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[81]
Para: CAROLINA AUGUSTA XAVIER DE NOVAIS
Fonte: MUSEU DA REPÚBLICA. Arquivo Histórico. Manuscrito original.


[Rio de Janeiro] 2 de março [de 1869]. 1
Minha querida Carolina,
        Recebi ontem duas cartas tuas, depois de dois dias de espera 2 . Calcula o prazer
que tive, como as li, reli e beijei! A minha tristeza converteu-se em súbita alegria. Eu
estava tão aflito por ter notícias tuas que saí do Diário 3 à 1 hora para ir a casa, e com
efeito encontrei as duas cartas, uma das quais devera ter vindo antes, mas que, sem
dúvida, por causa do correio foi demorada. Também ontem deves ter recebido duas
cartas minhas; uma delas, a que foi escrita no sábado, levei-a no domingo às 8 horas ao
correio, sem lembrar-me (perdoa-me!) que ao domingo a barca sai às 6 horas da manhã.
Às quatro horas levei a outra carta e ambas devem ter seguido ontem na barca das duas
horas da tarde. Deste modo, não fui eu só quem sofreu com demora de cartas. Calculo a
tua aflição pela minha, e estou que será a última.
        Eu já tinha ouvido cá que o Miguel 4 alugara a casa das Laranjeiras 5 , mas o que
não sabia era que se projetava essa viagem a Juiz de Fora. Creio, como tu, que os ares
não fazem nada ao Faustino; mas compreendo também que não é possível dar

1
  Esta carta e a seguinte, sem indicação do ano, foram vítimas datações incorretas porque limitadas às
informações do Visconde de Sanches de Frias, em Memórias Literárias e Ignez d’Horta (1906), livros
nos quais se registra a chegada de Carolina ao Brasil no ano de 1866. Desfaz-se o equívoco na obra do
mesmo autor sobre a trajetória do pianista Artur Napoleão* (Frias, 1913):

       “Realizou-se a partida em maio de 1868, levando o viajante [Napoleão] em sua
       companhia, por obséquio à família, a quem tão grato era, e em virtude de
       acontecimento grave, Carolina de Novais [...]. / A viagem foi muito satisfatória, por
       outros companheiros, que a fortuna deparou [...]. O desembarque, na chegada ao Rio de
       Janeiro, fez-se ao anoitecer. / O pianista acompanhou Carolina de Novais à casa da
       Baronesa de Taquari (sic), onde se hospedava o irmão [Faustino], já combalido
       mentalmente da moléstia, que havia de matá-lo. / Por isto, o poeta não compreendeu as
       razões, que ali traziam a irmã, caiu em choro, e abraçou-se aos recém-chegados.”

Partindo, possivelmente, dessa informação, Luís Viana Filho (1965) encontrou os detalhes necessários no
Diário do Rio de Janeiro (18/06/1868) para confirmar a chegada de Carolina ao Rio de Janeiro, onde logo
conheceria Machado de Assis, velho amigo do seu irmão Faustino Xavier de Novais*. (IM)
2
  No final de 1868, Carolina se instalara em Petrópolis, na expectativa de que essa mudança pudesse ser
benéfica para a saúde combalida do poeta Faustino. (IM)
3
  Diário Oficial, onde Machado de Assis trabalhava desde abril de 1867, época em que se desligara do
trabalho cotidiano no Diário do Rio de Janeiro. Ver em [68], carta de 09/04/1867. (IM)
4
  Miguel Xavier de Novais*, irmão de Carolina. (IM)
5
  Possivelmente a casa da Rua Ipiranga, 29, onde Faustino viria a falecer. (IM)
simplesmente essa razão. No entanto, lembras perfeitamente que a mudança para outra
casa cá no Rio seria excelente para todos nós. O Faustino falou-me nisso uma vez e é
quanto basta para que se trate disto. A casa há de encontrar-se, porque empenha-se nisto
o meu coração. Creio, porém, que é melhor conversar outra vez com o Faustino no
sábado e ser autorizado positivamente por ele. Ainda assim, temos tempo de sobra; 23
dias; é quanto basta para que o amor faça um milagre, quanto mais isto que não é
milagre nenhum.
        Vais dizer naturalmente que eu condescendo sempre contigo. Por que não?
Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás pronta a obedecer;
admiras-te de seres obedecida. Não te admires, é coisa muito natural; és tão dócil como
eu; a razão fala em nós ambos. Pedes-me coisas tão justas que eu nem teria pretexto de
te recusar se quisesse recusar-te alguma coisa, e não quero.
        A mudança de Petrópolis para cá é uma necessidade; os ares não fazem bem ao
Faustino, e a casa aí é um verdadeiro perigo para quem lá mora. Se estivesses cá não
terias tanto medo dos trovões, tu que ainda não estás bem brasileira, mas que o hás de
ser espero em Deus.
        Acusas-me de pouco confiante em ti? Tens e não tens razão; confiante, sou; mas
se te não contei nada é porque não valia a pena contar. A minha história passada do
coração resume-se em dois capítulos: um amor, não correspondido; outro,
correspondido. Do primeiro nada tenho que dizer; do outro não me queixo; fui eu o
primeiro a rompê-lo. Não me acuses por isso; há situações que se não prolongam sem
sofrimento. Uma senhora de minha amizade obrigou-me, com os seus conselhos, a
rasgar a página desse romance sombrio; fi-lo com dor, mas sem remorso. Eis tudo.
        A tua pergunta natural é esta: Qual destes dois capítulos era o da Corina 6 ?
Curiosa! Era o primeiro. O que te afirmo é que dos dois o mais amado foi o segundo.
        Mas nem o primeiro nem o segundo se parecem nada com o terceiro e último
capítulo do meu coração. Diz a Staël 7 que os primeiros amores não são os mais fortes

6
  Referência à intrigante e ainda desconhecida inspiradora dos célebres “Versos a Corina”, com cinco
cantos publicados na imprensa do Rio de Janeiro entre março e abril de 1864, e o sexto em jornal da
cidade do Porto. Esses versos foram incluídos nas Crisálidas, ainda em 1864, e tiveram parte suprimida
pelo próprio autor na sua Poesia Completa (1901). (IM)
7
  Mme. de Staël, nome literário da escritora francesa Germaine Necker, baronesa de Staël-Hölstein (1766-
1817). Seu romance Corinne ou L’Italie (1807) tem na protagonista a própria imagem da autora,
inteligente, cativante e apaixonada. A amada Corina, a Corinne e Mme. De Staël são temas obrigatórios
dos biógrafos machadianos. Magalhães Jr. (1981) atribuiu à atriz Gabriela da Cunha (ver em [1], carta de
porque nascem simplesmente da necessidade de amar 8 . Assim é comigo; mas, além
dessa, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada com as mulheres vulgares
que tenho conhecido. Espírito e coração como os teus são prendas raras; alma tão boa e
tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão tão reta não são bens que a natureza
espalhasse às mãos cheias pelo teu sexo. Tu pertences ao pequeno número de mulheres
que ainda sabem amar e sentir e pensar. Como te não amaria eu? Além disso tens para
mim um dote que realça os mais: sofreste. É minha ambição dizer à tua grande alma
desanimada: “levanta-te, crê e ama; aqui está uma alma que te compreende e te ama
também”.
        A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com
alegria, e estou que saberei desempenhar este agradável encargo.
        Olha, querida; também eu tenho pressentimentos acerca da minha felicidade;
mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz?
        Obrigado pela flor que me mandaste; dei-lhe dois beijos como se fosse em ti
mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela um pouco de tua alma.
        Sábado é o dia de minha ida; faltam poucos dias e está tão longe! Mas que fazer?
A resignação é necessária para quem está à porta do paraíso; não afrontemos o destino
que é tão bom conosco.
        Volto à questão da casa; manda-me dizer se aprovas o que te disse acima, isto é,
se achas melhor conversar outra vez com o Faustino e ficar autorizado por ele, a fim de
não parecer ao Miguel que eu tomo uma intervenção incompetente nos negócios de sua
família. Por ora, precisamos de todas estas precauções. Depois... depois, querida,
ganharemos 9 o mundo, porque só é verdadeiramente senhor do mundo quem está acima
das suas glórias fofas e das suas ambições estéreis. Estamos ambos neste caso; amamo-
nos; e eu vivo e morro por ti. Escreve-me, e crê no coração do teu
                                           Machadinho.


19/07/1860) a inspiração dos “Versos”, mas sobre isso não há consenso. Já Caetano Filgueiras revela
aspectos substantivos a respeito de convenções sociais que motivaram a perda da bem-amada. Ver
em [86], carta de 1869. (IM)
8
  Machado apreciava, de fato, essa observação. Saudando o livro Corimbos do poeta e grande amigo Luís
Guimarães Júnior, escreveu: “Dá-se com a literatura o mesmo que se dá com o amor. Mme. de Staël dizia
que os segundos amores eram os mais profundos, porque os primeiros nasciam da simples necessidade de
amar. Com a poesia é a mesma coisa.” (Semana Ilustrada, nº 473, 02/01/1870). (IM)
9
  Em todas as transcrições, encontra-se “queimaremos”. À vista do original manuscrito, “queimaremos”
não parece aceitável. O mais possível é “ganharemos”, sobretudo pela contextualização: “porque só é
verdadeiramente senhor do mundo [...]” . (IM)

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  • 1. [81] Para: CAROLINA AUGUSTA XAVIER DE NOVAIS Fonte: MUSEU DA REPÚBLICA. Arquivo Histórico. Manuscrito original. [Rio de Janeiro] 2 de março [de 1869]. 1 Minha querida Carolina, Recebi ontem duas cartas tuas, depois de dois dias de espera 2 . Calcula o prazer que tive, como as li, reli e beijei! A minha tristeza converteu-se em súbita alegria. Eu estava tão aflito por ter notícias tuas que saí do Diário 3 à 1 hora para ir a casa, e com efeito encontrei as duas cartas, uma das quais devera ter vindo antes, mas que, sem dúvida, por causa do correio foi demorada. Também ontem deves ter recebido duas cartas minhas; uma delas, a que foi escrita no sábado, levei-a no domingo às 8 horas ao correio, sem lembrar-me (perdoa-me!) que ao domingo a barca sai às 6 horas da manhã. Às quatro horas levei a outra carta e ambas devem ter seguido ontem na barca das duas horas da tarde. Deste modo, não fui eu só quem sofreu com demora de cartas. Calculo a tua aflição pela minha, e estou que será a última. Eu já tinha ouvido cá que o Miguel 4 alugara a casa das Laranjeiras 5 , mas o que não sabia era que se projetava essa viagem a Juiz de Fora. Creio, como tu, que os ares não fazem nada ao Faustino; mas compreendo também que não é possível dar 1 Esta carta e a seguinte, sem indicação do ano, foram vítimas datações incorretas porque limitadas às informações do Visconde de Sanches de Frias, em Memórias Literárias e Ignez d’Horta (1906), livros nos quais se registra a chegada de Carolina ao Brasil no ano de 1866. Desfaz-se o equívoco na obra do mesmo autor sobre a trajetória do pianista Artur Napoleão* (Frias, 1913): “Realizou-se a partida em maio de 1868, levando o viajante [Napoleão] em sua companhia, por obséquio à família, a quem tão grato era, e em virtude de acontecimento grave, Carolina de Novais [...]. / A viagem foi muito satisfatória, por outros companheiros, que a fortuna deparou [...]. O desembarque, na chegada ao Rio de Janeiro, fez-se ao anoitecer. / O pianista acompanhou Carolina de Novais à casa da Baronesa de Taquari (sic), onde se hospedava o irmão [Faustino], já combalido mentalmente da moléstia, que havia de matá-lo. / Por isto, o poeta não compreendeu as razões, que ali traziam a irmã, caiu em choro, e abraçou-se aos recém-chegados.” Partindo, possivelmente, dessa informação, Luís Viana Filho (1965) encontrou os detalhes necessários no Diário do Rio de Janeiro (18/06/1868) para confirmar a chegada de Carolina ao Rio de Janeiro, onde logo conheceria Machado de Assis, velho amigo do seu irmão Faustino Xavier de Novais*. (IM) 2 No final de 1868, Carolina se instalara em Petrópolis, na expectativa de que essa mudança pudesse ser benéfica para a saúde combalida do poeta Faustino. (IM) 3 Diário Oficial, onde Machado de Assis trabalhava desde abril de 1867, época em que se desligara do trabalho cotidiano no Diário do Rio de Janeiro. Ver em [68], carta de 09/04/1867. (IM) 4 Miguel Xavier de Novais*, irmão de Carolina. (IM) 5 Possivelmente a casa da Rua Ipiranga, 29, onde Faustino viria a falecer. (IM)
  • 2. simplesmente essa razão. No entanto, lembras perfeitamente que a mudança para outra casa cá no Rio seria excelente para todos nós. O Faustino falou-me nisso uma vez e é quanto basta para que se trate disto. A casa há de encontrar-se, porque empenha-se nisto o meu coração. Creio, porém, que é melhor conversar outra vez com o Faustino no sábado e ser autorizado positivamente por ele. Ainda assim, temos tempo de sobra; 23 dias; é quanto basta para que o amor faça um milagre, quanto mais isto que não é milagre nenhum. Vais dizer naturalmente que eu condescendo sempre contigo. Por que não? Sofreste tanto que até perdeste a consciência do teu império; estás pronta a obedecer; admiras-te de seres obedecida. Não te admires, é coisa muito natural; és tão dócil como eu; a razão fala em nós ambos. Pedes-me coisas tão justas que eu nem teria pretexto de te recusar se quisesse recusar-te alguma coisa, e não quero. A mudança de Petrópolis para cá é uma necessidade; os ares não fazem bem ao Faustino, e a casa aí é um verdadeiro perigo para quem lá mora. Se estivesses cá não terias tanto medo dos trovões, tu que ainda não estás bem brasileira, mas que o hás de ser espero em Deus. Acusas-me de pouco confiante em ti? Tens e não tens razão; confiante, sou; mas se te não contei nada é porque não valia a pena contar. A minha história passada do coração resume-se em dois capítulos: um amor, não correspondido; outro, correspondido. Do primeiro nada tenho que dizer; do outro não me queixo; fui eu o primeiro a rompê-lo. Não me acuses por isso; há situações que se não prolongam sem sofrimento. Uma senhora de minha amizade obrigou-me, com os seus conselhos, a rasgar a página desse romance sombrio; fi-lo com dor, mas sem remorso. Eis tudo. A tua pergunta natural é esta: Qual destes dois capítulos era o da Corina 6 ? Curiosa! Era o primeiro. O que te afirmo é que dos dois o mais amado foi o segundo. Mas nem o primeiro nem o segundo se parecem nada com o terceiro e último capítulo do meu coração. Diz a Staël 7 que os primeiros amores não são os mais fortes 6 Referência à intrigante e ainda desconhecida inspiradora dos célebres “Versos a Corina”, com cinco cantos publicados na imprensa do Rio de Janeiro entre março e abril de 1864, e o sexto em jornal da cidade do Porto. Esses versos foram incluídos nas Crisálidas, ainda em 1864, e tiveram parte suprimida pelo próprio autor na sua Poesia Completa (1901). (IM) 7 Mme. de Staël, nome literário da escritora francesa Germaine Necker, baronesa de Staël-Hölstein (1766- 1817). Seu romance Corinne ou L’Italie (1807) tem na protagonista a própria imagem da autora, inteligente, cativante e apaixonada. A amada Corina, a Corinne e Mme. De Staël são temas obrigatórios dos biógrafos machadianos. Magalhães Jr. (1981) atribuiu à atriz Gabriela da Cunha (ver em [1], carta de
  • 3. porque nascem simplesmente da necessidade de amar 8 . Assim é comigo; mas, além dessa, há uma razão capital, e é que tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como os teus são prendas raras; alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão tão reta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias pelo teu sexo. Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar e sentir e pensar. Como te não amaria eu? Além disso tens para mim um dote que realça os mais: sofreste. É minha ambição dizer à tua grande alma desanimada: “levanta-te, crê e ama; aqui está uma alma que te compreende e te ama também”. A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, e estou que saberei desempenhar este agradável encargo. Olha, querida; também eu tenho pressentimentos acerca da minha felicidade; mas que é isto senão o justo receio de quem não foi ainda completamente feliz? Obrigado pela flor que me mandaste; dei-lhe dois beijos como se fosse em ti mesma, pois que apesar de seca e sem perfume, trouxe-me ela um pouco de tua alma. Sábado é o dia de minha ida; faltam poucos dias e está tão longe! Mas que fazer? A resignação é necessária para quem está à porta do paraíso; não afrontemos o destino que é tão bom conosco. Volto à questão da casa; manda-me dizer se aprovas o que te disse acima, isto é, se achas melhor conversar outra vez com o Faustino e ficar autorizado por ele, a fim de não parecer ao Miguel que eu tomo uma intervenção incompetente nos negócios de sua família. Por ora, precisamos de todas estas precauções. Depois... depois, querida, ganharemos 9 o mundo, porque só é verdadeiramente senhor do mundo quem está acima das suas glórias fofas e das suas ambições estéreis. Estamos ambos neste caso; amamo- nos; e eu vivo e morro por ti. Escreve-me, e crê no coração do teu Machadinho. 19/07/1860) a inspiração dos “Versos”, mas sobre isso não há consenso. Já Caetano Filgueiras revela aspectos substantivos a respeito de convenções sociais que motivaram a perda da bem-amada. Ver em [86], carta de 1869. (IM) 8 Machado apreciava, de fato, essa observação. Saudando o livro Corimbos do poeta e grande amigo Luís Guimarães Júnior, escreveu: “Dá-se com a literatura o mesmo que se dá com o amor. Mme. de Staël dizia que os segundos amores eram os mais profundos, porque os primeiros nasciam da simples necessidade de amar. Com a poesia é a mesma coisa.” (Semana Ilustrada, nº 473, 02/01/1870). (IM) 9 Em todas as transcrições, encontra-se “queimaremos”. À vista do original manuscrito, “queimaremos” não parece aceitável. O mais possível é “ganharemos”, sobretudo pela contextualização: “porque só é verdadeiramente senhor do mundo [...]” . (IM)