Este documento analisa os primeiros jornais femininos e feministas no Brasil no século XIX. Discute o cenário cultural e educacional da época, quando a educação das mulheres era limitada e elas eram vistas como inferiores. Também apresenta as principais publicações femininas da época e como elas começaram a defender os direitos das mulheres e servir como veículo para a expressão literária feminina.
1. Primeiras Histórias – O surgimento das imprensas
feminina e feminista no Brasil
Eugênia Melo Cabral∗
Índice Abstract
1 O Cenário 1 This text analyses, in an historical approach,
2 As Personagens 2 the cultural and social environment in which
3 O Texto 3 the first press directed to women were cre-
4 Conclusão 4 ated in Brazil and their function in women
5 Bibliografia 5 education. The beginning of feminist press
history is also retracted in a view of its
approach changing through time.
Resumo
Este trabalho analisa, em uma abordagem Keywords: Women Press, Feminist Press,
histórica, o ambiente cultural e social em Brazilian Journalism History, Communica-
que os primeiros veículos de imprensa tion and Gender.
feminina apareceram no Brasil e sua função
na educação da mulher. O início da história 1 O Cenário
da imprensa feminista brasileira também
é retratado discutindo sua mudança de Colonizado já no século XVI e negligenci-
abordagem através do tempo. ado pela metrópole por quase cem anos, o
Brasil do século XIX permanecia uma terra
Palavras-chave: Impressa feminina, Im- em sua grande parte erma. Havia poucas
prensa feminista, História do Jornalismo cidades de maior prestígio, nenhuma no in-
Brasileiro, Comunicação e Gênero. terior do país, e de vida cultural mais voltada
∗
a repetição de modas e notícias trazidas da
Jornalista graduada pela Universidade Federal do
Europa.
Ceará (UFC) com especialização em Assessoria de
Comunicação pela Universidade de Fortaleza (Uni- A formação intelectual não era preocu-
for) e em Teorias da Comunicação e da Imagem pela pação em uma colônia analfabeta que sofria
UFC. uma ocupação de exploração. LAJOLO
(1991) define a catequese dos índios pelos
jesuítas como o principal programa educa-
cional promovido pela administração por-
2. 2 Eugênia Melo Cabral
tuguesa na colônia americana durante os escreve que: “O século XIX foi um século de
séculos XVI e XVII. imprensa artesanal, das folhas tipográficas,
A situação melhora com a chegada, em que raramente ultrapassavam quatro páginas,
1808, da Família Real ao Rio de Janeiro, a maioria de curta duração”.
que tem que sofrer uma rápida transfor-
mação para dar ares europeus ao habitat da
2 As Personagens
nobreza. Porém, a Biblioteca Nacional, o
Jardim Botânico e a Imprensa Régia joga- O censo de 1872, aqui já citado, revela
dos de chofre em uma sociedade desconec- que, da população considerada alfabetizada,
tada do resto do mundo provocaram o que 1.012.097 são homens livres e 550.981 mul-
muitos autores consideram um “intelectual- heres livres. Até mesmo entre os escravos o
ismo de salão”, um verniz social copiado e número de homens letrados é o dobro do das
adaptado de Portugal e França. mulheres, 958 e 445 respectivamente.
E a pouca importância dada à educação Inicialmente, não era incentivado à mul-
perdurou mesmo assim. O censo de 1872 her ler pelos riscos que implicava de rece-
revela uma população de 10.112.061 habi- ber informações perniciosas ou comunicar-
tantes no país onde apenas 1.954.993 pes- se com rapazes. Depois, foi permitido às
soas sabiam ler e só havia 5.077 escolas moças que fossem ‘prendadas’. Elas rece-
primárias e secundárias (HAHNER, 1981, p. biam educação elementar e religiosa, algu-
32). Educação superior só se fosse nas uni- mas noções de língua estrangeira, bordado
versidades européias. e tarefas do lar. Às vezes, eram enviadas a
O início da produção literária nacional colégios internos dirigidos por religiosas até
é sofrido e padeceu de grande desvaloriza- a idade de serem apresentadas à sociedade
ção da parte dos brasileiros que preferiam em busca de um casamento vantajoso. Do
os autores estrangeiros. VASCONCELOS pai para o marido, a submissão era deslocada
(2005) afirma que “entre 1808 e 1822, o que e a obediência esperada era cega. Cabia a
se constata entre os livros publicados pela eles o papel de “protetores da inteligência e
Impressão Régia, é uma preponderância de da moral das mulheres” (MORAIS, 2002, p.
obras traduzidas do francês”. 68), seres limitados e intelectualmente infe-
A produção cultural ficou concentrada, riores aos homens.
principalmente no Rio de Janeiro. Mesmo os Foi por volta de 1870 que a revolução bur-
focos culturais que existiam não se comuni- guesa e o capitalismo ampliaram a atuação
cavam entre si, não havendo intercâmbio de da mulher na classe alta brasileira. “A par-
produção e unidade alguma na intelectuali- tir do século XVIII, a questão da educação
dade do país durante todo o Império. feminina acrescenta peso econômico à sua já
Quando as máquinas de imprensa foram notória dimensão ética, ao gerar virtuais con-
liberadas, a produção jornalística pululou. sumidoras de literatura” (LAJOLO, 1999, p.
Aqueles que tinham algo a dizer e din- 238). Foi descoberto e consolidado o seu
heiro para tanto montavam um jornal. Eles lado de consumidora, não apenas de jornais
costumavam ser efêmeros e marcados por e revistas, como em especial dos produtos
questões políticas. BUITONI (1981, p. 27) anunciados neles.
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3. Primeiras Histórias 3
Começa então um outro nível de cont- Bretanha em 1693 quando no Brasil ainda
role da educação feminina. Ficam reser- não havia chegado a imprensa. Mais de um
vados a elas a literatura de tom moral- século depois, aparece o primeiro veículo
ista e doutrinário e os romances folheti- dirigido ao público feminino que se tem
nescos. Essa literatura, dita feminina, notícia no nosso país. É o Espelho Dia-
era menosprezada e desqualificada pelos mantino (1827) que tratava de política, lit-
homens da época. Em 1902, o crítico eratura, belas-artes e moda.
literário José Veríssimo afirma que a in- A partir daí os títulos se sucedem pelo Rio
strução feminina não alcança a “grande lit- de Janeiro, Recife, e São Paulo. BUITONI
eratura” e o que elas lêem não pode ser (1981, p. 28) divide a imprensa feminina
considerado “grande literatura” por ser apre- do século XIX em dois grupos: “tradicional,
ciado por elas (LAJOLO, 1999, p. 244). que não permite liberdade de ação fora do lar
A sociedade permitia e incentivava ape- e que engrandece as virtudes domésticas e as
nas leituras que mantivessem a mulher no qualidades ‘femininas’ e a progressista, que
mesmo patamar em que ela se encontrava. defende os direitos das mulheres”.
Delimitava-se, assim, o espaço da leitura O primeiro é composto de jornais feitos,
feminina. A autora complementa: “No con- em sua maioria, por homens e com textos
junto, reforçavam o lugar social da mulher: que transitam entre moda, entretenimento e
sua educação por melhor que fosse, dirigia- serviços. Um dos principais foi O Cor-
se à ocupação deste papel, ao cumprimento reio das Moças, publicado no Rio de Janeiro
das tarefas de esposa e mãe” (LAJOLO, de 1839 a 1841. Em 1843, ele ganhou
1999, p. 257). uma continuação chamada O Espelho Flumi-
Muitos anos depois, quando ocorreu a en- nense (Todas as informações históricas são
trada feminina no mercado de trabalho, essa de BUITONI, 1991, p. 37 a 45).
imagem foi mantida e reverberada. As mul- Quando a Semana Illustrada, de Hen-
heres podiam ser professoras ou enfermeiras rique Fleiuss, surgiu em 1860 trazendo pela
(como educadoras e cuidadosas mães), não primeira vez ilustrações abriu-se um novo
podiam, porém, serem médicas ou advo- leque à imprensa feminina. Ela foi seguida,
gadas. Criou-se uma divisão de espaços em 1876, pela Revista Ilutrada, que alcançou
onde o homem era superior na área pública a marca de 4.000 exemplares, e pela Il-
enquanto na particular apenas a piedosa e lustração do Brasil, edição de luxo com
meiga mulher dominava. gravuras feitas em aço e cobre.
A instrução feminina foi então colocada A Revista Feminina foi a primeira publi-
como necessária à comunidade. As mulheres cação em estilo magazine no Brasil. Fun-
precisavam ser educadas para serem boas dada por Virgilina de Souza Salles em
mães e esposas e não para proveito próprio. 1914, teve colaboradores como Olavo Bilac,
Menotti del Piccha, Júlia Lopes de Almeida
e Presciliana Duarte e circulou por 22 anos.
3 O Texto
O precursor do grupo progressista foi o
O primeiro periódico feminino que se tem Jornal das Senhoras, fundado em 1852. Os
registro, Lady’s Mercury, foi lançado na Grã- historiadores divergem sobre a responsável
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4. 4 Eugênia Melo Cabral
inicial por ele. Foram editoras Cândida do eram utilizados para entretenimento, trocas
Carmo Souza Menezes e Violante Ataliba de idéias e informações entre as classes.
Ximenes de Bivar e Velasco. A autora do Os periódicos feministas começaram a levar
primeiro editorial e quem dirigiu o jornal as mulheres, em sua maioria de classe alta
por mais tempo foi Joana Paula Manso de e média, a repartirem experiências e orga-
Noronha. nizarem suas reivindicações. Além disso,
Estranhamente, o público alvo do Jornal “a imprensa feminina era um canal de ex-
das Senhoras não era o feminino e sim os pressão para as sufocadas vocações literárias
homens. Era usada uma linguagem per- das mulheres, principalmente no campo das
suasiva para convencê-los de que a mul- produções menores” (BUITONI, 1990, p.
her não era uma boneca-propriedade deles. 40).
Houve nessa época, uma troca de imagem. As mulheres participavam mandando ar-
A própria mulher reivindicava nos textos o tigos sem se identificarem. No Jornal das
papel de anjo e santa. Meigas e piedosas Senhoras, grande parte dos textos era anôn-
mães deveriam ser educadas para melhor en- ima. Mesmo quando os artigos passaram a
sinarem os filhos e administrarem a casa. ser assinados, o uso de pseudônimos ou ini-
Para elas, era preferível ser idealizada e vista ciais foi maioria entre as autoras. A escritora
como companheira a permanecer como ob- Virginia Woolf comentou em uma palestra
jeto da casa do pai ou do marido. um grupo feminista que a timidez e falta
O Jornal não atingiu seu objetivo tendo de segurança das mulheres na literatura era
sido alvo marcadamente de críticas de ambos o resultado da formação recebida ao longo
os sexos. “Embora impossível de avaliar ple- de toda a vida cujo objetivo era se tornar
namente, a reação aos apelos fervorosos de um “anjo da casa”, entidade de castidade e
O ‘Jornal das Senhoras’ parece incluir tanto benevolência com os homens reconhecendo
hostilidade masculina quanto timidez femi- sua inferioridade e complacência como mul-
nina” (HAHNER, 1981, p. 39). her (MORAIS, 2002, p. 70 e 71).
Outros periódicos feministas foram O Belo Sexo, de 1862, aparece regido por
Sexo Feminino (1875-1877), A Família Júlia d’Albuquerque Sandy Aguiar e traz
(1889-1897) e O Quinze de Novembro do mensagens mais sutis conclamando as mul-
Sexo Feminino (1890-1896). Com O Sexo heres a lutar pelo progresso nacional. Júlia
Feminino, de Francisca S. da M. Diniz fazia constantes referências à família e ao
que também era proprietária do Quinze de marido em seus textos, deixando sempre
Novembro, ocorreu uma mudança de alvo. claro que em primeiro lugar vinha sua
Desta vez, os textos esclareciam às mulheres família, entretanto ansiava por participar efe-
sobre sua condição na sociedade e seu poten- tivamente das grandes questões nacionais.
cial e ainda defendiam “a idéia essencial de
que a dependência econômica determinava a
4 Conclusão
subjugação feminina e de que uma educação
melhor poderia ajudar a elevar o status da Esses jornais eram usados em campanha pe-
mulher” (HAHNER, 1981, p. 55). los direitos das mulheres. Inicialmente di-
Fora da imprensa ideológica, os jornais reitos simples, tão elementares que, talvez,
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5. Primeiras Histórias 5
hoje não se consiga enxergar a amplitude do LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina.
que elas queriam e pelo que lutavam. O dire- A Formação da Leitura no Brasil. 3 a
ito de receber instrução completa e educação edição. São Paulo: Ática, 1999.
superior de forma digna, o direito de exercer
profissões quaisquer que desejassem, o dire- LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina.
ito de ler e escrever e, mais tarde, o direito A Leitura Rarefeita. São Paulo,
de exercer o voto. Brasiliense, 1991
À medida que o século XX passava era MORAIS, Maria Arisnete Câmara de. As
maior a consciência feminina de que não per- Leituras das Mulheres no séc. XIX Belo
tencia ao lugar em que os homens as colo- Horizonte : Autêntica, 2002.
cavam. Algumas não queriam mudanças na
conjuntura das famílias. Outras queriam o VASCONCELOS, Sandra Guardini
direito de dizer não ao marido que o pai lhe Teixeira de. Formação do ro-
impôs. mance brasileiro: 1808-1860 (ver-
O surgimento da imprensa feminina no tentes inglesas). Texto disponível
Brasil respondeu a uma necessidade da bur- no site: http://www.unicamp.br/i
guesia de elevar o nível das mulheres de el/memorial/Ensaios/Sandra/sandra.htm
sociedade e à necessidade das mulheres de Hamlet the Brazilian Way (Machado,
exprimirem suas queixas e reivindicações. Reader of Shakespeare). Portuguese
Logo, os movimentos feministas se apropri- literary & cultural studies, v. 13/14, p.
aram desses mesmos canais. Os periódi- 129-138, 2005.
cos eram a voz de todo um gênero em uma
sociedade patriarcal onde até hoje, não só
a mulher como todos que apresentam dis-
cordâncias ou diferenças da etnia dominante
lutam para serem ouvidos e para fazer valer
o direito de igualdade entre os indivíduos.
5 Bibliografia
BUITONI, Dulcília Schoeder. Imprensa
Feminina. 2 a ed. São Paulo: Ática,
1990.
BUITONI, Dulcília Schoeder. Mulher de Pa-
pel. São Paulo: Edições Loyola, 1981.
HAHNER, June E. A Mulher Brasileira e
Suas Lutas Sociais e Políticas: 1850-
1937. São Paulo: Editora Brasiliense.
1981.
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