente, afirmou: "O SENHOR O deu, o
SENHOR O levou; louvado seja o nome do SENHOR!".
Sigamos seu exemplo.
UM FILHO QUE SE PERDEU
Uma das narrativas mais sublimes e repletas de com-
preensão e amor é a do filho pródigo. Essa história
nos ensina muitas verdades sobre a dor de perder
um ente querido. De significado singular, essa perda
faz sofrer não apenas aquele que se foi, mas sobre-
tudo aquele que ficou de mãos e coração vazios.
Este é o melhor exemplo de uma perda temporá-
ria. O pai do jovem pródigo não chorou a morte físi-
ca do filho, mas sua morte espiritual. Aprendemos
que mesmo temporárias, as perdas provocam muita
dor e sofrimento nas pessoas que esperam o retorno
de quem se foi.
Se a vida fosse feita apenas de vitórias, com cer-
teza ela não teria tantos momentos de emoção, ale-
gria e surpresas. Sem dúvida alguma, a monotonia
seria uma companheira inseparável do homem. E a
vida monótona deixa de ser vida e torna-se vida
vegetativa, sem a menor atração.
Toda perda está envolvida por um simbolismo de
renovação. Quando um animal perde a pele, não está
perdendo a vida, mas se renovando para uma nova
caminhada. A lagartixa perde com muita freqüência
a cauda. Quando isso ocorre, imediatamente se ini-
cia um processo de regeneração. Em pouco tempo a
cauda está de volta, novinha.
Assim como a lagartixa aguarda o tempo passai",
esperando a nova roupa, o homem também precisa
aprender o segredo da espera. Não aquela espera
angustiante, estressante e incômoda. E preciso espe-
rar com fé e paciência, como cantou o salmista Davi.
"Coloquei toda minha esperança no SENHOR; ele se
inclinou para mim e ouviu o meu grito de socorro"
(Salmos 40.1).
A narrativa do filho pródigo é sempre analisada
pelo prisma do filho que abandonou o lar. Muitos
outros personagens fizeram parte dessa parábola.
Um deles foi o pai, que, com certeza, deve ter sofri-
do em demasia pela decisão insensata do jovem. Ele
sofreu de verdade, mas não se deixou dominar pela
dor da ausência. Em nenhum momento da história
ele demonstrou uma atitude hostil, um gesto agres-
sivo contra aquele que partia. O sofrimento foi du-
plo. Primeiro, por perder o filho querido para o
mundo. Quantos lares ainda hoje amargam essa tris-
teza. Em meu livro Volte para casa, alguém está à sua
espera, afirmo que o jovem rompeu com uma estru-
tura sadia e equilibrada para assumir o comando de
sua vida. Ele se desligou da fonte geradora que o
mantinha em equilíbrio e harmonia com seu mundo,
buscando um horizonte sem horizonte, partindo para
um mundo totalmente desconhecido.
Quantos jovens que ocuparam os bancos da igre-
ja e se abraçavam sorridentes numa alegria incontida
foram repentinamente tragados pelas correntezas des-
te mundo tenebroso!
Em segundo lugar, creio que o pai sofreu por co-
nhecer o que o filho desconhecia. Ele sabia como o
mundo era cruel. Conhecia suas artimanhas, seus
becos e ruelas, suas noites cheias de gritos de dor e
desilusão. Esse conhecimento encheu o coração pa-
terno de pesar e angústia. Mas o pai nada fez para
impedir que o jovem escorregasse na ladeira da des-
graça.
Não tardou muito para a verdade aflorar. O texto
nos diz que a ilusão de uma vida independente não
durou muito. Logo o jovem percebeu que havia se
precipitado. Acordou na hora certa. Assumiu primei-
ramente seu erro perante Deus, e depois diante do
pai. Apesar de tudo o que o perturbava, ele se man-
teve de pé e percorreu o caminho de volta.
O duplo sofrimento provocado pelo filho no co-
ração do pai não congelou o amor que este lhe dedi-
cava. Agir como esse pai é o grande segredo para
enfrentar momentos em que a vida nos rouba algo
muito precioso. Ele encontrou saídas que lhe permi-
tiram continuar contemplando a trajetória do sol pelo
céu, sem guardar mágoas nem ressentimentos.
DOMINANDO A REVOLTA
Esse pai, acima de tudo, não permitiu que a revolta
dominasse seu espírito. Em nenhum momento a Bí-
blia fala que ele perdeu o controle ou que passou a
agir de forma estranha. Ao contrário, continuou em
silêncio, aguardando o desfecho que no fundo sabia
que ocorreria.
Não se prenda à amargura quando uma pessoa
de sua vida partir em um novo vôo ou nova aventu-
ra. Aquele que fica sempre sofre mais, pois sente
culpa por não ter agido de forma diferente. Muitas
pessoas entram num processo de depressão, abati-
mento e desvalorização da vida, ao ver alguém abrir
a porta da comunhão e partir. Como é difícil perma-
necer sozinho. Como é duro aceitar passivamente
a partida, quer do filho, quer do cônjuge, quer de
qualquer pessoa amada.
Richard Carlson, ao analisar o modo como nos
livramos das coisas ruins da vida, escreve: "Mui-
tas vezes lutamos com aspectos da vida que estão
muito acima do nosso controle — barulho, confu-
são, comentários que não aprovamos, objetos per-
didos, asperezas, imperfeições, negatividade, ca-
nos furados, esgotos entupidos, coisas assim [...]
Não importa quanto rilhemos os dentes ou aper-
temos os punhos. Na verdade, tais atitudes só
põem mais lenha na fogueira, fazendo com que
as coisas fiquem muito piores do que pareciam".1
Não se engane: qualquer outra atitude tende sem-
pre a provocar mais tumulto na vida. O pai, mesmo
sofrendo, soube aquietar o coração e aguardar o des-
fecho.
CUIDADO COM AS FANTASIAS
Aquele pai tomou outra atitude importante para su-
portar a perda sofrida: não fantasiou a saída do fi-
lho. Fantasias são diálogos interiores provocados na
busca de respostas para perguntas que nunca foram
[
Níio faça tempestade em copo d'água com afamília, Rio de Janei-
ro, Rocco, 2000, p. 107.
feitas. Normalmente, esses diálogos ocorrem quan-
do sofremos algum tipo de perda, quando interroga-
mos personagens fictícios, ou mesmo aquele que se
foi, na tentativa de nos convencer de que a falha não
foi nossa.
Aquele pai não entrou nessas confabulações. O
filho partiu porque desejou partir. O pai lhe deu
o direito de agir conforme sua vontade.
Em um dos estudos que ministramos na igreja
sobre a família, me reportei à experiência do pai do
jovem pródigo. Afirmei que devemos dar a nossos
filhos o direito de errar, de tomar decisões equivoca-
das. Nem sempre uma perda produz perda. A pe-
dagogia da perda é sempre positiva, pois não raro
introduz uma mudança no rumo de nossos passos e
no curso de nossos sonhos.
Quando os pais se tornam exigentes demais, aca-
bam prejudicando a formação dos filhos. Poucos
pais, nos dias de hoje, agiriam com a liberdade do
pai do filho pródigo. Essa liberdade de deixar um
filho errar tem algumas características importantes.
Em primeiro lugar, é preciso que os pais conti-
nuem pais em toda e qualquer situação. Quando o
filho retornou do fracasso, ele encontrou o mesmo
ambiente que deixara. O pai não cessou de amá-lo e
o recebeu com carinho, mas, principalmente, não dei-
xou de abençoá-lo. Muitos perdem os filhos quando
eles saem de casa e continuam perdendo quando
voltam.
Em segundo lugar, os pais devem aprender a con-
viver com a possibilidade de perder, sem permitir que
as perdas desestruturem a vida. O pai do pródigo
correu o risco de perdê-lo para sempre, mas soube
manter sua posição, pois havia ensinado ao filho os
princípios de uma vida sadia e submissa ao Senhor.
Foram as lições ministradas ao jovem durante o cres-
cimento que o fizeram voltar.
Tenha cuidado para não criar fantasias. Enfrente
as lutas e as perdas com naturalidade. Se elas forem
temporárias, mais hoje mais amanhã você terá tudo
de volta. Se forem definitivas, ainda assim você con-
tará com a graça sustentadora do Pai.
MANTENHA A PAZ
E, finalmente, o pai conseguiu se manter em paz,
porque não abrigou no coração nenhum sentimento
de desforra. Quantas vezes as perdas normais da vida
acabam produzindo ainda mais baixas em nosso es-
pírito! Conheci um casal cujo esposo, depois de dei-
xar o lar, resolveu retornar. Estava disposto a pedir
perdão à esposa e reativar a união conjugal. Enquan-
to ele se manteve fora, ela passou por momentos de
profunda tristeza e depressão. Chorava com muita
freqüência e, às vezes, à simples menção do nome
do marido. Um belo dia ele aparece, pedindo reconci-
liação. Em lugar de abraçar essa oportunidade e dar
um fim ao sofrimento, ela agiu de forma totalmente
errada. As primeiras palavras foram de acusação, cen-
sura e crítica. A discussão foi tão forte que o marido
nem desfez as malas. Voltou as costas e foi embora.
Até hoje essa esposa sofre.
Quando o filho pródigo apareceu na curva do ca-
minho, o pai já estava de braços abertos para recebê-
lo. Sem uma palavra de censura ou admoestação, ele
ordenou que o melhor almoço fosse preparado. Além
disso, deu ao filho um anel e vestiu-o com a melhor
roupa. Para o pai, o filho havia ressuscitado. "Pois
este meu filho estava morto e voltou à vida; estava
perdido e foi achado" (Lucas 15.24).
Aprenda a manter sempre o coração limpo e pre-
parado para a volta daquilo que você perdeu. Seja o
que for, Deus jamais permitirá que você permaneça
com um vazio no coração.
C A P Í T U L O Q U A T R O
QUANDO SE PERDE
A LIBERDADE
Deus concedeu um dos maiores presentes ao ho-
mem: a liberdade de escolher o próprio caminho. Mas
é preciso ressaltar que a liberdade tem uma amplitu-
de muito maior. Ela é mais que uma simples escolha.
Seu valor não está em dar asas ao homem para que
ele voe por qualquer espaço. A liberdade visa a trans-
formar o homem outra vez na imagem e semelhança
de Deus.
Muitos lutam para conquistar esse estado de alma;
para conquistar a liberdade. Mas essa virtude não
tem o poder de abrir todas as portas que desejamos.
Não se pode fazer tudo o que a mente determina. O
apóstolo Paulo foi bastante claro ao afirmar: '"Tudo
me é permitido', mas nem tudo convém'. 'Tudo me
é permitido', mas eu não deixarei que nada me do-
mine" (ICoríntios 6.12).
O primeiro estágio da liberdade é quando o ho-
mem consegue olhar para si mesmo e acreditar que
é livre, mesmo vivendo entre quatro paredes. Isso é
fundamental e jamais deve ser esquecido.
No entanto, o grande paradoxo que a vida nos
revela é que poucos sabem valorizar esse estado de
espírito. Muitos perambulam de um lado para ou-
tro, ao léu, ao deus-dará, sem saborear os frutos da
liberdade. Outros, ainda que impossibilitados de se
locomover, vivem muito acima do horizonte. São
verdadeiramente livres, no sentido absoluto da pala-
vra. Parece irreal, mas esse milagre existe!
A liberdade, alforria, soltura, franqueza, imuni-
dade, isenção, nada disso se refere à libertinagem,
desonestidade, devassidão. A liberdade digna está
relacionada com o fato de ser livre, solto, desobriga-
do, salvo e até mesmo atrevido, no melhor sentido
da palavra. Isso porque o sentimento de liberdade
produz de fato um grande atrevimento e uma desobri-
gação. Ou seja, se me sinto realmente livre, sinto-
me desobrigado de ceder ao que não quero ou não
aceito! Assim, em lugar de me apresentar como uma
pessoa tímida e medrosa, acanhada, incrédula, levan-
to-me ante olhos admirados — e talvez assustados!
— como alguém atrevido, a ponto de olhar de frente
as perdas e as ameaças de perda! A ponto de dizer
corajosa e enfaticamente: "Não! Não vou desanimar!
E ponto final!".
Por seu alto significado, valor e preço — pago
com grande alegria e confiança —, a liberdade, se per-
dida, produz uma cior insuportável. Na verdade,
o ser humano só valoriza alguma coisa quando ela lhe
escapa das mãos. Se a liberdade se foi, o que resta?
A Bíblia nos ensina que Deus libertou seu povo
do Egito para levá-lo a uma vida distante da escravi-
dão, dos açoites e das privações impostas pelo faraó.
O povo, no entanto, não soube valorizar esse ato
divino e voltou a viver numa prisão sem grades. Não
estava mais no Egito, mas vivia sem liberdade. Esse
comportamento acabou por levá-lo de novo ao cati-
veiro. Perdeu o direito de ir e vir. Perdeu a liberdade
de escolher o que comer e vestir. Tornou-se escravo
dos babilônios. E, como escravo, sofreu todas as agru-
ras do cativeiro.
Fiquei internado durante trinta dias em razão de
uma cirurgia. Esse período no hospital, preso a uma
cama, ensinou-me muitas lições. Pude perceber como
o simples ato de andar, de caminhar pelas ruas, tor-
na-se importante para uma pessoa amarrada ao lei-
to. Quantas vezes, ali deitado, eu me imaginava
dirigindo meu carro sem pressa, o que não fazia an-
tes da cirurgia. Eu estava sempre apressado, agitado,
e não valorizava o tempo que Deus me concedia para
olhar as árvores, ouvir o canto dos passarinhos, en-
fim, curtir a vida — tudo o que até então me parecia
inconseqüente e desnecessário. Impossibilitado de
locomover-me, só me restava prometer que, ao dei-
xar o hospital, eu mudaria minha maneira de enxer-
gar a vida. E, de fato, de certa maneira mudei: hoje
já não faço tantas cobranças nem sou tão exigente,
sou mais aberto, ou seja, mais livre.
A Bíblia nos ensina, por meio do apóstolo Paulo,
que fomos criados para viver em liberdade. Assim
afirma ele: "Foi para a liberdade que Cristo nos li-
bertou" (Gálatas 5.1). Por que muitos não estão vi-
vendo essa qualidade de vida? Por que essa palavra
não tem sido vivida pela maioria do povo que fre-
qüenta a igreja?
O povo de Israel deixou para nós alguns prin-
cípios importantes para vencer a dor da perda da li-
berdade. Vejamos o que escreveu o profeta Jeremias.
Este é o conteúdo da carta que o profeta Jeremias
enviou de Jerusalém aos líderes, que ainda resta-
vam entre os exilados, aos sacerdotes, aos profe-
tas e a todo o povo que Nabucodonosor deportara
de Jerusalém para a Babilônia. Isso aconteceu
depois que o rei Joaquim e a rainha-mãe, os ofi-
ciais do palácio real, os líderes de Judá e Jerusa-
lém, os artesãos e os artífices foram deportados
de Jerusalém para a Babilônia. Ele enviou a car-
ta por intermédio de Eleasa, filho de Safã, e Ge-
marias, filho de Hilquias, os quais Zedequias, rei
de Judá, mandou a Nabucodonosor, rei da Babi-
lónia. A carta dizia o seguinte:
"Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de
Israel, a todos os exilados, que deportei de Jeru-
salém para a Babilónia: 'Construam casas e ha-
bitem nelas; plantem jardins e comam de seus
frutos. Casem-se e tenham filhos e filhas; esco-
lham mulheres para casar-se com seus filhos e
dêem as suas filhas em casamento, para que tam-
bém tenham filhos e filhas. Multipliquem-se e não
diminuam. Busquem a prosperidade da cidade
para a qual eu os deportei e orem ao SENHOR em
favor dela, porque a prosperidade de vocês de-
pende da prosperidade dela'. Porque assim di/ o
SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: 'Não dei-
xem que os profetas e adivinhos que há no meio
de vocês os enganem. Não dêem atenção aos so-
nhos que vocês os encorajam a terem. Eles estão
profetizando mentiras em meu nome. Eu não os
enviei', declara o SENHOR.
Assim diz o SENHOR: 'Quando se completarem
os setenta anos da Babilônia, eu cumprirei a mi-
nha promessa em favor de vocês, de trazê-los de
volta para este lugar. Porque sou eu que conheço
os planos que tenho para vocês', diz o SENHOR,
'planos de fazê-los prosperar e não de lhes causar
dano, planos de dar-lhes esperança e um futuro.
Então vocês clamarão a mim, virão orar a mim, e
eu os ouvirei. Vocês me procurarão e me acharão
quando me procurarem de todo o coração. Eu
me deixarei ser encontrado por vocês', declara o
SENHOR, 'e os trarei de volta do cativeiro. Eu os
reunirei de todas as nações e de todos os lugares
para onde eu os dispersei, e os trarei de volta
para o lugar de onde os deportei', diz o SENHOR"
(Jeremias 29.1-14).
COMO RECONQUISTAR
A LIBERDADE PERDIDA
Uma das grandes dificuldades da vida não está em
iniciar um trabalho, ou uma atividade, seja de que
natureza for. O maior desafio não é romper com o
estado de inércia. Ainda que o início de um trabalho
ou de uma atividade exija grande esforço, não chega
a criar barreiras intransponíveis. Isso porque todo co-
meço conta com um elemento chamado entusiasmo,
palavra de origem grega que significa sopro divino.
Um casal que inicia o relacionamento conjugal não
pensa nas dificuldades que enfrentará. A esperança
de viver um tempo de felicidade e de amor supera
todos os obstáculos. Um trabalho, por mais difícil
que seja, sempre conta no início com uma parcela de
coragem, que funciona como mola propulsora.
A grande dificuldade está em recomeçar uma ati-
vidade, um trabalho ou um casamento, depois de se
experimentar um tempo de falência. Recomeçar im-
plica tomar o fio da meada e continuar costurando a
vida, exigindo uma abnegação acima do comum para
olhar o amanhã com a mesma confiança do início. E
aí, às vezes, nos aparecem, em meio à estrada, os
grandes gigantes da alma — o medo, a ira, o desa-
mor, a incerteza. Eles se aproveitam de nosso des-
gaste e cansaço para nos fazer tropeçar e quase sem-
pre retroceder.
Para recomeçar um casamento, um trabalho ou
mesmo uma amizade rompida, é necessário uma força
quase sobre-humana. E preciso acreditar, ou reacrc-
ditar, depositar toda a fé nas promessas de Deus,
contando com ele para firmar novamente os joelhos
vacilantes. Antes os joelhos agüentavam grande peso
de responsabilidade, sonhos e desejos. Agora, após
suportarem tanto, estão trêmulos, vacilantes. E as-
sim a alma já não está leve como antes, adivinhando
os futuros lauréis, o justo prêmio por uma vontade
férrea, competente e a toda prova, sempre alargando
os limites da criatividade.
Essa foi a mensagem do profeta Jeremias a seu
povo, após este ter perdido a liberdade. Essa é a men-
sagem de Deus para você que está vivendo em um
cativeiro de dor, sofrimento e desilusão.
A pior prisão não é aquela construída com paredes
e grades, pois ainda somos capazes de suportá-la com
atividades que ajudem a vencer o tempo, que muitas
vezes parece não passar. A pior prisão não está nas
quatro paredes de uma sala, de um quarto ou escri-
tório; nem nas grades de uma prisão de segurança
máxima. Basta lembrar Paulo e Silas, que cantavam
atrás de barras de ferro, louvando e bendizendo a
Deus, apesar da situação exterior.
A prisão mais crítica é a que se constrói no inte-
rior, no íntimo da alma. Ela exerce um cerceamento
dos movimentos, mas acima de tudo — e pior que
tudo! — bloqueia toda a inspiração, todo o senti-
mento de alegria e de conquistas. Ela subjuga a alma,
impedindo-a de sonhar e idealizar um amanhã cheio
de esperança.
Muitas criaturas estão encovadas, mas não se sen-
tem presas. Elas são verdadeiramente livres, por-
que livres no pensamento, na imaginação e na
sensibilidade. Libertam-se de si mesmas a hora que
bem entendem e viajam por grandes alturas, sem
se preocupar com o regresso. Quem pode impedi-
las? Quem pode frear sua criatividade e seus deva-
neios? Quem lhes consegue prender os pés ao chão,
impedindo-as de ir até as estrelas? Mesmo sem sair
do lugar, elas alcançam grandes distâncias e imensas
alturas. Como eu — desculpe-me a falta de modés-
tia —, que neste instante sobrevôo multidões, pen-
sando nos pobres e solitários, presos às doenças psi-
cológicas e mentais, atados às viagens em torno de
si mesmos e do outro — o louco, o atrevido, o desu-
mano — as quais buscam encadear os pobres e soli-
tários para sempre. E eu me pergunto nessa hora,
angustiado, sem forças para puxar os que estão se
afogando: "Por que, Deus meu, tanta dificuldade
entrando, atrevida, no coração de quem gostaria de
viver em uma ilha de sossego e paz, e não conse-
gue?". Mas por que não consegue? Certamente por-
que é fraco, impotente e incapaz; tem os olhos
fechados à riqueza que guarda dentro de si, suficien-
te para transportá-lo bem longe do deserto que ha-
bita. Se ele se conscientizasse de que lhe bastariam
duas asas — vontade e persistência — para cruzar o
céu e ir até as estrelas, certamente não perderia tem-
po e energia em pranto vão, em inutilidades, que
parecem não ter solução, em mágoas de corações
tresloucados, incapazes de se sentir atraídos pelo
amor, pela paz, bondade e beleza.
Sim, sem dúvida, a prisão mais crítica é a que se
encontra no interior, na alma. Acredite: as pessoas
que perseguem e maltratam o próximo são as verda-
deiramente encarceradas. Elas estão acorrentadas, em
cadeias, presas, sem conseguir escapar de si mesmas.
Subjugadas por instintos perversos, são impedidas de
sonhar. Acabam sozinhas, pois todos fogem delas.
O povo de Israel havia começado bem sua jorna-
da para a teira prometida. Mas agora vivia em outro
ambiente. Longe de casa, a 8 0 0 quilômetros de sua
terra, cerca de três mil pessoas viviam sob o governo
dos babilônios. Num lugar assim, fica muito mais
difícil recomeçar a vida.
Não devemos pensar que, por estarmos num lu-
gar estranho, longe de casa e sob o domínio de ou-
tras forças, não conseguiremos voltar a sorrir, cami-
nhar e conquistar nossa liberdade. Pois existe uma
ilha para a qual podemos voar sem que ninguém nos
impeça. Assim como, ao escrever estas páginas, es-
tou quase sobrevoando as nuvens, atrás de idéias que
me assomem à mente, você também pode levitar
sobre os telhados envelhecidos de quem não o en-
tende, que talvez esteja bem próximo fisicamente de
você, mediante um amor incomensurável que o atrai
e abastece sua alma de pensamentos e de rica imagi-
nação. Para isso — volto a dizer —, você c eu temos
de ter duas asas. Já viu algum pássaro voar apenas
com uma asa? Na verdade, se você tem a alma de
pássaro e duas asas em forma, pode abandonar os
terrenos sujos e baldios e voar sobre ondas, mares e
nuvens — e sonhar!
Talvez você tenha de fingir que está em boa terra.
E qual a melhor terra senão a de nossa alma, cercada
de água por todos os lados? Deixe-se rodear pelas
águas do espírito, envolva-se pelas ondas que tra-
zem notícias do lado de lá. Não se prenda ao que
não se refere a você! Confesso que, muitas vezes,
quando me sinto aportar em um cais, com o qual
não percebo nenhuma afinidade, passo a ouvir,
deliciado por vezes, o canto das marolas, que me tra-
zem notícias de além-mar. E, de repente, aquele cais
adverso e rejeitado some diante de meus olhos.
A VIDA CONTINUA
A primeira orientação do profeta Jeremias ao povo
foi lembrá-lo de que a vida continuava a correr. "Cons-
truam casas e habitem nelas; plantem jardins e co-
mam de seus frutos. Casem-se e tenham filhos e
filhas; escolham mulheres para casar-se com seus li-
lhos e dêem as suas filhas em casamento, para que
também tenham filhos e filhas. Multipliquem-se e
não diminuam" (Jeremias 29.5,6).
O fato de as famílias judaicas estarem presas não
impedia o correr do tempo. Os dias e as noites se
sucediam normalmente. Se elas se entregassem ao
desespero perderiam um tempo precioso para reco-
meçar a construir a vida.
Sem perceber, muitos jogam pela janela horas e
dias preciosos. Passam os minutos curtindo amargu-
ras, reclamando das misérias da vida, das injustiças
sofridas, da solidão interior, da perseguição acirrada,
do vazio, do nada que lhes cerca a vida, resultado da
ausência de projetos, e assim passam o tempo sem
criar metas, nada de novo. Essas pessoas estão min-
guando, morrem ainda em vida! Será que você não é
uma delas? Pois, como Jeremias eu lhe digo: Pare de
parar! Comece a reagir e a agir! Pegue de volta o an-
cinho e trate de embelezar outra vez o quintal de sua
vida! Ainda bem que continuam a existir Jeremias na
vida, que ficam atrás de nós, para nos sacudir, nos
acordar! O que nos está faltando é coragem. E cora-
gem não é ausência de desespero, mas a capacidade
de seguir adiante apesar do desespero. Não temos
de nos deixar minguar, morrer ainda em vida!
Foi por autêntica preocupação em reverter a situa-
ção do povo que o profeta deu uma ordem específi-
ca. Eles deveriam continuar agindo como se estives-
sem em sua terra. Construir, habitar, plantar, comer,
casar, multiplicar são atividades de pessoas livres. Se
eles não estavam livres fisicamente, deveriam liber-
tar o espírito e agir de forma natural.
Diz um velho adágio popular que "não se deve
chorar sobre o leite derramado". Muitas vezes so-
mos dominados por uma desmotivação, por um cho-
ro lamentoso que escurece por completo o horizonte.
Enquanto você está ocupado em responder às amea-
ças, revidar os insultos e a má fama que espalham a
seu redor, seus alicerces morais vão desmoronando.
O inimigo cresce e ganha forças. Saiba que um ho-
mem ou uma mulher se torna digno e humano por
vontade própria. São as pequenas e as grandes deci-
sões diárias que os fazem adquirir valor e dignidade.
Mas saiba: isso exige treino e coragem! A coragem
de que precisamos não se refere a autoritarismo ou
desmandos de violência. Não se trata da coragem
que exige força física, mas da coragem necessária ao
cultivo da sensibilidade: a expressão do eu como ex-
pressão de arte e fonte de prazer — para si próprio e
para os outros, com envolvimento, sem se esconder
na mais autêntica forma de covardia, revelada na fra-
se: "Não quis me envolver".
Nenhuma perda deve impedir que continuemos
o caminho que temos pela frente. Não desista de vi-
ver. Não se entregue antes do tempo. Não deixe de
compartilhar, de se doar. É pelo crescimento que você
se torna capaz de levar outras pessoas a crescerem.
Acredite: você não está sozinho nesta batalha!
UMA AÇÃO COMUNITÁRIA
O profeta também recomendou que o povo inte-
ragisse com os babilônios. Veja o que Jeremias disse:
"Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu
os deportei e orem ao SENHOR em favor dela, porque
a prosperidade de vocês depende da prosperidade
dela" (Jeremias 29.7).
Veja como Deus age de forma estranha e ao mes-
mo tempo eficiente. Quem pensaria em se unir àque-
les que trazem na cintura a chave dos cadeados que
lhe prendem os pés? Parece absurdo, não é mesmo?
No entanto, essa foi a ordem de Deus. Eles deveriam
trabalhar para que a cidade progredisse. Em vez de
amaldiçoá-la como um lugar de privações, limitações
e saudades, eles deveriam buscar a prosperidade dela.
E mais: deveriam orar pela cidade. Aliás, foi a esse
tipo de envolvimento que me referi anteriormente.
Não remexa a ferida, telefonando a um amigo para
contar as misérias que está sofrendo, para falar das
impossibilidades. A solução é acreditar na força do
trabalho. Recomeçar é difícil, mas não impossível.
Como já disse, e insisto em afirmar, duas coisas são
essenciais à vida ou a seu triunfo: esperança e persis-
tência. Essas são as asas que levam o pássaro a voar.
Uma coisa não pode existir sem a outra. Para sair-
mos do buraco e da inércia e chegarmos ao outro
lado, temos de contar com elas.
Um dos segredos para compensar as perdas diá-
rias é deixar de pensar em si mesmo e voltar os olhos
para o outro. E preciso restaurar o espírito samari-
tano em nossa vida. Os sofrimentos que se espalham
por nossa cidade são muito superiores aos nossos.
E, ainda que não sejam, a melhor terapia para vencer
as crises é ajudar o próximo, mesmo que não seja
tão próximo!
E claro que Deus sabia que a cidade era domina-
da pelos babilônios. Reconhecia que as exigências
com respeito a seu povo ultrapassava o limite das
forças deles. Mas para vencer na terra da promessa
era preciso antes vencer na terra da provação, como
José do Egito, que afirmou: "Deus me fez prosperar
na terra onde tenho sofrido" (Gênesis 41.52). José
foi uma bênção para o Egito e acabou se tornando
uma bênção para si mesmo, sua família e seu povo.
Portanto, levante a cabeça e veja seu pequeno
mundo com outros olhos. Não se esconda, não faça
de sua vida uma ilha. Claro que algumas vezes é
até bom e prudente transformar seu mundo em uma
ilha, ou viajar para uma ilha, em uma espécie de
férias para o sossego e a paz, a reinvenção e a
criatividade. Contudo, saiba que sua terra — seja
representada por sua casa, seu quarto, escritório, tra-
balho, seja representada por aqueles que vivem a seu
redor — pode mudar! Isso depende muito de sua
abertura. E mesmo que sua casa e a de outros não
mude, você pode mudar sua casa interior. Você pode
transformar sua terra árida em uma terra que mana
leite e mel.
NÃO HÁ SOLUÇÃO FÁCIL
O profeta Jeremias não estava pintando um quadro
irreal. Ele falava exatamente o que o povo precisava
fazer para recomeçar uma nova vida. Suas palavras
queriam mostrar que a perda da liberdade não podia
aprisionar os sonhos e a esperança de um dia voltar
à terra em que manava leite e mel.
Esta foi a advertência do profeta ao povo: "Por-
que assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de
Israel: 'Não deixem que os profetas e adivinhos que
há no meio de vocês os enganem. Não dêem atenção
aos sonhos que vocês os encorajam a terem. Eles estão
profetizando mentiras em meu nome. Eu não os en-
viei', declara o SENHOR" (Jeremias 29.8-9).
Quantas vezes ouvimos, de pessoas desejosas de
nos consolar, coisas sem sentido, conteúdo ou ver-
dade. Imagine você enfrentando um diagnóstico de
doença grave, e os amigos, com um abraço ou tapi-
nha nas costas, dizerem: "Isso não é nada! Daqui a
pouco vai passar!". Ou ainda você conviver com uma
pessoa dura e difícil, cuja forma de viver, educação e
formação são diferentes das suas, e ouvir as pessoas
insistirem: "Tenha paciência! Essa criatura ainda vai
mudar! Essa situação vai acabar!". Mas transcorrem
trinta, quarenta anos, e ela não sofre a mínima varia-
ção! Em situações dramáticas, as pessoas usam pala-
vras vazias de sentido, porque é mais fácil falar do
assunto dessa forma. Na realidade, muitas fogem dos
problemas alheios e procuram amenidades. Não se
pode culpá-las, pois de certa maneira estão agindo
com sabedoria e prudência, ainda que exageradas.
E preciso saber que há situações que demandam
tempo, e feridas que custam muito a cicatrizar. As
soluções simplistas não são soluções de Deus. Sinto
muito receio em relação ao triunfalismo que domina
muitas igrejas. Eu sou positivo, creio em milagres,
mas não me iludo com as facilidades que a mãos-
cheias se pregam por aí.
Deus havia determinado um tempo para o cati-
veiro de seu povo. Esse tempo era de setenta anos.
Nem mais, nem menos. No entanto, surgiu no meio
do povo um grupo de profetas afirmando que o povo
estaria livre em pouco tempo.
"No quinto mês daquele mesmo ano, o quarto
ano, no início do reinado de Zedequias, rei de Judá,
Hananias, filho de Azur, profeta natural de Gibeom,
disse-me no templo do SENHOR, na presença dos sa-
cerdotes e de todo o povo: Assim diz o SENHOR dos
Exércitos, Deus de Israel: 'Quebrarei o jugo do rei
da Babilônia'. Em dois anos trarei de volta a este
lugar todos os utensílios do templo do SENHOR que
Nabucodonosor, rei da Babilônia, tirou daqui e le-
vou para a Babilônia. Também trarei de volta para
este lugar Joaquim, filho de Jeoaquim, rei de Judá, e
todos os exilados de Judá que foram para a Babi-
lônia', diz o SENHOR, 'pois quebrarei o jugo do rei
da Babilônia'" (Jeremias 28.1-4).
Saiba que o otimismo superficial e infundado pre-
judica tanto, ou até mais, que o pessimismo. O povo
sabia que o tempo havia sido determinado por Deus.
Não adiantava entrar em desespero e muito menos
abrir o coração para palavras que provocariam uma
dor ainda maior, porque jamais se cumpririam.
O importante era continuar vivendo e aguardan-
do o dia da libertação. E isso que deve alimentar nosso
espírito. Talvez o dia de hoje seja um daqueles dias
sem sol, sem luz, sem graça. Talvez você esteja cami-
nhando ou quem sabe convivendo com os algozes
que de chicote em punho não poupam erguê-lo para
machucá-lo. Tenha certeza de que as cicatrizes
provocadas por esses golpes servirão para mostrar
que a graça de Deus está acima da força do homem.
0 RETORNO
Finalmente, a recomendação do profeta foi que o
povo se voltasse verdadeiramente para Deus. Para
recomeçar um novo tempo ele teria de se voltar para
seu Senhor. '"Vocês me procurarão e me acharão
quando me procurarem de todo o coração. Eu me
deixarei ser encontrado por vocês', declara o SENHOR,
[...] 'e os trarei de volta para o lugar de onde os de-
portei', diz o SENHOR" (Jeremias 29.13,14).
A verdade é que as crises, as quedas, as perdas
tendem a nos afastar de Deus. Não raras vezes atri-
buímos ao Senhor a responsabilidade por nossas
derrotas. Deixamos o coração esfriar e acabamos por
ficar longe dele.
O povo sabia que o cativeiro fora conseqüência
de seu afastamento de Deus. Eles estavam presos
não porque o adversário era mais forte que eles. Deus
mesmo se encarregara de entregá-los aos babilônios.
A ordem agora era de que voltassem o coração para
o Senhor, a fim de se prepararem para um novo tem-
po, numa nova terra.
Esse retorno tinha de começar no coração. O povo
não poderia estar dividido entre Deus e os outros
deuses da Babilônia. Tinha de ser uma conversão
verdadeira; só assim a vida retomaria seu curso.
Ê PRECISO SE ACOSTUMAR
Nosso propósito neste livro é ajudar a todos que
por algum motivo estejam sofrendo pela perda de
algo ou de alguém querido. Na verdade, desde que
nascemos entramos num processo de perdas. A
criança perde seu lugar aconchegante no útero ma-
terno para ter de respirar, chorar, lutar para receber
comida e carinho. Se bem que, às vezes, o bebê so-
fra muito no próprio útero, em vista das agressões
externas, o que, aliás, é comprovado pela medicina.
Mais tarde a criança perde algumas das regalias
oferecidas pelos pais. E, assim, ao longo da estra-
da, vai perdendo pedaços de sua vida. E chegado o
tempo em que a criança, agora adulta, sente falta
desses pedaços. Inicia-se outra luta: a tentativa de
se desfazer das rugas incômodas, das gorduras, das
manchas na pele, dos cabelos brancos e de muitas
outras coisas, algumas mais graves e outras menos
importantes, que foram depositadas pelo tempo na
bagagem da vida.
Perder coisas pequenas sempre provoca incômo-
do e inquietação. Até mesmo perder a carteira, a cha-
ve ou um documento pode desequilibrar nossas
emoções. Perder a mãe, o pai, um amigo, um ente
querido, ou um bem de valor, desestrutura as emo-
ções e pode precipitar a pessoa em um vale profun-
do de entrega, tristeza, saudade aguda e conseqüente
depressão.
É preciso, de alguma forma, aprender a convi-
ver com as perdas. Isso pode parecer um tanto trá-
gico e soar como uma declaração de pessimismo.
Mas a realidade é que, se não olharmos as perdas
como oportunidades de avançar, de errar menos, aca-
baremos sufocados por elas. Você pode fazer uma
lista de coisas e pessoas, e perceberá que nada é
duradouro. Tudo passa, tudo fenece. Pense, por
exemplo, na saúde, no direito de ir-e-vir, na fé, na
esperança, no amor, na paixão, nas amizades, nos
filhos, no cônjuge, no carro, na casa, nos cabelos, na
pele lisa e sedosa.
O grande desafio é permanecer firme, quando
algo se nos escapa das mãos. "São indispensáveis
crises, urgências, sacudidas, inquietudes, tempes-
tades, relâmpagos, capazes de desinstalar, desblo-
quear, desprogramar, desidentificar, para despertar
uma nova consciência, uma nova inspiração intui-
tiva, uma nova energia espiritual [...] Só quando as
muralhas caem, quando os bloqueios se desfazem,
quando vencemos o medo e as dúvidas, recupera-
mos a confiança, reencontramos a alegria de viver".1
E dessa maneira que o frei Clemente Kesselmeier
descreve o que acontece com aquele que busca o ca-
minho da vida. Entre todas as perdas que ocorrem
em nossa jornada, a perda da saúde é a que pesa
mais que qualquer outra. São poucos, muito pou-
cos, aqueles que a suportam. Conheço pessoas apa-
rentemente fortes, dispostas, preparadas para en-
frentar qualquer tipo de trabalho, mas que sucumbi-
ram diante de um diagnóstico de doença incurável!
A verdade é que as doenças continuam sendo o
grande fantasma, que assusta e apavora, mesmo nas
horas claras do dia. Tudo mais podemos suportar.
Mas quando o assunto é a própria vida, parece difícil
encontrar conselhos ou palavras de esperança e con-
forto que façam alguma diferença. No entanto, a pró-
pria Bíblia não esconde que há um tempo deter-
minado por Deus para cada coisa existente neste
mundo. Assim diz o pregador no livro de Eclesiastes:
"Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo
'Você pode viver em plenitude, São Paulo, Vozes, 1997, p. 150.
para cada propósito debaixo do céu: Tempo de nas-
cer e tempo de morrer" (Eciesiastes 3.1).
Frases como: "Eu não consigo aceitar esta doen-
ça" ou: "Eu não me acostumo com este problema",
são comuns a todos. Quem reage dessa maneira está
olhando para um lado único da vida. E, por olhar
unilateralmente, excelentes oportunidades de avan-
çar, de erguer-se, de aproveitar o que ainda existe,
enfim, de transformar os impossíveis em possibili-
dades são completamente perdidas!
Quando digo que precisamos nos acostumar com
as perdas, não estou passando um recibo de compla-
cência, de passividade, de entrega. Não estou suge-
rindo que se caia no lugar-comum: "Paciência, seja o
que Deus quiser". Não. Estou afirmando que, mes-
mo perdendo, precisamos continuar com a cabeça
erguida e os pés plantados na estrada. Ou: "Com os
pés no chão e a cabeça nas estrelas".
SUPERANDO O IMPOSSÍVEL
Como você reagiria se tivesse de conviver com uma
dor, uma doença durante trinta e oito longos anos?
Imagine um médico dizendo ao paciente: "Seu mal é
incurável. Mas há apenas uma possibilidade de cura.
Estão produzindo um remédio que eliminará com-
pletamente esse mal. Em vinte ou trinta anos, ele já
deverá estar no mercado". Certamente você acharia
que o médico estava brincando com coisa séria. O
homem não está preparado para resistir por um lon-
go tempo de espera. Por muito menos, muitos se
desesperam.
Há uma história na Bíblia que descreve um ho-
mem que viveu essa experiência. Ele perdeu a saúde.
Era paralítico. Além de doente, vivia sozinho, sem
ninguém que o ajudasse, numa situação de muita in-
felicidade.
O quadro descrito pelo apóstolo João é o retrato
perfeito de alguém que perdeu algo de muito valor.
Perdeu a liberdade de se locomover; perdeu a possi-
bilidade de ter uma vida independente; perdeu o res-
peito diante de seus semelhantes, a confiança em si
mesmo, o sonho.
"Um dos que estavam ali era paralítico fazia trin-
ta e oito anos" (João 5.5). Esse homem estava deita-
do perto de um tanque chamado Betesda. Dizia a
lenda que, de tempos em tempos, um anjo descia
para agitar-lhe as águas. Quando agitadas, o primei-
ro doente que mergulhasse no tanque era totalmente
curado. Acontece que o paralítico, por sua imobili-
dade, não conseguia se aproximar das águas quando
eram agitadas. Sempre que ele esboçava um esforço
para se lançar nelas, outro passava a sua frente, ano
após ano. Ele já estava nessa condição fazia trinta e
oito anos.
Um dia Jesus se aproximou desse tanque e en-
controu ali muitos doentes: cegos, coxos e paralí-
ticos. Quando ele viu aquele homem deitado na ca-
ma, fez-lhe uma pergunta: "Você quer ser curado?"
(João 5.6). A resposta do homem foi evasiva. Ele
não disse: "Quero"; ou: "Não quero". Sua resposta
foi: "SENHOR, não tenho ninguém que me ajude a
entrar no tanque quando a água é agitada. Enquan-
to estou tentando entrar, outro chega antes de mim"
(João 5.7).
Jesus lhe ordenou que se levantasse, e na mesma
hora ele foi curado. Podemos tirar algumas lições
dessa experiência.
Em primeiro lugar, nunca desista de lutar, mesmo
que falhe em cada tentativa. Esse homem tentou du-
rante trinta e oito longos anos. Mesmo sabendo que
sozinho não tinha nenhuma chance, continuou ten-
tando. Por muito menos nós abrimos mão de uma
conquista, de uma vitória. Poucos dias são suficien-
tes para neutralizar nossa capacidade de aguardar uma
resposta. Lembre-se de que as perdas só deixarão de
ser perda quando você lutar para transformá-las. Não
fique olhando para seu leito de dor. Não deixe que a
autocomiseração paralise suas atitudes de fé. Não
desista.
Em segundo lugar, não permita que seu impossí-
vel transforme sua vida em impossibilidades. "Você
quer ser curado?", perguntou Jesus. A resposta de-
veria ser breve e pronta: "Quero!". No entanto, ele
começou a apresentar as dificuldades que enfrenta-
va na busca da cura.
Jesus, ao formular a pergunta, estava querendo
saber se ele estava disposto a voltar para a vida e
continuar lutando. Deus não opera milagres simples-
mente por operar. Ele sabe que tem poder para fazer
qualquer coisa e não precisa provar nada a ninguém.
Quando invade a natureza produzindo algo sobre-
natural, ele está trabalhando em um projeto. Mui-
tos, na verdade, preferem ficar onde estão, para não
ter de enfrentar novos desafios. Conheci uma senho-
ra, paraplégica, que não gostava de receber oração
para ser curada. Ela se sentia muito confortável numa
cadeira de rodas. As pessoas a visitavam. Tinha toda
a assistência necessária; era querida e cuidada com
todo o carinho. Se curada, teria de começar a viver
por conta própria. Preferiu a cama.
Não deixe que as impossibilidades o impossibili-
tem. Há um mundo maravilhoso a sua espera. Saia
de seu leito, que pode inclusive ser um lugar confor-
tável e aprazível. Venha para a vida. Deixe que a bri-
sa suave bata em seu rosto enquanto confiantemente
caminha rumo à vitória.
Lembre-se de que você não precisa medir forças
com os outros. "Então Jesus lhe disse: 'Levante-se!
Pegue a sua maca e ande"' (João 5.8). Pare de com-
petir. Deponha as armas. Há um caminho melhor
que pode levá-lo a uma qualidade de vida. O inte-
ressante é que esse homem foi provavelmente o úni-
co curado naquele poço; os demais continuaram es-
perando o anjo agitar as águas. O certo é que não há
nenhum relato sobre as outras pessoas alcançadas
pelo movimento das águas.
Quando Jesus se faz presente, nada mais impor-
ta. Ele tem poder para restaurar sua vida, curar suas
doenças e mudar o sentido de suas perdas.
CONCLUSÃO
O Dicionário Larousse Cultural define perda como:
'Ato ou efeito de perder ou ser privado de algo que se
possuía. Diminuição que alguma coisa sofre em seu
conteúdo. Destruição, privação temporária ou perma-
nente, da presença de alguém. Morte, falecimento".
Todos esses termos traduzem um pouco do senti-
mento que domina o coração do homem que se vê
privado de algo que estima, ama ou necessita para
viver.
Neste pequeno trabalho, mostramos que todos
nós estamos sujeitos a perdas durante nossa cami-
nhada. A única coisa eterna, que não muda, é o amor
de Deus, o sustento que ele nos proporciona nos
momentos de prova.
Quando você passar por uma experiência de per-
da, tenha em mente que nada pode lhe acontecer
sem uma permissão expressa de Deus. Não se entre-
gue ao desespero, nem permita que as perdas conti-
nuem produzindo perdas em sua vida. Descole-se
delas. Una-se ao que está a sua frente. Com certeza
você conseguirá reverter suas derrotas em vitórias,
suas perdas em ganhos.
SOBRE O AUTOR
TITO OSCAR é pastor e bispo sênior do Conselho de
Ministros das Igrejas de Nova Vida do Brasil e mem-
bro do Conselho de Pastores do Estado de São Pau-
lo e do CIMEB.
Tem vários livros publicados. E casado com Ra-
quel e pai de dois filhos, Márcia e Marcelo.

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Como vencer a dor da perda

  • 2. Vida E d i t o r a d o g r u p o D i r e ç ã o e x e c u t i v a ZONDFRVAN HARPF.RCOLLINS EUDF. M A R T I N S S u p e r v i s ã o d e p r o d u ç ã o SANDRA LKII K E d i t o r a f i l i a d a a CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO G e r è n c i a fi na n c e i ra SÉRGIO LIMA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DF. EDITORES CRISTÃOS G e r ê n c i a d e c o m u n i c a ç ã o e m a r k e t i SÉRGIO PAVARINI ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE LIVRARIAS G e r ê n c i a e d i t o r i a l ASSOCIAÇÃO NACIONAL LIVRARIAS EVANC;FUCAS FABIANI M E D E I R O S S u p e r v i s ã o e d i t o r i a l A L D O M E N E Z E S Ed i t o r i ¡1 s O B R A S D E INTERESSE GERAL O B R A S TEOLÓGICAS E DF REFERÊNCIA O B R A S PARA IGREJA E FAMÍLIA O B R A S EM LÍNGUA PORTUGUESA OBRAS INFANTIS E JUVENIS BÍBLLAS
  • 3. Outros livros da série Como vencer a rejeição Como vencer as crises Como vencer a injustiça Como vencer o medo P e i e m e s m o a u t o r 52 esboços de mensagem de encorajamento (Vida) A cura pelo perdão (Vida) A presença (MK) As crises de todos nós (Rd. Carisma) As difíceis tarefas da vida (MK) Desobedecendo à desobediência (Igreja de Nova Vida) Que vontade é esta (Nova Vida Comunicações) Senhor, ensina-me a amar (Carisma) Sentimento de culpa (Carisma) © 2 0 0 4 , de Tito Oscar • Todos os direitos em língua portuguesa reservados por EDITORA VIDA Rua Júlio dc Castilhos, 2 8 0 * Belenzinho C:I,P 0 3 0 5 9 - 0 0 0 * São Paulo, SP Telefax O n 11 6 6 1 8 - 7 0 0 0 www.edi toravida.com. br • PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQULR MEIOS, SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA K ) N 1 E. Todas as citações bíblicas foram extra/das da Nova Versão Internacional (NVI), © 2 0 0 1 , publicada por Editora Vida, salvo indicação em contrário. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cu>) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Oscar, T i t o - A dor da perda / Tico Oscar — S ã o Paulo : Edirora Vida, 2 0 0 3 . — (Serie C o m o Vencer) isBN- 8 5 - 7 3 6 7 - 7 8 4 - 8 1. Alegria 2. C o n d u t a de vida 3. 1-iherdade 4 . Motivação 5. Perda (Psi- cologia) - Aspeaos religiosos - Cristianismo 6. Vida cristã J . J í t i i l o . II. Serie. índice para catálogo sistemático 1. Perdas : Vida crista : Cristianismo 2 4 8 . 4
  • 4. Que as pequenas dificuldades de cada dia façam cantar nossa alma, como os seixos fazem cantar o riacho. Saint-Exupéry
  • 5. SUMÁRIO Prefácio 9 C A P Í T U L O U M UM MUNDO FEITO DE RETALHOS 13 C A P Í T U L O D O I S NOSSAS PERDAS DE CADA DIA 21 C A P Í T U L O T R Ê S BUSCANDO o QUE SE PERDEU 39 C A P Í T U L O Q U A T R O QUANDO SE PERDE A UBERDADE 49 C A P Í T U L O CINCO É PRECISO SE ACOSTUMAR 69 Conclusão 77 Sobre o Autor 79
  • 6. PREFÁCIO Diz o ditado popular que "gosto não se discute". Pessoalmente, não aprecio uma mesa por mais bem servida, e visualmente convidativa, que tenha como tempero básico a cebola. Não considero esta planta bulbosa, conhecida como allium cepa, uma adversária intragável. Tanto é que, em determinadas circuns- tâncias, quando ela se apresenta esmagada, moída, triturada, até que não é difícil tê-la como companheira de refeição. Esse pequeno retalho, que faz parte da colcha de minha vida, tem uma razão de ser. Estou colocando um alimento diante da mesa de sua vida. E preciso dizer logo de início que não o aprecio. Mas nem por isso tenho deixado de prová-lo com uma freqüência que não traduz minha aversão por ele. Esse prato não tão delicioso assim, mas impor- tante na formação de nossa constituição física,
  • 7. emocional e espiritual chama-se perdas. E sobre ele vamos caminhar à luz da Palavra de Deus. Muitas vezes, lemos livros maravilhosos sobre a dor, o sofrimento, as perdas e decidimos colocar em prática tudo o que o autor nos sugere. No entanto, basta um pequeno tremor, um simples desajuste na engrenagem para que o coração se desmanche em lágrimas e caia no desespero. Saber perder é uma arte que deve ser aprendida e praticada por todos os que desejam viver uma vida sadia e equilibrada. Pre- cisamos ser, como afirmou Augusto Cury, "um agen- te modificador de nossa história".1 Saber perder implica saber viver. Isto porque no compasso da vida surge repentinamente umafermata. Uma parada inexplicável, e com ela uma perda. Nes- tas horas, não podemos interromper a melodia que Deus nos deu para executar. É preciso continuar de- dilhando o instrumento como o fez Paganini. Con- ta-se que um dia ele estava se apresentando num grande auditório, quando uma corda de seu violino se partiu. Todos pararam surpresos e estarrecidos. Me- nos o artista. Ele continuou tocando, quando de re- pente uma nova corda também se rompe. Novo silêncio. O próprio maestro não sabia o que fazer. 'Treinando a emoção, São Paulo, Academia de Inteligência, 2001, p. 20.
  • 8. Paganini, no entanto, continuava tirando as notas das cordas restantes. Até que num determinado momen- to, com uma única corda no instrumento, ele conse- gue finalizar o concerto. A máxima desta pequena história é que não podemos parar, interromper o rit- mo da vida, quando uma corda se rompe. Mesmo cjue você tenha de tocar sua melodia com apenas uma corda, vá em frente. Sua vida voltará a vibrar. As perdas não foram feitas para nos derrotar. Elas servem como oportunidades de Deus para abrir no- vas portas, novos horizontes. A proposta deste livro é ajudar você a superar os momentos que angustiam a alma e provocam muitas dúvidas no coração. Não se trata de um livro técni- co, mas de um instrumento que poderá despertar o seu espírito, para que a vida continue fluindo cheia de graça e de alegria. Ao introduzir seu livro O espírito das disciplinas, Dallas Willard afirma o seguinte: "Conquanto haja uma torrente de técnicas de auto-ajuda, ainda assim lemos uma epidemia de depressão, suicídio, vazio pessoal e escapismo por meio das drogas e do álcool. E também uma obsessão por ocultismo, consumismo exarcerbado, sexo e violência — tudo isso combina- do com uma incapacidade de se manter relaciona- mentos pessoais profundos e duradouros. Assim,
  • 9. obviamente, o problema é espiritual, e o remédio para ele precisa ser da mesma natureza".2 Concordo com o autor quando afirma que o re- médio para enfrentarmos as perdas é espiritual. Por isso nosso propósito não é apresentar uma série de técnicas sobre como enfrentar as perdas da vida. O alvo é mostrar, por intermédio da Palavra de Deus, as possibilidades de continuar tecendo a vida, tocan- do a vida, vivendo a vida com os recursos dados pelo nosso Deus. Uma boa leitura para você. T I T O OSCAR, BISPO 2 Rio de Janeiro, Danprewan, 2003, p. 9.
  • 10. C A P Í T U L O U M UM MUNDO FEITO DE RETALHOS Lembro-me dos tempos em que minha mãe, espo- sa de um alfaiate, aproveitava pequenos retalhos de cores variadas para construir lindas colchas. Elas fa- ziam grande sucesso em nossa pequena cidade. Ela ajuntava pedaços de pano e, depois, com um cuidado todo especial, separava os mais resistentes e coloridos. Centenas de pedacinhos de tecido com- punham o trabalho. Num exercício de paciência e dedicação, minha mãe dava um lindo destino a eles. Elza Hermínia, escritora mineira, autora de Reta- lhos de vida} descreve a existência do homem: "A vida de um homem, ainda que se considere só, é formada e transformada por pedaços de vidas, por situações à parte de nós mesmos, que contudo não nos deixam 'Uberaba, Pinti, 1985, p. 9.
  • 11. de influenciar, numa ou noutra circunstância. Quem passa pela vida experimentando alegrias, tristezas, angústias, sonhos e fantasias, não poderá ser jamais o mesmo; não conseguirá permanecer inerte ao pro- cesso de seu amadurecimento". Nem sempre os retalhos apanhados aqui e acolá são de um tecido lindo, colorido e resistente. Na maioria das vezes, o tecido se compõe de um pedaço de tristeza costurado em um pedaço de amargura ou desesperança. Muitas vidas são tecidas, entrelaçadas, com sobras de panos usados e desgastados. Por isso esse tecido não consegue resistir aos impactos e aos puxões que o mundo provoca a cada passo. Isso não significa que o material colocado a nossa disposição por Deus seja de má ou péssima quali- dade. Na verdade, entre tantas coisas ruins, há mui- tas coisas boas na vida. Afinal, nosso universo não foi resultado de uma explosão cósmica, mas foi for- mado pelas mãos do próprio Criador. A Bíblia nos assegura que toda a criação divina tinha o selo de qualidade. No entanto, de acordo com o estado de espírito e das tendências daquele que tece a colcha da vida, esta se transformará numa peça admirada por mui- tos ou, ao contrário, desprezada e rejeitada pela tris- teza, pobreza e derrota que transmite.
  • 12. Costurar a vida é uma arte que poucos con- seguem dominar. Tomar a agulha do tempo e tecer sonhos, projetos, conquistas, panoramas lindos e admirados é uma tarefa hercúlea. Muitas vezes pica- mos o dedo do espírito, ao tentar emendar um pano no outro. Outras vezes, movidos pela pressa e pelas pressões externas, cosemos a vida com linhas fracas, que se rompem ao menor impacto ou puxão. O escritor Roque Schneider2 afirma: "A vida é uma sucessão de momentos. Momentos neutros. Momentos um pouco amargos, por vezes". Isso significa que, para construir uma existência bonita e saudável, é necessário valorizar o momento pre- sente, seja eivado de alegria, graça, entusiasmo, ma- gia, entusiasta criatividade, seja marcado por medo, doença, solidão, cansaço, desânimo e perdas. ESCOLHA DO MATERIAL Nosso grande desafio é escolher o tipo de vida que almejamos viver. A experiência nos ensina que nin- guém de livre e espontânea vontade escolhe uma vida tecida com material inferior ou ruim. Ao contrário, nossa ambição é construir uma existência capaz de 2 Pequenos recados para gente apressada, São Paulo, Vozes, 1977, p. 7.
  • 13. vencer os contratempos, as surpresas infelizes e as ameaças que possam pesar sobre ela. Para isso, entretanto, é fundamental que obser- vemos com cuidado os pedacinhos de tecido que Deus lança no chão de nossa existência. É importan- te também estarmos conscientes de que o Criador oferece as mesmas oportunidades a todos. Jovens e adultos, ricos e pobres, doentes e sãos, todos rece- beram em determinado tempo o material para cons- truir a vida. Jesus, ao terminar o Sermão do Monte, explicou por que certas casas conseguem resistir aos impactos da natureza, enquanto outras caem ao menor sopro dos ventos. Ele mostrou que a casa que o homem construiu sobre a rocha resistiu às forças da nature- za, enquanto o outro, que a construiu sobre a areia, assistiu a seu desabamento quando a chuva come- çou a cair (Mateus 7.24-28). O primeiro escolheu um lugar apropriado para construí-la — a rocha. Para tanto, teve de trabalhar duro, quebrar a pedra e retirar o entulho, mas foi recompensado no final. O outro, ao contrário, prefe- riu erguê-la num local mais fácil de ser trabalhado. A areia não oferece resistência, mas também não ga- rante estabilidade. Essa orientação diz respeito à construção de uma vida. Você pode optar no momento por um lugar que exija menos esforço e menos dedicação. Pode querer
  • 14. aproveitar o tempo, sem querer trabalhar duro nem se cansar para poder curtir seus dias, sua juventude e saúde. Você não pode esquecer que mais dia, menos dia o tempo pode mudar. Salomão, entre tantos conselhos de altíssima sa- bedoria, nos deixou uma séria advertência: "Lem- bre-se do seu Criador nos dias da sua juventude, antes que venham os dias difíceis e se aproximem os anos em que você dirá: 'Não tenho satisfação neles'" (Eclesiastes 12.1). Certa ocasião, fui pescar com alguns amigos e um cunhado. De repente, meu cunhado disse: "Va- mos embora porque o tempo vai mudar". Para uma pessoa inexperiente, nada indicava que aquelas águas, até então serenas, de um momento para ou- tro se agitariam. Enquanto decidíamos o que fazer, formaram-se ondas enormes no rio. Por pouco não naufragamos. Foi preciso jogar o barco contra o bar- ranco, para salvá-lo. Na vida acontece o mesmo. De repente, você per- cebe que a situação se complica. Tudo acontece num piscar de olhos. Você sai de manhã para o trabalho sem grandes preocupações, mas basta virar a esqui- na para que surja um imprevisto. O que fazer numa hora dessas? A Bíblia conta a história de um rei chamado Josafá. Ele vivia tranqüilamente com seu povo. No entanto,
  • 15. três outros reis resolveram atacá-lo repentinamente. Sem saber o que fazer, e obrigado a tomar uma pro- vidência, Josafá entrou em crise. A primeira atitude dele foi levantar uma oração a Deus, e por essa ora- ção percebemos quanto ele estava fragilizado: "Ó nosso Deus, não irás tu julgá-los? Pois não temos força para enfrentar esse exército imenso que vem nos atacar. Não sabemos o que fazer, mas os nossos olhos se voltam para ti" (2Crônicas 2 0 . 1 2 ) . Quando Josafá disse que não sabia o que fazer, acabou fazendo a única coisa possível: voltou seus olhos para Deus. Em lugar de convocar os exércitos, aliás poderosos, ele simplesmente optou por confiar em Deus, o que se revelou uma excelente escolha. Ele preferiu deixar com Deus a solução do proble- ma, e o resultado da batalha mostra que Josafá agiu corretamente. Deus deu a ele uma grande vitória. Saber escolher os elementos que vão compor nossa vida é o segredo para superar as crises, os re- veses e os desenlaces que todos nós, sem exceção, enfrentamos. Meu desejo nessas reflexões é mostrar que nem sempre as perdas podem ser consideradas perda. Tudo dependerá do modo como escolhemos os pedacinhos de tecido que compõem nossa vida. Em nossa caminhada, perdemos coisas e valores, mas nunca permanecemos de mãos vazias. A cada perda,
  • 16. ganhamos algo, seja concretamente, seja em termos de experiência, seja em forma de uma nova visão. O fundamental é estarmos atentos a nós mesmos e a tudo a nosso redor, para detectarmos o que pode ser positivo sobre o futuro. Alguém afirmou o seguinte: "Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você". Lembre-se de que nada acontece por acaso. A vida desenvolve-se de modo natural, e não é possível fa- zer absolutamente nada para impedir seu avanço. Po- demos — e devemos — escolher, contudo, os ele- mentos que vão compor o tecido de nossa existência.
  • 17. C A P Í T U L O D O I S NOSSAS PERDAS DE CADA DIA U m traçado eletrocardiográfico é a melhor analo- gia para definir a vida. Durante os muitos anos que trabalhei numa clínica cardiológica, vi várias pessoas partirem desta vida após sofrerem violento ataque cardíaco. Logo que o paciente, com suspeita de enfarte, chegava à clínica era submetido a um eletro- cardiograma. Muitas vezes, ao se instalar o apare- lho, notava-se apenas um risco, uma linha marcando o monitor, sinal de que o coração deixara de pulsar. O traçado de um eletrocardiograma mostra uma linha que sobe e desce, de acordo com os batimentos cardíacos. Quando essa linha se torna paralela à li- nha do horizonte, é sinal de que a vida se foi. En- quanto as linhas estiverem subindo e descendo, mesmo em ritmo descontrolado, há evidência de que o coração está pulsando. Esse é o melhor sinal de que há chance de salvar o paciente.
  • 18. Muitos sonham com uma vida retilínea, sem pro- blemas, sem crises nem perdas. Mas essa vida não existe. Se existe, é nos contos, nas novelas e nos ro- mances. No dia-a-dia é muito diferente! O problema é que as pessoas não estão prepara- das para os vaivéns da vida. Querem permanecer aci- ma das turbulências e sonham com um futuro calmo, cercado por mordomias, saúde e prosperidade. Eu e minha esposa tivemos um filho, Luiz. Vítima de um acidente de carro, hoje está com o Senhor. Nosso filho era um jovem apaixonado por esporte. Jogava pólo aquático pelo Clube Guanabara, no Rio de Janeiro, e era torcedor do Fluminense. Quando sua equipe perdia, ainda que fosse nos treinos, ele chorava à beira da piscina. Quantas vezes ele usou a toalha de banho para enxugar as lágrimas da derrota! O fato é que ninguém gosta de perder. Toda per- da gera um sentimento de dor e frustração. Perder um emprego, um parente, uma oportunidade de melhorar a vida pessoal, um carinho ou uma amiza- de e, pior que tudo isso, perder para um trapaceiro e assaltante, é um desafio que poucos têm força para encarar. Na verdade, a perda é um personagem que ja- mais deixa de se apresentar no palco de nosso mun- do. Todos nós perdemos alguma coisa a cada minuto que passa. Cada instante vivido é um milagre que
  • 19. não se repete. Ele já passou, se perdeu na contagem do tempo e nunca mais voltará a ser o mesmo. Mu- damos a cada instante. São mudanças biológicas, somadas às mudanças naturais, que mudam tudo a todo instante. Em um momento estamos sorrindo; no outro, derramando lágrimas. MESMO FIEL Nenhum comentário sobre perdas pode deixar de fora uma análise, ainda que simplista, da vida de Jó. Esse patriarca é um exemplo claro de como o traçado da vida determina os momentos bons e ruins. Jó viveu um tempo em que tudo parecia correr maravilhosamente bem em seu mundo. Os ventos lhe eram favoráveis. Suas linhas cardiográficas eram mais acentuadas na parte superior do traçado. A lei- tura de sua história pregressa não revela nenhuma experiência de dor, tristeza ou perda. Sua caminhada, até então tranqüila, de repente é atingida por um grande terremoto, que altera o mo- vimento das linhas de sua existência. Os primeiros relatos bíblicos sobre Jó revelam que ele vivia em um ambiente saturado de harmonia. Seu lar era aquecido pela comunhão e participação de toda a família. Ele não desfrutava apenas de prosperida- de material, mas usufruía um sentimento maior, que permeava o coração de todos os seus. Até mesmo
  • 20. entre os irmãos — um tanto incomum em nossos dias — havia muita amizade e participação. Sobre ele pairava a bênção da integridade como chefe de seu lar. A Bíblia descreve: "Na terra de Uz vivia um homem chamado Jó. Era homem íntegro e justo; temia a Deus e evitava o mal" (Jó 1.1). O versículo 2 mostra que Deus abençoara a des- cendência dele: "Tinha ele sete filhos e três filhas". Ter filhos na época era um sinal de que as bênçãos de Deus estavam sobre o lar. Os filhos eram consi- derados "herança do SENHOR" (Salmos 127.3). Além da família harmoniosa e bem ajustada, sua prosperidade era visível e conhecida por todos seus conterrâneos. Sem dúvida ele era o perfeito repre- sentante de um homem feliz, realizado e acima de tudo agraciado por Deus. No entanto, o cenário desse lar bem-aventurado mudou radicalmente de um momento para outro. Enquanto Jó descansava em sua casa, e seus filhos celebravam um banquete na casa do irmão mais ve- lho, o ritmo de normalidade começou a se alterar. Aí vieram as perdas. A primeira ocorreu no campo. Enquanto os bois aravam a terra, e os jumentos se alimentavam tran- qüilamente, um bando atacou e matou todos os em- pregados, além de levar embora o rebanho. Essa foi a primeira alteração no traçado da vida de Jó. Mal
  • 21. recebera essa informação, outro mensageiro chegou correndo para lhe dizer que um incêndio dizimara as ovelhas e os que delas cuidavam. O mensageiro ain- da estava na presença de Jó, quando outro entrou correndo para informá-lo de que os camelos tinham sido atacados por três grupos de bandidos. Tanto os animais como os empregados estavam mortos. Para completar o infortúnio daquele dia, outro mensageiro lhe traz a informação mais dolorosa. Os filhos de Jó estavam comendo na casa de um dos irmãos, quando um vento muito forte atingiu os qua- tro cantos da casa. Tudo veio abaixo. Jó acabara de perder os dez filhos! MEU MUNDO CAIU Antes que o sol se escondesse, deixando de iluminar a terra, a vida de Jó já estava cercada por uma imen- sa escuridão. Tudo o que construíra durante os anos de vigor desaparecera em poucas horas. Seu mundo desabara. O mundo de um homem íntegro, temente a Deus, que fazia tudo para ser uma testemunha viva de seu Criador, estava no chão. E agora? Como continuar crendo em um Deus que permite a invasão de forças destruidoras sobre tudo o que temos? E interessante observar que o grande tema do li- vro de Jó não é o sofrimento dele, embora sejamos
  • 22. defrontados com esse sentimento em cada página. O âmago da mensagem está em seu amor por Deus e em sua compreensão de que o Senhor é o único dono de tudo o que o homem possui. O livro de Jó mostra que, quando o coração está cheio de Deus, é possível manter a posição de adorador, mesmo quan- do os ventos são contrários. A tese defendida por Satanás era simples: basta- ria Jó perder tudo o que construíra para amaldiçoar a Deus. Satanás insistia em defender o argumento de que o homem só adora a Deus por interesse. E Jó não haveria de ser exceção. E importante examinar como o dia dele terminou. Após todos os mensageiros saírem, ele ficou sozi- nho. Em sua solidão amarga, ele se prostrou diante do Senhor e disse: "Saí nu do ventre da minha mãe, e nu partirei. O SENHOR O deu, o SENHOR O levou; louvado seja o nome do SENHOR" (JÓ 1.21). Jó não acusou a Deus por nada do que lhe havia acontecido. Não questionou a perda de um só ani- mal, de um só servo e, por incrível que pareça, não falou da morte dos filhos: "Em tudo isso Jó não pe- cou e não culpou a Deus de coisa alguma" (Jó 1.22). Com muita propriedade, o dr. João Mohana apon- ta três elementos necessários para compreender o sofrimento: a humildade, o espírito de sacrifício e a sede de perfeição.
  • 23. Segundo Mohana, "pela humildade não tomamos logo uma atitude hostil, não nos empolgamos de re- volta, nem cindimos nossas energias para o comba- te. A humildade concentra tudo o que dentro de nós pode lutar. Une e reforça. Por causa disso aumenta a possibilidade de êxito".1 0 espírito de sacrifício é bem diferente da resig- nação. A capacidade de saber perder o melhor pelo não tão bom, de saber continuar a remar quando o companheiro já cansou, é muito importante em tem- pos de águas turbulentas. E Mohana conclui: "A sede de perfeição não é só de fecundação do sofrimento; é o elemento de fe- cundação da própria vida [...] Jesus Cristo não pediu nada que já antes não estivesse em crisálida dentro de nós [...] E por isso é que, quando todos os lados estão cercados de cruzes, só há uma maneira de ex- pandir-se. E para o alto".2 Jó foi impecável em sua reação. Seu mundo caiu, mas ele permaneceu de pé diante de Deus. A DOR SE INTENSIFICA Como se não bastasse tirar tudo o que Jó possuía, Satanás ainda queria mais. Volta-se para Deus e diz: 1 Sofrer e amar, Rio de Janeiro, Agir, 1976, p. 67-9. 2 Ibid.
  • 24. "Tele por pele!', respondeu Satanás. 'Um homem dará tudo o que tem por sua vida. Estende a tua mão e fere a sua carne e os seus ossos, e com certeza ele te amaldiçoará na tua face'!" (Jó 2.4,5). Mal se refizera dos efeitos das notícias, mas Jó ainda é visto como um homem que não confia intei- ramente em Deus. E mais uma vez Satanás investe com toda sua fúria contra ele. O amor e o temor que Jó demonstrava para com Deus não eram argumen- tos para afastar Satanás de seu propósito maligno. O alvo agora não era tirar algo que Jó ainda pos- suísse, mas tocar em sua própria carne. Com a per- missão de Deus, Satanás começa seu trabalho de atormentar a vida do patriarca. De repente, Jó come- çou a sentir-se mal. Surgiram-lhe chagas no corpo. Com muitas dores e sem entender o que acontecia, Jó sentou-se entre cinzas e pôs-se a raspar as feridas com um caco de louça. "Agora era só esperar, para vê-lo negar a fé em Deus", pensava Satanás. DESAPEGO Sabemos que a perda de emprego provoca uma an- siedade profunda no coração daquele que sofreu a perda. Muitos não suportam o estresse causado pela demissão. O desespero de não dispor de recursos para as despesas mensais da família tem esmagado o âni- mo e a fé de muitas pessoas.
  • 25. Conheço uma família que após anos de sacrifício conseguiu comprar uma pequena casa. Finalmente o sonho de se livrar do aluguel havia se realizado. Anos depois essa família teve de abrir mão da propriedade para cobrir as despesas com a enfermidade de um dos filhos. Nunca mais eles foram os mesmos. A dis- posição de continuar lutando desapareceu como por encanto. A perda de um filho levou uma família bem- estruturada a um desencontro tão grande, que aca- bou provocando sua destruição. O peso da perda foi tão tremendo que nem os pais, nem os irmãos acei- taram a morte do jovem. O casal hoje está separado, em razão dos atropelos provocados pela perda. Nossa formação psicológica e emocional é muito frágil. Desde crianças, somos protegidos e guarda- dos para não perdermos nada. A pedagogia da perda não entra no currículo de muitos lares. Ninguém gos- ta de falar sobre derrotas, desastres e perdas. Somos ensinados a viver acima da linha do horizonte. Mas perder faz parte do jogo! Entramos na vida para ganhar e para perder. O importante é sabermos administrar as perdas, sem deixar que anulem nossa capacidade de reação. Jó perdeu os bens e o apoio da esposa. As vezes, as perdas são menos dolorosas que a falta de compre- ensão daqueles que convivem conosco e deveriam,
  • 26. por dever de amor, estender o consolo, a compreen- são e o conforto de que tanto necessitamos num mo- mento em que nossas mãos se esvaziam. O padre Antônio Vieira comenta sobre a reação da esposa de Jó: "Estava Jó coberto de chagas [...] quando chega a própria mulher, e em lugar das lá- grimas e das lástimas com que se devia compadecer de um homem e tal homem, quando não fora seu marido e Rei, tendo-o conhecido em tão diferente estado, quais foram as palavras que lhe disse? 'Você ainda mantém a sua integridade? Amaldiçoe a Deus, e morra!'".3 A reação de Jó foi surpreendente. Ele respondeu à sua mulher: '"Você fala como uma in- sensata. Aceitaremos o bem dado por Deus, e não o mal?' Em tudo isso Jó não pecou com seus lábios!" (Jó 2.10). O grande problema é que as perdas provocam na maioria das pessoas um sentimento de revolta. Per- der tem um sentido pejorativo: só perde quem é fra- co, quem não luta e se entrega. Esse é um conceito muito difundido em nossa sociedade. A melhor maneira de anular a dor da perda é não deixar que o objeto ou a pessoa que se foi continue governando nossos atos e sentimentos. O velho pa- triarca soube magistralmente anular toda a força que ''Sermões, v. 2, São Paulo, Hedra, 2001, p. 522.
  • 27. o comprimia. Mesmo perdendo todos os bens mate- riais, os filhos, a compreensão da esposa e, finalmen- te, a própria saúde, ele ainda assim conseguiu vencer. O segredo de Jó estava calcado em um elemento que a psicologia descobriu: quanto mais a pessoa se apega às coisas, maior será sua dor na perda. E se considerarmos a perda como uma devolução? Como uma devolução, talvez, de alguma coisa que nos foi emprestada por um tempo, e agora está sendo cobrada. Se, por exemplo, uma pessoa já não o procura, demonstra desprezo e parece não se importar com você, devolva essa pessoa a si mesma. Afinal, quem perderá mais com a separação: você ou ela? É isso mesmo: não lute nem esbraveje contra as perdas. Muitas delas são, na verdade, devoluções ao dono. As vezes, é provável que estejamos devolvendo a Deus alguém que deveria estar com ele, livre de per- das irreversíveis. Por que não conservar os pés no chão e a cabeça nas estrelas, como afirmou Lair Ri- beiro? Ou seja, por que não aceitar a vida como se nos apresenta e nos concentrar tão-somente naquilo que podemos mudar, encarando nossas falhas e apren- dendo com elas, para aumentar as chances de sucesso na próxima vez? Acredite: os erros e as perdas podem ser grandes instrumentos em nossa existência. Não pense em
  • 28. cantar apenas quando está feliz, sem ter sofrido ne- nhuma perda. Faça como o passarinho: "Ele não can- ta porque está feliz. Ele está feliz porque canta!", como tão inteligentemente lembra Lair Ribeiro. E prossegue: "Sempre pensaram que para agir era pre- ciso sentir. A verdade é que se você começa a agir o sentimento aparece [...] Se você está deprimido, co- mece a agir como se estivesse feliz. Logo passará a se sentir feliz. Aí você está a um passo de ser feliz. Não espere se sentir feliz para fazer algo. Comece a fazer, que o sentimento aparece. Lembre-se: inten- ção sem ação é só ilusão".4 William Rezende Araújo,5 escreveu: "A verdadei- ra causa da dor e o fator que determinará a sua in- tensidade e duração é o nosso apego. Quase todos temos apego em maior ou menor intensidade, e ele é por si só um dos maiores fatores causadores da nossa infelicidade. Quanto mais apegado a alguém ou a alguma coisa, maior o sentimento de perda e de dor". Isso não significa que devemos nos desapegar de tudo na vida. Não, de modo nenhum! Temos de nos apegar ao canto, para nos sentirmos felizes; à ação, e 4 P « no chão, cabeça nas estrelas, Rio de Janeiro, Objetiva, p. 28. 3 www.autoencontro.org. br/apego, htm.
  • 29. não à inércia; ao eu positivo e construtivo, e não ao eu pessimista e demolidor. Enfim, é preciso apegar- nos ao que constrói, e não ao que derruba; à espe- rança e ao que traz promessa de vida, e não ao que traz enfado, cansaço, desilusão e muitas perdas! Em nenhum momento Jó demonstrou o menor sinal de apego, de certeza de posse em relação aos bens que compunham sua vida. Era muito rico, mas sua riqueza não exercia nenhum domínio sobre seu comportamento e caráter. Sabia desfrutar as bênçãos de sua prosperidade, mas não vivia atado a ela. Em certo sentido, Jó era totalmente desapegado, mas não por desinteresse ou indiferença. Seu sofrimento não foi decorrente das perdas sofridas. Ele sofreu muito mais pela incompreensão daqueles que tentaram ajudá-lo. O fato de haver chorado e coberto o corpo de cinzas mostra quanto ele valorizava tudo o que possuía. Mas o texto bíblico não diz que ele recla- mou pelas perdas, nem pela desventura de ver os filhos mortos. Quando se referiu às perdas, Jó não ousou culpar a Deus por nada, nem muito menos valorizou os ata- ques de Satanás. Segundo Ricardo Barbosa de Sou- za: "Logo após ter sido violentamente afligido pelas catástrofes provocadas por Satanás, ele não diz: 'O Senhor deu e Satanás tomou; agora devo amarrar e reivindicar o que me foi tirado'. Ao contrário, sua
  • 30. afirmação revela que, mesmo tendo sido Satanás o autor de toda a desgraça que sobreveio a ele e sua família, ele continuou colocando Deus no centro de todos os acontecimentos, ao declarar: 'O SENHOR O deu, o SENHOR O tomou; bendito seja o nome do SENHOR'".6 Em cada nascer do sol, nascem muitos sofrimentos e muitas dores, não apenas alegrias e vitórias. Os sofrimentos independem de nossa po- sição social, posses e crenças. Simplesmente acon- tecem sem nossa permissão. São como intrujões que adentram nossa casa. E inútil tentar fugir deles ou lhes impedir a entrada. Teríamos de ser privilegia- dos, mas ninguém no mundo tem a ventura de es- capar ao destino de sofrer e lutar; de enfrentar dissabores e perdas. Creio que nessas horas amargas Deus nos revela sua graça e bondade. O próprio Jesus não foi pou- pado da cruz. No entanto, na cruz ele contou com o socorro do Pai. Comentando sobre o sofrimento, o padre João Mohana afirma: "Deus entra muitas ve- zes por um coto de braço, numa amputação; pelas articulações, num reumatismo; pelos olhos, numa cegueira; por qualquer parte do corpo. Deus não tem exigências estéticas para entrar numa alma. ''Janelas para a vida, Curitiba, Encontro, 1999, p. 27.
  • 31. Se o coração se abriu é o que importa; por qualquer beco ele [o Senhor] chega até ele".7 VENCENDO A DOR DAS PERDAS A maneira como Jó superou as perdas que atingiram sua vida chega a incomodar nosso espírito analítico. Ele não as negou, tampouco as sublimou. Simples- mente enfrentou tudo da perspectiva de Deus. Pode parecer um tanto simplório, mas foi o que realmente aconteceu. Não fosse a insistência dos amigos em culpá-lo por sua infelicidade, o livro certamente não comportaria 42 capítulos. A partir do capítulo 3, o tema gira em torno das acusações de seus compa- nheiros e de sua defesa. Para vencermos as dores das perdas, e não as per- das, pois essas são reais e constantes, é necessário entender que não somos o que perdemos. Nossa vida é maior que as perdas sofridas. Mesmo que a dor se- ja intensa, como na perda de uma pessoa querida ou na ruptura de um relacionamento que foi saturado de alegria e felicidade, a vida continua. Quando ocorre a perda, é importante colocar em prática alguns princípios que ajudam a superar essas horas que parecem durar uma eternidade. 'Sofrer e amar, Rio de Janeiro, Agir, 1976, p, 44.
  • 32. CORTANDO O CORDÃO UMBILICAL Em primeiro lugar, corte o cordão umbilical que o prendia ao que se perdeu. Quanto mais você esti- ver ligado à pessoa que se foi, ao trabalho que já não existe ou a outro elemento hoje distante, mais sofrerá. Quando você insiste em preservar esse cordão intacto, a dor fica presente em todos os passos. Isso não significa que você deva esquecer completamen- te o que foi perdido, o que, aliás, é quase impossí- vel. Você deve guardar as boas lembranças, os momentos aprazíveis vividos, as saudades de um tem- po em que o que você perdeu preencheu todo seu mundo, mas sem nenhum pesar. Olhar para o passa- do com o sentimento de amargura, perda e derrota dominando o coração, só aumentará a dor. Ió teve um momento em que se deixou levar pelo sentimento de perda. Na tentativa de defender-se das acusações dos amigos, ele buscou argumentos no passado. Deixou, desse modo, que as boas lem- branças que poderiam ajudá-lo a caminhar com maior segurança se transformassem num copo de fel. Ele desabafou: '"Como tenho saudade dos me- ses que se passaram, dos dias em que Deus cuidava de mim, quando a sua lâmpada brilhava sobre a minha cabeça e por sua luz eu caminhava em meio às trevas! Como tenho saudade dos dias do meu
  • 33. vigor, quando a amizade de Deus abençoava a mi- nha casa, quando o Todo-poderoso ainda estava co- migo e meus filhos estavam ao meu redor". E con- clui a lamentação: 'Mas agora eles zombam de mim" (Jó 29.1-5; 30.1). Se você deseja superar a dor de uma perda, corte o cordão umbilical que o prendia. Não deixe nada que provoque tristeza, angústia e, muitas vezes, sen- timento de culpa colar em seu espírito. DESISTA DE SER VALENTE Em segundo lugar, desista de ser valente. Não tente demonstrar uma coragem que você, no fundo, não tem nem precisa ter. Participo de muitas cerimónias fúnebres, por minha missão pastoral e, muitas ve- zes, me vejo derramando lágrimas ao oficiar a ceri- mônia, mesmo sem ter nenhum laço de parentesco com a pessoa velada. No entanto, é comum nessas horas ver os parentes mais chegados demonstrando coragem e tranqüilidade, quando na verdade o que mais queriam era derramar-se em lágrimas. Não há nada mais reconfortante que chorar. As lágrimas la- vam a alma e o espírito. "Nunca devemos corar de nossas lágrimas", diz Dickens. Elas nos ajudam a recompor nossa estrutura emocional. Portanto, liberte-se de qualquer regra ou da pseudocoragem, que não contribui para melhorar o estado emocional. Seja você mesmo.
  • 34. NÃO FUJA DA VIDA Em terceiro lugar, não fuja da vida. Olhe de frente seu mundo e continue caminhando rumo a novas conquistas. Lembre-se de que há um espaço vazio, deixado pela perda. Trate de preenchê-lo. Quando perdemos nosso filho Luiz, sepultado em uma quar- ta-feira, eu não me escondi; não abandonei um dia sequer o trabalho. No domingo seguinte já estava no púlpito, pregando e louvando a Deus. Deus restaurou a sorte de Jó de maneira muito singular. Jó foi chamado para interceder por seus amigos, que durante um longo tempo haviam tenta- do esmagá-lo com acusações e sentimentos de cul- pa. Deus não permitiu que Jó continuasse se escon- dendo. Ele o trouxe de volta à vida. Mesmo sendo a pessoa mais carente e necessitada do grupo, ele foi escolhido para orar. E, quando orou, a dor desapare- ceu. Jó foi totalmente curado e abençoado em dobro pelo Senhor. Portanto, seja mais forte que a dor. Aprenda a olhá-la com ousadia e fé. Lembre-se de que você não está sozinho em sua caminhada. Assim como Deus esteve ao lado de Jó em todos os momentos de dor, ele estará com você, segurando suas mãos, firmando seu coração e lhe devolvendo o que você perdeu, da maneira que ele julgar conveniente, é claro.
  • 35. C A P Í T U L O T R Ê S BUSCANDO O QUE SE PERDEU N e m todas as perdas podem ser consideradas per- da. O sentido de perder é ficar privado de algo que se possuía. A perda, no entanto, pode ser permanen- te — no caso de morte de um ente querido — ou temporária. Perdem-se tantas coisas, até mesmo den- tro de casa, que muitos já estão acostumados com a perda. E preciso relembrar que a dor de uma perda tem- porária pode ter o sabor amargo de uma perda irreparável. Conheço uma pessoa que perdeu o cão de estimação. Ela sofreu demais, mas dias depois do desaparecimento do animal lhe telefonaram infor- mando que ele fora encontrado. De repente, todo aquele sofrimento se desvaneceu como por milagre. Mas, durante a ausência do estimado animal, ela viveu momentos de profunda tristeza.
  • 36. Saber lidar com a perda pode fazer uma grande diferença no processo de cura. Quando um senti- mento de derrota ou fracasso se estende por um tempo além do normal — pois o ciclo normal da vida é finito —, é sinal de que a perda não foi assi- milada. Rollo May diz em seu excelente livro A coragem àc criar: "Temos uma escolha. Fugir em pânico ante a iminência do desmoronamento das nossas estru- turas; acovardar-nos com a perda dos portos conhe- cidos; ficar paralisados, inertes e apáticos. Fazendo isso estamos abrindo mão da oportunidade de par- ticipar da formação do futuro". Atingidos pela perda, precisamos saber acolhê-la, do mesmo modo que os pneus de um carro absor- vem os choques das pedras do caminho, sem estou- rar. Antigamente os pneus eram tão rígidos que estouravam com muita freqüência. Hoje o material usado é mais flexível, mais apto a absorver os im- pactos, por isso os pneus suportam os golpes com maior facilidade. Podemos aplicar essa situação à vida. Sem dúvida, para suportar e amenizar o sofri- mento da perda, temos de relaxar, ceder, amolecer nossa estrutura quase sempre inflexível. Não conse- guimos esse estado de relaxamento apenas dizendo; "Vou vencer! Vou esquecer!", mas sim treinando dia
  • 37. após dia, em um treino maduro e quase inconscien- te, aliado a uma fé invencível, inabalável! É essencial ainda entender os desencontros, os vaivéns, o ritual da vida. E tão importante quanto compreender que todo ser vivo vai morrer e somente os vivos correm o risco da perda. Talvez o emprego da palavra entender seja inadequado. Pensando bem, muitas vezes, ou na maioria delas, não conseguimos compreender a razão das perdas sofridas. Mas Jó, exato e inteligente, afirmou: "O SENHOR O deu, o SENHOR O levou; louvado seja o nome do SENHOR!". Sigamos seu exemplo. UM FILHO QUE SE PERDEU Uma das narrativas mais sublimes e repletas de com- preensão e amor é a do filho pródigo. Essa história nos ensina muitas verdades sobre a dor de perder um ente querido. De significado singular, essa perda faz sofrer não apenas aquele que se foi, mas sobre- tudo aquele que ficou de mãos e coração vazios. Este é o melhor exemplo de uma perda temporá- ria. O pai do jovem pródigo não chorou a morte físi- ca do filho, mas sua morte espiritual. Aprendemos que mesmo temporárias, as perdas provocam muita dor e sofrimento nas pessoas que esperam o retorno de quem se foi.
  • 38. Se a vida fosse feita apenas de vitórias, com cer- teza ela não teria tantos momentos de emoção, ale- gria e surpresas. Sem dúvida alguma, a monotonia seria uma companheira inseparável do homem. E a vida monótona deixa de ser vida e torna-se vida vegetativa, sem a menor atração. Toda perda está envolvida por um simbolismo de renovação. Quando um animal perde a pele, não está perdendo a vida, mas se renovando para uma nova caminhada. A lagartixa perde com muita freqüência a cauda. Quando isso ocorre, imediatamente se ini- cia um processo de regeneração. Em pouco tempo a cauda está de volta, novinha. Assim como a lagartixa aguarda o tempo passai", esperando a nova roupa, o homem também precisa aprender o segredo da espera. Não aquela espera angustiante, estressante e incômoda. E preciso espe- rar com fé e paciência, como cantou o salmista Davi. "Coloquei toda minha esperança no SENHOR; ele se inclinou para mim e ouviu o meu grito de socorro" (Salmos 40.1). A narrativa do filho pródigo é sempre analisada pelo prisma do filho que abandonou o lar. Muitos outros personagens fizeram parte dessa parábola. Um deles foi o pai, que, com certeza, deve ter sofri- do em demasia pela decisão insensata do jovem. Ele sofreu de verdade, mas não se deixou dominar pela
  • 39. dor da ausência. Em nenhum momento da história ele demonstrou uma atitude hostil, um gesto agres- sivo contra aquele que partia. O sofrimento foi du- plo. Primeiro, por perder o filho querido para o mundo. Quantos lares ainda hoje amargam essa tris- teza. Em meu livro Volte para casa, alguém está à sua espera, afirmo que o jovem rompeu com uma estru- tura sadia e equilibrada para assumir o comando de sua vida. Ele se desligou da fonte geradora que o mantinha em equilíbrio e harmonia com seu mundo, buscando um horizonte sem horizonte, partindo para um mundo totalmente desconhecido. Quantos jovens que ocuparam os bancos da igre- ja e se abraçavam sorridentes numa alegria incontida foram repentinamente tragados pelas correntezas des- te mundo tenebroso! Em segundo lugar, creio que o pai sofreu por co- nhecer o que o filho desconhecia. Ele sabia como o mundo era cruel. Conhecia suas artimanhas, seus becos e ruelas, suas noites cheias de gritos de dor e desilusão. Esse conhecimento encheu o coração pa- terno de pesar e angústia. Mas o pai nada fez para impedir que o jovem escorregasse na ladeira da des- graça. Não tardou muito para a verdade aflorar. O texto nos diz que a ilusão de uma vida independente não durou muito. Logo o jovem percebeu que havia se
  • 40. precipitado. Acordou na hora certa. Assumiu primei- ramente seu erro perante Deus, e depois diante do pai. Apesar de tudo o que o perturbava, ele se man- teve de pé e percorreu o caminho de volta. O duplo sofrimento provocado pelo filho no co- ração do pai não congelou o amor que este lhe dedi- cava. Agir como esse pai é o grande segredo para enfrentar momentos em que a vida nos rouba algo muito precioso. Ele encontrou saídas que lhe permi- tiram continuar contemplando a trajetória do sol pelo céu, sem guardar mágoas nem ressentimentos. DOMINANDO A REVOLTA Esse pai, acima de tudo, não permitiu que a revolta dominasse seu espírito. Em nenhum momento a Bí- blia fala que ele perdeu o controle ou que passou a agir de forma estranha. Ao contrário, continuou em silêncio, aguardando o desfecho que no fundo sabia que ocorreria. Não se prenda à amargura quando uma pessoa de sua vida partir em um novo vôo ou nova aventu- ra. Aquele que fica sempre sofre mais, pois sente culpa por não ter agido de forma diferente. Muitas pessoas entram num processo de depressão, abati- mento e desvalorização da vida, ao ver alguém abrir a porta da comunhão e partir. Como é difícil perma- necer sozinho. Como é duro aceitar passivamente
  • 41. a partida, quer do filho, quer do cônjuge, quer de qualquer pessoa amada. Richard Carlson, ao analisar o modo como nos livramos das coisas ruins da vida, escreve: "Mui- tas vezes lutamos com aspectos da vida que estão muito acima do nosso controle — barulho, confu- são, comentários que não aprovamos, objetos per- didos, asperezas, imperfeições, negatividade, ca- nos furados, esgotos entupidos, coisas assim [...] Não importa quanto rilhemos os dentes ou aper- temos os punhos. Na verdade, tais atitudes só põem mais lenha na fogueira, fazendo com que as coisas fiquem muito piores do que pareciam".1 Não se engane: qualquer outra atitude tende sem- pre a provocar mais tumulto na vida. O pai, mesmo sofrendo, soube aquietar o coração e aguardar o des- fecho. CUIDADO COM AS FANTASIAS Aquele pai tomou outra atitude importante para su- portar a perda sofrida: não fantasiou a saída do fi- lho. Fantasias são diálogos interiores provocados na busca de respostas para perguntas que nunca foram [ Níio faça tempestade em copo d'água com afamília, Rio de Janei- ro, Rocco, 2000, p. 107.
  • 42. feitas. Normalmente, esses diálogos ocorrem quan- do sofremos algum tipo de perda, quando interroga- mos personagens fictícios, ou mesmo aquele que se foi, na tentativa de nos convencer de que a falha não foi nossa. Aquele pai não entrou nessas confabulações. O filho partiu porque desejou partir. O pai lhe deu o direito de agir conforme sua vontade. Em um dos estudos que ministramos na igreja sobre a família, me reportei à experiência do pai do jovem pródigo. Afirmei que devemos dar a nossos filhos o direito de errar, de tomar decisões equivoca- das. Nem sempre uma perda produz perda. A pe- dagogia da perda é sempre positiva, pois não raro introduz uma mudança no rumo de nossos passos e no curso de nossos sonhos. Quando os pais se tornam exigentes demais, aca- bam prejudicando a formação dos filhos. Poucos pais, nos dias de hoje, agiriam com a liberdade do pai do filho pródigo. Essa liberdade de deixar um filho errar tem algumas características importantes. Em primeiro lugar, é preciso que os pais conti- nuem pais em toda e qualquer situação. Quando o filho retornou do fracasso, ele encontrou o mesmo ambiente que deixara. O pai não cessou de amá-lo e o recebeu com carinho, mas, principalmente, não dei- xou de abençoá-lo. Muitos perdem os filhos quando
  • 43. eles saem de casa e continuam perdendo quando voltam. Em segundo lugar, os pais devem aprender a con- viver com a possibilidade de perder, sem permitir que as perdas desestruturem a vida. O pai do pródigo correu o risco de perdê-lo para sempre, mas soube manter sua posição, pois havia ensinado ao filho os princípios de uma vida sadia e submissa ao Senhor. Foram as lições ministradas ao jovem durante o cres- cimento que o fizeram voltar. Tenha cuidado para não criar fantasias. Enfrente as lutas e as perdas com naturalidade. Se elas forem temporárias, mais hoje mais amanhã você terá tudo de volta. Se forem definitivas, ainda assim você con- tará com a graça sustentadora do Pai. MANTENHA A PAZ E, finalmente, o pai conseguiu se manter em paz, porque não abrigou no coração nenhum sentimento de desforra. Quantas vezes as perdas normais da vida acabam produzindo ainda mais baixas em nosso es- pírito! Conheci um casal cujo esposo, depois de dei- xar o lar, resolveu retornar. Estava disposto a pedir perdão à esposa e reativar a união conjugal. Enquan- to ele se manteve fora, ela passou por momentos de profunda tristeza e depressão. Chorava com muita freqüência e, às vezes, à simples menção do nome
  • 44. do marido. Um belo dia ele aparece, pedindo reconci- liação. Em lugar de abraçar essa oportunidade e dar um fim ao sofrimento, ela agiu de forma totalmente errada. As primeiras palavras foram de acusação, cen- sura e crítica. A discussão foi tão forte que o marido nem desfez as malas. Voltou as costas e foi embora. Até hoje essa esposa sofre. Quando o filho pródigo apareceu na curva do ca- minho, o pai já estava de braços abertos para recebê- lo. Sem uma palavra de censura ou admoestação, ele ordenou que o melhor almoço fosse preparado. Além disso, deu ao filho um anel e vestiu-o com a melhor roupa. Para o pai, o filho havia ressuscitado. "Pois este meu filho estava morto e voltou à vida; estava perdido e foi achado" (Lucas 15.24). Aprenda a manter sempre o coração limpo e pre- parado para a volta daquilo que você perdeu. Seja o que for, Deus jamais permitirá que você permaneça com um vazio no coração.
  • 45. C A P Í T U L O Q U A T R O QUANDO SE PERDE A LIBERDADE Deus concedeu um dos maiores presentes ao ho- mem: a liberdade de escolher o próprio caminho. Mas é preciso ressaltar que a liberdade tem uma amplitu- de muito maior. Ela é mais que uma simples escolha. Seu valor não está em dar asas ao homem para que ele voe por qualquer espaço. A liberdade visa a trans- formar o homem outra vez na imagem e semelhança de Deus. Muitos lutam para conquistar esse estado de alma; para conquistar a liberdade. Mas essa virtude não tem o poder de abrir todas as portas que desejamos. Não se pode fazer tudo o que a mente determina. O apóstolo Paulo foi bastante claro ao afirmar: '"Tudo me é permitido', mas nem tudo convém'. 'Tudo me é permitido', mas eu não deixarei que nada me do- mine" (ICoríntios 6.12).
  • 46. O primeiro estágio da liberdade é quando o ho- mem consegue olhar para si mesmo e acreditar que é livre, mesmo vivendo entre quatro paredes. Isso é fundamental e jamais deve ser esquecido. No entanto, o grande paradoxo que a vida nos revela é que poucos sabem valorizar esse estado de espírito. Muitos perambulam de um lado para ou- tro, ao léu, ao deus-dará, sem saborear os frutos da liberdade. Outros, ainda que impossibilitados de se locomover, vivem muito acima do horizonte. São verdadeiramente livres, no sentido absoluto da pala- vra. Parece irreal, mas esse milagre existe! A liberdade, alforria, soltura, franqueza, imuni- dade, isenção, nada disso se refere à libertinagem, desonestidade, devassidão. A liberdade digna está relacionada com o fato de ser livre, solto, desobriga- do, salvo e até mesmo atrevido, no melhor sentido da palavra. Isso porque o sentimento de liberdade produz de fato um grande atrevimento e uma desobri- gação. Ou seja, se me sinto realmente livre, sinto- me desobrigado de ceder ao que não quero ou não aceito! Assim, em lugar de me apresentar como uma pessoa tímida e medrosa, acanhada, incrédula, levan- to-me ante olhos admirados — e talvez assustados! — como alguém atrevido, a ponto de olhar de frente as perdas e as ameaças de perda! A ponto de dizer corajosa e enfaticamente: "Não! Não vou desanimar! E ponto final!".
  • 47. Por seu alto significado, valor e preço — pago com grande alegria e confiança —, a liberdade, se per- dida, produz uma cior insuportável. Na verdade, o ser humano só valoriza alguma coisa quando ela lhe escapa das mãos. Se a liberdade se foi, o que resta? A Bíblia nos ensina que Deus libertou seu povo do Egito para levá-lo a uma vida distante da escravi- dão, dos açoites e das privações impostas pelo faraó. O povo, no entanto, não soube valorizar esse ato divino e voltou a viver numa prisão sem grades. Não estava mais no Egito, mas vivia sem liberdade. Esse comportamento acabou por levá-lo de novo ao cati- veiro. Perdeu o direito de ir e vir. Perdeu a liberdade de escolher o que comer e vestir. Tornou-se escravo dos babilônios. E, como escravo, sofreu todas as agru- ras do cativeiro. Fiquei internado durante trinta dias em razão de uma cirurgia. Esse período no hospital, preso a uma cama, ensinou-me muitas lições. Pude perceber como o simples ato de andar, de caminhar pelas ruas, tor- na-se importante para uma pessoa amarrada ao lei- to. Quantas vezes, ali deitado, eu me imaginava dirigindo meu carro sem pressa, o que não fazia an- tes da cirurgia. Eu estava sempre apressado, agitado, e não valorizava o tempo que Deus me concedia para olhar as árvores, ouvir o canto dos passarinhos, en- fim, curtir a vida — tudo o que até então me parecia
  • 48. inconseqüente e desnecessário. Impossibilitado de locomover-me, só me restava prometer que, ao dei- xar o hospital, eu mudaria minha maneira de enxer- gar a vida. E, de fato, de certa maneira mudei: hoje já não faço tantas cobranças nem sou tão exigente, sou mais aberto, ou seja, mais livre. A Bíblia nos ensina, por meio do apóstolo Paulo, que fomos criados para viver em liberdade. Assim afirma ele: "Foi para a liberdade que Cristo nos li- bertou" (Gálatas 5.1). Por que muitos não estão vi- vendo essa qualidade de vida? Por que essa palavra não tem sido vivida pela maioria do povo que fre- qüenta a igreja? O povo de Israel deixou para nós alguns prin- cípios importantes para vencer a dor da perda da li- berdade. Vejamos o que escreveu o profeta Jeremias. Este é o conteúdo da carta que o profeta Jeremias enviou de Jerusalém aos líderes, que ainda resta- vam entre os exilados, aos sacerdotes, aos profe- tas e a todo o povo que Nabucodonosor deportara de Jerusalém para a Babilônia. Isso aconteceu depois que o rei Joaquim e a rainha-mãe, os ofi- ciais do palácio real, os líderes de Judá e Jerusa- lém, os artesãos e os artífices foram deportados de Jerusalém para a Babilônia. Ele enviou a car- ta por intermédio de Eleasa, filho de Safã, e Ge- marias, filho de Hilquias, os quais Zedequias, rei
  • 49. de Judá, mandou a Nabucodonosor, rei da Babi- lónia. A carta dizia o seguinte: "Assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel, a todos os exilados, que deportei de Jeru- salém para a Babilónia: 'Construam casas e ha- bitem nelas; plantem jardins e comam de seus frutos. Casem-se e tenham filhos e filhas; esco- lham mulheres para casar-se com seus filhos e dêem as suas filhas em casamento, para que tam- bém tenham filhos e filhas. Multipliquem-se e não diminuam. Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao SENHOR em favor dela, porque a prosperidade de vocês de- pende da prosperidade dela'. Porque assim di/ o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: 'Não dei- xem que os profetas e adivinhos que há no meio de vocês os enganem. Não dêem atenção aos so- nhos que vocês os encorajam a terem. Eles estão profetizando mentiras em meu nome. Eu não os enviei', declara o SENHOR. Assim diz o SENHOR: 'Quando se completarem os setenta anos da Babilônia, eu cumprirei a mi- nha promessa em favor de vocês, de trazê-los de volta para este lugar. Porque sou eu que conheço os planos que tenho para vocês', diz o SENHOR, 'planos de fazê-los prosperar e não de lhes causar dano, planos de dar-lhes esperança e um futuro. Então vocês clamarão a mim, virão orar a mim, e
  • 50. eu os ouvirei. Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração. Eu me deixarei ser encontrado por vocês', declara o SENHOR, 'e os trarei de volta do cativeiro. Eu os reunirei de todas as nações e de todos os lugares para onde eu os dispersei, e os trarei de volta para o lugar de onde os deportei', diz o SENHOR" (Jeremias 29.1-14). COMO RECONQUISTAR A LIBERDADE PERDIDA Uma das grandes dificuldades da vida não está em iniciar um trabalho, ou uma atividade, seja de que natureza for. O maior desafio não é romper com o estado de inércia. Ainda que o início de um trabalho ou de uma atividade exija grande esforço, não chega a criar barreiras intransponíveis. Isso porque todo co- meço conta com um elemento chamado entusiasmo, palavra de origem grega que significa sopro divino. Um casal que inicia o relacionamento conjugal não pensa nas dificuldades que enfrentará. A esperança de viver um tempo de felicidade e de amor supera todos os obstáculos. Um trabalho, por mais difícil que seja, sempre conta no início com uma parcela de coragem, que funciona como mola propulsora. A grande dificuldade está em recomeçar uma ati- vidade, um trabalho ou um casamento, depois de se
  • 51. experimentar um tempo de falência. Recomeçar im- plica tomar o fio da meada e continuar costurando a vida, exigindo uma abnegação acima do comum para olhar o amanhã com a mesma confiança do início. E aí, às vezes, nos aparecem, em meio à estrada, os grandes gigantes da alma — o medo, a ira, o desa- mor, a incerteza. Eles se aproveitam de nosso des- gaste e cansaço para nos fazer tropeçar e quase sem- pre retroceder. Para recomeçar um casamento, um trabalho ou mesmo uma amizade rompida, é necessário uma força quase sobre-humana. E preciso acreditar, ou reacrc- ditar, depositar toda a fé nas promessas de Deus, contando com ele para firmar novamente os joelhos vacilantes. Antes os joelhos agüentavam grande peso de responsabilidade, sonhos e desejos. Agora, após suportarem tanto, estão trêmulos, vacilantes. E as- sim a alma já não está leve como antes, adivinhando os futuros lauréis, o justo prêmio por uma vontade férrea, competente e a toda prova, sempre alargando os limites da criatividade. Essa foi a mensagem do profeta Jeremias a seu povo, após este ter perdido a liberdade. Essa é a men- sagem de Deus para você que está vivendo em um cativeiro de dor, sofrimento e desilusão. A pior prisão não é aquela construída com paredes e grades, pois ainda somos capazes de suportá-la com atividades que ajudem a vencer o tempo, que muitas
  • 52. vezes parece não passar. A pior prisão não está nas quatro paredes de uma sala, de um quarto ou escri- tório; nem nas grades de uma prisão de segurança máxima. Basta lembrar Paulo e Silas, que cantavam atrás de barras de ferro, louvando e bendizendo a Deus, apesar da situação exterior. A prisão mais crítica é a que se constrói no inte- rior, no íntimo da alma. Ela exerce um cerceamento dos movimentos, mas acima de tudo — e pior que tudo! — bloqueia toda a inspiração, todo o senti- mento de alegria e de conquistas. Ela subjuga a alma, impedindo-a de sonhar e idealizar um amanhã cheio de esperança. Muitas criaturas estão encovadas, mas não se sen- tem presas. Elas são verdadeiramente livres, por- que livres no pensamento, na imaginação e na sensibilidade. Libertam-se de si mesmas a hora que bem entendem e viajam por grandes alturas, sem se preocupar com o regresso. Quem pode impedi- las? Quem pode frear sua criatividade e seus deva- neios? Quem lhes consegue prender os pés ao chão, impedindo-as de ir até as estrelas? Mesmo sem sair do lugar, elas alcançam grandes distâncias e imensas alturas. Como eu — desculpe-me a falta de modés- tia —, que neste instante sobrevôo multidões, pen- sando nos pobres e solitários, presos às doenças psi- cológicas e mentais, atados às viagens em torno de
  • 53. si mesmos e do outro — o louco, o atrevido, o desu- mano — as quais buscam encadear os pobres e soli- tários para sempre. E eu me pergunto nessa hora, angustiado, sem forças para puxar os que estão se afogando: "Por que, Deus meu, tanta dificuldade entrando, atrevida, no coração de quem gostaria de viver em uma ilha de sossego e paz, e não conse- gue?". Mas por que não consegue? Certamente por- que é fraco, impotente e incapaz; tem os olhos fechados à riqueza que guarda dentro de si, suficien- te para transportá-lo bem longe do deserto que ha- bita. Se ele se conscientizasse de que lhe bastariam duas asas — vontade e persistência — para cruzar o céu e ir até as estrelas, certamente não perderia tem- po e energia em pranto vão, em inutilidades, que parecem não ter solução, em mágoas de corações tresloucados, incapazes de se sentir atraídos pelo amor, pela paz, bondade e beleza. Sim, sem dúvida, a prisão mais crítica é a que se encontra no interior, na alma. Acredite: as pessoas que perseguem e maltratam o próximo são as verda- deiramente encarceradas. Elas estão acorrentadas, em cadeias, presas, sem conseguir escapar de si mesmas. Subjugadas por instintos perversos, são impedidas de sonhar. Acabam sozinhas, pois todos fogem delas. O povo de Israel havia começado bem sua jorna- da para a teira prometida. Mas agora vivia em outro ambiente. Longe de casa, a 8 0 0 quilômetros de sua
  • 54. terra, cerca de três mil pessoas viviam sob o governo dos babilônios. Num lugar assim, fica muito mais difícil recomeçar a vida. Não devemos pensar que, por estarmos num lu- gar estranho, longe de casa e sob o domínio de ou- tras forças, não conseguiremos voltar a sorrir, cami- nhar e conquistar nossa liberdade. Pois existe uma ilha para a qual podemos voar sem que ninguém nos impeça. Assim como, ao escrever estas páginas, es- tou quase sobrevoando as nuvens, atrás de idéias que me assomem à mente, você também pode levitar sobre os telhados envelhecidos de quem não o en- tende, que talvez esteja bem próximo fisicamente de você, mediante um amor incomensurável que o atrai e abastece sua alma de pensamentos e de rica imagi- nação. Para isso — volto a dizer —, você c eu temos de ter duas asas. Já viu algum pássaro voar apenas com uma asa? Na verdade, se você tem a alma de pássaro e duas asas em forma, pode abandonar os terrenos sujos e baldios e voar sobre ondas, mares e nuvens — e sonhar! Talvez você tenha de fingir que está em boa terra. E qual a melhor terra senão a de nossa alma, cercada de água por todos os lados? Deixe-se rodear pelas águas do espírito, envolva-se pelas ondas que tra- zem notícias do lado de lá. Não se prenda ao que não se refere a você! Confesso que, muitas vezes,
  • 55. quando me sinto aportar em um cais, com o qual não percebo nenhuma afinidade, passo a ouvir, deliciado por vezes, o canto das marolas, que me tra- zem notícias de além-mar. E, de repente, aquele cais adverso e rejeitado some diante de meus olhos. A VIDA CONTINUA A primeira orientação do profeta Jeremias ao povo foi lembrá-lo de que a vida continuava a correr. "Cons- truam casas e habitem nelas; plantem jardins e co- mam de seus frutos. Casem-se e tenham filhos e filhas; escolham mulheres para casar-se com seus li- lhos e dêem as suas filhas em casamento, para que também tenham filhos e filhas. Multipliquem-se e não diminuam" (Jeremias 29.5,6). O fato de as famílias judaicas estarem presas não impedia o correr do tempo. Os dias e as noites se sucediam normalmente. Se elas se entregassem ao desespero perderiam um tempo precioso para reco- meçar a construir a vida. Sem perceber, muitos jogam pela janela horas e dias preciosos. Passam os minutos curtindo amargu- ras, reclamando das misérias da vida, das injustiças sofridas, da solidão interior, da perseguição acirrada, do vazio, do nada que lhes cerca a vida, resultado da ausência de projetos, e assim passam o tempo sem criar metas, nada de novo. Essas pessoas estão min- guando, morrem ainda em vida! Será que você não é
  • 56. uma delas? Pois, como Jeremias eu lhe digo: Pare de parar! Comece a reagir e a agir! Pegue de volta o an- cinho e trate de embelezar outra vez o quintal de sua vida! Ainda bem que continuam a existir Jeremias na vida, que ficam atrás de nós, para nos sacudir, nos acordar! O que nos está faltando é coragem. E cora- gem não é ausência de desespero, mas a capacidade de seguir adiante apesar do desespero. Não temos de nos deixar minguar, morrer ainda em vida! Foi por autêntica preocupação em reverter a situa- ção do povo que o profeta deu uma ordem específi- ca. Eles deveriam continuar agindo como se estives- sem em sua terra. Construir, habitar, plantar, comer, casar, multiplicar são atividades de pessoas livres. Se eles não estavam livres fisicamente, deveriam liber- tar o espírito e agir de forma natural. Diz um velho adágio popular que "não se deve chorar sobre o leite derramado". Muitas vezes so- mos dominados por uma desmotivação, por um cho- ro lamentoso que escurece por completo o horizonte. Enquanto você está ocupado em responder às amea- ças, revidar os insultos e a má fama que espalham a seu redor, seus alicerces morais vão desmoronando. O inimigo cresce e ganha forças. Saiba que um ho- mem ou uma mulher se torna digno e humano por vontade própria. São as pequenas e as grandes deci- sões diárias que os fazem adquirir valor e dignidade.
  • 57. Mas saiba: isso exige treino e coragem! A coragem de que precisamos não se refere a autoritarismo ou desmandos de violência. Não se trata da coragem que exige força física, mas da coragem necessária ao cultivo da sensibilidade: a expressão do eu como ex- pressão de arte e fonte de prazer — para si próprio e para os outros, com envolvimento, sem se esconder na mais autêntica forma de covardia, revelada na fra- se: "Não quis me envolver". Nenhuma perda deve impedir que continuemos o caminho que temos pela frente. Não desista de vi- ver. Não se entregue antes do tempo. Não deixe de compartilhar, de se doar. É pelo crescimento que você se torna capaz de levar outras pessoas a crescerem. Acredite: você não está sozinho nesta batalha! UMA AÇÃO COMUNITÁRIA O profeta também recomendou que o povo inte- ragisse com os babilônios. Veja o que Jeremias disse: "Busquem a prosperidade da cidade para a qual eu os deportei e orem ao SENHOR em favor dela, porque a prosperidade de vocês depende da prosperidade dela" (Jeremias 29.7). Veja como Deus age de forma estranha e ao mes- mo tempo eficiente. Quem pensaria em se unir àque- les que trazem na cintura a chave dos cadeados que lhe prendem os pés? Parece absurdo, não é mesmo?
  • 58. No entanto, essa foi a ordem de Deus. Eles deveriam trabalhar para que a cidade progredisse. Em vez de amaldiçoá-la como um lugar de privações, limitações e saudades, eles deveriam buscar a prosperidade dela. E mais: deveriam orar pela cidade. Aliás, foi a esse tipo de envolvimento que me referi anteriormente. Não remexa a ferida, telefonando a um amigo para contar as misérias que está sofrendo, para falar das impossibilidades. A solução é acreditar na força do trabalho. Recomeçar é difícil, mas não impossível. Como já disse, e insisto em afirmar, duas coisas são essenciais à vida ou a seu triunfo: esperança e persis- tência. Essas são as asas que levam o pássaro a voar. Uma coisa não pode existir sem a outra. Para sair- mos do buraco e da inércia e chegarmos ao outro lado, temos de contar com elas. Um dos segredos para compensar as perdas diá- rias é deixar de pensar em si mesmo e voltar os olhos para o outro. E preciso restaurar o espírito samari- tano em nossa vida. Os sofrimentos que se espalham por nossa cidade são muito superiores aos nossos. E, ainda que não sejam, a melhor terapia para vencer as crises é ajudar o próximo, mesmo que não seja tão próximo! E claro que Deus sabia que a cidade era domina- da pelos babilônios. Reconhecia que as exigências com respeito a seu povo ultrapassava o limite das
  • 59. forças deles. Mas para vencer na terra da promessa era preciso antes vencer na terra da provação, como José do Egito, que afirmou: "Deus me fez prosperar na terra onde tenho sofrido" (Gênesis 41.52). José foi uma bênção para o Egito e acabou se tornando uma bênção para si mesmo, sua família e seu povo. Portanto, levante a cabeça e veja seu pequeno mundo com outros olhos. Não se esconda, não faça de sua vida uma ilha. Claro que algumas vezes é até bom e prudente transformar seu mundo em uma ilha, ou viajar para uma ilha, em uma espécie de férias para o sossego e a paz, a reinvenção e a criatividade. Contudo, saiba que sua terra — seja representada por sua casa, seu quarto, escritório, tra- balho, seja representada por aqueles que vivem a seu redor — pode mudar! Isso depende muito de sua abertura. E mesmo que sua casa e a de outros não mude, você pode mudar sua casa interior. Você pode transformar sua terra árida em uma terra que mana leite e mel. NÃO HÁ SOLUÇÃO FÁCIL O profeta Jeremias não estava pintando um quadro irreal. Ele falava exatamente o que o povo precisava fazer para recomeçar uma nova vida. Suas palavras queriam mostrar que a perda da liberdade não podia aprisionar os sonhos e a esperança de um dia voltar à terra em que manava leite e mel.
  • 60. Esta foi a advertência do profeta ao povo: "Por- que assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: 'Não deixem que os profetas e adivinhos que há no meio de vocês os enganem. Não dêem atenção aos sonhos que vocês os encorajam a terem. Eles estão profetizando mentiras em meu nome. Eu não os en- viei', declara o SENHOR" (Jeremias 29.8-9). Quantas vezes ouvimos, de pessoas desejosas de nos consolar, coisas sem sentido, conteúdo ou ver- dade. Imagine você enfrentando um diagnóstico de doença grave, e os amigos, com um abraço ou tapi- nha nas costas, dizerem: "Isso não é nada! Daqui a pouco vai passar!". Ou ainda você conviver com uma pessoa dura e difícil, cuja forma de viver, educação e formação são diferentes das suas, e ouvir as pessoas insistirem: "Tenha paciência! Essa criatura ainda vai mudar! Essa situação vai acabar!". Mas transcorrem trinta, quarenta anos, e ela não sofre a mínima varia- ção! Em situações dramáticas, as pessoas usam pala- vras vazias de sentido, porque é mais fácil falar do assunto dessa forma. Na realidade, muitas fogem dos problemas alheios e procuram amenidades. Não se pode culpá-las, pois de certa maneira estão agindo com sabedoria e prudência, ainda que exageradas. E preciso saber que há situações que demandam tempo, e feridas que custam muito a cicatrizar. As soluções simplistas não são soluções de Deus. Sinto
  • 61. muito receio em relação ao triunfalismo que domina muitas igrejas. Eu sou positivo, creio em milagres, mas não me iludo com as facilidades que a mãos- cheias se pregam por aí. Deus havia determinado um tempo para o cati- veiro de seu povo. Esse tempo era de setenta anos. Nem mais, nem menos. No entanto, surgiu no meio do povo um grupo de profetas afirmando que o povo estaria livre em pouco tempo. "No quinto mês daquele mesmo ano, o quarto ano, no início do reinado de Zedequias, rei de Judá, Hananias, filho de Azur, profeta natural de Gibeom, disse-me no templo do SENHOR, na presença dos sa- cerdotes e de todo o povo: Assim diz o SENHOR dos Exércitos, Deus de Israel: 'Quebrarei o jugo do rei da Babilônia'. Em dois anos trarei de volta a este lugar todos os utensílios do templo do SENHOR que Nabucodonosor, rei da Babilônia, tirou daqui e le- vou para a Babilônia. Também trarei de volta para este lugar Joaquim, filho de Jeoaquim, rei de Judá, e todos os exilados de Judá que foram para a Babi- lônia', diz o SENHOR, 'pois quebrarei o jugo do rei da Babilônia'" (Jeremias 28.1-4). Saiba que o otimismo superficial e infundado pre- judica tanto, ou até mais, que o pessimismo. O povo sabia que o tempo havia sido determinado por Deus. Não adiantava entrar em desespero e muito menos
  • 62. abrir o coração para palavras que provocariam uma dor ainda maior, porque jamais se cumpririam. O importante era continuar vivendo e aguardan- do o dia da libertação. E isso que deve alimentar nosso espírito. Talvez o dia de hoje seja um daqueles dias sem sol, sem luz, sem graça. Talvez você esteja cami- nhando ou quem sabe convivendo com os algozes que de chicote em punho não poupam erguê-lo para machucá-lo. Tenha certeza de que as cicatrizes provocadas por esses golpes servirão para mostrar que a graça de Deus está acima da força do homem. 0 RETORNO Finalmente, a recomendação do profeta foi que o povo se voltasse verdadeiramente para Deus. Para recomeçar um novo tempo ele teria de se voltar para seu Senhor. '"Vocês me procurarão e me acharão quando me procurarem de todo o coração. Eu me deixarei ser encontrado por vocês', declara o SENHOR, [...] 'e os trarei de volta para o lugar de onde os de- portei', diz o SENHOR" (Jeremias 29.13,14). A verdade é que as crises, as quedas, as perdas tendem a nos afastar de Deus. Não raras vezes atri- buímos ao Senhor a responsabilidade por nossas derrotas. Deixamos o coração esfriar e acabamos por ficar longe dele.
  • 63. O povo sabia que o cativeiro fora conseqüência de seu afastamento de Deus. Eles estavam presos não porque o adversário era mais forte que eles. Deus mesmo se encarregara de entregá-los aos babilônios. A ordem agora era de que voltassem o coração para o Senhor, a fim de se prepararem para um novo tem- po, numa nova terra. Esse retorno tinha de começar no coração. O povo não poderia estar dividido entre Deus e os outros deuses da Babilônia. Tinha de ser uma conversão verdadeira; só assim a vida retomaria seu curso.
  • 64. Ê PRECISO SE ACOSTUMAR Nosso propósito neste livro é ajudar a todos que por algum motivo estejam sofrendo pela perda de algo ou de alguém querido. Na verdade, desde que nascemos entramos num processo de perdas. A criança perde seu lugar aconchegante no útero ma- terno para ter de respirar, chorar, lutar para receber comida e carinho. Se bem que, às vezes, o bebê so- fra muito no próprio útero, em vista das agressões externas, o que, aliás, é comprovado pela medicina. Mais tarde a criança perde algumas das regalias oferecidas pelos pais. E, assim, ao longo da estra- da, vai perdendo pedaços de sua vida. E chegado o tempo em que a criança, agora adulta, sente falta desses pedaços. Inicia-se outra luta: a tentativa de se desfazer das rugas incômodas, das gorduras, das manchas na pele, dos cabelos brancos e de muitas outras coisas, algumas mais graves e outras menos
  • 65. importantes, que foram depositadas pelo tempo na bagagem da vida. Perder coisas pequenas sempre provoca incômo- do e inquietação. Até mesmo perder a carteira, a cha- ve ou um documento pode desequilibrar nossas emoções. Perder a mãe, o pai, um amigo, um ente querido, ou um bem de valor, desestrutura as emo- ções e pode precipitar a pessoa em um vale profun- do de entrega, tristeza, saudade aguda e conseqüente depressão. É preciso, de alguma forma, aprender a convi- ver com as perdas. Isso pode parecer um tanto trá- gico e soar como uma declaração de pessimismo. Mas a realidade é que, se não olharmos as perdas como oportunidades de avançar, de errar menos, aca- baremos sufocados por elas. Você pode fazer uma lista de coisas e pessoas, e perceberá que nada é duradouro. Tudo passa, tudo fenece. Pense, por exemplo, na saúde, no direito de ir-e-vir, na fé, na esperança, no amor, na paixão, nas amizades, nos filhos, no cônjuge, no carro, na casa, nos cabelos, na pele lisa e sedosa. O grande desafio é permanecer firme, quando algo se nos escapa das mãos. "São indispensáveis crises, urgências, sacudidas, inquietudes, tempes- tades, relâmpagos, capazes de desinstalar, desblo- quear, desprogramar, desidentificar, para despertar
  • 66. uma nova consciência, uma nova inspiração intui- tiva, uma nova energia espiritual [...] Só quando as muralhas caem, quando os bloqueios se desfazem, quando vencemos o medo e as dúvidas, recupera- mos a confiança, reencontramos a alegria de viver".1 E dessa maneira que o frei Clemente Kesselmeier descreve o que acontece com aquele que busca o ca- minho da vida. Entre todas as perdas que ocorrem em nossa jornada, a perda da saúde é a que pesa mais que qualquer outra. São poucos, muito pou- cos, aqueles que a suportam. Conheço pessoas apa- rentemente fortes, dispostas, preparadas para en- frentar qualquer tipo de trabalho, mas que sucumbi- ram diante de um diagnóstico de doença incurável! A verdade é que as doenças continuam sendo o grande fantasma, que assusta e apavora, mesmo nas horas claras do dia. Tudo mais podemos suportar. Mas quando o assunto é a própria vida, parece difícil encontrar conselhos ou palavras de esperança e con- forto que façam alguma diferença. No entanto, a pró- pria Bíblia não esconde que há um tempo deter- minado por Deus para cada coisa existente neste mundo. Assim diz o pregador no livro de Eclesiastes: "Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo 'Você pode viver em plenitude, São Paulo, Vozes, 1997, p. 150.
  • 67. para cada propósito debaixo do céu: Tempo de nas- cer e tempo de morrer" (Eciesiastes 3.1). Frases como: "Eu não consigo aceitar esta doen- ça" ou: "Eu não me acostumo com este problema", são comuns a todos. Quem reage dessa maneira está olhando para um lado único da vida. E, por olhar unilateralmente, excelentes oportunidades de avan- çar, de erguer-se, de aproveitar o que ainda existe, enfim, de transformar os impossíveis em possibili- dades são completamente perdidas! Quando digo que precisamos nos acostumar com as perdas, não estou passando um recibo de compla- cência, de passividade, de entrega. Não estou suge- rindo que se caia no lugar-comum: "Paciência, seja o que Deus quiser". Não. Estou afirmando que, mes- mo perdendo, precisamos continuar com a cabeça erguida e os pés plantados na estrada. Ou: "Com os pés no chão e a cabeça nas estrelas". SUPERANDO O IMPOSSÍVEL Como você reagiria se tivesse de conviver com uma dor, uma doença durante trinta e oito longos anos? Imagine um médico dizendo ao paciente: "Seu mal é incurável. Mas há apenas uma possibilidade de cura. Estão produzindo um remédio que eliminará com- pletamente esse mal. Em vinte ou trinta anos, ele já deverá estar no mercado". Certamente você acharia
  • 68. que o médico estava brincando com coisa séria. O homem não está preparado para resistir por um lon- go tempo de espera. Por muito menos, muitos se desesperam. Há uma história na Bíblia que descreve um ho- mem que viveu essa experiência. Ele perdeu a saúde. Era paralítico. Além de doente, vivia sozinho, sem ninguém que o ajudasse, numa situação de muita in- felicidade. O quadro descrito pelo apóstolo João é o retrato perfeito de alguém que perdeu algo de muito valor. Perdeu a liberdade de se locomover; perdeu a possi- bilidade de ter uma vida independente; perdeu o res- peito diante de seus semelhantes, a confiança em si mesmo, o sonho. "Um dos que estavam ali era paralítico fazia trin- ta e oito anos" (João 5.5). Esse homem estava deita- do perto de um tanque chamado Betesda. Dizia a lenda que, de tempos em tempos, um anjo descia para agitar-lhe as águas. Quando agitadas, o primei- ro doente que mergulhasse no tanque era totalmente curado. Acontece que o paralítico, por sua imobili- dade, não conseguia se aproximar das águas quando eram agitadas. Sempre que ele esboçava um esforço para se lançar nelas, outro passava a sua frente, ano após ano. Ele já estava nessa condição fazia trinta e oito anos.
  • 69. Um dia Jesus se aproximou desse tanque e en- controu ali muitos doentes: cegos, coxos e paralí- ticos. Quando ele viu aquele homem deitado na ca- ma, fez-lhe uma pergunta: "Você quer ser curado?" (João 5.6). A resposta do homem foi evasiva. Ele não disse: "Quero"; ou: "Não quero". Sua resposta foi: "SENHOR, não tenho ninguém que me ajude a entrar no tanque quando a água é agitada. Enquan- to estou tentando entrar, outro chega antes de mim" (João 5.7). Jesus lhe ordenou que se levantasse, e na mesma hora ele foi curado. Podemos tirar algumas lições dessa experiência. Em primeiro lugar, nunca desista de lutar, mesmo que falhe em cada tentativa. Esse homem tentou du- rante trinta e oito longos anos. Mesmo sabendo que sozinho não tinha nenhuma chance, continuou ten- tando. Por muito menos nós abrimos mão de uma conquista, de uma vitória. Poucos dias são suficien- tes para neutralizar nossa capacidade de aguardar uma resposta. Lembre-se de que as perdas só deixarão de ser perda quando você lutar para transformá-las. Não fique olhando para seu leito de dor. Não deixe que a autocomiseração paralise suas atitudes de fé. Não desista. Em segundo lugar, não permita que seu impossí- vel transforme sua vida em impossibilidades. "Você
  • 70. quer ser curado?", perguntou Jesus. A resposta de- veria ser breve e pronta: "Quero!". No entanto, ele começou a apresentar as dificuldades que enfrenta- va na busca da cura. Jesus, ao formular a pergunta, estava querendo saber se ele estava disposto a voltar para a vida e continuar lutando. Deus não opera milagres simples- mente por operar. Ele sabe que tem poder para fazer qualquer coisa e não precisa provar nada a ninguém. Quando invade a natureza produzindo algo sobre- natural, ele está trabalhando em um projeto. Mui- tos, na verdade, preferem ficar onde estão, para não ter de enfrentar novos desafios. Conheci uma senho- ra, paraplégica, que não gostava de receber oração para ser curada. Ela se sentia muito confortável numa cadeira de rodas. As pessoas a visitavam. Tinha toda a assistência necessária; era querida e cuidada com todo o carinho. Se curada, teria de começar a viver por conta própria. Preferiu a cama. Não deixe que as impossibilidades o impossibili- tem. Há um mundo maravilhoso a sua espera. Saia de seu leito, que pode inclusive ser um lugar confor- tável e aprazível. Venha para a vida. Deixe que a bri- sa suave bata em seu rosto enquanto confiantemente caminha rumo à vitória. Lembre-se de que você não precisa medir forças com os outros. "Então Jesus lhe disse: 'Levante-se!
  • 71. Pegue a sua maca e ande"' (João 5.8). Pare de com- petir. Deponha as armas. Há um caminho melhor que pode levá-lo a uma qualidade de vida. O inte- ressante é que esse homem foi provavelmente o úni- co curado naquele poço; os demais continuaram es- perando o anjo agitar as águas. O certo é que não há nenhum relato sobre as outras pessoas alcançadas pelo movimento das águas. Quando Jesus se faz presente, nada mais impor- ta. Ele tem poder para restaurar sua vida, curar suas doenças e mudar o sentido de suas perdas.
  • 72. CONCLUSÃO O Dicionário Larousse Cultural define perda como: 'Ato ou efeito de perder ou ser privado de algo que se possuía. Diminuição que alguma coisa sofre em seu conteúdo. Destruição, privação temporária ou perma- nente, da presença de alguém. Morte, falecimento". Todos esses termos traduzem um pouco do senti- mento que domina o coração do homem que se vê privado de algo que estima, ama ou necessita para viver. Neste pequeno trabalho, mostramos que todos nós estamos sujeitos a perdas durante nossa cami- nhada. A única coisa eterna, que não muda, é o amor de Deus, o sustento que ele nos proporciona nos momentos de prova. Quando você passar por uma experiência de per- da, tenha em mente que nada pode lhe acontecer
  • 73. sem uma permissão expressa de Deus. Não se entre- gue ao desespero, nem permita que as perdas conti- nuem produzindo perdas em sua vida. Descole-se delas. Una-se ao que está a sua frente. Com certeza você conseguirá reverter suas derrotas em vitórias, suas perdas em ganhos.
  • 74. SOBRE O AUTOR TITO OSCAR é pastor e bispo sênior do Conselho de Ministros das Igrejas de Nova Vida do Brasil e mem- bro do Conselho de Pastores do Estado de São Pau- lo e do CIMEB. Tem vários livros publicados. E casado com Ra- quel e pai de dois filhos, Márcia e Marcelo.