1. Universidade Federal da Paraíba - UFPB
Letras Virtual
Disciplina: Teoria Literária I
Antologia de Poesia
Brasileira
Contemporânea
Amador Ribeiro Neto
(organizador)
Fevereiro 2011
2. 1
Todas as coisas
do mundo não
cabem numa
ideia. Mas tu-
do cabe numa
palavra, nesta
palavra tudo.
Arnaldo Antunes
3. 2
Economia política
(Glauco Mattoso)
Spik(sic)tupinik
(Glauco Mattoso)
Rebel without a cause, vômito do mito
da nova nova nova nova geração,
cuspo no prato e janto junto com palmito
o baioque (o forrock, o rockixe),o rockão,
Receito a seita de quem samba e roquenrola:
Babo, Bob, pop, pipoca, cornflake;
take a cocktail de coco com cocacola,
de whisky e estricnina make a milkshake.
Tem híbridos morfemas a língua que falo,
meio nega-bacana, chiquita maluca;
no rolo embananado me embolo, me embalo,
soluço - hic - e desligo - clic - a cuca.
Sou luxo, chulo e chic, caçula e cacique.
I am a tupinik, eu falo em tupinik.
4. 3
O quê
(Arnaldo Antunes)
Que não é o que não pode ser que
Não é o que não pode
Ser que não é
O que não pode ser que não
É o que não
Pode ser
Que não
É
O que não pode ser que
Não é o que não pode ser
Que não é o que
O que?
O que?
O que?
Que não é o que não pode ser que não é
5. 4
Não há sol
(Arnaldo Antunes)
não
há sol
a sós
Kipling revisitado
(José Paulo Paes)
se etc
se etc
se etc
se etc
se etc
se etc
se etc
serás um teorema
meu filho
6. 5
Se
(Rudyard Kipling – Trad. Guilherme de Almeida)
Se és capaz de manter tua calma, quando,
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!
7. 6
POESIA E PORRADA
(Frederico Barbosa)
DE TANTO TOMAR PORRADA
PEDRADA CUSPE TAPÃO
ENGOLIR SAPOS
COBRAS E LAGARTOS
MASCAR RANCOR
SACO ROTO DE PANCADAS
EU
INSULTO
CALEI.
E PETRIFIQUEI
RECUSA MUDA
FEITO COISA SÓ RES-
SACA SÓ SONO SÓ RES-
SENTIMENTO.
MINHA POESIA NADA RALA
QUE DE IRA SE IRRIGAVA
SECOU
ESQUECIDA E RARA.
SÓ LIA E NADA
IMPACTAVA.
TÉDIO RECATO TÉDIO
NOS VERSOS ALHEIOS.
E EU REPETIA FALAS SAGRADAS
ESTANTE ESTÉRIL
MOTE METRALHA
NO ESFORÇO
DE RELEMBRR
O INVERSO DO BOCEJO:
“ESTOU FARTO DO LIRISMO COMEDIDO”
“FERA PARA A BELEZA DISSO”
“TE ESCREVO FEZES”
“MAS AINDA NÃO É POESIA”
8. 7
E AGORA QUE IMPERA O CHATO
O GESTO ECO
O VERSINHO PRÉ-PARNASO
O CORRETO DITO CERTO
PÉ NO GESSO
REGRADO
PÉ NO SACO
DISPENSO A POSE POLIDA
E DISPARO PETARDOS
INCERTAS PEDRAS
CHUTES FERIDAS
DE PÉ DESCALÇO
ARRISCO SEM META
OU METRO ESTIMADO.
EU
INSULTO
REVOLTO O GESTO.
SOLTO MINHA ROCHA EM VERSOS
PEDRAS-DE-RAIO
ESTRELAS CADENTES
CHUVA DE METEOROS INDIGESTOS.
PORRADAS, VINDE: VOLTEI.
9. 8
sem título
(Paulo Leminski)
o paulo leminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhadaputa
de fazer chover
no nosso piquenique
sem título
(Paulo Leminski)
não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino
EPITÁFIO PARA UM BANQUEIRO
(José Paulo Paes)
n e g ó c i o
e g o
ó c i o
c i o
o
refrão
(Lau Siqueira)
os ventos são algazarras
do infinito
em nossos cabelos gris...
(bis)
10. 9
Soneto do brio passageiro
(Glauco Mattoso)
Às vezes, o ceguinho me ameaça:
“Bandido! Vai ver só! Peço socorro
e acaba essa mamata!” Mas eu morro
de rir: “Pedir socorro! Tinha graça!”.
Um tapa dou-lhe e obrigo que me faça.
no ato, uma chupeta: “Seu cachorro!
Engole! Sente o gosto!” O grosso jorro
da porra enche-lhe a boca, e a raiva passa.
Na hora de sair com minha mina,
aviso: “Volto tarde. Enquanto isso
você pensa no “irmão” que te domina!”.
Eu saio e o cego admite que é submisso
ao “mano”. Após cheirar minha botina,
delira, aflito, e a língua entra em serviço.
Masoquista
(Glauco Mattoso)
Político só quer nos ver morrendo
na merda, ao deus-dará, sem voz, sem teto.
Divertem-se inventando outro projeto
de imposto que lhes renda um dividendo.
São tão filhos da puta que só vendo,
capazes de criar até decreto
que obrigue o pobre, o cego, o analfabeto
a dar mais do que vinha recebendo.
Se a coisa continua nesse pé,
acabo transformado no engraxate
dum senador qualquer, dum zé mané.
Vou ser levado, a menos que me mate,
à torpe obrigação de amar chulé,
lamber feito cachorro que não late.
11. 10
o ninho do mendigo
(Paulo de Toledo)
o choro vem do fundo do lixo
dentro da lata de leite ninho
chamar de bicho seria um luxo
é isso aí
(Paulo de Toledo)
garrafa vazia de coca-cola light
pós-moderno travesseiro de ar do mendigo
dormindo seminu sob o poste sem luz
globalizado
(Paulo de Toledo)
a tv o mendigo olha
na tela o reflexo dele
desculpem a nossa falha
sem título
(Arnaldo Antunes)
Na noi te eu te mo eu te
amo e te ch
O te lefone do ho te l me
-te me-
do.
Do escuro do negro do breu da voz da noite vem
a tua voz.
Nas estrelas eu tre-
mo e me
a ti ro
a ti só a ti e a
tu: do.
12. 11
Vasto mundo
(Marco Lucchesi)
Ah mundo
vasto
que se devasta
e se condensa
de sonho
a sonho
Como quem lê
(Frederico Barbosa)
Virar a chave,
como quem lê uma página:
abrir por dentro,
libertar-se sendo.
Como quem se envolve na personagem,
lento.
Descobrir o além do sonho,
o impensado, o certo,
o mais que imaginado.
O que os olhos buscam cobrir
no sonho.
Ver em você, minha cara,
minha cara interpretada:
metade minha, metade clara.
13. 12
sem título
(Millôr Fernandes)
Passeio aflito;
Tantos amigos
Já granito
sem título
(Millôr Fernandes)
Espantalho:
Juventude demais
No país grisalho.
Pequena estética
(Sebastião Uchoa Leite)
eles dizem
que se deve defender a vida
é a mensagem deles
mas a morte
é tão metafórica
e sexy
é tesão certa
sem título
(Paulo Leminski)
aqui
nesta pedra
alguém sentou
olhando o mar
o mar
não parou
pra ser olhado
foi mar
pra tudo quanto é lado
14. 13
sem título
(Paulo Leminski)
eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora
quem está por fora
não segura
um olhar que demora
de dentro do meu centro
este poema me olha
Transpenumbra
(Paulo Leminski)
tempestade
que passasse
deixando intactas as pétalas
você passou por mim
as tuas asas abertas
passou
mas sinto ainda uma dor
no ponto exato do corpo
onde tua sombra tocou
que raio de dor é essa
que quanto mais dói
mais sai sol?
15. 14
sem título
(Paulo Leminski)
Amor, então,
também, acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.
L' affaire Sardinha
(José Paulo Paes)
O bispo ensinou ao bugre
Que pão não é pão, mas Deus
Presente em eucaristia.
E como um dia faltasse
Pão ao bugre, ele comeu
O bispo, eucaristicamente.
exílio
(José Carlos Capinan)
Minha terra tem fogueiras
Acesas na solidão
(Um exilado de Pedras
E cada vez mais distante
Se acende no coração
Gelada fogueira ausente
Estrangeiro São João)
Chet
(José Carlos Capinan)
Amor chato
Amor ingrato
Se vai com o Chet
Esquece os gatos
16. 15
motel orgatel
(Affonso Ávila)
amor humor não, oswald
amor marketing
sem título
(Edgard Braga)
pai nosso
nosso pão
osso nosso
pai
pão nosso osso
nosso nosso
pai
Sem título
(Carlos Ávila)
senha secreta
o poema
devora o poeta
Sem título
(Marco Lucchesi)
Seu corpo
Trama e destrama
A forma imponderável que nos rege
17. 16
Pavão
(Marco Lucchesi)
traz em seu porte
o lume
baço
das estrelas
e os sonhos
dúbios de Satã
(de tão subido
paraíso
essa vontade
imensa
de cair)
Jeans
(Frederico Barbosa)
A carne forçada
sob a calça jeans
quase explode
querendo sair.
O tecido vibra
fibra a fibra
trêmula grade
implodido jardim
Enquanto a carne
flora pura
implora em si
o elefante
(Sérgio de Castro Pinto)
a cor de pólvora que não explode
barril de pólvora mansa
apesar do pavio da tromba
18. 17
andorinha, andorinha
(Sérgio Castro Pinto)
A Maria Carolina, filha caçula
a andorinha anda
breve e mínima,
tão confusa e cheia
de ser fusa
ou semicolcheia
na pauta dos fios
de eletricidade,
que já chilreia
em alta voltagem.
Vã filosofia...
(Leila Míccolis)
Falas muito de Marx,
de divisão de tarefas,
de trabalho de base,
mas quando te levantas
nem a cama fazes...
Uma rosa, mais que uma rosa
(Antônio Mariano)
Uma rosa
não era uma rosa.
Batom extraviado
de Gertrude Stein
nos desjardins dos lábios?
19. 18
Angústia de um computador
(Antônio Mariano)
Por algum tempo pensei
que a língua fosse o mundo
e as ideias, pessoas.
Esperava um contato.
Não encontrei palavra.
Esperava um verbo
e encontrei solidão.
Consolo
(Antônio Mariano)
olho Marina
que é linda
e me põe em alvoroço
possuí-la
eu não posso
ah submarina sede
não menos linda
de torcer-lhe o pescoço
candura
(Lau Siqueira)
preciso morrer
de morte natural
pra que ninguém
possa supor
de que bem
é feito meu mal
20. 19
estribilho
(Lau Siqueira)
sempre tranquilo
na hora da morte
direi
licença
vou dar um cochilo
aos predadores da utopia
(Lau Siqueira)
dentro de mim
morreram muitos tigres
os que ficaram
no entanto
são livres
grafite
(Lau Siqueira)
morrer é quase
um imprevisto
morro sempre
quando penso
que não existo
?
(Lau Siqueira)
que luas são essas
sob a tua blusa
quem mais te viu
poeta e musa
21. 20
16 haicais de Saulo Mendonça
Por trás da retina...
essa menina
dos meus olhos!
Seca do sertão:
o boi muge
no pasto que o tempo urge
Copa do Mundo:
O coração perde a forma
Quando em bola se transforma.
Rio de minha vida:
no seu leito
deito e rolo.
Nua, deitada, lasciva
Quase adormecida
Estreia seu gemidos
Seis badaladas.
O sino dobrou a tarde:
e a tarde virou noite.
À tarde, no porto
eles se amavam
e ficavam a ver navios.
Tarde em Tambaú.
Restos de nuvens
são bailados de andorinhas.
22. 21
Relógio de meu pai.
Na parede, inerte,
fala-me de todas as horas.
Praia do Jacaré:
O sol cansado, deitou-se
E adormeceu nos braços-de-mar
Vestido molhado
colado nas coxas:
rio perene.
Tambaú. Uma estrela diz:
“Vai, Carlos,
ser” Carmen na vida.
Pintassilgo no terraço
cantando ao amanhecer.
Meu relógio de parede
Noite fria e escura.
Na memória acendo
o candeeiro de meu pai.
Noite de primavera.
Um fruto caiu no lago
e amassou a lua.
Estrelas no céu.
Duas, juntinhas, piscam:
amor antigo.
23. 22
Sol Syl
(Frederico Barbosa)
sorriso sem cor sorriso em sim sorriso em cor
aberto aberto ao certo
manha de mar manha de mar manha de mar
ondas de sim ondas de cor ondas de sim
ao certo ai certo inquieto
cristalizar cristalizar cristalizar
leve calor leve de mim leve calor
inquieto inquieto deserto
fibra no ar fibra no ar fibra no ar
ardor em mim calor ardor ardor em mim
deserto deserto repleto
deste sonhar de se sonhar de te sonhar
rio de sabor rio de sabor rio de sabor
repleto aberto completo
do teu olhar do teu olhar do teu olhar
A terceira margem do rio
(Caetano Veloso / Milton Nascimento)
Oco de pau que diz:
Eu sou madeira, beira
Boa, da val, tristriz
Risca certeira
Meio a meio o rio ri
Silencioso, sério
Nosso pai não diz, diz:
Risca terceira
Água da palavra
Água calada pura
Água da palavra
Água de rosa dura
Proa da palavra
Duro silêncio, nosso pai.
Margem da palavra
Entre as escuras duas
Margens da palavra
Clareira, luz madura
24. 23
Rosa da palavra
Puro silêncio, nosso pai.
Meio a meio o rio ri
Por entre as árvores da vida
O rio riu, ri
Por sob a risca da canoa
O riu viu, vi
O que ninguém jamais olvida
Ouvi, ouvi, ouvi
A voz das águas
Asa da palavra
Asa parada agora
Casa da palavra
Onde o silêncio mora
Brasa da palavra
A hora clara, nosso pai
Hora da palavra
Quando não se diz nada
Fora da palavra
Quando mais dentro aflora
Tora da palavra
Rio, pau enorme, nosso pai.
Dilata
(Otto)
Dilata, mulata, teus olhos dilata
só não me delete do seu coração, de lata, mulata
De lata, mulata, teus olhos dilata
só não me delete do seu coração, de lata, mulata
sandália de prata, vestido rodado,
a melhor, aquela que cuida de mim.
Dilata, mulata
De lata, mulata
Dilata, mulata
Quero dirigir o meu próprio destino
Quero amar essa mulher
25. 24
Escura a rua
(Paulo Leminski)
escura a rua
escuro
meu duro desejo
duro
feito dura
essa dura
donde
o poema
uma
esp
uma
doendo
ex
pl
ode