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1
Universidade Feevale
Mestrado em Processos e Manifestações Culturais
ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA
O GRAFITE E SUA TRAJETÓRIA DA RUA PARA A INSTITUIÇÃO CULTURAL
Novo Hamburgo
2011
2
Universidade Feevale
Mestrado em Processos e Manifestações Culturais
ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA
O GRAFITE E SUA TRAJETÓRIA DA RUA PARA A INSTITUIÇÃO CULTURAL
Trabalho de Conclusão apresentado
ao Mestrado em Processos e
Manifestações Culturais como
requisito para a obtenção do título de
mestre em Processos e
Manifestações Culturais.
Orientadora: Profa. Dra. Lurdi Blauth
Novo Hamburgo
2011
3
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
Bibliotecária responsável: Susana Fernandes Pfarrius Ladeira – CRB 10/1484
Possa, Andréa Christine Kauer
O grafite e sua trajetória da rua para a instituição cultural /
Andréa Christine Kauer Possa. – 2011.
125 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Processos e Manifestações Culturais) –
Feevale, Novo Hamburgo-RS, 2011.
Inclui bibliografia.
“Orientadora: Profª. Drª. Lurdi Blaut”.
1. Grafite. 2. Arte de rua. 3. Manifestação artística. 4. Cultura.
I. Título.
CDU 73.04:546.26-162
4
Universidade Feevale
Mestrado em Processos e Manifestações Culturais
ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA
O GRAFITE E SUA TRAJETÓRIA DA RUA PARA A INSTITUIÇÃO CULTURAL
Trabalho de Conclusão de mestrado aprovada pela banca examinadora em
11 de Janeiro de 2012, conferindo ao autor o título de mestre em Processos e
Manifestações Culturais.
Componentes da Banca Examinadora:
Profa. Dra. Lurdi Blauth. (Orientadora)
Universidade Feevale.
Profa. Dra. Elaine Tedesco.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
– UFRGS.
Profa. Dra. Rosa Maria Blanca.
Universidade Feevale.
5
ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA
Trabalho de Conclusão do Mestrado em Processos e Manifestações
Culturais, com título O Grafite e sua Trajetória da rua para a Instituição Cultural,
submetido ao corpo docente da Universidade Feevale, como requisito para obtenção
do grau Mestre.
Aprovado por:
_________________________
Profa. Dra. Lurdi Blauth (Orientadora)
_________________________
Profa. Dra. Elaine Tedesco (Banca Examinadora)
_________________________
Profa. Dra. Rosa Maria Blanca. (Banca Examinadora)
Novo Hamburgo, 11.01.2012.
6
DEDICATÓRIA
Dedicado ao meu querido sobrinho Enrico, por ser
fonte de alegria em todos os momentos; por reforçar em
mim, que a fé na vida realmente move montanhas e por
mostrar com seus pequeninos gestos e palavras de quem
está descobrindo o Mundo, que um futuro melhor é
possível de ser concretizado.
7
AGRADECIMENTOS
Em especial à minha orientadora, Profa. Dra. Lurdi
Blauth, que soube ensinar e me orientar na direção
correta, mostrando-se sensível e dedicada a sua profissão
e aos seus alunos, assim como para que o meu
crescimento fosse possível e que se perpetue, por ser
fonte de inspiração pessoal, o que me motiva a querer
continuar e melhorar.
A oportunidade oferecida pela Universidade
FEEVALE e ao departamento de Pós-graduação Stricto
Sensu e a analista administrativa Camila Barth Paiva,
sempre disponível para nos orientar em nossas dúvidas.
Ao Mestrado em Processos e Manifestações
Culturais, em especial a coordenadora Profa. Dra. Paula
Puhl pela carinhosa acolhida e aos demais docentes e
colaboradores em qualificar o meu conhecimento
acadêmico de modo que eu possa almejar novos
objetivos e disseminar o aprendizado recebido.
Aos colegas de Mestrado pela oportunidade de tê-
los conhecido e convivido, sendo preciosa a troca de
conhecimento na diversidade de áreas que
representavam.
Aos amigos, familiares, colegas de trabalho e
demais pessoas pela compreensão de minha ausência
em diversas atividades e pelo incentivo na realização
deste curso.
À minha amada irmã Viviane por sua paciência nas
horas de angústia; por seu incentivo nos momentos em
que se pensou desistir de tudo e por seu carinho em
todos os tempos deste caminhar.
Ao meu cunhado Edgar que acreditou na minha
capacidade e investiu nos meus estudos.
8
Figura 01
Titi Freak, Convite ao artista para produção in loco, 2008. Foto: Fabio Del Re.
“Desde a pré-história, o homem
come, fala, dança e graffita” .
Maurício Villaça
9
RESUMO
Este estudo investiga o grafite enquanto manifestação artística e analisa a
transformação em seus aspectos estéticos, sociais e ideológicos, tendo como
referência a mostra TRANSFER ocorrida na cidade de Porto Alegre no ano de 2008.
Esta mostra reascendeu posicionamentos sobre o que é a arte erudita e o que é a
arte urbana, evidenciando, a partir da diferença, sua identidade e o deslocamento do
grafite para as instituições culturais, quando este sofre ameaça à integridade de sua
identidade, incitando o preconceito pelos próprios artistas/produtores desta arte de
rua. Para melhor ambientar este fato, há o interesse de se fazer registrar a trajetória
do grafite da rua aos centros culturais, buscando sublinhar seus contrastes
ideológicos. Como referência utiliza-se autores como Nestor Garcia Canclini, Roque
de Barros Laraia, Stuart Hall, Peter Burke, Celso Gitahy, João J. Spinelli e Cliffort
Geertz.
PALAVRAS-CHAVES: Manifestação artística. Grafite. Arte Urbana. Cultura.
Instituições Culturais.
10
ABSTRACT
This study has as objective to investigate the graffiti as artistic expression and to
analyze their expression and transformation in urban art - as a means of aesthetic
manifestations, social and ideological with reference to the exhibit TRANSFER -
urban culture - contemporary art - transfers - changes - occurred in the city Porto
Alegre in 2008. This shows reignited positions about what is high art and what is folk
art, highlights from the difference, identity, carved by socio-cultural acceptance. The
displacement of graphite for cultural institutions (public and private) is a remarkable
point in this study, graphite suffers when the threat to the integrity of his identity by
encouraging prejudice themselves artists/producers in the street art. To better
context to this fact, there is interest to do record the trajectory of the graffiti from the
streets to the cultural and vice versa, trying to emphasize their ideological conflict. Is
used as reference authors like Nestor Canclini, Roque de Barros Laraia, Stuart Hall,
Peter Burke, Celso Gitahy, João J. Spinelli and Cliffort Geertz.
KEYWORDS: Demonstration art. Graffiti. Street art. Culture. Cultural Institutions.
11
ÍNDICE DAS FIGURAS
Figura 01. Titi Freak, Convite ao artista para produção in loco, 2008. Foto:
Fabio Del Re. Impresso em fonte: TRANSFER – cultura urbana. arte
contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre:
Santander Cultural, 2008, p. 17.
Figura 02. Vaso grego no “Estilo de Figuras Negras”, com Aquiles e Ajax
jogando damas. Assinado por Exekias. Cerca de 540 a.C. Museu do
Vaticano. Impresso em fonte: GOMBRICH, E.H. A História da Arte.
15ª Ed. LTC Editora: Rio de Janeiro, RJ, p. 50.
Figura 03. Capa da revista Vista Skateboard Art, de Setembro/Outubro 2008,
nº 20.
Figura 04. Coletivo Shoot the Shit, “PORTO ALEGRE PRECISA DE MAIS
_______”. Impresso em fonte: Jornal ZERO HORA de 31.10.2011,
p. 5.
Figura 05. Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão
diferentes, tão atraentes? (1956), Colagem, 26 x 25 cm, Kunsthalle
Tübingen, Coleção Prof. Dr. Georg Zundel. Impresso em fonte:
McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.São Paulo:
Cosac Naify, 2002, p. 07.
Figura 06. James Rosenquist, F-111 (1965), Óleo sobre tela com alumínio,
304,8 x 2.621,3 cm, Museum of Modern Art, Nova York. Impresso
em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.
São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.72.
Figura 07. Richard Hamilton, Eu te amo com meu FORD (1961), Óleo sobre
tela, 86,4 x 91,4 cm, Moderna Museet, Estocolmo. Impresso em
fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São
Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 33.
Figura 08. Roy Lichtenstein, Whaam! (1963), Óleo e magna sobre tela, 172,7 x
406,4 cm, Tate Gallery. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte
Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.
60.
12
Figura 09. Andy Warhol, Caixa de sabão Brillo (1964), Polímero sintético e
serigrafia sobre madeira, 43,2 x 43,2 x 35,6 cm, Coleção particular.
Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução:
Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.25.
Figura 10. Andy Warhol, Dezesseis Jackies (1964), Tinta acrílica e esmalte
sobre tela, 204,3 x 163,6 cm, Walker Art Center, Minneapolis.
Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução:
Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 45.
Figura 11. Andy Warhol, Cadeira Elétrica (1964), Serigrafia e acrílico sobre
tela, 56,2 x 71,1 cm, Tate Gallery. Impresso em fonte: McCARTHY,
David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify,
2002, p. 71.
Figura 12. Foto a esquerda de Michael Heizer, Double Negative [Duplo
Negativo], 1969. Disponível em
http://www.terramagazine.terra.com.br acessado em 26.05.2011;
Foto ao centro de Robert Smithson, Spiral Jetty [Píer ou Cais
Espiral], 1970. Disponível em www.iconia.com.br acessado em
26.05.2011; Foto a direita de Walter de Maria, The Lightning Field [O
Campo dos Raios], 1977. Disponível em www.sinprorp.org.br
acessado em 24.05.2011.
Figura 13. Obras de Maurício Villaça. Impresso em fonte: Capa do livro
GITAHY, Celso. O que é graffiti. São Paulo: Brasiliense, 1999 e
disponível em http://fabriciosecchin.blogspot.com, acessado em
07.11.2011.
Figura 14. Acima: Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80), 31,5 x 18 cm; Alex
Vallauri, Peixe – s.d. (déc. 80), 36,8 x 26,5 cm; Abaixo: Alex Vallauri,
Sem título – s.d. (déc. 80), 18 x 31,5 cm; Alex Vallauri, Bota – 1978,
60 x 31 cm. Matrizes de grafite (pintura sobre cartão). Impresso em
fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos
estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação,
2010, p. 74.
Figura 15. Beira riacho Ipiranga e Laçador, ambos em Porto Alegre. Disponível
respectivamente em http://depositomaia.blogspot.com e
http://portoimagem.wordpress.com.
Figura 16. Lídia B., Nós. Disponível em www.flickr.com/photos/huanita
acessado em 17.06.2010.
13
Figura 17. Disponível em http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/2010/07/local-de-atropelamento-de-rafael-nao-foi-
preservado-diz-delegada.html Foto de Bernardo Tabak/G1 acessado
em 21.07.2010.
Figura 18. Grafites de Trampo. Disponível em www.graffitiartmaps.com.br
acessado em 17.06.2010.
Figura 19. Pedro Gutierres, Meio homem – meio porco. Disponível em
www.flickr.com/photos/pedrogutierres acessado em 27.07.2010.
Figura 20. Grupo Beco RS. Disponível em http://www.flickr.com/photos/becors
acessado em 27.07.2010.
Figura 21. Grafite de Os Gêmeos. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O
mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins
Fontes, 2010, p. 85.
Figura 22. Grafite de Vitché. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes,
2010, p. 119.
Figura 23. Grafite de Nina. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes,
2010, p. 83.
Figura 24. Grafite de Herbert. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo
do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes,
2010, p. 65.
Figura 25. Binho, A Barata. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes,
2010, p. 34.
Figura 26. Grafite de Binho. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes,
2010, p.35.
Figura 27. Grafite de Does. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes,
2010, p. 57.
14
Figura 28. Grafite de Caru. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do
grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes,
2010, p. 45.
Figura 29. Keith Haring. Impresso em fonte: ARRUDA, Jacqueline;
VENTRELLA, Roseli. Projeto Educação para o século XXI, p. 27.
Figura 30. Keith Haring, Desenho do metropolitano (1985). Giz sobre papel.
Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005,
p. 21.
Figura 31. Keith Haring, Sexo Seguro (1988). Acrílico sobre tela, 305 x 305 cm.
Nova York, Patrimônio de Keith Haring. Impresso em fonte:
KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 56.
Figura 32. Keith Haring, Ignorância = Medo, Silêncio = Morte (1989). Cartaz, 61
x 110 cm. Nova York, Patrimônio de Keith Haring. Impresso em
fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 71.
Figura 33. Keith Haring, Sem Título (1988). Tinta Sumi sobre papel, cada 57 x
76 cm e 76 x 57 respectivamente. Coleção particular. Cortesia da
galerie Hans Mayer, Düsseldorf, Alemanha. Impresso em fonte:
KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 77.
Figura 34. Keith Haring, Tuttomondo (1989). Mural, Igreja de Sant‟Antonio,
Pisa, Itália. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring.
Taschen, 2005, p. 90.
Figura 35. Alex Vallauri. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri -
Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP:
BEI Comunicação, 2010, p. 101.
Figura 36. Esquerda: Alex Vallauri, Sem título (releitura) – s.d. (déc. 70),
Litografia, p.a., 60 x 40 cm. Direita: Alex Vallauri, For Friends
(releitura) – s.d. (déc. 70), Xilogravura, p.a., 49 x 33,9 cm. Impresso
em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos
estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação,
2010, p. 26.
Figura 37. Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 70). Xilogravura, p.a., 44 x 26,5
cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti -
15
fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI
Comunicação, 2010, p. 47.
Figura 38. Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 70). Gravura em metal, p.a., 29
x 24,5 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri -
Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP:
BEI Comunicação, 2010, p. 84.
Figura 39. Alex Vallauri, Sem título (street art, Tomkins Park, Nova York) – s.d.
(déc. 80). Grafite, 300 x 200 cm. Impresso em fonte: SPINELLI,
João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do
grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 100.
Figura 40. Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80). Grafite – recorte, detalhe,
80 x 100 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri -
Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP:
BEI Comunicação, 2010, p. 133.
Figura 41. Alex Vallauri, Acrobatas (1982). Serigrafia, p.a., 67,5 x 68,2 cm.
Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Doação de
Suzanna Sassoun. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex
Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no
Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 82.
Figura 42. Alex Vallauri, Detalhes da instalação A Festa na casa da Rainha do
Frango Assado (1985). Grafite sobre madeira. Impresso em fonte:
SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do
pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 138-
143.
Figura 43. Capa do livro TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea –
transferências – transformações. Porto Alegre: Santander Cultural,
2008.
Figura 44. Capa do Programa de Atividade Simultânea “Viva o Centro –
Circuito de Arte Urbana”.
Figura 45. Esquerda: Cezar Gordo. Foto por: Alex Brandão, fotografia colorida,
2008. Manobra: Flip transfer, Local: Porto Alegre. Acervo do
fotógrafo. Direita: Guilherme Zolin, Foto por: Alex Brandão,
fotografia colorida, 2008. Manobra: Switchstance crooked grind
reverse, Local: Porto Alegre. Acervo do fotógrafo. Impresso em
16
fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea.
transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural,
2008, p. 101 e 103.
Figura 46. Capa do livro TRANSFER: arte urbana & contemporânea:
transferências & transformações. São Paulo: Conceito Consultoria
em projetos Culturais: Editora ZY, 2011.
Figura 47. Kboco, Convite ao artista para produção in loco (2008). Foto: Fabio
Del Re. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte
contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre:
Santander Cultural, 2008, p. 27.
Figura 48. Lauro Roberto, Sem título (1999-2006). Raspagem sobre tetrapak.
Acervo do artista. Foto: Fabio Del Re. Impresso em fonte:
TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências.
transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 59.
Figura 49. Yury Hermuche, Perigondas (1997). Fanzine. Coleção Fabio
Zimbres. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte
contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre:
Santander Cultural, 2008, p. 62.
Figura 50. Bruno 9li, ZN na Meta (2008). Técnica mista sobre papel. Acervo do
artista. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte
contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre:
Santander Cultural, 2008, p. 32-33.
17
SUMÁRIO
ÍNDICE DAS FIGURAS..............................................................................................10
RESUMO....................................................................................................................08
ABSTRACT................................................................................................................09
INTRODUÇÃO...........................................................................................................17
1 GRAFITE: CONSIDERAÇÕES CULTURAIS ENTRE O ERUDITO E O POPULAR
..................................................................................................................................23
1.1 ARTE URBANA, ESPAÇO PÚBLICO E A PRESENÇA DO GRAFITE...........29
1.2 O GRAFITE E A INSERÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS...................376
2 ARTE URBANA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS ...........................................432
2.1 GRAFITE OU PICHAÇÃO?.........................................................................554
2.2 GRAFITE E SUAS MANIFESTAÇÕES ESTÉTICAS E CULTURAIS.............60
2.3 MANIFESTAÇÕES NÃO TÃO MARGINAIS ASSIM ....................................665
2.3.1 GRAFITEIROS DE RENOME: KEITH HARING E ALEX VALLAURI .. 74
2.4 OUTROS EVENTOS EM GRAFITE .............................................................. 84
3 MOSTRA TRANSFER/RS E O ESPAÇO INSTITUCIONAL................................887
3.1 ARTISTAS GRAFITEIROS DA TRANSFER/RS..........................................932
3.2 DEPOIMENTOS, REGISTROS E ANALOGIAS VISUAIS COM A POP ART
................................................................................................................................976
3.3 GRAFITE: COMUNICAÇÃO E INSERÇÃO INSTITUCIONAL .................11110
CONCLUSÃO ............................................................................................................118
REFERÊNCIAS .........................................................................................................120
18
INTRODUÇÃO
A mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências
– transformações - ocorrida em 2008, na cidade de Porto Alegre, foi muito
significativa para iniciar as investigações sobre a temática artística do grafite. Esta
mostra teve como proposta apresentar num centro cultural, considerado erudito,
uma diversidade de manifestações artísticas provenientes de movimentos populares
que ocorrem no espaço urbano, como o skate, hip hop e o grafite.
Neste estudo pretende-se abordar, em especial, a arte do grafite, cujas
manifestações se originaram nas paredes e muros da cidade, situando-se na
marginalidade, fora dos espaços culturais instituídos pela sociedade. Porém, esta
arte marginal, gradativamente, começou a ser considerada arte urbana,
principalmente pela inserção de obras de alguns artistas em espaços da cultura
erudita, como galerias de arte, centros culturais, mostras e museus.
A exposição TRANSFER é abordada como referência para exemplificar a
passagem de manifestações provenientes da arte de rua migrando para um espaço
expositivo cultural. Embora estivessem presentes outros segmentos como o skate,
hip hop, fanzines, etc., o enfoque de reflexão é direcionado para as produções da
arte dos grafiteiros. Interessam seus componentes artísticos e suas percepções
estéticas e culturais a respeito da arte urbana e do grafite, inseridos em espaço
reconhecido culturalmente. Inclusive, este último sendo contestado por alguns, nem
todos, uma vez que, certo número de artistas grafiteiros consideram esta arte como
manifestação estritamente do espaço urbano, enquanto outros estão abandonando
a rua para produzir suas obras em ateliers (como é o caso de Bruno 9li).
Nesse sentido surge o questionamento: porque o grafite em instituições
culturais não possui reconhecimento tanto quanto o grafite de rua pelos próprios
grafiteiros? Quais as diferenças manifestadas nesta abordagem? Enquanto arte
urbana, o grafite é reconhecido por seus membros (grafiteiros) de maneira
satisfatória. Porém, quando esta arte invade museus, instituições culturais e
galerias; perde sua identidade, tornando-se para os grafiteiros apenas uma obra
com a aplicação da técnica do grafite, mesmo que seja cópia fiel do exposto na rua.
Para fundamentar esta abordagem necessitamos de maiores esclarecimentos a
19
este respeito, o que faremos através de entrevistas aos grafiteiros de diversos
segmentos, tanto dos que participaram da mostra ou não.
Este trabalho tem como propósito principal abordar aspectos estéticos,
sociais e ideológicos do grafite como arte urbana e sua inserção em espaços
culturais considerados eruditos, analisando as suas diferenças.
O presente trabalho também tem como finalidade: 1. Problematizar o termo
cultura e as diferenças conceituais entre o erudito e o urbano; 2. Analisar os
aspectos estéticos, sociais e ideológicos do grafite, a partir de espaços
considerados culturais; 3. Realizar uma revisão bibliográfica sobre o grafite e a arte
urbana presente em alguns estados brasileiros como Rio Grande do Sul e São
Paulo; 4. Realizar entrevistas com artistas grafiteiros tendo por intenção a exposição
de seus pensamentos acerca do grafite enquanto arte urbana e do grafite quando
levado às instituições culturais; 5. Refletir sobre o trânsito do grafite proveniente das
ruas para os centros culturais, tendo como referência a mostra TRANSFER - cultura
urbana - arte contemporânea – transferências - transformações ocorrida no
Santander Cultural Porto Alegre, no ano de 2008 e 6. Selecionar imagens do
trabalho de alguns artistas do grafite que são referência no segmento da arte urbana
e que participaram da mostra TRANSFER e fazer analogias com o movimento
inspirador – Pop Art – de muitos destes artistas.
O estudo dos acontecimentos estéticos, sociais e ideológicos deste
movimento artístico justifica a realização do trabalho, pois a arte urbana vem
tomando proporções cada vez maiores no mundo, refletindo também em Porto
Alegre. Dessa forma propõe-se analisar como se deu a passagem de uma
manifestação artística proveniente das ruas para a sua institucionalização e
aceitação como arte, contribuindo, com mais este conhecimento, nesta área,
escassa de uma bibliografia específica.
Analisaremos estes conceitos estéticos e as manifestações artísticas
anteriormente mencionadas, e faremos relações com o grafite/arte urbana, através
do artista plástico e grafiteiro Celso Gitahy, assim como de João J. Spinelli, em
contrapartida com teóricos em outras áreas (da comunicação, sociologia,
antropologia e filosofia), como Nestor Garcia Canclini, Stuart Hall, Peter Burke e
Cliffort Geertz.
20
Para este estudo adotaremos dois métodos de procedimento adequado para
as investigações e pesquisas acima mencionadas. Partindo da concepção segundo
Prodanov e Freitas (2009, p. 33) de que:
[...] método é um procedimento ou caminho para alcançar determinado fim
[...] a finalidade da ciência é a busca do conhecimento, [...] o método
científico é um conjunto de procedimentos adotados com o propósito de
atingir o conhecimento.
Neste processo em busca do conhecimento, dentre os diversos métodos de
procedimentos – meios técnicos da investigação (histórico, experimental,
observacional, comparativo, estatístico, clínico e monográfico), nosso estudo
enquadra-se nos métodos: comparativo e monográfico. Conforme Prodanov e
Freitas (2009, p. 46) “nem sempre um método é adotado rigorosa ou
exclusivamente. [...] porque nem sempre um único método é suficiente para orientar
todos os procedimentos a serem desenvolvidos ao longo da investigação”.
O método comparativo segundo Prodanov e Freitas (2009, p. 47):
procede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou fatos, com
vistas a ressaltar as diferenças e as similaridades entre eles. [...] centrado
em estudar semelhanças e diferenças, esse método realiza comparações
com o objetivo de verificar semelhanças e explicar divergências.
Sendo assim, o presente estudo investiga fenômenos ou fatos (no nosso
caso, o grafite e a mostra TRANSFER), ressaltando suas semelhanças e diferenças;
analisando e comparando com dados concretos (grafite/arte urbana, cultura erudita
e popular, concepções artísticas, instituições culturais).
Enquadra-se aqui, o método monográfico devido ao grafite –
especificamente seu grupo (cultura/arte urbana) em relação à sociedade (cultura
erudita) -, relacionando-o à mostra TRANSFER – referenciando a cultura e a
instituição cultural - ser também um estudo de caso, examinando o tema central (o
grafite) e observando os fatores que o influenciam, analisando-o em seus aspectos
estéticos, sociais e ideológicos.
Consideraremos para a realização desta pesquisa diversos meios no
levantamento de informações e ordenação/redação da argumentação como a
revisão bibliográfica sobre alguns movimentos artísticos ocorridos na modernidade,
no início do século XX, e, que provocaram mudanças significativas em relação à
21
incorporação de elementos do cotidiano nas obras. Incluiremos também nesta
pesquisa, o livro sobre a mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea –
transferências – transformações, a fim de investigar suas trajetórias artísticas na rua
e nos espaços culturais; a pesquisa bibliográfica em livros, artigos, revistas
especializadas no assunto como a Vista Skateboard Art; folders do evento, incluindo
o Programa de Atividade Simultânea “Viva o Centro – Circuito de Arte Urbana”;
entrevistas com artistas grafiteiros; além de periódicos sobre o grafite, a cultura
urbana e cultura erudita, entre outros.
O primeiro capítulo trata especificamente da cultura urbana e sua
contextualização, evidenciando questões como hibridismo entre a cultura erudita e
urbana; assim como as oposições e aproximações entre o erudito e o popular
segundo Canclini, Peter Burke, Geertz, Thompson e Laraia, remetendo ao grafite e
ao multiculturalismo.
O capítulo seguinte aborda antecedentes históricos da arte; a diferenciação
entre grafite e pichação; apresentando também alguns artistas grafiteiros, sendo
estes considerados os precursores nesta arte. Sendo precária a bibliografia sobre
este tema, acolheremos as concepções de Celso Gitahy e João J. Spinelli, assim
como teses e monografias encontradas a este respeito.
As questões acima citadas já surgiram em períodos anteriores da
humanidade. Assim sendo, pretende-se enfatizar um movimento de vanguarda, com
suas inquietações em relação à arte pela arte; considerando quando Marcel
Duchamp, com os seus readymades descontextualiza um objeto e o insere no
espaço que é respeitado, socialmente, próprio para obras de arte e também a Pop
Art, que, segundo Artur C. Danto (2006, p. 134) “[...] em meu ponto de vista, o
movimento de arte mais crucial do século”. Neste contexto, pode-se questionar:
porque um objeto que não é arte foi aceito? Isto não ocorre também com o grafite?
Quais seriam essas diferenças?
Em sentido inverso, almeja-se abordar a Land Art – arte que utiliza o terreno
natural, em vez de prover o ambiente para uma obra de arte, é ele próprio
trabalhado de modo a integrar-se à obra; movimentos estes que saem dos museus
para ocupar o espaço urbano, questionando se a arte devia estar dentro ou fora das
galerias, museus ou outras instituições culturais. Como o público poderia apreciar
uma obra que acontece apenas num dado momento, numa intervenção efêmera,
numa paisagem de difícil acesso? Quais os dispositivos utilizados pelos artistas para
22
que se tenha conhecimento destas obras? E ainda, apresentaremos algumas
notícias que foram destaque no Brasil e no Mundo a respeito do grafite, como meio
de podermos vislumbrar sua abrangência.
No terceiro e último capítulo a mostra TRANSFER é apresentada sob os
aspectos: histórico; alguns artistas participantes e suas obras; além de depoimentos
e registros visuais. Relativo à cultura erudita, procuraremos evidenciar as instituições
culturais como maior representante deste segmento, tendo reflexões a respeito
destas, como forma de divulgação da cultura erudita e as apresentações de
decretos-lei e estatutos que as regem, as normatizações referentes aos museus e
instituições culturais, salientando este conhecimento, e frisando que não iremos
adentrar neste universo político-administrativo.
Partindo destes pressupostos sobre o culto e o urbano, abordaremos o
grafite como manifestação urbana, que transita do espaço urbano para o espaço
cultural, no momento que se integra às instituições e galerias. Também
exploraremos os aspectos estéticos, sociais e ideológicos que o grafite, enquanto
manifestação artística faz referência junto do maior motivador sobre o assunto: a
mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências -
transformações ocorrida no Santander Cultural Porto Alegre, no ano de 2008.
23
1 GRAFITE: CONSIDERAÇÕES CULTURAIS ENTRE O ERUDITO E O POPULAR
Iniciamos as nossas considerações em relação aos pressupostos e as
diferenças entre as manifestações e expressões culturais oriundas do espaço
urbano, buscando alargar a compreensão sobre a arte do grafite. Embasamos os
estudos em alguns autores que afirmam que a cultura não é algo estanque, pois ela
depende das complexas características de uma determinada sociedade, que muda
constantemente seus valores no decorrer dos tempos, devido exatamente a sua
evolução.
Neste contexto, procuramos esclarecer o conceito de cultura, o que se
descobre ser algo difícil, pois ele não é fechado, principalmente pela sua
abrangência paradoxal entre as origens de uma determinada cultura e também pelos
seus aspectos universais. Na cultura atual, globalizada, podemos encontrar os
mesmos produtos em diversas partes do mundo, contrapondo-se a singularidade
das diferenças regionais. Peter Burke1
(2010, p. 11) reafirma a dificuldade de se
conceituar cultura quando comenta:
Cultura é uma palavra imprecisa, com muitas definições concorrentes; a
minha definição é a de “um sistema de significados, atitudes e valores
partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em
que eles são expressos ou encarnados”. A cultura nessa acepção faz parte
de todo um modo de vida, mas não é idêntica a ele.
A cultura, portanto, é construída conforme a sociedade e a época em que se
vive, desde os utilitários, o vestuário, o linguajar utilizado, o fazer diário (rotina) do
indivíduo e/ou seu grupo, tudo isto faz parte da convivência social do homem. Por
outro lado, segundo Fayga Ostrower2
(1978, p. 11), “as culturas assumem formas
variáveis que se alteram com bastante rapidez, incomparavelmente mais rápidas do
1
Nasceu em Stanmore/Inglaterra – 1937. Doutorou-se na Universidade de Oxford, foi professor na
Universidade de Essex, na Universidade de Sussex, na Universidade de Princeton e atualmente é
professor emérito da Universidade de Cambrigde. Foi professor visitante da USP/IEA – SP entre
1994-1995. É considerado um dos maiores especialistas na Idade Moderna Européia e na obra de
Gilberto Freyre. Impresso em fonte: BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.
2
Nasceu em Lodz, Polônia em 1920. Chegou ao Rio de janeiro na década de 30. Cursou Artes
Gráficas na Fundação Getúlio Vargas em 1947 e entre 1954 e 1970 desenvolveu atividades docentes
no MAM/RJ; no decorrer da década de 60 lecionou no Spellman College (Atlanta/EUA), na Slade
School da Universidade de Londres, Inglaterra e posteriormente foi professora de pós-graduação em
várias universidades brasileiras. Faleceu no Rio de Janeiro em 2001. Disponível em
www.faygaostrower.org.br/artista.php acessado em 08.11.2011.
24
que eventuais alterações biológicas”. O desenvolvimento do ser humano é vinculado
aos padrões culturais e históricos, ou seja, ele “age culturalmente, apoiado na
cultura e dentro de uma cultura” (p. 13). Nesse sentido, podemos entender que a
cultura não é individual, envolve a experiência coletiva, ou seja, aspectos de um
determinado modo de vida, em seus diferentes valores estéticos e sociais são
compartilhados e transmitidos para as gerações seguintes.
Para Thompson3
(1995), o estudo da constituição significativa e da
contextualização social das formas simbólicas seria o mais próximo que se pode
chegar ao conceito de cultura. As múltiplas formas simbólicas elaboradas pelo
indivíduo são condicionadas a partir de um determinado contexto histórico e técnico,
servindo para estabelecer ou sustentar relações de dominação, através do “[...]
conjunto de valores, crenças, costumes, convenções, hábitos e práticas
características de uma sociedade específica ou de um período histórico” (p. 166)4
.
Essa concepção evidencia como as diferentes culturas influenciam o
comportamento social e diversificam enormemente a humanidade:
O homem vê o mundo através de sua cultura, tendendo, portanto, a
considerar o seu modo de vida o mais correto e o mais natural. Como
resultado dessa dinâmica social, evidenciamos os mais diversos tipos de
conflitos etnocêntricos. O conflito “nós e os outros” tem como ponto
fundamental a referência de grupo em detrimento a referência de
humanidade, tão comum na sociedade moderna. (LARAIA
5
, 2003, p. 72)
Para este autor, cada sociedade ordena, a seu modo, o mundo que a
circunscreve e que essa ordenação dá um sentido cultural à aparente desordem das
coisas naturais. Nessa perspectiva, atribui também ao raciocínio humano a
possibilidade de tornar a cultura dinâmica e, em constante processo de mudança. É
pela capacidade de questionar os próprios hábitos que o homem torna-se capaz de
modificar a si e a maneira de se relacionar com a vida. Laraia ainda afirma que a
cultura permite ao homem adaptar-se ao seu meio, mas também adaptar esse meio
3
Professor de Sociologia na Universidade de Cambridge. Nasceu em Miniapolis/Estados Unidos em
1958. Impresso em fonte: THOMPSON, John B. “Metodologia da Interpretação”. In: ______. Ideologia
e Cultura Moderna. Petrópolis/RJ: Vozes, 1995.
4
Disponível em fonte: www.saofrancisco.edu.br/itatiba/mestrado/educacao, acessado em 01.11.2011.
5
Professor emérito da UnB iniciou sua carreira, como antropólogo, no Museu Nacional da UFRJ.
Transferiu-se em 1969 para a UnB, onde dirigiu o Instituto de Ciências Humanas, sendo promovido a
professor titular em 1982. Doutor pela USP realizou pesquisas de campo entre os índios brasileiros.
Atualmente é membro do Conselho Consultivo do Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional
e do Conselho Nacional de Imigração. Impresso em fonte: LARAIA, Roque B. Cultura: um conceito
antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
25
ao próprio homem, as suas necessidades e seus projetos. Expõe que cultura pode
referir-se tanto a uma sociedade específica, mas também a grupos sociais dentro
dela; e ainda que seja entendida como dimensão não-material da sociedade, não
abandonou a preocupação com os aspectos materiais.
Por outro lado, as relações culturais também supõem a mediação entre o
poder e o objeto de sua ação, implicando em contradições, desigualdades,
diferentes condições sociais, envolvendo algum tipo de dominação entre a cultura
considerada erudita6
e a cultura popular. Ambas as culturas são importantes para o
desenvolvimento das sociedades, mas são vistas e valoradas de formas diferentes.
Isto se reflete também nas artes, quando verificamos que um jarro cerâmico (Figura
02), por exemplo, por ser de determinada dinastia grega, muda do valor de uso para
o valor de obra de arte, perdendo a característica primeira de utilitário, de algo
produzido para conter alguma coisa, para tornar-se objeto estético. Podemos pensar
que, na produção de objetos de uso cotidiano e objetos com a finalidade de uso em
rituais, havia a “preocupação” com os propósitos e significações culturais,
interligados à vida e com certa unidade estética.
Figura 02
Vaso grego no “Estilo de Figuras Negras”, com Aquiles e Ajax jogando damas. Assinado por Exekias.
Cerca de 540 a.C. Museu do Vaticano.
6
A definição de erudito é tão complexa quanto à definição de cultura. Nesta pesquisa utilizo o termo
para fazer um distanciamento e uma diferenciação com o urbano e/ou popular, não entrando nos
paradigmas de Pierre Bourdieu (A Economia das Trocas Simbólicas. Perspectiva, 2009) que explica
ser uma categoria relacional em oposição à cultura de massa.
26
O conceito de cultura a partir de uma perspectiva antropológica no
entendimento de Geertz7
(2008) sofre uma revisão e passa a ser visto como um
padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos e
materializado em comportamentos. Na época em que foi confeccionado o jarro
grego, portanto era somente um jarro para conter óleo, água ou perfume, mas
resistindo ao tempo e sobressaindo sua beleza estética, séculos depois, os seus
significados e funções originais se modificaram.
Controladora do comportamento em sociedade, a cultura, ao mesmo tempo
cria e recria este comportamento, devido ao seu conteúdo ideológico, impossível de
ser exaurido de significado, já que toda cultura possui uma ideologia que o embasa.
Para Geertz (2008), a ideologia é apresentada como a dimensão norteadora
do “arbitrário cultural” -, os princípios que são aceitos pelo senso comum como
indiscutíveis, e que definem o que é valorizado ou desvalorizado em termos
comportamentais em determinado grupo humano -, sendo este arbitrário cultural o
elemento mediador da apreensão dos signos e significados presentes em uma
cultura.
Na perspectiva desta investigação, nos propomos refletir sobre as questões
que mediam a valorização e a aceitação de produções simbólicas provenientes de
uma cultura urbana em relação à cultura erudita. Colocam-se algumas indagações:
porque a arte erudita saindo das instituições culturais para os espaços urbanos é
mais bem quista pelo público e pela sociedade? E a arte urbana, a exemplo do
grafite, quando inserida em uma instituição cultural pode vir a tornar-se arte (com
mesma ênfase da arte erudita) e como é sua aceitação pelo público e pela
sociedade estabelecida como culta?
A exemplo da arte que saiu da instituição para as ruas, sendo oferecido ao
olhar do cidadão comum, um grupo de artistas de São Paulo (Cildo Oliveira, Lucia
Py, Lucia Porto e Newman Schutze) realizaram duas intervenções. Numa,
representaram, por meio de esculturas no jardim, elementos arquitetônicos que
cercavam o MAC, cuja identificação imediata pelo público de que o que estava fora
era a arte que estava dentro do museu, fez aumentar o número de visitantes.
Noutra, uma exposição de objetos no formato de painéis no Viaduto do Chá, cujos
7
Considerado o fundador de uma das vertentes da antropologia contemporânea - a chamada
Antropologia Hermenêutica ou Interpretativa - que floresceu a partir dos anos 50. Nasceu em São
Francisco/Estado Unidos em 1926 e faleceu na Filadélfia/Estados Unidos no ano de 2006. Impresso
em fonte: GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
27
desenhos encontravam-se pela metade, suscitou o convite dos artistas ao público
durante a montagem, de buscarem a outra metade na abertura da exposição à noite.
Essa atitude integrou o espectador, instigou uma platéia nova, de office-boys,
empregadas domésticas, bancários, comerciários, etc. Vê-se que neste contexto, há
uma apreciação mais fluída por parte do cidadão comum com a arte acadêmica.
Existe um respeito velado nesta relação, uma herança de anos de entendimento -
mesmo que não em sua plenitude ou sabedoria que lhe é própria – das pessoas
comuns a arte e a artistas de galerias, instituições, museus. O estranhamento inicial
é imediatamente trocado pelo encantamento, sentimento atávico que se sobressai a
inibição, a falta de cultura, a modesta educação. Já o contrário, a arte que sai das
ruas e vai para as instituições, como no caso dos acontecimentos recentes em favor
da disseminação do grafite, o respeito pelo artista é ignorado, também veladamente
há um preconceito sobre a origem desta arte, que reforça o pensamento de Canclini8
de que o popular é o excluído.
O popular é nessa história o excluído: aqueles que não têm patrimônio ou
não conseguem que ele seja reconhecido e conservado; os artesãos que
não chegam a ser artistas, a individualizar-se, nem a participar do mercado
de bens simbólicos “legítimos”; os espectadores dos meios massivos que
ficam de fora das universidades e dos museus, “incapazes” de ler e olhar a
alta cultura porque desconhecem a história dos saberes e estilos.
(CANCLINI, 2006, p. 205)
Para tentar entender o processo de migração do grafite, buscaremos um
apoio no conceito de cultura popular de Peter Burke (2010, p. 11), “talvez seja
melhor de início defini-la negativamente como uma cultura não oficial, a cultura da
não elite”.
Neste sentido, o grafite circunda a alta cultura no momento em que seus
autores buscam direta ou indiretamente artistas e movimentos artísticos (em grande
parte o referencial vem da Pop Art9
) aos quais se identificam para expressarem sua
8
Nasceu em La Plata/Argentina em 1939. Estudou filosofia e concluiu o doutorado em 1975 na
Universidade Nacional da Prata. Três anos depois, concluiu o doutorado na Universidade de Paris.
Atuou como docente nas universidades da Prata entre 1966-1975, Buenos Aires entre 1974-1975,
Stanford, Austin, Barcelona e São Paulo. Desde 1990 é professor da Universidad Autónoma
Metropolitana no México, onde está radicado. É considerado um dos maiores investigadores em
comunicação, cultura e sociologia da América Latina. Impresso em fonte: CANCLINI, Nestor Garcia.
Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 1998.
9
Movimento artístico iniciado na Inglaterra e nos Estados Unidos nos anos 50, cuja figura de maior
destaque foi o americano Andy Warhol. Pretendia demonstrar com suas obras a massificação da
cultura popular capitalista. Procurava a estética das massas, aproximando-se do que costuma
chamar de kitsch. Disponível em ww.itaucultural.org.br acessado em 10.06.2011.
28
arte. O diferencial em relação à arte erudita é a sua espacialidade (a cidade) como
forma de manifestação, tornando-se um patrimônio de todos.
Reforçando esta abordagem, Canclini (2006, p. 196) se limita a questões
espaciais e de apropriação:
Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais
representativos da história local e mais adequados às necessidades
presentes do grupo que os fabrica. Constituem, nesse sentido, seu
patrimônio próprio. Também podem alcançar alto valor estético e
criatividade, conforme se comprova no artesanato, na literatura e na música
de muitas regiões populares.
Por outro lado, Canclini (2006) fala de uma cultura urbana, sendo esta a
principal causa da intensificação da heterogeneidade cultural. Neste sentido
podemos constatar que há uma grande diversidade cultural nas cidades, diversos
grupos sociais ou “tribos”, classificadas de acordo com a idade, credo, sexo,
condição financeira, etc., que acabam por desenvolver características únicas e
múltiplas, constituindo uma heterogeneidade imensa dentro de uma mesma cidade
que por sua vez tem uma característica homogeneizada de acordo com as outras
cidades.
[...] As oposições entre o culto e o popular, entre o moderno e o tradicional,
condensam-se na distinção estabelecida pela estética moderna entre arte e
artesanato. Ao conceber-se a arte como movimento simbólico
desinteressado, um conjunto de bens “espirituais” nos quais a forma
predomina sobre a função e o belo sobre o útil, o artesanato aparece como
o outro, o reino dos objetos que nunca poderiam dissociar-se de seu sentido
prático. Os historiadores sociais da arte, que revelam as dependências da
arte culta com relação ao contexto social, quase nunca chegam a
questionar a fenda entre o culto e o popular, que em parte se superpõe à
cisão entre o rural e o urbano, entre o tradicional e o moderno. (CANCLINI,
2006, p. 242)
Aliando a esta oposição entre o culto e o popular, Canclini (2006, p. 243) nos
relata que o que opõe a arte erudita à arte popular é que os produtores da primeira
seriam singulares e solitários, enquanto os populares seriam coletivos e anônimos:
O culto e o popular, o nacional e o estrangeiro apresentam-se ao final deste
percurso como construções culturais. [...] Sua verossimilhança foi alcançada
historicamente mediante operações de ritualização de patrimônios
essencializados. A dificuldade de definir o que é culto e o que é o popular
deriva da contradição de que ambas as modalidades são organizações do
simbólico geradas pela modernidade, mas ao mesmo tempo a modernidade
29
– por seu relativismo e anti-substancialismo – as desgasta o tempo todo.
(CANCLINI, 2006, p. 362)
Neste sentido, Canclini ao salientar as diferenças do que pode ser
considerado uma produção culta, abre uma perspectiva de pensarmos então, que a
arte urbana também pode ter sido uma possível convenção diminuta de sua real
abrangência, de sua permeabilidade na contemporaneidade, o que a levou ao
patamar de ter o privilégio de ser adquirida, nos tempos atuais, por instituições até
então, apreciadoras somente de produções acadêmicas.
Esse aceite do grafite causou uma inicial estranheza ao adentrar as
instituições culturais, ao ser reconhecido como arte urbana, como uma forma de
cultura urbana que em si ganhou contorno e força, o que motivou esta dissertação
sobre arte e cultura em suas relações e conseqüentes mudanças comportamentais
frente a cultura erudita; estas aproximações e diferenças relativas inclusive, ao
artesanato, de modo a valorar o trabalho de um grupo de menor prestígio.
Portanto, podemos verificar que o conceito de cultura vai muito além das
significações que calcificam regras, costumes e legados históricos das gerações
anteriores e, com isso, impõem uma simplificação demasiada a um assunto digno de
inumeráveis reflexões e considerações.
1.1 ARTE URBANA, ESPAÇO PÚBLICO E A PRESENÇA DO GRAFITE
A temática sobre as implicações das produções consideradas como arte
urbana, - oriunda da cultura erudita -, e a constatação da presença do grafite nos
espaços públicos das cidades requer algumas reflexões.
Os lugares públicos envolvem vários ambientes que encontramos nas
cidades, como as praças, os viadutos, as ruas em geral, além dos museus e das
galerias de arte. O mesmo se dá quanto ao grafite10
, quando cada grupo marca de
forma diferenciada seu espaço, com símbolos e grafismos característicos de sua
região ou entorno. Há uma identificação entre os artistas que integram este meio
10
Segundo o Miniaurélio Dicionário Eletrônico, palavra, frase ou desenho feito em muro ou parede de
local público. Conforme Celso Gitahy, do italiano graffiti, plural de graffito.
30
que valorizam de forma significativa as suas criações, bem como da população local,
pois o grafite, de certa maneira, delimita um território gerando uma identidade local.
Segundo, Helena Mendonça11
, urbano vem do latim e significa “o que é
próprio da cidade”. Cultura urbana seria, por extensão, a expressão de grupos que
desenvolvem sua arte nas ruas, nos bairros, em espaços públicos que são
democratizados, criando novas sociabilidades12
. No cenário do espaço urbano, em
seus aspectos mais gerais, colaboram também outras manifestações – o teatro de
rua, os seresteiros, as estátuas humanas, os panfletos, os outdoors - que interferem
de forma desordenada no espaço urbano – igualmente relacionados à cultura
urbana como o hip hop e a própria cidade enquanto meio de divulgação de arte e
cultura, torna-se de grande importância abordar as questões relativas aos espaços
que a cidade oferece.
A cidade é, portanto um produto da diversidade da vida social, cultural e
pessoal, devendo ser “pensada, tratada e vivida como um bem público comum, e
não como um espaço de desigualdades”, como afirma Jorge Luiz Barbosa13
“[...]
sendo esta a expressão da pluralidade de vivências culturais, afetivas e
existenciais”.
Por outro lado, estar numa cidade trabalhando e morando nela, não significa
ter vinculo definitivo e único a ela, pois podemos estar em qualquer outro lugar
através da internet, acessando outros espaços urbanos e culturais, de forma bem
diversificada. Sob este enfoque, Anne Cauquelin (1996, p. 35) relata: “duas ficções
estão presentes simultaneamente, a do local circunscrito que delimita um objeto
preciso, individualizado, e a da extensão indefinida das potencialidades de
comunicação que apagam o tempo e o local”.
No contexto das cidades, Anne Cauquelin (1996, p. 33) considera que elas
são objetos que tem seus limites, podendo-se entrar ou sair delas, obedecendo as
suas fronteiras. A cidade é o local da comunicação entre os membros da
comunidade deste modo protegida, onde a língua, os costumes, os comportamentos
são compartilhados, tendo uma identidade que se inscreve numa história coletiva e
ao mesmo tempo individualizada. E, em relação às produções da arte
11
Supervisora pedagógica do Programa Salto para o Futuro. Disponível em
http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/165031Culturaurbana.pdf acessado em 06.10.2011.
12
Disponível em http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/165031Culturaurbana.pdf acessado em
06.10.2011.
13
Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense.
Coordenador do Observatório de Favelas.
31
contemporânea, para Cauquelin o objeto estável cedeu o lugar a um processo de
construção permanente onde a cidade não é mais fixa, pois “[...] qualquer ser
humano de qualquer ponto do planeta pode entrar e sair deste invólucro e participar,
como membro ativo, da cidade mundial”.
Por outro lado, a ocupação do espaço das cidades, as discussões sobre os
limites, a territorialidade, cartografias, etc, tem motivado ações e intervenções de
diversos artistas na atualidade. E como nos diz Nelson Brissac (2000, p. 239): “[...]
Nos últimos anos, uma série de projetos artísticos internacionais têm ocupado
cidades, optando por espaços urbanos em vez de museus e galerias”. Nesse
sentido, como um exemplo local (no caso, Porto Alegre) as BIENAIS DO
MERCOSUL têm ocupado diversos espaços da cidade e o território, propondo
outras interações com a população.
A 8ª Bienal do Mercosul – Ensaios de Geopoética14
– teve como tema o
território e sua redefinição crítica a partir de uma perspectiva artística, tratando de
tópicos relevantes para essa discussão: mapeamento, colonização, fronteira,
aduana, alianças transnacionais, construções geopolíticas, localidade, viajantes
científicos, nação e política. O projeto curatorial desenvolveu sete grandes ações,
abordadas por meio de duas estratégias - expositivas e ativadoras.
Nas ações ativadoras, tiveram como resultado uma exposição, com ênfase
na relação entre artista e público. Nas exposições propriamente ditas, a ênfase
estava na obra e na sua relação com os trabalhos dos demais artistas e com o tema
proposto. Dessa forma, a cidade de Porto Alegre e o território do nosso estado foram
vistos como lugares a descobrir e a ativar por meio da arte. Além dessas ações,
houve a exposição do artista chileno homenageado Eugenio Dittborn, que esteve em
Porto Alegre no Santander Cultural, com desdobramentos em três cidades do
Estado: Bagé, Caxias do Sul e Pelotas.
A Casa M, um dos projetos-chave da bienal consistia em um espaço de
encontro para a comunidade artística local, pessoas interessadas em arte e cultura,
professores e estudantes de arte e áreas afins. A proposta partiu da vontade de criar
uma comunidade temporária em torno da mostra, promovendo a reflexão e o diálogo
e favorecendo o intercâmbio e a criação de redes. Esta terá duração de sete meses,
oferecendo à comunidade uma programação de residências curatoriais, pequenas
14
Ocorreu no período de 15 de setembro a 15 de novembro deste ano em Porto Alegre. Reuniu 107
artistas de 34 países.
32
exposições, conversas, oficinas e outras atividades. O local conta com um espaço
de convivência, sala de leitura, biblioteca e ateliê, entre outros ambientes e a
programação é desenhada pela equipe curatorial da 8ª Bienal em parceria com o
Projeto Pedagógico15
, contando com o apoio de um conselho formado por seis
artistas, teóricos e agentes culturais de Porto Alegre.
A Bienal abraçou todo o território do Rio Grande do Sul levando artistas,
obras, exposições e atividades pedagógicas a mais de dez cidades16
. Na capital
foram realizadas as exposições Geopoéticas e Cadernos de Viagem, no Cais do
Porto e Além Fronteiras, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS. Além
disso, nove locais do centro abrigaram a exposição Cidade Não Vista, com o
propósito de chamar a atenção para lugares que habitualmente não são percebidos
pela população.
Segundo o presidente da 8ª Bienal do Mercosul, Luiz Carlos Mandelli, a
realização dessa edição reafirma o compromisso da Fundação Bienal com a
comunidade: “o projeto curatorial [...] amplia as ações e envolve comunidades de
todo o Estado, promovendo efetivamente a transformação social através de
propostas artísticas contemporâneas17
”.
Quais as relações da arte urbana com o espaço local e a noção de território?
As relações da arte urbana com o espaço, o local e o território que são abordadas
na 8ª Bienal do Mercosul, nos remete aos estudos de Maria Amélia Bulhões (2002,
p.153): “O território, suporte físico de toda vivência social, foi sempre um dos
determinantes da identidade cultural, na medida em que pode ser definido como a
área geográfica em que um indivíduo ou um grupo desenvolve sua existência”.
Nesse contexto, a rua, a cidade e até mesmo um território (o Rio Grande do Sul)
enquanto lugar, pode-se tornar um espaço para ações e intervenções artísticas, que
foi a proposta da 8ª Bienal do Mercosul, pois ao apreendermos uma obra, em um
espaço público, ampliamos nosso horizonte, começamos a visualizar o ambiente
que nos rodeia de outra forma, nos apercebendo destas intervenções de forma mais
15
As diversas linhas de ação curatorial foram concebidas também como ações pedagógicas. O
Projeto Pedagógico contemplou atividades de formação de professores, curso para formação de
mediadores, oficinas, palestras, seminários, publicações destinadas a diversos públicos e,
especialmente, a programação da Casa M, além dos agendamentos de visitas guiadas e o transporte
gratuito para escolas públicas e atividades diferenciadas oferecidas ao público visitante durante o
período da mostra. Disponível em www.fundacaobienal.art .br acessado em 14.11.2011.
16
Bagé, Caxias do Sul, Ijuí, Montenegro, Pelotas, Santa Maria, Santana do Livramento, São Miguel
das Missões e Teutônia. Disponível em www.fundacaobienal.art .br acessado em 14.11.2011.
17
Disponível em www.fundacaobienal.art .br acessado em 14.11.2011.
33
sensível ou não, mas nos causando de qualquer maneira uma reação positiva ou
negativa.
Por outro lado, percebemos que os territórios, os locais e os espaços
urbanos são impregnados de vivências culturais, o que de certa maneira, são
determinantes para essas intervenções e, que não ocorrem de maneira “marginal”
como os grafites. Ou seja, quando se trata de projetos artísticos vinculados a uma
instituição “erudita”, geralmente, são realizadas proposições em locais escolhidos
anteriormente pelo artista e que pode ter uma curadoria para isso. Nelson Brissac
(2000, p. 240) coloca:
Como são determinados os lugares? Agora o curador decide, para cada
obra específica para um sítio, onde este começa e termina e quais são os
parâmetros básicos que estimulam o trabalho. A noção de sítio é ampliada e
estratificada, para incluir não só a materialidade de uma estrutura particular
como também a sua categoria genérica e funcional. O sítio pode então se
estender da edificação para o bairro, a cidade, o país.
Deste modo, os locais públicos escolhidos a sofrerem intervenções artísticas
começam a ser vistos como locais particularizados pelas obras e seus artistas,
tornando-se um ponto de referência local, mas ao mesmo tempo estético, contendo
traços históricos e sociais, visto que a escolha tanto do local como da temática
abordada pode ou não modificar a percepção quanto ao ambiente inicial que se
possuía daquele mesmo local.
Para Nelson Brissac (2000, p. 242): “A arte em espaços urbanos pode
proporcionar grande visibilidade para grupos sociais marginalizados e possibilitar a
descoberta de lugares descartados pela cultura dominante”. Acrescente-se aí toda a
arte grafite que está espalhada pela cidade e que atualmente já não causa tanto
estranhamento na população.
Segundo Brissac (2000, p. 243):
Colocada nestes espaços reestruturados, a arte pública contribui funcional e
esteticamente para formatar os ambientes urbanos, encorajando os projetos
imobiliários e revitalização das áreas. A intervenção artística pode auxiliar a
garantir aceitação para a reestruturação, forma contemporânea da
urbanização capitalista. Além de reforçar, ao ordenar praças e átrios
corporativos, a privatização dos espaços públicos.
Neste sentido, as ações artísticas além de favorecerem uma mudança
estética e visual nos espaços urbanos, também podemos perceber as diversas
34
mesclas culturais que os espaços da cidade proporcionam. Para Canclini (2006, p.
19), essas diversas expressões,
[...] são denominadas intercultural de hibridação em vez de
sincretismo ou mestiçagem, porque abrange diversas mesclas interculturais
- não apenas as raciais, às quais costuma limitar-se o termo “mestiçagem” –
e porque permite incluir as formas modernas de hibridação, melhor do que
“sincretismo”, fórmula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de
movimentos simbólicos tradicionais.
Descartamos o conceito do sincretismo por não estarmos abordando
questões simbólicas tradicionais ou religiosas em arte, mas propondo reflexões
acerca dos procedimentos que envolvem as práticas híbridas, como no caso o
grafite, em que podemos considerar os seus elementos como híbridos por se
esquivar das convenções estéticas clássicas, por ter livre acesso em vários
segmentos: sociais, espaciais/territoriais e culturais. Confirmando e ampliando os
conhecimentos acerca deste tema, acrescenta-se:
[...] há gêneros constitucionalmente híbridos, por exemplo, o grafite e os
quadrinhos. São práticas que desde seu nascimento abandonaram o
conceito de coleção patrimonial. Lugares de intersecção entre o visual e o
literário, o culto e o popular, aproximam o artesanal da produção industrial e
da circulação massiva. [...] as lutas pelo controle do espaço se estabelecem
através de marcas próprias e modificações dos grafites de outros. Suas
referências sexuais, políticas ou estéticas são maneiras de enunciar o modo
de vida e de pensamento de um grupo que não dispõe de circuitos
comerciais, políticos ou dos mass media para expressar-se, mas que
através do grafite afirma seu estilo. Seu traço manual, espontâneo, opõe-se
estruturalmente às legendas políticas ou publicitárias “bem” pintadas ou
impressas e desafia essas linguagens institucionalizadas quando as altera.
O grafite afirma o território, mas desestrutura as coleções de bens materiais
e simbólicos. (CANCLINI, 2006, p. 336)
O grafite nesta conjuntura cumpre seu objetivo de limitar num determinado
espaço da rua, sua marca. Ele tem a propriedade de aparecer ao público sem ser
propriedade de alguém, despreocupado de análises formais de linguagem, saindo
da ideia de pertencimento e polidez. O grafite pertence à cidade, aos transeuntes
que a admiram ou não, sendo respeitado seu espaço de existir, não sofrendo, em
sua maioria, interferências de outros grafiteiros, de acordo com as regras que estes
estabelecem entre os grupos.
As hibridizações descritas por Canclini (2006, p. 348):
35
levam a concluir que hoje todas as culturas são de fronteira. Todas as artes
se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato migra do campo
para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram acontecimentos
de um povo são intercambiados com outros. Assim as culturas perdem a
relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e
conhecimento.
Em se tratando de hibridização, pode-se perceber que no campo das artes
visuais em geral, estamos constantemente lidando com dimensões universais, com
aculturações, com assimilações de outras culturas de maneira consciente e/ou
inconsciente. Podemos verificar em alguns grafites, algumas referências de
movimentos artísticos consagrados apreendidos pelo grafiteiro que o incorpora em
seu trabalho, sem que este perca a espontaneidade. Este referencial faz parte de
seu conhecimento, de sua cultura acerca da arte erudita, de modo simplificado ou
não, pois não afeta significativamente seu instinto criador, mesmo que haja a
negação deste fato, como o grafiteiro Alberto Monteiro18
, da mostra TRANSFER
(tema do capítulo 3) relata em entrevista a revista Vista Skateboard Art19
(Figura 03),
não possuir nenhuma relação com o universo das artes plásticas, mas ao mesmo
tempo se contradiz ao afirmar que possuía a época da confecção de fanzines20
em
1988-89 influência do Neo Expressionismo, da Transvanguarda e da Geração 80 no
Brasil.
18
Natural de Duque de Caxias/RJ. Começou a produzir fanzines em 1988 e 1989, depois de
experiências com óleo sobre tela. Colaborou com quadrinhos e ilustrações em diversos fanzines e
agregou fanzines de todo o Brasil. Terminada a experiência com este tipo de publicação, voltou à
pintura, agora sobre papel. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea.
transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 69.
19
Revista de Setembro/Outubro 2008, nº 20. Possui periodicidade bimestral, de distribuição gratuita
em boardshops, galerias de arte, blitz & cadastro. Editor chefe: Xande Marten, Administrativo:
Gustavo Tesch, Impressão: Gráfica Pallotti.
20
Ver sobre o assunto – “Fanzines: Reflexões a cerca do uso de mídia independente na perspectiva
de potencialização de ideias”, por Melissa Eloá Silveira Nascimento - Mestranda em Educação do
Programa de Pós-graduação da UERJ e integrante do grupo de pesquisa “Linguagens desenhadas e
Educação”, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em
http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/extraprensa/article/view/s-ses2-16/ss2-t16 acessado em
24.05.2011.
36
Figura 03
Capa da revista Vista Skateboard Art, de Setembro/Outubro 2008, nº 20.
Ao referenciarmos a devida mostra, nos remetemos ao local de sua inserção
(o espaço Santander Cultural Porto Alegre, neste caso), onde encontramos certo
conflito pessoal ao nos confrontarmos com os mesmos ícones de grafites dentro e
fora da instituição cultural referenciada, causando, estranheza e desconforto por um
lado, e admiração e surpresa, de outro. Os sentimentos gerados são antagônicos e
por isso mesmo suscitam os questionamentos deste deslocamento, da visão dos
artistas e da sociedade em relação ao que esta sendo exposto.
O diálogo entre a obra, o lugar, o artista e o público, todos tentando
encontrar um lugar para “se acomodar”, seja no sistema das artes, seja no sistema
de relações da sociedade, seja no lugar do outro – podendo ser tanto o artista, como
a obra e até o espectador ou o local. O grafite neste sentido “desestrutura as
coleções de bens materiais e simbólicos” como afirma Canclini (2006, p. 336), pois
estar no lugar do outro é difícil, requer uma reflexão aberta, sem nossas limitações –
afinal, grafite é arte ou não? Neste momento, o grafite está inserido nas produções
da arte contemporânea, arte urbana, arte que foge dos contextos de arte (erudita)
até então conhecida. Inclui-se nela o nosso cotidiano, o barulho das ruas, a vida
agitada, a correria, e talvez isto fique agora mais evidente através das imagens
misturadas, confusas, algumas coloridas e outras nem tanto, transbordando do
quadro ou da parede onde esta.
Portanto, a relação do grafite traz de uma maneira simbólica a relação da
mistura, do hibridismo, estes sentimentos contraditórios de surpresa, de admiração e
de repulsa, ao mesmo tempo, em ambos os locais onde podemos encontrá-lo – na
instituição cultural ou na rua, gerando sempre no íntimo, conflitos e também
unidades.
37
1.2 O GRAFITE E A INSERÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS
A abordagem da questão multicultural diante da perspectiva das produções
oriundas do grafite, que em seu percurso inverso, ou seja, saindo das ruas e
tomando espaço em um novo ambiente, que são as instituições culturais, sofre uma
ressignificação, principalmente, em relação ao olhar de um “público” que não
percebia e nem valorizava a arte nos muros da cidade.
Ao mesmo tempo, cabe ressaltar que há uma distinção entre os aspectos de
multicultural e multiculturalismo. Segundo Stuart Hall (2003, p. 52):
Multicultural é o termo qualificativo. Descreve as características sociais e os
problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na
qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida
comum, ao mesmo tempo retêm algo de sua identidade “original”. [...]
Multiculturalismo é termo substantivo. Refere-se às estratégias e políticas
adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e
multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.
Ambos os termos são praticamente inseparáveis. O homem é um ser social
por natureza. Porém, busca uma identidade desde seus tempos mais remotos. De
acordo com Anspach (2000, p. 71):
[...] já na Pré-História, os primeiros homens a ocupar o planeta Terra
manifestavam seu interesse em tal questão. Ao imprimirem suas mãos
sobre rochas de cavernas, esses homens não só tentavam afirmar seu
desejo de posse e seu poder sobre entes e fenômenos naturais, mas
também deixavam uma marca, que se pretendia indelével, de sua presença
na e através da história.
Fazendo uma analogia com o grafite, que também deixa sua marca na
parede, retratando um desejo, expressando algo que podemos avaliar desde a
temática do belo (ou não) até sua revelação mais ideológica, há de alguma maneira
o retorno a essência primeira do ser humano, de criar e deixar sua marca para o
grupo ao qual está diretamente inserido, da mesma forma que denuncia algo para a
sociedade ao seu redor.
A arte do grafite, portanto, manifestando suas insatisfações sociais, políticas
ou meramente tentando agregar “encanto” ao ambiente onde está exposta, expressa
diferentes maneiras de se conviver, procurando soluções para a construção de uma
38
vida melhor, mais humanitária, sem que isto acarrete a perda da identidade do grupo
(do grafite) perante outras comunidades sociais. Atualmente, detectamos a sua
inserção em espaços urbanos de forma mais “bem quista”, e o exemplo disto, são os
tapumes decorados pelos artistas grafiteiros que são contratados pelas empresas da
construção civil para enfeitar o empreendimento até a sua conclusão.
Se antes, as intervenções eram infiltradas como meio de contestação na
sociedade contemporânea, hoje há uma maior anuência, na forma de arte urbana,
que cada vez mais, afirma sua identidade e ao mesmo tempo, confirma uma vasta
participação de um público mais aberto, a exemplo da arte urbana “PORTO
ALEGRE PRECISA DE MAIS ______________” (Figura 04), disposto diversas
vezes ao longo de um tapume localizado na esquina da Rua Silva Jardim com a Rua
Eudoro Berlink, bairro Auxiliadora da capital gaúcha; provocação do coletivo Shoot
the Shit21
, onde as pessoas completaram a frase com palavras como: educação,
árvores, honestidade, políticos sérios, amizades, saúde, atitude positiva,
saneamento, amor, etc.
O grupo faz parte do circuito de arte urbana Artemosfera22
. Seguem a
tendência mundial de megaeventos que revitalizam o espaço urbano por meio da
arte e da criatividade, com o objetivo de tornar a cidade melhor e fazer esta arte
chegar às pessoas, sem um conhecimento erudito e anterior para desfrutá-las, com
enfoque, segundo argumenta o curador Cézar Prestes23
, para a importância da
preservação do patrimônio público, como as praças e os monumentos.
21
Grupo criado em agosto de 2010 por Giovani Groff, Gabriel Gomes e Luciano Braga. É um dos
representantes dos jovens no Artemosfera. Impresso em fonte: Jornal Zero Hora de 31.10.2011, p. 5.
22
Realização do Grupo RBS, com patrocínio da Chevrolet, Zaffari, Braskem e TIM e apoio de Tintas
Renner e a prefeitura de Porto Alegre. Impresso em fonte: Jornal Zero Hora de 31.10.2011, p. 5.
23
Ex-diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e ex-secretário de Cultura do Estado.
Disponível em http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/artemosfera/19,0,3541924,Respire-Artemosfera-
inedito-no-pais-circuito-de-arte-urbana-quer-mudar-relacao-dos-porto-alegrenses-com-a-arte.html
acessado em 02.11.2011.
39
Figura 04
Coletivo Shoot the Shit, “PORTO ALEGRE PRECISA DE MAIS ___________”.
Sobre esta ótica, citamos Ortiz (2001), que afirma que cada cultura é
percebida pelos seus detentores como o modo natural e necessário de serem
homens em face dos membros do seu próprio grupo e em face de outros grupos
humanos. Nesse sentido, também os grafiteiros vêm apagando a sua imagem inicial
considerada como marginal, buscando os espaços urbanos autorização para realizar
suas pinturas e participando de campanhas sociais, justamente para afastar crianças
e jovens das ruas, da marginalidade e das drogas. O mesmo não ocorre com o
restante da população, que sequer reconhece o grafite como manifestação cultural,
como um meio de comunicação, vinculando-o ao ato marginal.
Atualmente, reflexões sobre estas questões já estão ocorrendo em escolas,
ONGs e outras instituições culturais com o intuito de desorganizar este discurso,
como relata Ivana Bentes24
(2007):
Essa cultura das favelas e periferias (música, teatro, dança, mídia, vídeo,
moeda, educação), surge como um discurso político “fora de lugar” (não
vem da universidade, não vem do Estado, não vem da mídia, não vem de
partido político) e coloca em cena novos mediadores e produtores de
cultura: rappers, funkeiros, [...], produtores da chamada economia informal,
artistas urbanos, grupos e discursos que vêm revitalizando os territórios da
pobreza e reconfigurando a cena cultural urbana. Transitam pela cidade e
ascendem à mídia de forma muitas vezes ambígua, podendo assumir esse
lugar de um discurso político urgente e de renovação num capitalismo da
informação.
O grafite tem signos, termos e gírias próprios, além de uma linguagem
pictórica característica, abusando do ambiente externo (a rua) para se expressar,
24
Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). Diretora e
professora da ECO/UFRJ.
40
compreensível aos componentes do seu meio que se diferencia da pichação, cujo
assunto será retomado posteriormente. Gradativamente estas questões estão sendo
assimiladas e reconhecidas pela população em geral, bem como, os grafiteiros estão
buscando aprofundar seus conhecimentos, através de sua entrada em cursos de
Arte e mesmo universidades na área.
Um novo confronto dado ao grafite é sua inserção nas instituições artísticas
e culturais, causando certo desconforto entre os artistas que trabalham na rua
grafitando, e que já neste momento, desconsideram o grafiteiro e o próprio grafite
em ambiente fechado e particular, como tal; pois neste caso o grafite ganha outro
sentido fora das ruas. E, diante de um mundo globalizado, tal questão torna-se
bizarra, pois nesta busca por uma aceitação/aprovação da sociedade, esta,
diríamos, “categoria”, está se auto-excluindo enquanto grupo e diante de outros
grupos sociais. Onde esta o respeito à diversidade multicultural? Onde esta a
igualdade nesta diferença? É a diferença da própria diferença. Segundo Stuart Hall
(2006) a diferença num contexto multicultural deve ser fundamental à definição de
democracia como espaço genuinamente heterogêneo.
O espaço utilizado para a confecção da arte urbana, seja um muro, seja uma
parede ou o arrimo de um viaduto ou passarela, nos proporciona sentimentos
ambíguos, num primeiro momento de confusão, desorganização; e num segundo
momento, admitindo-se algum conhecimento estético, e fruição político-social, há um
deslocamento da acomodação de uma sociedade. O mesmo acontece quando
vemos o grafite no espaço cultural, pois causa estranheza até o momento em que
nos deparamos com o contexto almejado pelo autor/artista e sua obra. Na realidade
precisamos nos colocar no contexto do outro para tentar perceber as diferenças
estéticas.
Conforme Ortiz (2001), “ao tentar estar no lugar do outro aprendemos muito
sobre nós mesmos, na medida em que exploramos o espaço, por vezes tênue que
nos separa, isto é, alargarmos os nossos horizontes de compreensão do mundo”.
Percebemos um respeito muito grande entre os grafiteiros e de certo modo não
concordamos com o antropólogo Roberto Albergaria que seja um ato de rebeldia.
Em toda a nossa história da arte acadêmica, é fato que vários artistas e suas obras
eram rejeitadas e incompreendidas, pois somos muito apegados as nossas regras
sem levarmos em consideração as regras do outro e seus paradigmas.
41
A arte grafite é uma das manifestações artísticas que provou que a arte em
geral, enquanto movimento cultural, não se bastava apenas em constar nos livros,
estar em museus e galerias. O grafite é a arte que se libertou, que foi às ruas e
invadiu o cotidiano de uma forma que não foi possível passar despercebida. Hoje já
está, inclusive, na Internet, tem fãs, na maioria jovens, é copiada e reverenciada por
grupos urbanos e tem simpatizantes da cultura erudita.
Nesta primeira década do século XXI, o termo arte urbana, chegou próximo
ao status de arte erudita, ao dividir espaço com importantes nomes da arte
contemporânea em grandes galerias e centros culturais nacionais e internacionais,
sendo objeto de estudo e caso de sucesso no segmento artístico, nos mesmos
moldes convencionais da academia. Excelente que esteja atingindo toda a
sociedade, incomodando-a e questionando-a, rompendo com o julgamento da arte
ser para os privilegiados financeiramente e culturalmente. Como tudo que é
legitimado tem o seu dia comemorativo, com o grafite não foi diferente: dia 27 de
março, data de morte do pioneiro Vallauri.
Voltando a questão espacial, o que dizer do grafite que hoje encontramos
nos museus, nas galerias e instituições culturais? Estes espaços é bem verdade que
são públicos, mas possuem uma limitada visitação por parte do público. Podemos
nos aperceber que houve uma significativa evolução em torno do grafite como meio
de revelação cultural, onde este transita do popular ao erudito com grande
desenvoltura pela visão dos eruditos, não se tendo igual visão pelos grafiteiros
populares/de rua (os que não se consideram grafiteiros artistas) que não
reconhecem o grafite no meio culto como tal e não aceitam esta transição, conforme
depoimentos informais sobre o assunto.
Para compreendermos melhor estas mudanças, veremos suas
características sociais, ideológicas e estéticas em alguns artistas grafiteiros e suas
obras, posteriormente; repercutindo finalmente na mostra TRANSFER ocorrida em
Porto Alegre em 2008, e especificada no último capítulo deste estudo.
Embora, Roberto Albergaria de Oliveira25
, em 2002, afirmasse que o grafite
era apenas a marca de uma pessoa excluída do mundo sério, um ato adolescente
de rebeldia, alegando também que, erroneamente a sociedade e a academia
estavam considerando o grafite uma arte, com o intuito de legitimar e recuperar um
25
Doutor em antropologia pela Universidade de Paris e professor da Universidade Federal da Bahia –
UFBA. Disponível em http://www.aai.ufba.br acessado em 14.05.2011.
42
tipo de expressão selvagem, num espaço definido como artístico, na atualidade,
esse pensamento não se mantém. Lúcia Gouvêa Pimentel26
observa que, desde o
início desta década a arte do grafite, dentre outras expressões, está extremamente
ligada aos interesses individuais e coletivos dos jovens, na busca da identidade, na
descoberta de suas potencialidades pessoais e de dimensão social.
26
Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo – USP. Disponível em
http://www.comartevirtual.com.br acessado em 14.05.2011.
43
2 ARTE URBANA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS
Inicialmente, para desenvolver este tema, buscaram-se os referenciais dos
grafiteiros aliando-se as leituras das imagens produzidas por eles na mostra
TRANSFER. Como mais adiante se pôde constatar, através de investigações e
entrevistas, há uma predominância da pop art nas obras, o que foi significativo para
a pesquisa, pois este movimento artístico sempre causou particular interesse por
seu caráter industrial, mercantil, além de suas características pictóricas
inconfundíveis.
Ao adentrar nas pesquisas deste movimento, constatamos que havia um
movimento contrário aquele que levou os grafiteiros às instituições culturais,
causando surpresa ao averiguarmos que este possuía características não-
mercantilistas, já que seus artistas estavam negando o espaço institucional,
desenvolvendo obras em tamanhos descomunais, impossíveis de serem inseridas
nestes espaços.
As questões envolvidas neste enfoque, portanto são de caráter particular,
envolvendo a admiração por ambos os movimentos artísticos (seja estético,
funcional ou simbólico) e tendo como objetivo um panorama destes, para podermos
entender melhor as reflexões e as analogias entre as obras da Pop Art e a mostra
TRANSFER.
Na década de 1960, artistas defenderam uma arte que interagia diretamente
com o público por meio de signos e símbolos retirados do imaginário que cercava a
cultura de massa e a vida cotidiana da época, recusando-se a separação arte/vida.
Seus traços característicos, segundo Arthur Danto (2006, p. 101): “[...] grande parte
dela, teve como base a arte comercial – em ilustrações, etiquetas, no design de
embalagens, em pôsteres [...]”, seguido da ratificação de McCarthy (2002, p. 08)
“essa nova arte deveria ser popular, transitória, consumível, de baixo custo,
produzida em massa, jovem, espirituosa, sexy, chamativa, glamourosa e um grande
negócio”. Estamos falando da Pop Art ou como encontramos em vários outros livros
Art Pop. Nesta dissertação preferimos particularmente usar o termo Pop Art, porém
respeitaremos a terminologia utilizada pelos teóricos nas citações.
44
Uma das primeiras, e mais famosas imagens relacionadas ao que o crítico
britânico Lawrence Alloway27
chamaria de pop art: “[...] O seu som é o ruído de um
colapso abrupto, como o de um balão explodindo” (DANTO, 2006, p. 141) é a
colagem de Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão
diferentes, tão Atraentes? (Figura 05):
Concebido como pôster e ilustração para o catálogo da exposição This Is
Tomorrow [Este É o Amanhã] do Independent Group de Londres, o quadro
carrega temas e técnicas dominantes da nova expressão artística. A
composição de uma cena doméstica é feita com o auxílio de anúncios
tirados de revistas de grande circulação. Nela, um casal se exibe com (e
como) os atraentes objetos da vida moderna: televisão, aspirador de pó,
enlatados, produtos em embalagens vistosas etc. Os anúncios são
descolados de seus contextos e transpostos para a obra de arte, mas
guardam a memória de seu locus original. Ao aproximar arte e design
comercial, o artista borra, propositadamente, as fronteiras entre arte erudita
e arte popular, ou entre arte elevada e cultura de massa.
28
Figura 05
Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? (1956).
Colagem, 26 x 25 cm.
Kunsthalle Tübingen, Coleção Prof. Dr. Georg Zundel.
27
Predecessor imediato de Arthur Danto como crítico de arte da The Nation. Nasceu em 1926 e
faleceu em 1990. Impresso em fonte: DANTO, Artur. Após o Fim da Arte. EDUSP. São Paulo:
Odysseus Editora, 2006 e disponível em
http://www.independentgroup.org.uk/contributors/alloway/index.html acessado em 14.11.2011.
28
Disponível em www.itaucultural.org.br acessado em 12.11.2011.
45
Os demais integrantes do Independent Group eram jovens artistas e críticos
britânicos, quase todos nascidos no começo dos anos 20, que estavam ansiosos
para provocar ideias sobre arte moderna e lançar as bases da nova forma de
expressão artística, que se aproveita das mudanças tecnológicas e de possibilidades
da visualidade moderna, que está no mundo - ruas e casas - e não apenas em
museus e galerias. Eduardo Luigi Paolozzi29
, Richard Smith30
e Peter Blake31
são
alguns dos principais nomes do grupo britânico.
Porém, segundo McCarthy (2002, p. 59):
Vários artistas pop, especialmente na Grã-Bretanha, eram nostálgicos, o
que suavizava o comercialismo impetuoso [...] notadamente Peter Blake. [...]
Um excelente exemplo é sua Loja de brinquedos que apresentava uma
falsa frente de loja com uma bandeira inglesa, carros e aviões de lata,
soldados de plástico, alvos e outros itens produzidos em massa quando o
autor era criança. O sentimento gerado é inevitavelmente romântico, e
sublinha o desejo da arte pop de forçar o reconhecimento pelo observador
de objetos de outro modo despercebidos, imbuindo-os da força do mágico.
Esta nostalgia se justifica através das condições sob as quais a pop art
floresceu. Enquanto a Grâ-Bretanha estava emergindo da escassez do pós-guerra
em meados dos anos 50, os Estados Unidos estavam bem no meio de seu boom
econômico: “Um semelhante medo da perda, casado com o potencial para a
aniquilação total, vem à tona na obra de alguns artistas pop britânicos que se
preocupavam com o que poderia acontecer ao país se os Estados Unidos e a União
Soviética entrassem em guerra”. (McCARTHY, 2002, p.66)
Ao contrário do que acontecia na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos
conforme McCarthy (2002, p.14): “[...] os artistas pop norte-americanos não tinham
programa comum. Eles não lançaram manifestos de grupo, e continuaram a
trabalhar separadamente depois de identificados como os principais praticantes da
nova sensibilidade” até 1963, quando duas exposições32
reúnem obras que se
beneficiam do material publicitário e da mídia. Nomes como Roy Lichtenstein33
, Andy
29
Biografia disponível em http://www.independentgroup.org.uk/contributors/alloway/index.html
acessado em 17.11.2011.
30
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.
São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 11-12.
31
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.
São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 11-12.
32
Arte 1963: Novo Vocabulário, Arts Council, na Filadélfia, e Os Novos Realistas, Sidney Janis
Gallery, em Nova York.
33
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.
São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 24.
46
Warhol34
, Claes Oldenburg35
, James Rosenquist36
(Figuras 06 e 07) e Tom
Wesselmann37
surgem como os principais representantes da pop art em solo norte-
americano.
Figura 06
James Rosenquist, F-111 (1965).
Óleo sobre tela com alumínio, 304,8 x 2.621,3 cm.
Museum of Modern Art, Nova York.
Figura 07
Richard Hamilton, Eu te amo com meu FORD (1961).
Óleo sobre tela, 86,4 x 91,4 cm.
Moderna Museet, Estocolmo.
34
Andrew Warhola, assim registrado, mas conhecido como Andy Warhol, nasceu na cidade de
Pittsburgh, no dia 6 de agosto de 1930, filho de migrantes provenientes do norte da Eslováquia.
Warhol, um dos criadores e principal representante da Pop Art, pintor e cineasta norte-americano,
morreu em Nova York, no dia 22 de fevereiro de 1987, após uma cirurgia bem-sucedida da vesícula
biliar. Famoso durante 35 anos, ele foi o criador da frase: “No futuro, toda a gente será célebre
durante quinze minutos”, o que se concretiza na atual cultura de massa, na qual a arte é um mero
produto comercial, disseminado através de meios de produção massificados. Impresso em fonte:
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. SP: Companhia das Letras, 1992 e disponível em
http://www.infoescola.com/biografias/andy-warhol/ acessado em 22.11.2011.
35
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.
São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 23.
36
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.
São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 29-31.
37
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.
São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.29-31.
47
A nova atenção concedida aos objetos comuns e à vida cotidiana encontra
seus precursores na antiarte dos dadaístas e surrealistas. Tomam ainda como
referência as colagens tridimensionais de Robert Rauschenberg38
e as imagens
planas e emblemáticas de Jasper Johns39
, que abre a arte para a utilização de
imagens e objetos inscritos no cotidiano. O nome de Wesselmann liga-se às
naturezas-mortas compostas de produtos comerciais, Lichtenstein, aos quadrinhos -
Whaam!, 1963 (Figura 08) -, e Oldenburg, mais diretamente às esculturas - Duplo
Hambúrguer, 1962.
Figura 08
Roy Lichtenstein, Whaam! (1963)
Óleo e magna sobre tela, 172,7 x 406,4 cm.
Tate Gallery.
Andy Warhol se tornaria referência primeira da pop art com suas 32 Latas de
Sopas Campbell, 1961/1962, Caixa de Sabão Brilho, 196440
(Figura 09), e os
diversos trabalhos feitos com imagens da atriz Marilyn Monroe41
, todos datados
de 1962.
38
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.
São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 72.
39
Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.
São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 19.
40
Segundo McCarthy (2002, p. 25): “é surpreendentemente semelhante às caixas de Robert Morris,
Donald Judd e Walter De Maria”.
41
Seu nome de batismo era Norma Jeane Mortensen. Nasceu no County Hospital em Los Angeles.
Não conheceu seu pai biológico e sua mãe era Gladys Pearl Monroe. Ícone do cinema americano e
símbolo sexual da época, na manhã de 5 de agosto de 1962, aos 36 anos, faleceu enquanto dormia
em sua casa em Brentwood, na Califórnia, prevalecendo a versão oficial de overdose pela ingestão
de barbitúricos. Impresso em fonte: Jornal ZERO HORA de 11.12.2011 e disponível em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Marilyn_Monroe# acessado em 15.11.2011.
48
Figura 09
Andy Warhol, Caixa de sabão Brillo (1964).
Polímero sintético e serigrafia sobre madeira, 43,2 x 43,2 x 35,6 cm.
Coleção particular.
Suas obras se particularizam pelo uso original da cor brilhante, de materiais
industriais e pelo exagero do efeito de simultaneidade. A multiplicação das imagens
enfatiza a idéia de anonimato e também o efeito decorativo; a imagem destacada e
reproduzida mecanicamente, com o auxílio do silkscreen, afasta qualquer vestígio do
gesto do artista.
Warhol fez ainda filmes, revolucionou o conceito de fotografia, praticou
pintura e a escultura, escreveu livros... até mesmo o seu jeans e a sua jaqueta de
couro tornaram-se um estilo para esta geração.
Nos anos 30 as marcas repetidas por Warhol (a Coca-Cola e as sopas
Campbell’s) faziam parte dos produtos populares, assim como as atrizes (Marilyn
Monroe, Natalie Wood e Liz Taylor) eram produtos dos grandes estúdios e da
publicidade que haviam sustentado o cinema desse país desde a Depressão. Alia-se
aí também conforme Mccarthy (2002, p.63) sustenta: “[...] A figura em Super-Homem
de Ramos, como Popeye de Lichtenstein, é um modelo de força e firmeza
masculina”, pois não podemos esquecer que neste período surgem os heróis em
quadrinhos como forma de estímulo a população, já que estamos pós quebra da
bolsa de Nova Iorque e com um contingente enorme de desempregados e sem
expectativa de uma vida melhor – “o sonho americano acabou”.
Danto (2006, p. 138):
[...] Para mim, foi graças à pop que a arte mostrou qual era a questão
propriamente filosófica sobre si mesma, e que consistia no seguinte: o que
faz a diferença entre uma obra de arte e algo que não o é se, na verdade,
ambos se parecem exatamente? Essa questão jamais poderia se impor
49
enquanto alguém pudesse ensinar o sentido de “arte” por meio de
exemplos, ou enquanto a distinção entre arte e realidade parecesse
perceptual.
A celebração da opulência e da fama42
assim como firmeza e vitória, depois
de um período de escassez e racionamento, convive a partir de 1963, com as
tragédias, com a violência racial e das guerras (da Guerra Fria e do Vietnã), que
causavam ansiedade ao povo norte-americano. Para Warhol, cita Mccarthy (2002,
p. 44):
[...] a fama era com freqüência uma imposição ambígua, uma configuração
infeliz de acontecimentos que confirmava a fragilidade humana. [...] A falta
de privacidade era o preço da fama e o outro lado da revolução dos meios
de comunicação que transformou a vida ocidental nos anos do pós-guerra.
Prova disto é a obra que retrata o sofrimento público após o assassinato do
presidente Kennedy em Dezesseis Jackies de 1964 (Figura 10), assim como
Levante Racial Vermelho, 1963, e Cadeira Elétrica (Figura 11), 1964.
Figura 10
Andy Warhol, Dezesseis Jackies (1964).
Tinta acrílica e esmalte sobre tela, 204,3 x 163,6 cm.
Walker Art Center, Minneapolis.
42
Mccarthy (2002, p. 39): “[...] o conceito pop de fama envolvia algo que acontecia às pessoas, ou por
merito ou por acidente”.
50
Figura 11
Andy Warhol, Cadeira Elétrica (1964).
Serigrafia e acrílico sobre tela, 56,2 x 71,1 cm.
Tate Gallery.
Melhor que qualquer outro artista pop, Warhol, entendia o mercado das artes
e praticamente abandonou a tradicional pintura de cavalete em 1962 para se
concentrar na serigrafia. Ao morrer, em 1987, Warhol deixou um espólio avaliado em
US$ 100 milhões.
A pop art foi um dos movimentos centrais na Grã-Bretanha e nos Estados
Unidos, afetando diretamente o curso da arte em todo o mundo, e reconfigurando
nosso entendimento da cultura do século XX. Existem três pontos comuns entre os
países, em se tratando da pop art: o primeiro ponto é o elemento de classe. Vários
de seus integrantes, como Paolozzi e Warhol, vinham da cultura de classe
trabalhadora imigrante, e tinham pouco apreço por hierarquias rígidas de forma e
tema. O segundo ponto comum é o interesse por revistas em quadrinhos e pelo
cinema de Hollywood, que constituíam elementos importantes na formação da
cultura visual desses artistas. O último ponto comum, descoberto através de um
levantamento de artistas entre os dois países é a inexistência de artistas mulheres
no movimento.
Segundo McCarthy (2002, p. 76):
Por mais de uma geração a arte pop recebeu status de mestria de museus
e colecionadores. [...] Sua popularidade, que foi tão imediata quanto
duradoura, autorizou muitos novos indivíduos a levar a arte a sério. [...] As
imagens eram localizadas o bastante em seu tempo para que não se
precisasse de uma formação clássica ou religiosa para reconhecer a
iconografia. [...] a arte pop era produzida em um momento no qual mais
universidades, galerias e museus estavam abrindo suas portas a públicos
maiores que queriam acesso às artes.
51
No Brasil, sugestões da pop art foram trabalhadas na década de 1960 por
Antonio Dias43
- Querida, Você Está Bem? (1964), Nota Sobre a Morte Imprevista
(1965) e Mamãe, Quebrei o Vidro (1967) -, Rubens Gerchman44
- Não Há Vagas
(1965) e O Rei do Mau Gosto (1966) -, Claudio Tozzi45
- Eu Bebo Chop, Ela Pensa
em Casamento (1968), entre outros.
No entanto a incipiente proliferação no Brasil dos meios de comunicação de
massa, na década de 1960, leva, paradoxalmente, esses artistas a aproximar
técnicas da pop art (silkscreen e alto-contraste) a temas engajados politicamente.
Para Danto (2006, p.127):
[...] uma vez que a própria arte destacou a verdadeira forma da questão
filosófica – isto é, a questão da diferença entre obras de arte e coisas reais -
, a história chegou ao fim. [...] Dizer que a história acabou é dizer que não
há mais um limite da história além do qual as obras de arte possam cair.
Tudo é possível. Qualquer coisa pode ser arte. [...] Greenberg
46
está certo:
nada aconteceu durante 30 anos. [...] Mas a situação está longe de ser
desoladora [...] Em vez disso, ela inaugura a mais ampla era da liberdade
que a arte já conheceu.
A pop art significou o fim da arte, como argumenta o autor acima, e o que os
artistas fariam depois do fim da arte é também difícil de dizer segundo ele, mas
havia pelo menos a possibilidade de que a arte também poderia ser colocada a
serviço direto da humanidade. Arthur Danto (2006, p. 149) complementa: “A arte não
estaria se movendo lentamente, mas o próprio conceito de história em que ela se
movia, lenta ou rapidamente, tinha ele próprio desaparecido do mundo da arte, e
nós, agora, estaríamos vivendo no que tenho chamado de tempos “pós-históricos”.
Numa acepção adversa, existe um movimento artístico cujas obras são
produzidas com materiais alternativos e saem dos museus para ocupar o espaço
urbano – a Land Art. Para o público apreciar estas obras que acontecem apenas
num dado momento, numa intervenção efêmera, numa paisagem de difícil acesso,
busca-se o recurso da fotografia e dos vídeos como única alternativa de
perpetuação de sua existência.
43
Biografia disponível em http://www.itaucultural.org.br acessado em 20.11.2011.
44
Biografia disponível em http://www.itaucultural.org.br acessado em 20.11.2011.
45
Biografia disponível em http://www.itaucultural.org.br acessado em 20.11.2011.
46
O mais importante crítico de arte norte-americano do século XX nasceu em 1909. Sua influência foi
decisiva para a afirmação do expressionismo abstrato e toda uma geração de artistas que incluía
nomes como Jackson Pollock (1912-1956), Mark Rothko (1903-1970) e David Smith (1906-1965).
Morreu em 1994. Disponível em http://editora.cosacnaify.com.br/Autor/200/Clement-Greenberg.aspx
acessado em 29.11.2011.
52
A Land Art, também traduzida como "arte da terra", implanta uma nova
relação com o ambiente natural. Tem sua origem no minimalismo47
dos anos 1960.
Referida a uma tradição que remonta aos readymade48
de Marcel Duchamp
e às esculturas de Constantin Brancusi, que testam explicitamente os limites da arte,
esta coloca em xeque as distinções arte/não arte, denunciando o sistema
institucional de validação dos objetos artísticos.
Não mais paisagem a ser captada e representada. A natureza agora é o
locus onde a arte finca raízes. Desertos, lagos, canyons, planícies e planaltos
oferecem-se aos artistas que realizam intervenções sobre o espaço físico.
Podemos destacar os artistas Michael Heizer, Robert Smithson e Walter de
Maria (Figura 12) como seus principais expoentes. Seus trabalhos dirigem-se à
natureza, transformando o entorno com o qual se relacionam intimamente.
Figura 12
Foto a esquerda de Michael Heizer, Double Negative [Duplo Negativo], 1969;
Foto ao centro de Robert Smithson, Spiral Jetty [Píer ou Cais Espiral], 1970;
Foto a direita de Walter de Maria, The Lightning Field [O Campo dos Raios], 1977.
Para exemplificar melhor a magnitude destas obras, lembramos que o
processo de execução foi engenhoso. O artista Michael Heizer49
para a obra Double
Negative [Duplo Negativo] abriu grandes fendas no topo de duas mesetas do
deserto de Nevada/Estados Unidos, removendo duzentas e quarenta mil toneladas
47
Técnica ou estilo (musical, literário, visual) caracterizado por extrema concisão e simplicidade, que
utiliza um número reduzido de elementos ou temas valorizados pela sua repetição. Impresso em
fonte: Minidicionário Houaiss da língua portuguesa.
48
Já feito, pronto – Tem o objetivo de provocar e também acabar com o conceito de beleza estética.
Impresso em fonte: STANGOS, Nikos. Conceitos da Arte Moderna. São Paulo, Jorge Zahar Editor,
1994.
49
Nasceu em Berkeley, Califórnia, em 1944. Começou produzindo em pequena escala pinturas e
esculturas, mas no final dos anos 1960, começou a produzir em larga escala obras que não poderia
caber em um ambiente do museu, exceto talvez em fotografias. Desde então, continuou sua
exploração de terraplenagem, sendo que tem focado principalmente na City (ainda não disponível ao
público), desde o final dos anos 90 até hoje, apoiado pela Fundação de Arte Dia através de uma
doação da Fundação Lannan. Disponível em http://doublenegative.tarasen.net acessado em
08.11.2011.
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O grafite da rua para as instituições culturais

  • 1. 1 Universidade Feevale Mestrado em Processos e Manifestações Culturais ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA O GRAFITE E SUA TRAJETÓRIA DA RUA PARA A INSTITUIÇÃO CULTURAL Novo Hamburgo 2011
  • 2. 2 Universidade Feevale Mestrado em Processos e Manifestações Culturais ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA O GRAFITE E SUA TRAJETÓRIA DA RUA PARA A INSTITUIÇÃO CULTURAL Trabalho de Conclusão apresentado ao Mestrado em Processos e Manifestações Culturais como requisito para a obtenção do título de mestre em Processos e Manifestações Culturais. Orientadora: Profa. Dra. Lurdi Blauth Novo Hamburgo 2011
  • 3. 3 DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) Bibliotecária responsável: Susana Fernandes Pfarrius Ladeira – CRB 10/1484 Possa, Andréa Christine Kauer O grafite e sua trajetória da rua para a instituição cultural / Andréa Christine Kauer Possa. – 2011. 125 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Processos e Manifestações Culturais) – Feevale, Novo Hamburgo-RS, 2011. Inclui bibliografia. “Orientadora: Profª. Drª. Lurdi Blaut”. 1. Grafite. 2. Arte de rua. 3. Manifestação artística. 4. Cultura. I. Título. CDU 73.04:546.26-162
  • 4. 4 Universidade Feevale Mestrado em Processos e Manifestações Culturais ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA O GRAFITE E SUA TRAJETÓRIA DA RUA PARA A INSTITUIÇÃO CULTURAL Trabalho de Conclusão de mestrado aprovada pela banca examinadora em 11 de Janeiro de 2012, conferindo ao autor o título de mestre em Processos e Manifestações Culturais. Componentes da Banca Examinadora: Profa. Dra. Lurdi Blauth. (Orientadora) Universidade Feevale. Profa. Dra. Elaine Tedesco. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Profa. Dra. Rosa Maria Blanca. Universidade Feevale.
  • 5. 5 ANDRÉA CHRISTINE KAUER POSSA Trabalho de Conclusão do Mestrado em Processos e Manifestações Culturais, com título O Grafite e sua Trajetória da rua para a Instituição Cultural, submetido ao corpo docente da Universidade Feevale, como requisito para obtenção do grau Mestre. Aprovado por: _________________________ Profa. Dra. Lurdi Blauth (Orientadora) _________________________ Profa. Dra. Elaine Tedesco (Banca Examinadora) _________________________ Profa. Dra. Rosa Maria Blanca. (Banca Examinadora) Novo Hamburgo, 11.01.2012.
  • 6. 6 DEDICATÓRIA Dedicado ao meu querido sobrinho Enrico, por ser fonte de alegria em todos os momentos; por reforçar em mim, que a fé na vida realmente move montanhas e por mostrar com seus pequeninos gestos e palavras de quem está descobrindo o Mundo, que um futuro melhor é possível de ser concretizado.
  • 7. 7 AGRADECIMENTOS Em especial à minha orientadora, Profa. Dra. Lurdi Blauth, que soube ensinar e me orientar na direção correta, mostrando-se sensível e dedicada a sua profissão e aos seus alunos, assim como para que o meu crescimento fosse possível e que se perpetue, por ser fonte de inspiração pessoal, o que me motiva a querer continuar e melhorar. A oportunidade oferecida pela Universidade FEEVALE e ao departamento de Pós-graduação Stricto Sensu e a analista administrativa Camila Barth Paiva, sempre disponível para nos orientar em nossas dúvidas. Ao Mestrado em Processos e Manifestações Culturais, em especial a coordenadora Profa. Dra. Paula Puhl pela carinhosa acolhida e aos demais docentes e colaboradores em qualificar o meu conhecimento acadêmico de modo que eu possa almejar novos objetivos e disseminar o aprendizado recebido. Aos colegas de Mestrado pela oportunidade de tê- los conhecido e convivido, sendo preciosa a troca de conhecimento na diversidade de áreas que representavam. Aos amigos, familiares, colegas de trabalho e demais pessoas pela compreensão de minha ausência em diversas atividades e pelo incentivo na realização deste curso. À minha amada irmã Viviane por sua paciência nas horas de angústia; por seu incentivo nos momentos em que se pensou desistir de tudo e por seu carinho em todos os tempos deste caminhar. Ao meu cunhado Edgar que acreditou na minha capacidade e investiu nos meus estudos.
  • 8. 8 Figura 01 Titi Freak, Convite ao artista para produção in loco, 2008. Foto: Fabio Del Re. “Desde a pré-história, o homem come, fala, dança e graffita” . Maurício Villaça
  • 9. 9 RESUMO Este estudo investiga o grafite enquanto manifestação artística e analisa a transformação em seus aspectos estéticos, sociais e ideológicos, tendo como referência a mostra TRANSFER ocorrida na cidade de Porto Alegre no ano de 2008. Esta mostra reascendeu posicionamentos sobre o que é a arte erudita e o que é a arte urbana, evidenciando, a partir da diferença, sua identidade e o deslocamento do grafite para as instituições culturais, quando este sofre ameaça à integridade de sua identidade, incitando o preconceito pelos próprios artistas/produtores desta arte de rua. Para melhor ambientar este fato, há o interesse de se fazer registrar a trajetória do grafite da rua aos centros culturais, buscando sublinhar seus contrastes ideológicos. Como referência utiliza-se autores como Nestor Garcia Canclini, Roque de Barros Laraia, Stuart Hall, Peter Burke, Celso Gitahy, João J. Spinelli e Cliffort Geertz. PALAVRAS-CHAVES: Manifestação artística. Grafite. Arte Urbana. Cultura. Instituições Culturais.
  • 10. 10 ABSTRACT This study has as objective to investigate the graffiti as artistic expression and to analyze their expression and transformation in urban art - as a means of aesthetic manifestations, social and ideological with reference to the exhibit TRANSFER - urban culture - contemporary art - transfers - changes - occurred in the city Porto Alegre in 2008. This shows reignited positions about what is high art and what is folk art, highlights from the difference, identity, carved by socio-cultural acceptance. The displacement of graphite for cultural institutions (public and private) is a remarkable point in this study, graphite suffers when the threat to the integrity of his identity by encouraging prejudice themselves artists/producers in the street art. To better context to this fact, there is interest to do record the trajectory of the graffiti from the streets to the cultural and vice versa, trying to emphasize their ideological conflict. Is used as reference authors like Nestor Canclini, Roque de Barros Laraia, Stuart Hall, Peter Burke, Celso Gitahy, João J. Spinelli and Cliffort Geertz. KEYWORDS: Demonstration art. Graffiti. Street art. Culture. Cultural Institutions.
  • 11. 11 ÍNDICE DAS FIGURAS Figura 01. Titi Freak, Convite ao artista para produção in loco, 2008. Foto: Fabio Del Re. Impresso em fonte: TRANSFER – cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 17. Figura 02. Vaso grego no “Estilo de Figuras Negras”, com Aquiles e Ajax jogando damas. Assinado por Exekias. Cerca de 540 a.C. Museu do Vaticano. Impresso em fonte: GOMBRICH, E.H. A História da Arte. 15ª Ed. LTC Editora: Rio de Janeiro, RJ, p. 50. Figura 03. Capa da revista Vista Skateboard Art, de Setembro/Outubro 2008, nº 20. Figura 04. Coletivo Shoot the Shit, “PORTO ALEGRE PRECISA DE MAIS _______”. Impresso em fonte: Jornal ZERO HORA de 31.10.2011, p. 5. Figura 05. Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? (1956), Colagem, 26 x 25 cm, Kunsthalle Tübingen, Coleção Prof. Dr. Georg Zundel. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes.São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 07. Figura 06. James Rosenquist, F-111 (1965), Óleo sobre tela com alumínio, 304,8 x 2.621,3 cm, Museum of Modern Art, Nova York. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.72. Figura 07. Richard Hamilton, Eu te amo com meu FORD (1961), Óleo sobre tela, 86,4 x 91,4 cm, Moderna Museet, Estocolmo. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 33. Figura 08. Roy Lichtenstein, Whaam! (1963), Óleo e magna sobre tela, 172,7 x 406,4 cm, Tate Gallery. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 60.
  • 12. 12 Figura 09. Andy Warhol, Caixa de sabão Brillo (1964), Polímero sintético e serigrafia sobre madeira, 43,2 x 43,2 x 35,6 cm, Coleção particular. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.25. Figura 10. Andy Warhol, Dezesseis Jackies (1964), Tinta acrílica e esmalte sobre tela, 204,3 x 163,6 cm, Walker Art Center, Minneapolis. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 45. Figura 11. Andy Warhol, Cadeira Elétrica (1964), Serigrafia e acrílico sobre tela, 56,2 x 71,1 cm, Tate Gallery. Impresso em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 71. Figura 12. Foto a esquerda de Michael Heizer, Double Negative [Duplo Negativo], 1969. Disponível em http://www.terramagazine.terra.com.br acessado em 26.05.2011; Foto ao centro de Robert Smithson, Spiral Jetty [Píer ou Cais Espiral], 1970. Disponível em www.iconia.com.br acessado em 26.05.2011; Foto a direita de Walter de Maria, The Lightning Field [O Campo dos Raios], 1977. Disponível em www.sinprorp.org.br acessado em 24.05.2011. Figura 13. Obras de Maurício Villaça. Impresso em fonte: Capa do livro GITAHY, Celso. O que é graffiti. São Paulo: Brasiliense, 1999 e disponível em http://fabriciosecchin.blogspot.com, acessado em 07.11.2011. Figura 14. Acima: Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80), 31,5 x 18 cm; Alex Vallauri, Peixe – s.d. (déc. 80), 36,8 x 26,5 cm; Abaixo: Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80), 18 x 31,5 cm; Alex Vallauri, Bota – 1978, 60 x 31 cm. Matrizes de grafite (pintura sobre cartão). Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 74. Figura 15. Beira riacho Ipiranga e Laçador, ambos em Porto Alegre. Disponível respectivamente em http://depositomaia.blogspot.com e http://portoimagem.wordpress.com. Figura 16. Lídia B., Nós. Disponível em www.flickr.com/photos/huanita acessado em 17.06.2010.
  • 13. 13 Figura 17. Disponível em http://g1.globo.com/rio-de- janeiro/noticia/2010/07/local-de-atropelamento-de-rafael-nao-foi- preservado-diz-delegada.html Foto de Bernardo Tabak/G1 acessado em 21.07.2010. Figura 18. Grafites de Trampo. Disponível em www.graffitiartmaps.com.br acessado em 17.06.2010. Figura 19. Pedro Gutierres, Meio homem – meio porco. Disponível em www.flickr.com/photos/pedrogutierres acessado em 27.07.2010. Figura 20. Grupo Beco RS. Disponível em http://www.flickr.com/photos/becors acessado em 27.07.2010. Figura 21. Grafite de Os Gêmeos. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 85. Figura 22. Grafite de Vitché. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 119. Figura 23. Grafite de Nina. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 83. Figura 24. Grafite de Herbert. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 65. Figura 25. Binho, A Barata. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 34. Figura 26. Grafite de Binho. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p.35. Figura 27. Grafite de Does. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 57.
  • 14. 14 Figura 28. Grafite de Caru. Impresso em fonte: GANZ, Nicholas. O mundo do grafite - arte urbana dos cinco continentes, SP: Martins Fontes, 2010, p. 45. Figura 29. Keith Haring. Impresso em fonte: ARRUDA, Jacqueline; VENTRELLA, Roseli. Projeto Educação para o século XXI, p. 27. Figura 30. Keith Haring, Desenho do metropolitano (1985). Giz sobre papel. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 21. Figura 31. Keith Haring, Sexo Seguro (1988). Acrílico sobre tela, 305 x 305 cm. Nova York, Patrimônio de Keith Haring. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 56. Figura 32. Keith Haring, Ignorância = Medo, Silêncio = Morte (1989). Cartaz, 61 x 110 cm. Nova York, Patrimônio de Keith Haring. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 71. Figura 33. Keith Haring, Sem Título (1988). Tinta Sumi sobre papel, cada 57 x 76 cm e 76 x 57 respectivamente. Coleção particular. Cortesia da galerie Hans Mayer, Düsseldorf, Alemanha. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 77. Figura 34. Keith Haring, Tuttomondo (1989). Mural, Igreja de Sant‟Antonio, Pisa, Itália. Impresso em fonte: KOLOSSA, Alessandra. Haring. Taschen, 2005, p. 90. Figura 35. Alex Vallauri. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 101. Figura 36. Esquerda: Alex Vallauri, Sem título (releitura) – s.d. (déc. 70), Litografia, p.a., 60 x 40 cm. Direita: Alex Vallauri, For Friends (releitura) – s.d. (déc. 70), Xilogravura, p.a., 49 x 33,9 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 26. Figura 37. Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 70). Xilogravura, p.a., 44 x 26,5 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti -
  • 15. 15 fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 47. Figura 38. Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 70). Gravura em metal, p.a., 29 x 24,5 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 84. Figura 39. Alex Vallauri, Sem título (street art, Tomkins Park, Nova York) – s.d. (déc. 80). Grafite, 300 x 200 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 100. Figura 40. Alex Vallauri, Sem título – s.d. (déc. 80). Grafite – recorte, detalhe, 80 x 100 cm. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 133. Figura 41. Alex Vallauri, Acrobatas (1982). Serigrafia, p.a., 67,5 x 68,2 cm. Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo. Doação de Suzanna Sassoun. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 82. Figura 42. Alex Vallauri, Detalhes da instalação A Festa na casa da Rainha do Frango Assado (1985). Grafite sobre madeira. Impresso em fonte: SPINELLI, João J. Alex Vallauri - Graffiti - fundamentos estéticos do pioneiro do grafite no Brasil, SP: BEI Comunicação, 2010, p. 138- 143. Figura 43. Capa do livro TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências – transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008. Figura 44. Capa do Programa de Atividade Simultânea “Viva o Centro – Circuito de Arte Urbana”. Figura 45. Esquerda: Cezar Gordo. Foto por: Alex Brandão, fotografia colorida, 2008. Manobra: Flip transfer, Local: Porto Alegre. Acervo do fotógrafo. Direita: Guilherme Zolin, Foto por: Alex Brandão, fotografia colorida, 2008. Manobra: Switchstance crooked grind reverse, Local: Porto Alegre. Acervo do fotógrafo. Impresso em
  • 16. 16 fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 101 e 103. Figura 46. Capa do livro TRANSFER: arte urbana & contemporânea: transferências & transformações. São Paulo: Conceito Consultoria em projetos Culturais: Editora ZY, 2011. Figura 47. Kboco, Convite ao artista para produção in loco (2008). Foto: Fabio Del Re. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 27. Figura 48. Lauro Roberto, Sem título (1999-2006). Raspagem sobre tetrapak. Acervo do artista. Foto: Fabio Del Re. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 59. Figura 49. Yury Hermuche, Perigondas (1997). Fanzine. Coleção Fabio Zimbres. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 62. Figura 50. Bruno 9li, ZN na Meta (2008). Técnica mista sobre papel. Acervo do artista. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 32-33.
  • 17. 17 SUMÁRIO ÍNDICE DAS FIGURAS..............................................................................................10 RESUMO....................................................................................................................08 ABSTRACT................................................................................................................09 INTRODUÇÃO...........................................................................................................17 1 GRAFITE: CONSIDERAÇÕES CULTURAIS ENTRE O ERUDITO E O POPULAR ..................................................................................................................................23 1.1 ARTE URBANA, ESPAÇO PÚBLICO E A PRESENÇA DO GRAFITE...........29 1.2 O GRAFITE E A INSERÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS...................376 2 ARTE URBANA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS ...........................................432 2.1 GRAFITE OU PICHAÇÃO?.........................................................................554 2.2 GRAFITE E SUAS MANIFESTAÇÕES ESTÉTICAS E CULTURAIS.............60 2.3 MANIFESTAÇÕES NÃO TÃO MARGINAIS ASSIM ....................................665 2.3.1 GRAFITEIROS DE RENOME: KEITH HARING E ALEX VALLAURI .. 74 2.4 OUTROS EVENTOS EM GRAFITE .............................................................. 84 3 MOSTRA TRANSFER/RS E O ESPAÇO INSTITUCIONAL................................887 3.1 ARTISTAS GRAFITEIROS DA TRANSFER/RS..........................................932 3.2 DEPOIMENTOS, REGISTROS E ANALOGIAS VISUAIS COM A POP ART ................................................................................................................................976 3.3 GRAFITE: COMUNICAÇÃO E INSERÇÃO INSTITUCIONAL .................11110 CONCLUSÃO ............................................................................................................118 REFERÊNCIAS .........................................................................................................120
  • 18. 18 INTRODUÇÃO A mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências – transformações - ocorrida em 2008, na cidade de Porto Alegre, foi muito significativa para iniciar as investigações sobre a temática artística do grafite. Esta mostra teve como proposta apresentar num centro cultural, considerado erudito, uma diversidade de manifestações artísticas provenientes de movimentos populares que ocorrem no espaço urbano, como o skate, hip hop e o grafite. Neste estudo pretende-se abordar, em especial, a arte do grafite, cujas manifestações se originaram nas paredes e muros da cidade, situando-se na marginalidade, fora dos espaços culturais instituídos pela sociedade. Porém, esta arte marginal, gradativamente, começou a ser considerada arte urbana, principalmente pela inserção de obras de alguns artistas em espaços da cultura erudita, como galerias de arte, centros culturais, mostras e museus. A exposição TRANSFER é abordada como referência para exemplificar a passagem de manifestações provenientes da arte de rua migrando para um espaço expositivo cultural. Embora estivessem presentes outros segmentos como o skate, hip hop, fanzines, etc., o enfoque de reflexão é direcionado para as produções da arte dos grafiteiros. Interessam seus componentes artísticos e suas percepções estéticas e culturais a respeito da arte urbana e do grafite, inseridos em espaço reconhecido culturalmente. Inclusive, este último sendo contestado por alguns, nem todos, uma vez que, certo número de artistas grafiteiros consideram esta arte como manifestação estritamente do espaço urbano, enquanto outros estão abandonando a rua para produzir suas obras em ateliers (como é o caso de Bruno 9li). Nesse sentido surge o questionamento: porque o grafite em instituições culturais não possui reconhecimento tanto quanto o grafite de rua pelos próprios grafiteiros? Quais as diferenças manifestadas nesta abordagem? Enquanto arte urbana, o grafite é reconhecido por seus membros (grafiteiros) de maneira satisfatória. Porém, quando esta arte invade museus, instituições culturais e galerias; perde sua identidade, tornando-se para os grafiteiros apenas uma obra com a aplicação da técnica do grafite, mesmo que seja cópia fiel do exposto na rua. Para fundamentar esta abordagem necessitamos de maiores esclarecimentos a
  • 19. 19 este respeito, o que faremos através de entrevistas aos grafiteiros de diversos segmentos, tanto dos que participaram da mostra ou não. Este trabalho tem como propósito principal abordar aspectos estéticos, sociais e ideológicos do grafite como arte urbana e sua inserção em espaços culturais considerados eruditos, analisando as suas diferenças. O presente trabalho também tem como finalidade: 1. Problematizar o termo cultura e as diferenças conceituais entre o erudito e o urbano; 2. Analisar os aspectos estéticos, sociais e ideológicos do grafite, a partir de espaços considerados culturais; 3. Realizar uma revisão bibliográfica sobre o grafite e a arte urbana presente em alguns estados brasileiros como Rio Grande do Sul e São Paulo; 4. Realizar entrevistas com artistas grafiteiros tendo por intenção a exposição de seus pensamentos acerca do grafite enquanto arte urbana e do grafite quando levado às instituições culturais; 5. Refletir sobre o trânsito do grafite proveniente das ruas para os centros culturais, tendo como referência a mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências - transformações ocorrida no Santander Cultural Porto Alegre, no ano de 2008 e 6. Selecionar imagens do trabalho de alguns artistas do grafite que são referência no segmento da arte urbana e que participaram da mostra TRANSFER e fazer analogias com o movimento inspirador – Pop Art – de muitos destes artistas. O estudo dos acontecimentos estéticos, sociais e ideológicos deste movimento artístico justifica a realização do trabalho, pois a arte urbana vem tomando proporções cada vez maiores no mundo, refletindo também em Porto Alegre. Dessa forma propõe-se analisar como se deu a passagem de uma manifestação artística proveniente das ruas para a sua institucionalização e aceitação como arte, contribuindo, com mais este conhecimento, nesta área, escassa de uma bibliografia específica. Analisaremos estes conceitos estéticos e as manifestações artísticas anteriormente mencionadas, e faremos relações com o grafite/arte urbana, através do artista plástico e grafiteiro Celso Gitahy, assim como de João J. Spinelli, em contrapartida com teóricos em outras áreas (da comunicação, sociologia, antropologia e filosofia), como Nestor Garcia Canclini, Stuart Hall, Peter Burke e Cliffort Geertz.
  • 20. 20 Para este estudo adotaremos dois métodos de procedimento adequado para as investigações e pesquisas acima mencionadas. Partindo da concepção segundo Prodanov e Freitas (2009, p. 33) de que: [...] método é um procedimento ou caminho para alcançar determinado fim [...] a finalidade da ciência é a busca do conhecimento, [...] o método científico é um conjunto de procedimentos adotados com o propósito de atingir o conhecimento. Neste processo em busca do conhecimento, dentre os diversos métodos de procedimentos – meios técnicos da investigação (histórico, experimental, observacional, comparativo, estatístico, clínico e monográfico), nosso estudo enquadra-se nos métodos: comparativo e monográfico. Conforme Prodanov e Freitas (2009, p. 46) “nem sempre um método é adotado rigorosa ou exclusivamente. [...] porque nem sempre um único método é suficiente para orientar todos os procedimentos a serem desenvolvidos ao longo da investigação”. O método comparativo segundo Prodanov e Freitas (2009, p. 47): procede pela investigação de indivíduos, classes, fenômenos ou fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e as similaridades entre eles. [...] centrado em estudar semelhanças e diferenças, esse método realiza comparações com o objetivo de verificar semelhanças e explicar divergências. Sendo assim, o presente estudo investiga fenômenos ou fatos (no nosso caso, o grafite e a mostra TRANSFER), ressaltando suas semelhanças e diferenças; analisando e comparando com dados concretos (grafite/arte urbana, cultura erudita e popular, concepções artísticas, instituições culturais). Enquadra-se aqui, o método monográfico devido ao grafite – especificamente seu grupo (cultura/arte urbana) em relação à sociedade (cultura erudita) -, relacionando-o à mostra TRANSFER – referenciando a cultura e a instituição cultural - ser também um estudo de caso, examinando o tema central (o grafite) e observando os fatores que o influenciam, analisando-o em seus aspectos estéticos, sociais e ideológicos. Consideraremos para a realização desta pesquisa diversos meios no levantamento de informações e ordenação/redação da argumentação como a revisão bibliográfica sobre alguns movimentos artísticos ocorridos na modernidade, no início do século XX, e, que provocaram mudanças significativas em relação à
  • 21. 21 incorporação de elementos do cotidiano nas obras. Incluiremos também nesta pesquisa, o livro sobre a mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências – transformações, a fim de investigar suas trajetórias artísticas na rua e nos espaços culturais; a pesquisa bibliográfica em livros, artigos, revistas especializadas no assunto como a Vista Skateboard Art; folders do evento, incluindo o Programa de Atividade Simultânea “Viva o Centro – Circuito de Arte Urbana”; entrevistas com artistas grafiteiros; além de periódicos sobre o grafite, a cultura urbana e cultura erudita, entre outros. O primeiro capítulo trata especificamente da cultura urbana e sua contextualização, evidenciando questões como hibridismo entre a cultura erudita e urbana; assim como as oposições e aproximações entre o erudito e o popular segundo Canclini, Peter Burke, Geertz, Thompson e Laraia, remetendo ao grafite e ao multiculturalismo. O capítulo seguinte aborda antecedentes históricos da arte; a diferenciação entre grafite e pichação; apresentando também alguns artistas grafiteiros, sendo estes considerados os precursores nesta arte. Sendo precária a bibliografia sobre este tema, acolheremos as concepções de Celso Gitahy e João J. Spinelli, assim como teses e monografias encontradas a este respeito. As questões acima citadas já surgiram em períodos anteriores da humanidade. Assim sendo, pretende-se enfatizar um movimento de vanguarda, com suas inquietações em relação à arte pela arte; considerando quando Marcel Duchamp, com os seus readymades descontextualiza um objeto e o insere no espaço que é respeitado, socialmente, próprio para obras de arte e também a Pop Art, que, segundo Artur C. Danto (2006, p. 134) “[...] em meu ponto de vista, o movimento de arte mais crucial do século”. Neste contexto, pode-se questionar: porque um objeto que não é arte foi aceito? Isto não ocorre também com o grafite? Quais seriam essas diferenças? Em sentido inverso, almeja-se abordar a Land Art – arte que utiliza o terreno natural, em vez de prover o ambiente para uma obra de arte, é ele próprio trabalhado de modo a integrar-se à obra; movimentos estes que saem dos museus para ocupar o espaço urbano, questionando se a arte devia estar dentro ou fora das galerias, museus ou outras instituições culturais. Como o público poderia apreciar uma obra que acontece apenas num dado momento, numa intervenção efêmera, numa paisagem de difícil acesso? Quais os dispositivos utilizados pelos artistas para
  • 22. 22 que se tenha conhecimento destas obras? E ainda, apresentaremos algumas notícias que foram destaque no Brasil e no Mundo a respeito do grafite, como meio de podermos vislumbrar sua abrangência. No terceiro e último capítulo a mostra TRANSFER é apresentada sob os aspectos: histórico; alguns artistas participantes e suas obras; além de depoimentos e registros visuais. Relativo à cultura erudita, procuraremos evidenciar as instituições culturais como maior representante deste segmento, tendo reflexões a respeito destas, como forma de divulgação da cultura erudita e as apresentações de decretos-lei e estatutos que as regem, as normatizações referentes aos museus e instituições culturais, salientando este conhecimento, e frisando que não iremos adentrar neste universo político-administrativo. Partindo destes pressupostos sobre o culto e o urbano, abordaremos o grafite como manifestação urbana, que transita do espaço urbano para o espaço cultural, no momento que se integra às instituições e galerias. Também exploraremos os aspectos estéticos, sociais e ideológicos que o grafite, enquanto manifestação artística faz referência junto do maior motivador sobre o assunto: a mostra TRANSFER - cultura urbana - arte contemporânea – transferências - transformações ocorrida no Santander Cultural Porto Alegre, no ano de 2008.
  • 23. 23 1 GRAFITE: CONSIDERAÇÕES CULTURAIS ENTRE O ERUDITO E O POPULAR Iniciamos as nossas considerações em relação aos pressupostos e as diferenças entre as manifestações e expressões culturais oriundas do espaço urbano, buscando alargar a compreensão sobre a arte do grafite. Embasamos os estudos em alguns autores que afirmam que a cultura não é algo estanque, pois ela depende das complexas características de uma determinada sociedade, que muda constantemente seus valores no decorrer dos tempos, devido exatamente a sua evolução. Neste contexto, procuramos esclarecer o conceito de cultura, o que se descobre ser algo difícil, pois ele não é fechado, principalmente pela sua abrangência paradoxal entre as origens de uma determinada cultura e também pelos seus aspectos universais. Na cultura atual, globalizada, podemos encontrar os mesmos produtos em diversas partes do mundo, contrapondo-se a singularidade das diferenças regionais. Peter Burke1 (2010, p. 11) reafirma a dificuldade de se conceituar cultura quando comenta: Cultura é uma palavra imprecisa, com muitas definições concorrentes; a minha definição é a de “um sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos artesanais) em que eles são expressos ou encarnados”. A cultura nessa acepção faz parte de todo um modo de vida, mas não é idêntica a ele. A cultura, portanto, é construída conforme a sociedade e a época em que se vive, desde os utilitários, o vestuário, o linguajar utilizado, o fazer diário (rotina) do indivíduo e/ou seu grupo, tudo isto faz parte da convivência social do homem. Por outro lado, segundo Fayga Ostrower2 (1978, p. 11), “as culturas assumem formas variáveis que se alteram com bastante rapidez, incomparavelmente mais rápidas do 1 Nasceu em Stanmore/Inglaterra – 1937. Doutorou-se na Universidade de Oxford, foi professor na Universidade de Essex, na Universidade de Sussex, na Universidade de Princeton e atualmente é professor emérito da Universidade de Cambrigde. Foi professor visitante da USP/IEA – SP entre 1994-1995. É considerado um dos maiores especialistas na Idade Moderna Européia e na obra de Gilberto Freyre. Impresso em fonte: BURKE, Peter. Cultura Popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. 2 Nasceu em Lodz, Polônia em 1920. Chegou ao Rio de janeiro na década de 30. Cursou Artes Gráficas na Fundação Getúlio Vargas em 1947 e entre 1954 e 1970 desenvolveu atividades docentes no MAM/RJ; no decorrer da década de 60 lecionou no Spellman College (Atlanta/EUA), na Slade School da Universidade de Londres, Inglaterra e posteriormente foi professora de pós-graduação em várias universidades brasileiras. Faleceu no Rio de Janeiro em 2001. Disponível em www.faygaostrower.org.br/artista.php acessado em 08.11.2011.
  • 24. 24 que eventuais alterações biológicas”. O desenvolvimento do ser humano é vinculado aos padrões culturais e históricos, ou seja, ele “age culturalmente, apoiado na cultura e dentro de uma cultura” (p. 13). Nesse sentido, podemos entender que a cultura não é individual, envolve a experiência coletiva, ou seja, aspectos de um determinado modo de vida, em seus diferentes valores estéticos e sociais são compartilhados e transmitidos para as gerações seguintes. Para Thompson3 (1995), o estudo da constituição significativa e da contextualização social das formas simbólicas seria o mais próximo que se pode chegar ao conceito de cultura. As múltiplas formas simbólicas elaboradas pelo indivíduo são condicionadas a partir de um determinado contexto histórico e técnico, servindo para estabelecer ou sustentar relações de dominação, através do “[...] conjunto de valores, crenças, costumes, convenções, hábitos e práticas características de uma sociedade específica ou de um período histórico” (p. 166)4 . Essa concepção evidencia como as diferentes culturas influenciam o comportamento social e diversificam enormemente a humanidade: O homem vê o mundo através de sua cultura, tendendo, portanto, a considerar o seu modo de vida o mais correto e o mais natural. Como resultado dessa dinâmica social, evidenciamos os mais diversos tipos de conflitos etnocêntricos. O conflito “nós e os outros” tem como ponto fundamental a referência de grupo em detrimento a referência de humanidade, tão comum na sociedade moderna. (LARAIA 5 , 2003, p. 72) Para este autor, cada sociedade ordena, a seu modo, o mundo que a circunscreve e que essa ordenação dá um sentido cultural à aparente desordem das coisas naturais. Nessa perspectiva, atribui também ao raciocínio humano a possibilidade de tornar a cultura dinâmica e, em constante processo de mudança. É pela capacidade de questionar os próprios hábitos que o homem torna-se capaz de modificar a si e a maneira de se relacionar com a vida. Laraia ainda afirma que a cultura permite ao homem adaptar-se ao seu meio, mas também adaptar esse meio 3 Professor de Sociologia na Universidade de Cambridge. Nasceu em Miniapolis/Estados Unidos em 1958. Impresso em fonte: THOMPSON, John B. “Metodologia da Interpretação”. In: ______. Ideologia e Cultura Moderna. Petrópolis/RJ: Vozes, 1995. 4 Disponível em fonte: www.saofrancisco.edu.br/itatiba/mestrado/educacao, acessado em 01.11.2011. 5 Professor emérito da UnB iniciou sua carreira, como antropólogo, no Museu Nacional da UFRJ. Transferiu-se em 1969 para a UnB, onde dirigiu o Instituto de Ciências Humanas, sendo promovido a professor titular em 1982. Doutor pela USP realizou pesquisas de campo entre os índios brasileiros. Atualmente é membro do Conselho Consultivo do Instituto do patrimônio Histórico e Artístico Nacional e do Conselho Nacional de Imigração. Impresso em fonte: LARAIA, Roque B. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
  • 25. 25 ao próprio homem, as suas necessidades e seus projetos. Expõe que cultura pode referir-se tanto a uma sociedade específica, mas também a grupos sociais dentro dela; e ainda que seja entendida como dimensão não-material da sociedade, não abandonou a preocupação com os aspectos materiais. Por outro lado, as relações culturais também supõem a mediação entre o poder e o objeto de sua ação, implicando em contradições, desigualdades, diferentes condições sociais, envolvendo algum tipo de dominação entre a cultura considerada erudita6 e a cultura popular. Ambas as culturas são importantes para o desenvolvimento das sociedades, mas são vistas e valoradas de formas diferentes. Isto se reflete também nas artes, quando verificamos que um jarro cerâmico (Figura 02), por exemplo, por ser de determinada dinastia grega, muda do valor de uso para o valor de obra de arte, perdendo a característica primeira de utilitário, de algo produzido para conter alguma coisa, para tornar-se objeto estético. Podemos pensar que, na produção de objetos de uso cotidiano e objetos com a finalidade de uso em rituais, havia a “preocupação” com os propósitos e significações culturais, interligados à vida e com certa unidade estética. Figura 02 Vaso grego no “Estilo de Figuras Negras”, com Aquiles e Ajax jogando damas. Assinado por Exekias. Cerca de 540 a.C. Museu do Vaticano. 6 A definição de erudito é tão complexa quanto à definição de cultura. Nesta pesquisa utilizo o termo para fazer um distanciamento e uma diferenciação com o urbano e/ou popular, não entrando nos paradigmas de Pierre Bourdieu (A Economia das Trocas Simbólicas. Perspectiva, 2009) que explica ser uma categoria relacional em oposição à cultura de massa.
  • 26. 26 O conceito de cultura a partir de uma perspectiva antropológica no entendimento de Geertz7 (2008) sofre uma revisão e passa a ser visto como um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos e materializado em comportamentos. Na época em que foi confeccionado o jarro grego, portanto era somente um jarro para conter óleo, água ou perfume, mas resistindo ao tempo e sobressaindo sua beleza estética, séculos depois, os seus significados e funções originais se modificaram. Controladora do comportamento em sociedade, a cultura, ao mesmo tempo cria e recria este comportamento, devido ao seu conteúdo ideológico, impossível de ser exaurido de significado, já que toda cultura possui uma ideologia que o embasa. Para Geertz (2008), a ideologia é apresentada como a dimensão norteadora do “arbitrário cultural” -, os princípios que são aceitos pelo senso comum como indiscutíveis, e que definem o que é valorizado ou desvalorizado em termos comportamentais em determinado grupo humano -, sendo este arbitrário cultural o elemento mediador da apreensão dos signos e significados presentes em uma cultura. Na perspectiva desta investigação, nos propomos refletir sobre as questões que mediam a valorização e a aceitação de produções simbólicas provenientes de uma cultura urbana em relação à cultura erudita. Colocam-se algumas indagações: porque a arte erudita saindo das instituições culturais para os espaços urbanos é mais bem quista pelo público e pela sociedade? E a arte urbana, a exemplo do grafite, quando inserida em uma instituição cultural pode vir a tornar-se arte (com mesma ênfase da arte erudita) e como é sua aceitação pelo público e pela sociedade estabelecida como culta? A exemplo da arte que saiu da instituição para as ruas, sendo oferecido ao olhar do cidadão comum, um grupo de artistas de São Paulo (Cildo Oliveira, Lucia Py, Lucia Porto e Newman Schutze) realizaram duas intervenções. Numa, representaram, por meio de esculturas no jardim, elementos arquitetônicos que cercavam o MAC, cuja identificação imediata pelo público de que o que estava fora era a arte que estava dentro do museu, fez aumentar o número de visitantes. Noutra, uma exposição de objetos no formato de painéis no Viaduto do Chá, cujos 7 Considerado o fundador de uma das vertentes da antropologia contemporânea - a chamada Antropologia Hermenêutica ou Interpretativa - que floresceu a partir dos anos 50. Nasceu em São Francisco/Estado Unidos em 1926 e faleceu na Filadélfia/Estados Unidos no ano de 2006. Impresso em fonte: GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. 1. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
  • 27. 27 desenhos encontravam-se pela metade, suscitou o convite dos artistas ao público durante a montagem, de buscarem a outra metade na abertura da exposição à noite. Essa atitude integrou o espectador, instigou uma platéia nova, de office-boys, empregadas domésticas, bancários, comerciários, etc. Vê-se que neste contexto, há uma apreciação mais fluída por parte do cidadão comum com a arte acadêmica. Existe um respeito velado nesta relação, uma herança de anos de entendimento - mesmo que não em sua plenitude ou sabedoria que lhe é própria – das pessoas comuns a arte e a artistas de galerias, instituições, museus. O estranhamento inicial é imediatamente trocado pelo encantamento, sentimento atávico que se sobressai a inibição, a falta de cultura, a modesta educação. Já o contrário, a arte que sai das ruas e vai para as instituições, como no caso dos acontecimentos recentes em favor da disseminação do grafite, o respeito pelo artista é ignorado, também veladamente há um preconceito sobre a origem desta arte, que reforça o pensamento de Canclini8 de que o popular é o excluído. O popular é nessa história o excluído: aqueles que não têm patrimônio ou não conseguem que ele seja reconhecido e conservado; os artesãos que não chegam a ser artistas, a individualizar-se, nem a participar do mercado de bens simbólicos “legítimos”; os espectadores dos meios massivos que ficam de fora das universidades e dos museus, “incapazes” de ler e olhar a alta cultura porque desconhecem a história dos saberes e estilos. (CANCLINI, 2006, p. 205) Para tentar entender o processo de migração do grafite, buscaremos um apoio no conceito de cultura popular de Peter Burke (2010, p. 11), “talvez seja melhor de início defini-la negativamente como uma cultura não oficial, a cultura da não elite”. Neste sentido, o grafite circunda a alta cultura no momento em que seus autores buscam direta ou indiretamente artistas e movimentos artísticos (em grande parte o referencial vem da Pop Art9 ) aos quais se identificam para expressarem sua 8 Nasceu em La Plata/Argentina em 1939. Estudou filosofia e concluiu o doutorado em 1975 na Universidade Nacional da Prata. Três anos depois, concluiu o doutorado na Universidade de Paris. Atuou como docente nas universidades da Prata entre 1966-1975, Buenos Aires entre 1974-1975, Stanford, Austin, Barcelona e São Paulo. Desde 1990 é professor da Universidad Autónoma Metropolitana no México, onde está radicado. É considerado um dos maiores investigadores em comunicação, cultura e sociologia da América Latina. Impresso em fonte: CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 1998. 9 Movimento artístico iniciado na Inglaterra e nos Estados Unidos nos anos 50, cuja figura de maior destaque foi o americano Andy Warhol. Pretendia demonstrar com suas obras a massificação da cultura popular capitalista. Procurava a estética das massas, aproximando-se do que costuma chamar de kitsch. Disponível em ww.itaucultural.org.br acessado em 10.06.2011.
  • 28. 28 arte. O diferencial em relação à arte erudita é a sua espacialidade (a cidade) como forma de manifestação, tornando-se um patrimônio de todos. Reforçando esta abordagem, Canclini (2006, p. 196) se limita a questões espaciais e de apropriação: Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica. Constituem, nesse sentido, seu patrimônio próprio. Também podem alcançar alto valor estético e criatividade, conforme se comprova no artesanato, na literatura e na música de muitas regiões populares. Por outro lado, Canclini (2006) fala de uma cultura urbana, sendo esta a principal causa da intensificação da heterogeneidade cultural. Neste sentido podemos constatar que há uma grande diversidade cultural nas cidades, diversos grupos sociais ou “tribos”, classificadas de acordo com a idade, credo, sexo, condição financeira, etc., que acabam por desenvolver características únicas e múltiplas, constituindo uma heterogeneidade imensa dentro de uma mesma cidade que por sua vez tem uma característica homogeneizada de acordo com as outras cidades. [...] As oposições entre o culto e o popular, entre o moderno e o tradicional, condensam-se na distinção estabelecida pela estética moderna entre arte e artesanato. Ao conceber-se a arte como movimento simbólico desinteressado, um conjunto de bens “espirituais” nos quais a forma predomina sobre a função e o belo sobre o útil, o artesanato aparece como o outro, o reino dos objetos que nunca poderiam dissociar-se de seu sentido prático. Os historiadores sociais da arte, que revelam as dependências da arte culta com relação ao contexto social, quase nunca chegam a questionar a fenda entre o culto e o popular, que em parte se superpõe à cisão entre o rural e o urbano, entre o tradicional e o moderno. (CANCLINI, 2006, p. 242) Aliando a esta oposição entre o culto e o popular, Canclini (2006, p. 243) nos relata que o que opõe a arte erudita à arte popular é que os produtores da primeira seriam singulares e solitários, enquanto os populares seriam coletivos e anônimos: O culto e o popular, o nacional e o estrangeiro apresentam-se ao final deste percurso como construções culturais. [...] Sua verossimilhança foi alcançada historicamente mediante operações de ritualização de patrimônios essencializados. A dificuldade de definir o que é culto e o que é o popular deriva da contradição de que ambas as modalidades são organizações do simbólico geradas pela modernidade, mas ao mesmo tempo a modernidade
  • 29. 29 – por seu relativismo e anti-substancialismo – as desgasta o tempo todo. (CANCLINI, 2006, p. 362) Neste sentido, Canclini ao salientar as diferenças do que pode ser considerado uma produção culta, abre uma perspectiva de pensarmos então, que a arte urbana também pode ter sido uma possível convenção diminuta de sua real abrangência, de sua permeabilidade na contemporaneidade, o que a levou ao patamar de ter o privilégio de ser adquirida, nos tempos atuais, por instituições até então, apreciadoras somente de produções acadêmicas. Esse aceite do grafite causou uma inicial estranheza ao adentrar as instituições culturais, ao ser reconhecido como arte urbana, como uma forma de cultura urbana que em si ganhou contorno e força, o que motivou esta dissertação sobre arte e cultura em suas relações e conseqüentes mudanças comportamentais frente a cultura erudita; estas aproximações e diferenças relativas inclusive, ao artesanato, de modo a valorar o trabalho de um grupo de menor prestígio. Portanto, podemos verificar que o conceito de cultura vai muito além das significações que calcificam regras, costumes e legados históricos das gerações anteriores e, com isso, impõem uma simplificação demasiada a um assunto digno de inumeráveis reflexões e considerações. 1.1 ARTE URBANA, ESPAÇO PÚBLICO E A PRESENÇA DO GRAFITE A temática sobre as implicações das produções consideradas como arte urbana, - oriunda da cultura erudita -, e a constatação da presença do grafite nos espaços públicos das cidades requer algumas reflexões. Os lugares públicos envolvem vários ambientes que encontramos nas cidades, como as praças, os viadutos, as ruas em geral, além dos museus e das galerias de arte. O mesmo se dá quanto ao grafite10 , quando cada grupo marca de forma diferenciada seu espaço, com símbolos e grafismos característicos de sua região ou entorno. Há uma identificação entre os artistas que integram este meio 10 Segundo o Miniaurélio Dicionário Eletrônico, palavra, frase ou desenho feito em muro ou parede de local público. Conforme Celso Gitahy, do italiano graffiti, plural de graffito.
  • 30. 30 que valorizam de forma significativa as suas criações, bem como da população local, pois o grafite, de certa maneira, delimita um território gerando uma identidade local. Segundo, Helena Mendonça11 , urbano vem do latim e significa “o que é próprio da cidade”. Cultura urbana seria, por extensão, a expressão de grupos que desenvolvem sua arte nas ruas, nos bairros, em espaços públicos que são democratizados, criando novas sociabilidades12 . No cenário do espaço urbano, em seus aspectos mais gerais, colaboram também outras manifestações – o teatro de rua, os seresteiros, as estátuas humanas, os panfletos, os outdoors - que interferem de forma desordenada no espaço urbano – igualmente relacionados à cultura urbana como o hip hop e a própria cidade enquanto meio de divulgação de arte e cultura, torna-se de grande importância abordar as questões relativas aos espaços que a cidade oferece. A cidade é, portanto um produto da diversidade da vida social, cultural e pessoal, devendo ser “pensada, tratada e vivida como um bem público comum, e não como um espaço de desigualdades”, como afirma Jorge Luiz Barbosa13 “[...] sendo esta a expressão da pluralidade de vivências culturais, afetivas e existenciais”. Por outro lado, estar numa cidade trabalhando e morando nela, não significa ter vinculo definitivo e único a ela, pois podemos estar em qualquer outro lugar através da internet, acessando outros espaços urbanos e culturais, de forma bem diversificada. Sob este enfoque, Anne Cauquelin (1996, p. 35) relata: “duas ficções estão presentes simultaneamente, a do local circunscrito que delimita um objeto preciso, individualizado, e a da extensão indefinida das potencialidades de comunicação que apagam o tempo e o local”. No contexto das cidades, Anne Cauquelin (1996, p. 33) considera que elas são objetos que tem seus limites, podendo-se entrar ou sair delas, obedecendo as suas fronteiras. A cidade é o local da comunicação entre os membros da comunidade deste modo protegida, onde a língua, os costumes, os comportamentos são compartilhados, tendo uma identidade que se inscreve numa história coletiva e ao mesmo tempo individualizada. E, em relação às produções da arte 11 Supervisora pedagógica do Programa Salto para o Futuro. Disponível em http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/165031Culturaurbana.pdf acessado em 06.10.2011. 12 Disponível em http://tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/165031Culturaurbana.pdf acessado em 06.10.2011. 13 Professor Adjunto do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Observatório de Favelas.
  • 31. 31 contemporânea, para Cauquelin o objeto estável cedeu o lugar a um processo de construção permanente onde a cidade não é mais fixa, pois “[...] qualquer ser humano de qualquer ponto do planeta pode entrar e sair deste invólucro e participar, como membro ativo, da cidade mundial”. Por outro lado, a ocupação do espaço das cidades, as discussões sobre os limites, a territorialidade, cartografias, etc, tem motivado ações e intervenções de diversos artistas na atualidade. E como nos diz Nelson Brissac (2000, p. 239): “[...] Nos últimos anos, uma série de projetos artísticos internacionais têm ocupado cidades, optando por espaços urbanos em vez de museus e galerias”. Nesse sentido, como um exemplo local (no caso, Porto Alegre) as BIENAIS DO MERCOSUL têm ocupado diversos espaços da cidade e o território, propondo outras interações com a população. A 8ª Bienal do Mercosul – Ensaios de Geopoética14 – teve como tema o território e sua redefinição crítica a partir de uma perspectiva artística, tratando de tópicos relevantes para essa discussão: mapeamento, colonização, fronteira, aduana, alianças transnacionais, construções geopolíticas, localidade, viajantes científicos, nação e política. O projeto curatorial desenvolveu sete grandes ações, abordadas por meio de duas estratégias - expositivas e ativadoras. Nas ações ativadoras, tiveram como resultado uma exposição, com ênfase na relação entre artista e público. Nas exposições propriamente ditas, a ênfase estava na obra e na sua relação com os trabalhos dos demais artistas e com o tema proposto. Dessa forma, a cidade de Porto Alegre e o território do nosso estado foram vistos como lugares a descobrir e a ativar por meio da arte. Além dessas ações, houve a exposição do artista chileno homenageado Eugenio Dittborn, que esteve em Porto Alegre no Santander Cultural, com desdobramentos em três cidades do Estado: Bagé, Caxias do Sul e Pelotas. A Casa M, um dos projetos-chave da bienal consistia em um espaço de encontro para a comunidade artística local, pessoas interessadas em arte e cultura, professores e estudantes de arte e áreas afins. A proposta partiu da vontade de criar uma comunidade temporária em torno da mostra, promovendo a reflexão e o diálogo e favorecendo o intercâmbio e a criação de redes. Esta terá duração de sete meses, oferecendo à comunidade uma programação de residências curatoriais, pequenas 14 Ocorreu no período de 15 de setembro a 15 de novembro deste ano em Porto Alegre. Reuniu 107 artistas de 34 países.
  • 32. 32 exposições, conversas, oficinas e outras atividades. O local conta com um espaço de convivência, sala de leitura, biblioteca e ateliê, entre outros ambientes e a programação é desenhada pela equipe curatorial da 8ª Bienal em parceria com o Projeto Pedagógico15 , contando com o apoio de um conselho formado por seis artistas, teóricos e agentes culturais de Porto Alegre. A Bienal abraçou todo o território do Rio Grande do Sul levando artistas, obras, exposições e atividades pedagógicas a mais de dez cidades16 . Na capital foram realizadas as exposições Geopoéticas e Cadernos de Viagem, no Cais do Porto e Além Fronteiras, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS. Além disso, nove locais do centro abrigaram a exposição Cidade Não Vista, com o propósito de chamar a atenção para lugares que habitualmente não são percebidos pela população. Segundo o presidente da 8ª Bienal do Mercosul, Luiz Carlos Mandelli, a realização dessa edição reafirma o compromisso da Fundação Bienal com a comunidade: “o projeto curatorial [...] amplia as ações e envolve comunidades de todo o Estado, promovendo efetivamente a transformação social através de propostas artísticas contemporâneas17 ”. Quais as relações da arte urbana com o espaço local e a noção de território? As relações da arte urbana com o espaço, o local e o território que são abordadas na 8ª Bienal do Mercosul, nos remete aos estudos de Maria Amélia Bulhões (2002, p.153): “O território, suporte físico de toda vivência social, foi sempre um dos determinantes da identidade cultural, na medida em que pode ser definido como a área geográfica em que um indivíduo ou um grupo desenvolve sua existência”. Nesse contexto, a rua, a cidade e até mesmo um território (o Rio Grande do Sul) enquanto lugar, pode-se tornar um espaço para ações e intervenções artísticas, que foi a proposta da 8ª Bienal do Mercosul, pois ao apreendermos uma obra, em um espaço público, ampliamos nosso horizonte, começamos a visualizar o ambiente que nos rodeia de outra forma, nos apercebendo destas intervenções de forma mais 15 As diversas linhas de ação curatorial foram concebidas também como ações pedagógicas. O Projeto Pedagógico contemplou atividades de formação de professores, curso para formação de mediadores, oficinas, palestras, seminários, publicações destinadas a diversos públicos e, especialmente, a programação da Casa M, além dos agendamentos de visitas guiadas e o transporte gratuito para escolas públicas e atividades diferenciadas oferecidas ao público visitante durante o período da mostra. Disponível em www.fundacaobienal.art .br acessado em 14.11.2011. 16 Bagé, Caxias do Sul, Ijuí, Montenegro, Pelotas, Santa Maria, Santana do Livramento, São Miguel das Missões e Teutônia. Disponível em www.fundacaobienal.art .br acessado em 14.11.2011. 17 Disponível em www.fundacaobienal.art .br acessado em 14.11.2011.
  • 33. 33 sensível ou não, mas nos causando de qualquer maneira uma reação positiva ou negativa. Por outro lado, percebemos que os territórios, os locais e os espaços urbanos são impregnados de vivências culturais, o que de certa maneira, são determinantes para essas intervenções e, que não ocorrem de maneira “marginal” como os grafites. Ou seja, quando se trata de projetos artísticos vinculados a uma instituição “erudita”, geralmente, são realizadas proposições em locais escolhidos anteriormente pelo artista e que pode ter uma curadoria para isso. Nelson Brissac (2000, p. 240) coloca: Como são determinados os lugares? Agora o curador decide, para cada obra específica para um sítio, onde este começa e termina e quais são os parâmetros básicos que estimulam o trabalho. A noção de sítio é ampliada e estratificada, para incluir não só a materialidade de uma estrutura particular como também a sua categoria genérica e funcional. O sítio pode então se estender da edificação para o bairro, a cidade, o país. Deste modo, os locais públicos escolhidos a sofrerem intervenções artísticas começam a ser vistos como locais particularizados pelas obras e seus artistas, tornando-se um ponto de referência local, mas ao mesmo tempo estético, contendo traços históricos e sociais, visto que a escolha tanto do local como da temática abordada pode ou não modificar a percepção quanto ao ambiente inicial que se possuía daquele mesmo local. Para Nelson Brissac (2000, p. 242): “A arte em espaços urbanos pode proporcionar grande visibilidade para grupos sociais marginalizados e possibilitar a descoberta de lugares descartados pela cultura dominante”. Acrescente-se aí toda a arte grafite que está espalhada pela cidade e que atualmente já não causa tanto estranhamento na população. Segundo Brissac (2000, p. 243): Colocada nestes espaços reestruturados, a arte pública contribui funcional e esteticamente para formatar os ambientes urbanos, encorajando os projetos imobiliários e revitalização das áreas. A intervenção artística pode auxiliar a garantir aceitação para a reestruturação, forma contemporânea da urbanização capitalista. Além de reforçar, ao ordenar praças e átrios corporativos, a privatização dos espaços públicos. Neste sentido, as ações artísticas além de favorecerem uma mudança estética e visual nos espaços urbanos, também podemos perceber as diversas
  • 34. 34 mesclas culturais que os espaços da cidade proporcionam. Para Canclini (2006, p. 19), essas diversas expressões, [...] são denominadas intercultural de hibridação em vez de sincretismo ou mestiçagem, porque abrange diversas mesclas interculturais - não apenas as raciais, às quais costuma limitar-se o termo “mestiçagem” – e porque permite incluir as formas modernas de hibridação, melhor do que “sincretismo”, fórmula que se refere quase sempre a fusões religiosas ou de movimentos simbólicos tradicionais. Descartamos o conceito do sincretismo por não estarmos abordando questões simbólicas tradicionais ou religiosas em arte, mas propondo reflexões acerca dos procedimentos que envolvem as práticas híbridas, como no caso o grafite, em que podemos considerar os seus elementos como híbridos por se esquivar das convenções estéticas clássicas, por ter livre acesso em vários segmentos: sociais, espaciais/territoriais e culturais. Confirmando e ampliando os conhecimentos acerca deste tema, acrescenta-se: [...] há gêneros constitucionalmente híbridos, por exemplo, o grafite e os quadrinhos. São práticas que desde seu nascimento abandonaram o conceito de coleção patrimonial. Lugares de intersecção entre o visual e o literário, o culto e o popular, aproximam o artesanal da produção industrial e da circulação massiva. [...] as lutas pelo controle do espaço se estabelecem através de marcas próprias e modificações dos grafites de outros. Suas referências sexuais, políticas ou estéticas são maneiras de enunciar o modo de vida e de pensamento de um grupo que não dispõe de circuitos comerciais, políticos ou dos mass media para expressar-se, mas que através do grafite afirma seu estilo. Seu traço manual, espontâneo, opõe-se estruturalmente às legendas políticas ou publicitárias “bem” pintadas ou impressas e desafia essas linguagens institucionalizadas quando as altera. O grafite afirma o território, mas desestrutura as coleções de bens materiais e simbólicos. (CANCLINI, 2006, p. 336) O grafite nesta conjuntura cumpre seu objetivo de limitar num determinado espaço da rua, sua marca. Ele tem a propriedade de aparecer ao público sem ser propriedade de alguém, despreocupado de análises formais de linguagem, saindo da ideia de pertencimento e polidez. O grafite pertence à cidade, aos transeuntes que a admiram ou não, sendo respeitado seu espaço de existir, não sofrendo, em sua maioria, interferências de outros grafiteiros, de acordo com as regras que estes estabelecem entre os grupos. As hibridizações descritas por Canclini (2006, p. 348):
  • 35. 35 levam a concluir que hoje todas as culturas são de fronteira. Todas as artes se desenvolvem em relação com outras artes: o artesanato migra do campo para a cidade; os filmes, os vídeos e canções que narram acontecimentos de um povo são intercambiados com outros. Assim as culturas perdem a relação exclusiva com seu território, mas ganham em comunicação e conhecimento. Em se tratando de hibridização, pode-se perceber que no campo das artes visuais em geral, estamos constantemente lidando com dimensões universais, com aculturações, com assimilações de outras culturas de maneira consciente e/ou inconsciente. Podemos verificar em alguns grafites, algumas referências de movimentos artísticos consagrados apreendidos pelo grafiteiro que o incorpora em seu trabalho, sem que este perca a espontaneidade. Este referencial faz parte de seu conhecimento, de sua cultura acerca da arte erudita, de modo simplificado ou não, pois não afeta significativamente seu instinto criador, mesmo que haja a negação deste fato, como o grafiteiro Alberto Monteiro18 , da mostra TRANSFER (tema do capítulo 3) relata em entrevista a revista Vista Skateboard Art19 (Figura 03), não possuir nenhuma relação com o universo das artes plásticas, mas ao mesmo tempo se contradiz ao afirmar que possuía a época da confecção de fanzines20 em 1988-89 influência do Neo Expressionismo, da Transvanguarda e da Geração 80 no Brasil. 18 Natural de Duque de Caxias/RJ. Começou a produzir fanzines em 1988 e 1989, depois de experiências com óleo sobre tela. Colaborou com quadrinhos e ilustrações em diversos fanzines e agregou fanzines de todo o Brasil. Terminada a experiência com este tipo de publicação, voltou à pintura, agora sobre papel. Impresso em fonte: TRANSFER - cultura urbana. arte contemporânea. transferências. transformações. Porto Alegre: Santander Cultural, 2008, p. 69. 19 Revista de Setembro/Outubro 2008, nº 20. Possui periodicidade bimestral, de distribuição gratuita em boardshops, galerias de arte, blitz & cadastro. Editor chefe: Xande Marten, Administrativo: Gustavo Tesch, Impressão: Gráfica Pallotti. 20 Ver sobre o assunto – “Fanzines: Reflexões a cerca do uso de mídia independente na perspectiva de potencialização de ideias”, por Melissa Eloá Silveira Nascimento - Mestranda em Educação do Programa de Pós-graduação da UERJ e integrante do grupo de pesquisa “Linguagens desenhadas e Educação”, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em http://www.usp.br/celacc/ojs/index.php/extraprensa/article/view/s-ses2-16/ss2-t16 acessado em 24.05.2011.
  • 36. 36 Figura 03 Capa da revista Vista Skateboard Art, de Setembro/Outubro 2008, nº 20. Ao referenciarmos a devida mostra, nos remetemos ao local de sua inserção (o espaço Santander Cultural Porto Alegre, neste caso), onde encontramos certo conflito pessoal ao nos confrontarmos com os mesmos ícones de grafites dentro e fora da instituição cultural referenciada, causando, estranheza e desconforto por um lado, e admiração e surpresa, de outro. Os sentimentos gerados são antagônicos e por isso mesmo suscitam os questionamentos deste deslocamento, da visão dos artistas e da sociedade em relação ao que esta sendo exposto. O diálogo entre a obra, o lugar, o artista e o público, todos tentando encontrar um lugar para “se acomodar”, seja no sistema das artes, seja no sistema de relações da sociedade, seja no lugar do outro – podendo ser tanto o artista, como a obra e até o espectador ou o local. O grafite neste sentido “desestrutura as coleções de bens materiais e simbólicos” como afirma Canclini (2006, p. 336), pois estar no lugar do outro é difícil, requer uma reflexão aberta, sem nossas limitações – afinal, grafite é arte ou não? Neste momento, o grafite está inserido nas produções da arte contemporânea, arte urbana, arte que foge dos contextos de arte (erudita) até então conhecida. Inclui-se nela o nosso cotidiano, o barulho das ruas, a vida agitada, a correria, e talvez isto fique agora mais evidente através das imagens misturadas, confusas, algumas coloridas e outras nem tanto, transbordando do quadro ou da parede onde esta. Portanto, a relação do grafite traz de uma maneira simbólica a relação da mistura, do hibridismo, estes sentimentos contraditórios de surpresa, de admiração e de repulsa, ao mesmo tempo, em ambos os locais onde podemos encontrá-lo – na instituição cultural ou na rua, gerando sempre no íntimo, conflitos e também unidades.
  • 37. 37 1.2 O GRAFITE E A INSERÇÃO EM DIFERENTES CONTEXTOS A abordagem da questão multicultural diante da perspectiva das produções oriundas do grafite, que em seu percurso inverso, ou seja, saindo das ruas e tomando espaço em um novo ambiente, que são as instituições culturais, sofre uma ressignificação, principalmente, em relação ao olhar de um “público” que não percebia e nem valorizava a arte nos muros da cidade. Ao mesmo tempo, cabe ressaltar que há uma distinção entre os aspectos de multicultural e multiculturalismo. Segundo Stuart Hall (2003, p. 52): Multicultural é o termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida comum, ao mesmo tempo retêm algo de sua identidade “original”. [...] Multiculturalismo é termo substantivo. Refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais. Ambos os termos são praticamente inseparáveis. O homem é um ser social por natureza. Porém, busca uma identidade desde seus tempos mais remotos. De acordo com Anspach (2000, p. 71): [...] já na Pré-História, os primeiros homens a ocupar o planeta Terra manifestavam seu interesse em tal questão. Ao imprimirem suas mãos sobre rochas de cavernas, esses homens não só tentavam afirmar seu desejo de posse e seu poder sobre entes e fenômenos naturais, mas também deixavam uma marca, que se pretendia indelével, de sua presença na e através da história. Fazendo uma analogia com o grafite, que também deixa sua marca na parede, retratando um desejo, expressando algo que podemos avaliar desde a temática do belo (ou não) até sua revelação mais ideológica, há de alguma maneira o retorno a essência primeira do ser humano, de criar e deixar sua marca para o grupo ao qual está diretamente inserido, da mesma forma que denuncia algo para a sociedade ao seu redor. A arte do grafite, portanto, manifestando suas insatisfações sociais, políticas ou meramente tentando agregar “encanto” ao ambiente onde está exposta, expressa diferentes maneiras de se conviver, procurando soluções para a construção de uma
  • 38. 38 vida melhor, mais humanitária, sem que isto acarrete a perda da identidade do grupo (do grafite) perante outras comunidades sociais. Atualmente, detectamos a sua inserção em espaços urbanos de forma mais “bem quista”, e o exemplo disto, são os tapumes decorados pelos artistas grafiteiros que são contratados pelas empresas da construção civil para enfeitar o empreendimento até a sua conclusão. Se antes, as intervenções eram infiltradas como meio de contestação na sociedade contemporânea, hoje há uma maior anuência, na forma de arte urbana, que cada vez mais, afirma sua identidade e ao mesmo tempo, confirma uma vasta participação de um público mais aberto, a exemplo da arte urbana “PORTO ALEGRE PRECISA DE MAIS ______________” (Figura 04), disposto diversas vezes ao longo de um tapume localizado na esquina da Rua Silva Jardim com a Rua Eudoro Berlink, bairro Auxiliadora da capital gaúcha; provocação do coletivo Shoot the Shit21 , onde as pessoas completaram a frase com palavras como: educação, árvores, honestidade, políticos sérios, amizades, saúde, atitude positiva, saneamento, amor, etc. O grupo faz parte do circuito de arte urbana Artemosfera22 . Seguem a tendência mundial de megaeventos que revitalizam o espaço urbano por meio da arte e da criatividade, com o objetivo de tornar a cidade melhor e fazer esta arte chegar às pessoas, sem um conhecimento erudito e anterior para desfrutá-las, com enfoque, segundo argumenta o curador Cézar Prestes23 , para a importância da preservação do patrimônio público, como as praças e os monumentos. 21 Grupo criado em agosto de 2010 por Giovani Groff, Gabriel Gomes e Luciano Braga. É um dos representantes dos jovens no Artemosfera. Impresso em fonte: Jornal Zero Hora de 31.10.2011, p. 5. 22 Realização do Grupo RBS, com patrocínio da Chevrolet, Zaffari, Braskem e TIM e apoio de Tintas Renner e a prefeitura de Porto Alegre. Impresso em fonte: Jornal Zero Hora de 31.10.2011, p. 5. 23 Ex-diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e ex-secretário de Cultura do Estado. Disponível em http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/artemosfera/19,0,3541924,Respire-Artemosfera- inedito-no-pais-circuito-de-arte-urbana-quer-mudar-relacao-dos-porto-alegrenses-com-a-arte.html acessado em 02.11.2011.
  • 39. 39 Figura 04 Coletivo Shoot the Shit, “PORTO ALEGRE PRECISA DE MAIS ___________”. Sobre esta ótica, citamos Ortiz (2001), que afirma que cada cultura é percebida pelos seus detentores como o modo natural e necessário de serem homens em face dos membros do seu próprio grupo e em face de outros grupos humanos. Nesse sentido, também os grafiteiros vêm apagando a sua imagem inicial considerada como marginal, buscando os espaços urbanos autorização para realizar suas pinturas e participando de campanhas sociais, justamente para afastar crianças e jovens das ruas, da marginalidade e das drogas. O mesmo não ocorre com o restante da população, que sequer reconhece o grafite como manifestação cultural, como um meio de comunicação, vinculando-o ao ato marginal. Atualmente, reflexões sobre estas questões já estão ocorrendo em escolas, ONGs e outras instituições culturais com o intuito de desorganizar este discurso, como relata Ivana Bentes24 (2007): Essa cultura das favelas e periferias (música, teatro, dança, mídia, vídeo, moeda, educação), surge como um discurso político “fora de lugar” (não vem da universidade, não vem do Estado, não vem da mídia, não vem de partido político) e coloca em cena novos mediadores e produtores de cultura: rappers, funkeiros, [...], produtores da chamada economia informal, artistas urbanos, grupos e discursos que vêm revitalizando os territórios da pobreza e reconfigurando a cena cultural urbana. Transitam pela cidade e ascendem à mídia de forma muitas vezes ambígua, podendo assumir esse lugar de um discurso político urgente e de renovação num capitalismo da informação. O grafite tem signos, termos e gírias próprios, além de uma linguagem pictórica característica, abusando do ambiente externo (a rua) para se expressar, 24 Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997). Diretora e professora da ECO/UFRJ.
  • 40. 40 compreensível aos componentes do seu meio que se diferencia da pichação, cujo assunto será retomado posteriormente. Gradativamente estas questões estão sendo assimiladas e reconhecidas pela população em geral, bem como, os grafiteiros estão buscando aprofundar seus conhecimentos, através de sua entrada em cursos de Arte e mesmo universidades na área. Um novo confronto dado ao grafite é sua inserção nas instituições artísticas e culturais, causando certo desconforto entre os artistas que trabalham na rua grafitando, e que já neste momento, desconsideram o grafiteiro e o próprio grafite em ambiente fechado e particular, como tal; pois neste caso o grafite ganha outro sentido fora das ruas. E, diante de um mundo globalizado, tal questão torna-se bizarra, pois nesta busca por uma aceitação/aprovação da sociedade, esta, diríamos, “categoria”, está se auto-excluindo enquanto grupo e diante de outros grupos sociais. Onde esta o respeito à diversidade multicultural? Onde esta a igualdade nesta diferença? É a diferença da própria diferença. Segundo Stuart Hall (2006) a diferença num contexto multicultural deve ser fundamental à definição de democracia como espaço genuinamente heterogêneo. O espaço utilizado para a confecção da arte urbana, seja um muro, seja uma parede ou o arrimo de um viaduto ou passarela, nos proporciona sentimentos ambíguos, num primeiro momento de confusão, desorganização; e num segundo momento, admitindo-se algum conhecimento estético, e fruição político-social, há um deslocamento da acomodação de uma sociedade. O mesmo acontece quando vemos o grafite no espaço cultural, pois causa estranheza até o momento em que nos deparamos com o contexto almejado pelo autor/artista e sua obra. Na realidade precisamos nos colocar no contexto do outro para tentar perceber as diferenças estéticas. Conforme Ortiz (2001), “ao tentar estar no lugar do outro aprendemos muito sobre nós mesmos, na medida em que exploramos o espaço, por vezes tênue que nos separa, isto é, alargarmos os nossos horizontes de compreensão do mundo”. Percebemos um respeito muito grande entre os grafiteiros e de certo modo não concordamos com o antropólogo Roberto Albergaria que seja um ato de rebeldia. Em toda a nossa história da arte acadêmica, é fato que vários artistas e suas obras eram rejeitadas e incompreendidas, pois somos muito apegados as nossas regras sem levarmos em consideração as regras do outro e seus paradigmas.
  • 41. 41 A arte grafite é uma das manifestações artísticas que provou que a arte em geral, enquanto movimento cultural, não se bastava apenas em constar nos livros, estar em museus e galerias. O grafite é a arte que se libertou, que foi às ruas e invadiu o cotidiano de uma forma que não foi possível passar despercebida. Hoje já está, inclusive, na Internet, tem fãs, na maioria jovens, é copiada e reverenciada por grupos urbanos e tem simpatizantes da cultura erudita. Nesta primeira década do século XXI, o termo arte urbana, chegou próximo ao status de arte erudita, ao dividir espaço com importantes nomes da arte contemporânea em grandes galerias e centros culturais nacionais e internacionais, sendo objeto de estudo e caso de sucesso no segmento artístico, nos mesmos moldes convencionais da academia. Excelente que esteja atingindo toda a sociedade, incomodando-a e questionando-a, rompendo com o julgamento da arte ser para os privilegiados financeiramente e culturalmente. Como tudo que é legitimado tem o seu dia comemorativo, com o grafite não foi diferente: dia 27 de março, data de morte do pioneiro Vallauri. Voltando a questão espacial, o que dizer do grafite que hoje encontramos nos museus, nas galerias e instituições culturais? Estes espaços é bem verdade que são públicos, mas possuem uma limitada visitação por parte do público. Podemos nos aperceber que houve uma significativa evolução em torno do grafite como meio de revelação cultural, onde este transita do popular ao erudito com grande desenvoltura pela visão dos eruditos, não se tendo igual visão pelos grafiteiros populares/de rua (os que não se consideram grafiteiros artistas) que não reconhecem o grafite no meio culto como tal e não aceitam esta transição, conforme depoimentos informais sobre o assunto. Para compreendermos melhor estas mudanças, veremos suas características sociais, ideológicas e estéticas em alguns artistas grafiteiros e suas obras, posteriormente; repercutindo finalmente na mostra TRANSFER ocorrida em Porto Alegre em 2008, e especificada no último capítulo deste estudo. Embora, Roberto Albergaria de Oliveira25 , em 2002, afirmasse que o grafite era apenas a marca de uma pessoa excluída do mundo sério, um ato adolescente de rebeldia, alegando também que, erroneamente a sociedade e a academia estavam considerando o grafite uma arte, com o intuito de legitimar e recuperar um 25 Doutor em antropologia pela Universidade de Paris e professor da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Disponível em http://www.aai.ufba.br acessado em 14.05.2011.
  • 42. 42 tipo de expressão selvagem, num espaço definido como artístico, na atualidade, esse pensamento não se mantém. Lúcia Gouvêa Pimentel26 observa que, desde o início desta década a arte do grafite, dentre outras expressões, está extremamente ligada aos interesses individuais e coletivos dos jovens, na busca da identidade, na descoberta de suas potencialidades pessoais e de dimensão social. 26 Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo – USP. Disponível em http://www.comartevirtual.com.br acessado em 14.05.2011.
  • 43. 43 2 ARTE URBANA: ANTECEDENTES HISTÓRICOS Inicialmente, para desenvolver este tema, buscaram-se os referenciais dos grafiteiros aliando-se as leituras das imagens produzidas por eles na mostra TRANSFER. Como mais adiante se pôde constatar, através de investigações e entrevistas, há uma predominância da pop art nas obras, o que foi significativo para a pesquisa, pois este movimento artístico sempre causou particular interesse por seu caráter industrial, mercantil, além de suas características pictóricas inconfundíveis. Ao adentrar nas pesquisas deste movimento, constatamos que havia um movimento contrário aquele que levou os grafiteiros às instituições culturais, causando surpresa ao averiguarmos que este possuía características não- mercantilistas, já que seus artistas estavam negando o espaço institucional, desenvolvendo obras em tamanhos descomunais, impossíveis de serem inseridas nestes espaços. As questões envolvidas neste enfoque, portanto são de caráter particular, envolvendo a admiração por ambos os movimentos artísticos (seja estético, funcional ou simbólico) e tendo como objetivo um panorama destes, para podermos entender melhor as reflexões e as analogias entre as obras da Pop Art e a mostra TRANSFER. Na década de 1960, artistas defenderam uma arte que interagia diretamente com o público por meio de signos e símbolos retirados do imaginário que cercava a cultura de massa e a vida cotidiana da época, recusando-se a separação arte/vida. Seus traços característicos, segundo Arthur Danto (2006, p. 101): “[...] grande parte dela, teve como base a arte comercial – em ilustrações, etiquetas, no design de embalagens, em pôsteres [...]”, seguido da ratificação de McCarthy (2002, p. 08) “essa nova arte deveria ser popular, transitória, consumível, de baixo custo, produzida em massa, jovem, espirituosa, sexy, chamativa, glamourosa e um grande negócio”. Estamos falando da Pop Art ou como encontramos em vários outros livros Art Pop. Nesta dissertação preferimos particularmente usar o termo Pop Art, porém respeitaremos a terminologia utilizada pelos teóricos nas citações.
  • 44. 44 Uma das primeiras, e mais famosas imagens relacionadas ao que o crítico britânico Lawrence Alloway27 chamaria de pop art: “[...] O seu som é o ruído de um colapso abrupto, como o de um balão explodindo” (DANTO, 2006, p. 141) é a colagem de Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão Atraentes? (Figura 05): Concebido como pôster e ilustração para o catálogo da exposição This Is Tomorrow [Este É o Amanhã] do Independent Group de Londres, o quadro carrega temas e técnicas dominantes da nova expressão artística. A composição de uma cena doméstica é feita com o auxílio de anúncios tirados de revistas de grande circulação. Nela, um casal se exibe com (e como) os atraentes objetos da vida moderna: televisão, aspirador de pó, enlatados, produtos em embalagens vistosas etc. Os anúncios são descolados de seus contextos e transpostos para a obra de arte, mas guardam a memória de seu locus original. Ao aproximar arte e design comercial, o artista borra, propositadamente, as fronteiras entre arte erudita e arte popular, ou entre arte elevada e cultura de massa. 28 Figura 05 Richard Hamilton, O que exatamente torna os lares de hoje tão diferentes, tão atraentes? (1956). Colagem, 26 x 25 cm. Kunsthalle Tübingen, Coleção Prof. Dr. Georg Zundel. 27 Predecessor imediato de Arthur Danto como crítico de arte da The Nation. Nasceu em 1926 e faleceu em 1990. Impresso em fonte: DANTO, Artur. Após o Fim da Arte. EDUSP. São Paulo: Odysseus Editora, 2006 e disponível em http://www.independentgroup.org.uk/contributors/alloway/index.html acessado em 14.11.2011. 28 Disponível em www.itaucultural.org.br acessado em 12.11.2011.
  • 45. 45 Os demais integrantes do Independent Group eram jovens artistas e críticos britânicos, quase todos nascidos no começo dos anos 20, que estavam ansiosos para provocar ideias sobre arte moderna e lançar as bases da nova forma de expressão artística, que se aproveita das mudanças tecnológicas e de possibilidades da visualidade moderna, que está no mundo - ruas e casas - e não apenas em museus e galerias. Eduardo Luigi Paolozzi29 , Richard Smith30 e Peter Blake31 são alguns dos principais nomes do grupo britânico. Porém, segundo McCarthy (2002, p. 59): Vários artistas pop, especialmente na Grã-Bretanha, eram nostálgicos, o que suavizava o comercialismo impetuoso [...] notadamente Peter Blake. [...] Um excelente exemplo é sua Loja de brinquedos que apresentava uma falsa frente de loja com uma bandeira inglesa, carros e aviões de lata, soldados de plástico, alvos e outros itens produzidos em massa quando o autor era criança. O sentimento gerado é inevitavelmente romântico, e sublinha o desejo da arte pop de forçar o reconhecimento pelo observador de objetos de outro modo despercebidos, imbuindo-os da força do mágico. Esta nostalgia se justifica através das condições sob as quais a pop art floresceu. Enquanto a Grâ-Bretanha estava emergindo da escassez do pós-guerra em meados dos anos 50, os Estados Unidos estavam bem no meio de seu boom econômico: “Um semelhante medo da perda, casado com o potencial para a aniquilação total, vem à tona na obra de alguns artistas pop britânicos que se preocupavam com o que poderia acontecer ao país se os Estados Unidos e a União Soviética entrassem em guerra”. (McCARTHY, 2002, p.66) Ao contrário do que acontecia na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos conforme McCarthy (2002, p.14): “[...] os artistas pop norte-americanos não tinham programa comum. Eles não lançaram manifestos de grupo, e continuaram a trabalhar separadamente depois de identificados como os principais praticantes da nova sensibilidade” até 1963, quando duas exposições32 reúnem obras que se beneficiam do material publicitário e da mídia. Nomes como Roy Lichtenstein33 , Andy 29 Biografia disponível em http://www.independentgroup.org.uk/contributors/alloway/index.html acessado em 17.11.2011. 30 Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 11-12. 31 Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 11-12. 32 Arte 1963: Novo Vocabulário, Arts Council, na Filadélfia, e Os Novos Realistas, Sidney Janis Gallery, em Nova York. 33 Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 24.
  • 46. 46 Warhol34 , Claes Oldenburg35 , James Rosenquist36 (Figuras 06 e 07) e Tom Wesselmann37 surgem como os principais representantes da pop art em solo norte- americano. Figura 06 James Rosenquist, F-111 (1965). Óleo sobre tela com alumínio, 304,8 x 2.621,3 cm. Museum of Modern Art, Nova York. Figura 07 Richard Hamilton, Eu te amo com meu FORD (1961). Óleo sobre tela, 86,4 x 91,4 cm. Moderna Museet, Estocolmo. 34 Andrew Warhola, assim registrado, mas conhecido como Andy Warhol, nasceu na cidade de Pittsburgh, no dia 6 de agosto de 1930, filho de migrantes provenientes do norte da Eslováquia. Warhol, um dos criadores e principal representante da Pop Art, pintor e cineasta norte-americano, morreu em Nova York, no dia 22 de fevereiro de 1987, após uma cirurgia bem-sucedida da vesícula biliar. Famoso durante 35 anos, ele foi o criador da frase: “No futuro, toda a gente será célebre durante quinze minutos”, o que se concretiza na atual cultura de massa, na qual a arte é um mero produto comercial, disseminado através de meios de produção massificados. Impresso em fonte: ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. SP: Companhia das Letras, 1992 e disponível em http://www.infoescola.com/biografias/andy-warhol/ acessado em 22.11.2011. 35 Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 23. 36 Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 29-31. 37 Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p.29-31.
  • 47. 47 A nova atenção concedida aos objetos comuns e à vida cotidiana encontra seus precursores na antiarte dos dadaístas e surrealistas. Tomam ainda como referência as colagens tridimensionais de Robert Rauschenberg38 e as imagens planas e emblemáticas de Jasper Johns39 , que abre a arte para a utilização de imagens e objetos inscritos no cotidiano. O nome de Wesselmann liga-se às naturezas-mortas compostas de produtos comerciais, Lichtenstein, aos quadrinhos - Whaam!, 1963 (Figura 08) -, e Oldenburg, mais diretamente às esculturas - Duplo Hambúrguer, 1962. Figura 08 Roy Lichtenstein, Whaam! (1963) Óleo e magna sobre tela, 172,7 x 406,4 cm. Tate Gallery. Andy Warhol se tornaria referência primeira da pop art com suas 32 Latas de Sopas Campbell, 1961/1962, Caixa de Sabão Brilho, 196440 (Figura 09), e os diversos trabalhos feitos com imagens da atriz Marilyn Monroe41 , todos datados de 1962. 38 Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 72. 39 Obter mais subsídios impressos em fonte: McCARTHY, David. Arte Pop. Tradução: Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2002, p. 19. 40 Segundo McCarthy (2002, p. 25): “é surpreendentemente semelhante às caixas de Robert Morris, Donald Judd e Walter De Maria”. 41 Seu nome de batismo era Norma Jeane Mortensen. Nasceu no County Hospital em Los Angeles. Não conheceu seu pai biológico e sua mãe era Gladys Pearl Monroe. Ícone do cinema americano e símbolo sexual da época, na manhã de 5 de agosto de 1962, aos 36 anos, faleceu enquanto dormia em sua casa em Brentwood, na Califórnia, prevalecendo a versão oficial de overdose pela ingestão de barbitúricos. Impresso em fonte: Jornal ZERO HORA de 11.12.2011 e disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Marilyn_Monroe# acessado em 15.11.2011.
  • 48. 48 Figura 09 Andy Warhol, Caixa de sabão Brillo (1964). Polímero sintético e serigrafia sobre madeira, 43,2 x 43,2 x 35,6 cm. Coleção particular. Suas obras se particularizam pelo uso original da cor brilhante, de materiais industriais e pelo exagero do efeito de simultaneidade. A multiplicação das imagens enfatiza a idéia de anonimato e também o efeito decorativo; a imagem destacada e reproduzida mecanicamente, com o auxílio do silkscreen, afasta qualquer vestígio do gesto do artista. Warhol fez ainda filmes, revolucionou o conceito de fotografia, praticou pintura e a escultura, escreveu livros... até mesmo o seu jeans e a sua jaqueta de couro tornaram-se um estilo para esta geração. Nos anos 30 as marcas repetidas por Warhol (a Coca-Cola e as sopas Campbell’s) faziam parte dos produtos populares, assim como as atrizes (Marilyn Monroe, Natalie Wood e Liz Taylor) eram produtos dos grandes estúdios e da publicidade que haviam sustentado o cinema desse país desde a Depressão. Alia-se aí também conforme Mccarthy (2002, p.63) sustenta: “[...] A figura em Super-Homem de Ramos, como Popeye de Lichtenstein, é um modelo de força e firmeza masculina”, pois não podemos esquecer que neste período surgem os heróis em quadrinhos como forma de estímulo a população, já que estamos pós quebra da bolsa de Nova Iorque e com um contingente enorme de desempregados e sem expectativa de uma vida melhor – “o sonho americano acabou”. Danto (2006, p. 138): [...] Para mim, foi graças à pop que a arte mostrou qual era a questão propriamente filosófica sobre si mesma, e que consistia no seguinte: o que faz a diferença entre uma obra de arte e algo que não o é se, na verdade, ambos se parecem exatamente? Essa questão jamais poderia se impor
  • 49. 49 enquanto alguém pudesse ensinar o sentido de “arte” por meio de exemplos, ou enquanto a distinção entre arte e realidade parecesse perceptual. A celebração da opulência e da fama42 assim como firmeza e vitória, depois de um período de escassez e racionamento, convive a partir de 1963, com as tragédias, com a violência racial e das guerras (da Guerra Fria e do Vietnã), que causavam ansiedade ao povo norte-americano. Para Warhol, cita Mccarthy (2002, p. 44): [...] a fama era com freqüência uma imposição ambígua, uma configuração infeliz de acontecimentos que confirmava a fragilidade humana. [...] A falta de privacidade era o preço da fama e o outro lado da revolução dos meios de comunicação que transformou a vida ocidental nos anos do pós-guerra. Prova disto é a obra que retrata o sofrimento público após o assassinato do presidente Kennedy em Dezesseis Jackies de 1964 (Figura 10), assim como Levante Racial Vermelho, 1963, e Cadeira Elétrica (Figura 11), 1964. Figura 10 Andy Warhol, Dezesseis Jackies (1964). Tinta acrílica e esmalte sobre tela, 204,3 x 163,6 cm. Walker Art Center, Minneapolis. 42 Mccarthy (2002, p. 39): “[...] o conceito pop de fama envolvia algo que acontecia às pessoas, ou por merito ou por acidente”.
  • 50. 50 Figura 11 Andy Warhol, Cadeira Elétrica (1964). Serigrafia e acrílico sobre tela, 56,2 x 71,1 cm. Tate Gallery. Melhor que qualquer outro artista pop, Warhol, entendia o mercado das artes e praticamente abandonou a tradicional pintura de cavalete em 1962 para se concentrar na serigrafia. Ao morrer, em 1987, Warhol deixou um espólio avaliado em US$ 100 milhões. A pop art foi um dos movimentos centrais na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, afetando diretamente o curso da arte em todo o mundo, e reconfigurando nosso entendimento da cultura do século XX. Existem três pontos comuns entre os países, em se tratando da pop art: o primeiro ponto é o elemento de classe. Vários de seus integrantes, como Paolozzi e Warhol, vinham da cultura de classe trabalhadora imigrante, e tinham pouco apreço por hierarquias rígidas de forma e tema. O segundo ponto comum é o interesse por revistas em quadrinhos e pelo cinema de Hollywood, que constituíam elementos importantes na formação da cultura visual desses artistas. O último ponto comum, descoberto através de um levantamento de artistas entre os dois países é a inexistência de artistas mulheres no movimento. Segundo McCarthy (2002, p. 76): Por mais de uma geração a arte pop recebeu status de mestria de museus e colecionadores. [...] Sua popularidade, que foi tão imediata quanto duradoura, autorizou muitos novos indivíduos a levar a arte a sério. [...] As imagens eram localizadas o bastante em seu tempo para que não se precisasse de uma formação clássica ou religiosa para reconhecer a iconografia. [...] a arte pop era produzida em um momento no qual mais universidades, galerias e museus estavam abrindo suas portas a públicos maiores que queriam acesso às artes.
  • 51. 51 No Brasil, sugestões da pop art foram trabalhadas na década de 1960 por Antonio Dias43 - Querida, Você Está Bem? (1964), Nota Sobre a Morte Imprevista (1965) e Mamãe, Quebrei o Vidro (1967) -, Rubens Gerchman44 - Não Há Vagas (1965) e O Rei do Mau Gosto (1966) -, Claudio Tozzi45 - Eu Bebo Chop, Ela Pensa em Casamento (1968), entre outros. No entanto a incipiente proliferação no Brasil dos meios de comunicação de massa, na década de 1960, leva, paradoxalmente, esses artistas a aproximar técnicas da pop art (silkscreen e alto-contraste) a temas engajados politicamente. Para Danto (2006, p.127): [...] uma vez que a própria arte destacou a verdadeira forma da questão filosófica – isto é, a questão da diferença entre obras de arte e coisas reais - , a história chegou ao fim. [...] Dizer que a história acabou é dizer que não há mais um limite da história além do qual as obras de arte possam cair. Tudo é possível. Qualquer coisa pode ser arte. [...] Greenberg 46 está certo: nada aconteceu durante 30 anos. [...] Mas a situação está longe de ser desoladora [...] Em vez disso, ela inaugura a mais ampla era da liberdade que a arte já conheceu. A pop art significou o fim da arte, como argumenta o autor acima, e o que os artistas fariam depois do fim da arte é também difícil de dizer segundo ele, mas havia pelo menos a possibilidade de que a arte também poderia ser colocada a serviço direto da humanidade. Arthur Danto (2006, p. 149) complementa: “A arte não estaria se movendo lentamente, mas o próprio conceito de história em que ela se movia, lenta ou rapidamente, tinha ele próprio desaparecido do mundo da arte, e nós, agora, estaríamos vivendo no que tenho chamado de tempos “pós-históricos”. Numa acepção adversa, existe um movimento artístico cujas obras são produzidas com materiais alternativos e saem dos museus para ocupar o espaço urbano – a Land Art. Para o público apreciar estas obras que acontecem apenas num dado momento, numa intervenção efêmera, numa paisagem de difícil acesso, busca-se o recurso da fotografia e dos vídeos como única alternativa de perpetuação de sua existência. 43 Biografia disponível em http://www.itaucultural.org.br acessado em 20.11.2011. 44 Biografia disponível em http://www.itaucultural.org.br acessado em 20.11.2011. 45 Biografia disponível em http://www.itaucultural.org.br acessado em 20.11.2011. 46 O mais importante crítico de arte norte-americano do século XX nasceu em 1909. Sua influência foi decisiva para a afirmação do expressionismo abstrato e toda uma geração de artistas que incluía nomes como Jackson Pollock (1912-1956), Mark Rothko (1903-1970) e David Smith (1906-1965). Morreu em 1994. Disponível em http://editora.cosacnaify.com.br/Autor/200/Clement-Greenberg.aspx acessado em 29.11.2011.
  • 52. 52 A Land Art, também traduzida como "arte da terra", implanta uma nova relação com o ambiente natural. Tem sua origem no minimalismo47 dos anos 1960. Referida a uma tradição que remonta aos readymade48 de Marcel Duchamp e às esculturas de Constantin Brancusi, que testam explicitamente os limites da arte, esta coloca em xeque as distinções arte/não arte, denunciando o sistema institucional de validação dos objetos artísticos. Não mais paisagem a ser captada e representada. A natureza agora é o locus onde a arte finca raízes. Desertos, lagos, canyons, planícies e planaltos oferecem-se aos artistas que realizam intervenções sobre o espaço físico. Podemos destacar os artistas Michael Heizer, Robert Smithson e Walter de Maria (Figura 12) como seus principais expoentes. Seus trabalhos dirigem-se à natureza, transformando o entorno com o qual se relacionam intimamente. Figura 12 Foto a esquerda de Michael Heizer, Double Negative [Duplo Negativo], 1969; Foto ao centro de Robert Smithson, Spiral Jetty [Píer ou Cais Espiral], 1970; Foto a direita de Walter de Maria, The Lightning Field [O Campo dos Raios], 1977. Para exemplificar melhor a magnitude destas obras, lembramos que o processo de execução foi engenhoso. O artista Michael Heizer49 para a obra Double Negative [Duplo Negativo] abriu grandes fendas no topo de duas mesetas do deserto de Nevada/Estados Unidos, removendo duzentas e quarenta mil toneladas 47 Técnica ou estilo (musical, literário, visual) caracterizado por extrema concisão e simplicidade, que utiliza um número reduzido de elementos ou temas valorizados pela sua repetição. Impresso em fonte: Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 48 Já feito, pronto – Tem o objetivo de provocar e também acabar com o conceito de beleza estética. Impresso em fonte: STANGOS, Nikos. Conceitos da Arte Moderna. São Paulo, Jorge Zahar Editor, 1994. 49 Nasceu em Berkeley, Califórnia, em 1944. Começou produzindo em pequena escala pinturas e esculturas, mas no final dos anos 1960, começou a produzir em larga escala obras que não poderia caber em um ambiente do museu, exceto talvez em fotografias. Desde então, continuou sua exploração de terraplenagem, sendo que tem focado principalmente na City (ainda não disponível ao público), desde o final dos anos 90 até hoje, apoiado pela Fundação de Arte Dia através de uma doação da Fundação Lannan. Disponível em http://doublenegative.tarasen.net acessado em 08.11.2011.