Murilo Mendes foi um poeta modernista brasileiro. Seu primeiro livro foi publicado em 1930 e trouxe poemas com sátira, piadas e religiosidade. Seus poemas caracterizavam-se pela criatividade em associar religião e sensualidade, além de ordenar o caos através da poesia.
1. COMPONENTE CURRICULAR: Língua Portuguesa,
3ª Ano - Tópico: A Literatura Modernista de 30: poesia
MURILO MENDES
Imagem:
Ismael
Nery
/
Retrato
de
Murilo
Mendes,
1922
/
Domínio
Público.
2. Murilo Monteiro Mendes era filho de Onofre Mendes e
Eliza M. de Barros Mendes. Fez seus primeiros estudos em
Juiz de Fora e, depois, no Colégio Salesiano de Niterói. Seu
primeiro livro, "Poemas", foi publicado em 1930, com o
qual ganhou o prêmio Graça Aranha. No mesmo ano já saiu
"Bumba-meu-Poeta" e, em 1933, "História do Brasil".
Entre as principais obras de Murilo estão História do Brasil
(1932), A poesia em pânico (1938), O visionário (1941), e As
metamorfoses (1944) .
3. Características dos seus poemas: sátira / poemas- piada /
poesia religiosa / “Tempo e Eternidade” (parceria com
Jorge de Lima) / consciência do caos / ordena o caos:
lógica, criatividade, libertação do trabalho poético).
No Poema espiritual , pode-se observar a criatividade de
Murilo Mendes, capaz de elaborar imagens que associam
religiosidade e sensualidade (“Na Igreja há pernas, seios,
ventres e cabelos”) .
4. A GRAÇA
Desaba uma chuva de pedras, uma enxurrada de estátuas de ídolos
caindo, manequins descoloridos, figuras vermelhas se desencarnando
dos livros que encerram as ações dos humanos.
E o meu corpo espera sereno o fim deste acontecimento, mas a
minha
alma se debate porque o tempo rola, rola.
Até que tu, impaciente, rebentas a grade do sacrário; e me estendes
os braços: e posso atravessar contigo o mundo em pânico.
E o arco-de-Deus se levanta sobre mim, criação transformada.
5. Poema espiritual
Eu me sinto um fragmento de Deus
Como sou um resto de raiz
Um pouco de água dos mares
O braço desgarrado de uma constelação.
A matéria pensa por ordem de Deus,
Transforma-se e evolui por ordem de Deus.
A matéria variada e bela
É uma das formas visíveis do invisível.
Cristo, dos filhos do homem és o perfeito.
6. ETERNIDADE DO HOMEM
Abandonarei as formas de expressões finitas,
Abandonarei a música dos dias e das noites,
Abandonarei os amores improvisados e fáceis,
Abandonarei a procura da ciência imediata
Serei a testemunha de um mundo que caiu,
Até que te manifestes na tua Parusia*.
Aceitarei a pobreza para que me dês a plenitude,
Aceitarei a simplicidade para que me dês a multiplicidade,
Descerei até o fundo da mina do sofrimento
Para que um dia me apontes o céu da paz.
Minha história se desdobrará em poemas:
Assim outros homens compreenderão
Que sou apenas um elo da universal corrente
Começada em Adão e a terminar no último homem.
*a segunda vinda de Jesus Cristo à Terra
7. Na Igreja há pernas, seios, ventres e cabelos
Em toda parte, até nos altares.
Há grandes forças de matéria na terra no mar
e no ar
Que se entrelaçam e se casam reproduzindo
Mil versões dos pensamentos divinos.
A matéria é forte e absoluta
Sem ela não há poesia.
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8. • Reflexão n°.1
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
Nem ama duas vezes a mesma mulher.
Deus de onde tudo deriva
E a circulação e o movimento infinito.
Ainda não estamos habituados com o mundo
Nascer é muito comprido.
9. • O utopista
Ele acredita que o chão é duro
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
Que só de pão vive o homem
Que não há um outro mundo.
10. • A mãe do primeiro filho
Carmem fica matutando
no seu corpo já passado.
— Até à volta, meu seio
De mil novecentos e doze.
Adeus, minha perna linda
De mil novecentos e quinze.
Quando eu estava no colégio
Meu corpo era bem diferente.
Quando acabei o namoro
Meu corpo era bem diferente.
Quando um dia me casei
Meu corpo era bem diferente.
Nunca mais eu hei de ver
Meus quadris do ano passado...
A tarde já madurou
E Carmem fica pensando.
11. • Somos todos poetas
Assisto em mim a um desdobrar de planos.
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do
cego,
Pelos gritos isolados que não entraram no coro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.
• In: A poesia em pânico. Rio de Janeiro, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938.