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Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia
                 do Rio de Janeiro
            Curso Produção Cultural




     Heranças Gregas na
      Religião Católica
                O bom Pastor


                 Annie Ramos
                 Leila Oliveira




                História da Arte
              Prof.° Tadeu Mourão
Índice

ÍNDICE.........................................................................................................................................................2
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................3
DO PAGÃO AO CRISTÃO........................................................................................................................3
    AS CATACUMBAS...........................................................................................................................................3
    APROPRIAÇÃO DE ALGUNS SÍMBOLOS PAGÃOS PELOS CRISTÃOS PRIMITIVOS..............................................................5
     AS REPRESENTAÇÕES HUMANAS......................................................................................................................5
O BOM PASTOR.........................................................................................................................................6
    QUEM É HERMES?.........................................................................................................................................6
    O MITO........................................................................................................................................................7
    O CULTO......................................................................................................................................................7
    JESUS, O BOM PASTOR...................................................................................................................................8
BIBLIOGRAFIA:......................................................................................................................................11




                                                                             -2-
Introdução
        Na história da arte, vários povos encontraram na pintura, escultura e arquitetura
uma forma de perpetuar as suas histórias, sejam elas narrativas heróicas, históricas, ou
mitológicas. Independente de sua origem e cultura, o homem em algum momento busca
representações figurativas para suas crenças e para perpetuar de alguma forma as suas
histórias.
                                                                “Embora os textos também ofereçam indícios
                                                             valiosos, imagens constituem-se no melhor guia
                                                           para o poder de representações visuais nas vidas
                                                          religiosa e política de culturas passadas” (BURKE,
                                                                                                  2004, p.17)

       O uso de imagens para representações religiosas é uma característica muito
recorrente em religiões politeístas, prática esta, que era rejeitada pelos judeus 1 que não
possuíam nenhuma pretensão de ter qualquer relação ou vínculo com os pagãos. Em
contra ponto, o cristianismo vê nessas representações um novo veículo proselitista 2,
dando a essas imagens novas interpretações, no intuito de facilitar o entendimento
àqueles que não compreendiam o pensamento e a cultura cristã3.
                                                          “Os primitivos cristãos vão adotar a representação
                                                       figurativa, para assim facilitarem a comunicação dos
                                                          princípios que informavam a nova religião junto de
                                                       uma sociedade acostumada a visualizar as imagens
                                                                   das divindades do panteão Greco-latino.”
                                                          (Eusébio, M.F. – Apropriação cristã da iconografia
                                                                       Greco-latina: o tema do bom pastor)
       Entre as representações e símbolos que ganharam uma roupagem cristã, a figura
do Bom Pastor se destaca. Associada ao próprio Cristo e derivada de representações do
deus Greco-latino Hermes (Mercúrio), a imagem do Bom pastor teve relevante
importância. Em meio as perseguições, no colo do Bom Pastor, a alma do cristão
encontra consolo e abrigo, e a promessa de Salvação.

Do pagão ao Cristão
As catacumbas
       Em um cenário de perseguições, as representações cristãs continham em si, em
primazia, narrativas de textos bíblicos e uma linguagem simbólica. Havia alguns
cuidados ao construir estas representações4 como a ausência de preocupação com o
realismo e o naturalismo das formas revelando um significado metafórico e a redução
das dimensões das imagens.
       Apesar de uma consciência em prol da adoção de uma linguagem simbólica
como “uma expressão plástica na qual se procura sintetizar uma idéia”(VIANA,
1958), não possuímos registros de arte cristã do século I. O contexto de clandestinidade
em que se encontravam os primeiros cristãos e esses serem majoritariamente de classe
1
  Religião monoteísta que via nas imagens uma forma de adoração aos deuses pagãos.
2
   É o intento, zelo, diligência, empenho ativista de converter uma ou várias pessoas a uma determinada
causa, idéia ou religião (proselitismo religioso).(Vide: dicionário informal)
3
  Essa falta de compreensão poderia se dar por serem analfabetos – nesse caso eles não possuíam o acesso
direto às escrituras –, ou por não compreenderem de fato a nova religião, por diferir muito de sua cultura
original – na maioria dos casos politeísta . Nesses casos as representações católicas tiveram um grande
impacto, já que criava vínculos entre a fé pagã e a fé cristã, com o objetivo de catequizar a todos, porém
criando conflitos internos, entre os que eram a favor de imagens e os que eram contra.
4
  Por não serem destinadas a serem objetos de idolatria (característica pagã e oposta a proposta cristã), era
necessárias algumas restrições.


                                                    -3-
baixa5, contribuíram para que, no seu primeiro século de existência 6, a igreja não tivesse
recursos para uma expressões artísticas mais duradoura.
         A partir do século II, encontramos indícios claros das manifestações artísticas
cristãs, mais evidentes em Roma7, nas catacumbas Romanas8. A datar deste século
então, os cristãos deixam de sepultar seus mortos nos cemitérios públicos e também
abandonam a prática de cremação que, além de ser pagã, consumia o corpo que era
necessário para a ressurreição. Conforme a ascensão gradativa da religião às classes
mais altas, ela passa a realizar os seus sepultamentos em cemitérios exclusivamente
cristãos9. As catacumbas eram usadas para os cultos à Eucaristia, pois os cristãos não
podiam celebrar seus rituais religiosos livremente, assim também eram realizadas
celebrações eucarísticas em casas particulares (domus ecclesiae 10). São nesses lugares
que se encontram primeiros vestígios da arte sacra cristã.
      As catacumbas eram lugares de oração, devoção e celebrações litúrgicas. A igreja
enfrentava a fúria dos imperadores romanos11 desde a primeira metade do Século I
quando ela surgiu em Roma. Apesar das torturas e dos martírios, os seguidores de Jesus
                                não se intimidavam, pois acreditavam em uma vida eterna.
                                Uma vida após a morte que compensaria qualquer dor e
                                injuria que eles passassem durante a sua vida terrena. A
                                esperança na ressurreição, no reencontro com Cristo era o
                                que dava energia para os cristãos permanecerem em sua
                                jornada.
                                     Esta esperança em uma vida de luz após a morte é o que
                                 torna os temas das pinturas paleocristãs 12 otimistas e alegres,
                                 havia um epitáfio-padrão nos sarcófagos das catacumbas “in
                                 pace”, que significa “descansa em paz”, também era comum
                                 encontrar a frase “Tu viverás... Tu viverás em Cristo... Tu
A mais antiga imagem de Maria e viverás eternamente...” (Trevisan), o que retoma uma
o menino Jesus. (Século II, temática muito freqüente nesse período que era a paz, e a
Catacumba de Santa Priscila, salvação.
Roma)

         Nos muros dos enormes corredores das catacumbas, as histórias do novo e do
antigo testamento ganham narrativas catequéticas e pedagógicas. Entre as narrativas
mais freqüentes encontra-se os milagres (sejam eles do novo ou do velho testamento), a
Eucaristia, a orante (uma imagem na maioria das vezes feminina, com as mãos
estendidas em forma de súplica, era uma alegoria da Pietá (Piedade) e possuía
basicamente três significados cristãos: 1) Poderia representar a alma do defunto 13; 2)
Poderia representar um mártir – um defunto venerado pela igreja devido a sua morte em

5
  O cristianismo era uma religião exclusiva das classes mais baixas. (Vide: Wikipédia)
6
  Acredita-se que o cristianismo não tivesse nessa época recursos financeiros para criação de expressões
artísticas mais duradouras.
7
  Acredita-se que houve outros centros artísticos com estilo próprio em Alexandria e Antioquia, porém em
Roma que se revelam as primeiras pinturas em catacumbas.
8
   Eram cemitérios subterrâneos utilizados pelos primeiros cristãos a partir da primeira metade do século
II. As catacumbas possuem uma estrutura baseada na existência de corredores com paredes elevadas, que
formam cavidades alinhadas e sobre postas para a colocação dos defuntos fechadas por uma lápide.
9
  A Lei romana considerava terreno sagrado a área destinada aos mortos. (TREVISAN)
10
   Assembléia doméstica (tradução livre)
11
   As mais violentas começaram com Nero (54-68) e foram seguidas por Décio(249-251), Valeriano (253-
260) e Dioclesiano (284-312).
12
   Termo utilizado para representar o movimento da arte sacra cristã que ocorreu entre os séculos I e V.
13
    Em alguns momentos ela passa a ser mais individualizadora e depois passa a constituir o retrato da
pessoa.


                                                  -4-
nome de Cristo; e 3) A partir do século V pode representar também a Virgem Maria – a
intercessora por excelência ) e Jesus, o bom pastor (falaremos mais dele mais tarde).


Apropriação de alguns símbolos pagãos pelos cristãos primitivos
        Conforme a posição social do cristianismo se consolidava e suas relações
ficavam mais complexas, eles começaram a sentir a necessidade de criar uma linguagem
de comunicação com os pagãos. Por não possuírem um repertório específico de
imagens, de acordo com a sua doutrina. Os cristãos primitivos tiveram que recorrer as
formas e imagens pagãs para poderem tornar mais compreensíveis os seus conteúdos
religiosos e para poder dialogar com maior viabilidade com pessoas dessas culturas,
tendo sempre como tema principal a oração e a salvação.
        Ainda com uma arte fúnebre, podemos verificar um trabalho de associações na
busca Cristã por levar a sua religiosidade, de forma que, essa seja compreendida por
todos, eles integram estas imagens a uma simbologia e contexto cristãos não tendo
assim, hesitação em usar recursos pré-cristãos.
        Usavam-se imagens neutras que passavam despercebidas, mas que eram
facilmente compreendidas pelos fiéis. Entre elas há uma preeminência das que ilustram
as idéias de salvação, oração e vida eterna 14; dando ênfase a importância da missão
redentora de Jesus Cristo, através de uma linguagem simples e de fácil compreensão e
interpretação.
        Além do objetivo catequético, alguns símbolos são incorporados ao universo
cristão com a funcionalidade de codificar, com o objetivo de respeitar à disciplina de
arcano15, alguns mistérios da fé católica. Assim, ainda num cenário de ilegalidade, os
cristãos foram obrigados a criar um dicionário secreto que identificava seus membros,
para uso da comunidade, migrando assim para o imaginário cristão, símbolos como o
pavão, a pomba, a Fênix, a âncora, entre outros.
        O Peixe ganha destaque entre os demais pela sua ampla simbologia. A língua
oficial da Igreja nos primeiros tempos era o grego, sendo Ichthys (peixe em grego) uma
frase essencial na espiritualidade cristã codificada: Iēsoùs Christòs Theoù Yiòs Sōtè –
“Jesus Cristo Filho de Deus Salvador”. Além disso, o peixe era associado ao milagre da
multiplicação onde representava a Eucaristia; também era ligado ao sacramento do
bastimo16, à pesca milagrosa de Pedro e André, e a história de Tobias (nesse caso, Jesus
é comparado ao peixe que quando pescado pelo jovem Tobias restituiu a visão ao seu
pai, dessa forma Jesus trazia saúde a humanidade), entre outros.

       As representações humanas
        Entre as representações humanas eram representados com freqüência: a Orante,
representações da santa ceia e narrativas de episódios do antigo testamento.
        Durante o período helenístico17 os valores religiosos perdem um pouco seu
espaço, pois o homem helenístico está obstinado pela busca da felicidade. Em contra
partida, o cristianismo surgia trazendo o conceito de salvação e de alegria após a morte,
com uma idéia de mortificação do homem terreno para viver as alegrias eternas.
14
   EUSÉBIO, M.F.
15
   Também conhecido como Lei do Arcano é uma expressão teológica que diz respeito ao costume (regra)
da Igreja primitiva, que por precaução, omitia seus dogmas e mistérios a quem não fosse iniciado e
preparado para recebê-los com receio de que fizessem mau uso destes. É uma leitura literal do texto “não
lanceis aos cães as coisas santas” (Mt 7,6).
16
   Pois peixes vivem em ambiente aquático.
17
   Período da história da Grécia e de parte do Oriente Médio entre 323 a.c. e 146 a.c. que caracterizou-se
pela difusão da cultura grega desde o mar mediterrâneo oriental à Ásia Central.


                                                  -5-
Diante deste cenário atribulado, os cristãos se inspiram na linguagem artística
helenística em suas representações humanas. As que mais se destacam são a do bom
pastor, que falaremos em um capítulo próprio, e a de Apolo-Hélios 18, o deus do Sol
Invicto19, que se relacionava com a mensagem de Cristo que diz: “Eu sou a luz do
mundo, quem me segue não andará nas trevas, mas terá a vida eterna.”, além de
ressaltar a eterna juventude do Ressuscitado. Nessas representações Jesus aparecia
como um jovem imberbe, e começou a se impor uma imagem étnica de cristo barbudo
após o século IV.

O Bom Pastor
       A imagem de cristo bom pastor veio da imagem de Hermes Kriophoros.
Também produto do sincretismo da religião católica com o panteão Greco-latino, de
acordo com o processo de transição citado anteriormente.

Quem é Hermes?
        Filho de Zeus (deus dos deuses) e da ninfa Maia (uma das plêiades 20). Diz o mito
que Hermes nasceu numa caverna no monte Cilene ao sul da Acádia, foi um dos deuses
do Olimpo que despertou a admiração do povo grego que o considerava excepcional por
trazer conhecimentos para aquela antiga civilização.
        Na mitologia grega, o deus Hermes era conhecido como o mensageiro dos pesos
e medidas, dos pastores, dos oradores, do atletismo, do comércio, das estradas e viagens
e das invenções. Também era considerado na Grécia antiga, como o patrono dos
diplomatas, dos comerciantes, da ginástica e dos astrônomos. Por possuir tais poderes,
os gregos associaram os poderes de Thot (inventor da escrita e de todas as ciências
ligadas a ela) aos que era atribuído a Hermes na Grécia, e passaram a considerar as
duas personagens a mesma.
        Hermes foi uma criança precoce, assim que nasceu partiu para sua primeira
aventura, uma das histórias mais citadas sobre ele, foi o furto de parte do rebanho de
novilhas, as quais seu meio irmão Apolo era o guardião. Hermes inventou a Lira 21 com
tripas de ovelhas e casco de tartaruga. Apolo ao ver o instrumento que Hermes tocava
lindamente, ficou encantado e lhe fez uma proposta, a troca do rebanho furtado, pelo
instrumento.
        Mais tarde, Hermes inventou outro instrumento musical, a Flauta de Pã, e mais
uma vez, Apolo ofereceu- lhe uma troca, o Caduceu (cajado de ouro), que usava para
guardar o gado, dessa vez Hermes aceitou a troca e pediu além do cajado, lições de
adivinhação.
        Após a conquista da Grécia pelo império Romano, a figura e o mito de Hermes
sofreram um sincretismo com Mercúrio (deus dos lucros, comércio e mensageiro dos
deuses), para os romanos, Mercúrio é o deus da eloquência, do comércio, dos viajantes
e dos ladrões. Com o nome latino de Mercúrio, Hermes era invocado nas cerimônias
dos magos como aquele que transmitia as fórmulas mágicas.
        Por ter todas as características do deus grego, sua iconografia como Mercúrio,
apresenta- se igual à de Hermes, possuindo um detalhe romano, um saquinho para
guardar dinheiro, símbolo dos ganhos obtidos no comércio.

18
   Apolo para aos pagãos representava o libertador o mal, a divindade da purificação e da profecia. Era o
ideal grego da ordem inteligível diante as forças do caos e possuía uma juventude eterna.
19
   TREVISAN.
20
   Eram filhas de Atlas e Pleiones.
21
   Instrumento de cordas, muito conhecido pela seu vasto uso na antiguidade.


                                                  -6-
A imagem de Hermes variou conforme evoluiu a arte e a cultura grega. Em
tempos arcaicos ele é um homem maduro, barbado, com um traje de viajante,
mensageiro, ou pastor.
           No classicismo e helenismo, Hermes é representado nu, com porte atlético,
como convém ao deus da palestra e da ginástica, forma que predominou pelos séculos.
           Acredita- se que a ligação de Hermes com o furto, nasceu como uma derivação
de sua imagem como pastor já relatada anteriormente, como o fato ocorrido com seu
irmão divino, Apolo. Na Grécia arcaica a imagem representava um fiel conduzindo um
animal para o sacrifício, com tudo ele pretendia ser eternizado no templo, mais tarde a
imagem tornou-se uma das figurações do deus Hermes (encarregado de conduzir almas
                   para o além), impressionado com sua habilidade, Zeus o escolheu para
                   servir de mensageiro, tornando-se assim o mensageiro dos deuses e guia
                   das almas no reino dos mortos.
                           Hermes era também uma divindade da agricultura, protetor dos
                   pastores e por vezes, representado com um cordeiro sobre os ombros,
                   pelo que simbolizava também o “Bom Pastor”. È a partir das
                    características dessas imagens, que os cristãos fizeram sua primeira
Imagem 2 - Hermes
Krioforos,          escultura do “Bom Pastor”, simbolizando Cristo. Foi na arte bi-
515-510 a.C. Museu  dimensional, que Hermes Kriophoros (carregador de cordeiros) e
de Louvre
                    Hermes Nomios (protetor dos Rebanhos) se transformaram em Cristo.

O mito
        Sua Ligação com os rebanhos, se deu a partir do mito em que Hermes ainda
bebê furta o rebanho de seu irmão Apolo. Ao descobrir a travessura do irmão e ao ver
sua resiliência em confessar seu crime, Apolo o tomou no colo e o levou a Zeus para
julgá-lo. Zeus risonho ordenou a Hermes que revelasse o esconderijo do rebanho, que
obediente o fez. Apolo ficou encantado com a esperteza do irmão e sua agilidade.
        Após o episódio Hermes canta toda a teogonia 22 na lira que criara encantando
seu irmão, que julgou aquele canto superior até mesmo ao dele que era o deus da
música, e ofereceu o rebanho roubado de volta em troca do instrumento, prometeu
fazer-lhe um líder entre os imortais e lhe conceder muitos dons.
        Agradecido Hermes lhe deu a Lira e o ensinou a tocar o novo instrumento, e
prometeu tornar-se pastor de rebanhos. Apolo então, lhe deu seu próprio bastão e o
ordenou pastor divino.
        Em outro mito, Hermes se torna protetor de rebanhos a partir de um episódio,
em que segundo a tradição, ele protegeu a cidade de Tanagra (onde ele havia sido
criado) da peste quando percorreu os muros da cidade com um carneiro nos ombros.

O culto
       Sendo um dos doze deuses principais da mitologia grega, Hermes é cultuado
desde o Neolítico23. Seu templo mais antigo está situado em Cilene (Arcádia) onde,
segundo a tradição, foi a cidade onde Hermes havia nascido. De Cibele o culto foi
levado a Atenas e dali se espalhou por toda a Grécia.
       Os templos consagrados a Hermes era um dos mais populares entre os gregos, e
em alguns casos, eram consagrados a Afrodite também, pois Hermes também era muito
associado a sexualidade. Vários Hinos e templos denotam Hermes como iniciador dos
jovens à vida sexual, derivando desta tradição, muitas imagens em que ele aparece
adolescente.
22
     Narrativa Clássica de toda origem cosmológica do panteão grego.
23
     Período que se estende entre aproximadamente século 10 a.C. até o século 3 a.C.


                                                    -7-
Sua principal festa era Hermaia, que consistia em uma comemoração anual com
sacrifícios e jogos atléticos e ginásticos realizado apenas por jovens. Os vencedores da
competição eram considerados em suas cidades heróis e honrados.
        As imagens de Hermes eram comumente encontradas nas estradas, nas entradas
das casas, nas divisões de bairros e nas praças comerciais, essas imagens eram
chamadas Hermas. Em Tebas, uma imagem de Hermes guardava a entrada do templo de
Apolo, e em Tanagra, onde ele possuía dois templos 24, aparecia carregando um cordeiro
(Kriophoros).




                                         Imagem 3 – Hermes Kriophoros. À
                                        esquerda, imagem da Web. À direita,
                                         Hermes Kriophoros, Bronze, museu
                                          nacional de Atenas, 550-525 a. C.


Jesus, o Bom Pastor
                A figura de Jesus, bom pastor nasce de uma metáfora usada pelo próprio
quando diz: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10,7).
        O pastorício, na antiguidade, tinha uma forte ligação com os líderes de um povo,
por causa da importância econômica que o pastoreio tinha na época, pois fornecia além
de alimento, matéria-prima para a confecção de agasalho para os dias de frio. Um
líder/rei deveria guiar seus súditos, cuidar e defendê-los, assim como um pastor cuida e
defende suas ovelhas.
        São inúmeras as passagens bíblicas que fazem referência a figura de Jesus, e em
algumas passagens ao próprio Deus-Criador, como bom pastor.

                                                                   O Senhor é meu pastor: nada me falta.
                                                                     Em verdes prados me faz descansar
                                                         e conduz-me às águas refrescantes. Salmo 22(23)

                                                           “Porque assim fala o Senhor DEUS: "Eis que Eu
                                                                 mesmo cuidarei das minhas ovelhas e me
                                                          interessarei por elas. Como o pastor se preocupa
                                                          com o seu rebanho, quando se encontra entre as
                                                        ovelhas dispersas, assim me preocuparei Eu com o
                                                         meu. Reconduzi-lo-ei de todas as partes por onde
                                                       tenha sido disperso, num dia de nuvens e de trevas.
                                                       Sou Eu que apascentarei as minhas ovelhas, sou Eu
                                                               quem as fará descansar – oráculo do Senhor
                                                                                             DEUS.” Ez 34

                                                          “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida
                                                                                    pelas ovelhas.” Jô, 10


24
     Em um dos templos ele possuía o cognome de Crióforos.


                                                    -8-
Nos primeiros séculos de Igreja a imagem do Bom Pastor era a mais
reproduzida25. Assim como o pastor guia suas ovelhas pelas melhores pastagens e as
defende, por vezes, colocando em risco sua própria vida, assim era vista a figura de
Jesus protetor dos Homens.
        A imagem de Jesus derivou da imagem de Hermes Kriophoros. Kriophoros
significa “carregador de carneiro”, e na Grécia antiga representava um fiel levando sua
oferenda, com o tempo e propagação do episódio de Tanagra, essa imagem passou a ser
associada a Hermes e posteriormente foi adaptada a idéia de Cristo bom pastor.




                             Gesso. Jesus, Bom Pastor.    Hermes Krióphoros, Cópia
                             Paróquia Bom Pastor do       romana do original grego do
                             Catiri, Rio de Janeiro.      séc. V a.C. – Museu Barroco,
                             Década de 90.                Roma


          Trata-se de uma imagem de um homem carregando um carneiro ou ovelha. A
ovelha poderia estar tanto nos ombros como no colo do pastor. A            ovelha,    numa
perspectiva cristã, é considerada a alma do homem que se acomoda aos ombros de
Cristo ou em seu colo, quando se deixa guiar por Ele.
                             Na visão pagã, o pastor carregando a ovelha nos ombros tem
                     um sentindo Filantrópico, e os poetas elegíacos apresentam a figura do
                     pastor como uma espécie de encarnação da bondade26. A imagem do
                     Bom pastor, inicialmente pode não ter sido compreendida como um
                     retrato de Jesus, mas apenas um símbolo como os utilizados à época.
                     Só a partir do século V d.C. a figura do pastor passa a ter uma
                     aparência convencional de Cristo, ganhando uma auréola e ricas
Foto da Catacumba de vestimentas.
Calixto, Séc III, Roma                                              “Pode-se dizer que as imagens de Cristo
                                                         como Bom Pastor ilustram três aspectos específicos
                                                          de sua ação salvífica: o do pastor que reconduz as
                                                              ovelhas ao aprisco; o do pastor que socorre as
                                                          ovelhas; e do pastor que protege as ovelhas contra
                                                                             o lobo devorador.” (TREVISAN)
               Além de ser encontrada na maioria das catacumbas e Sarcófagos, a
representação do Bom Pastor é encontrada em alguns epitáfios, medalhões e lucernas da
época. A mobilidade destes objetos ajudou na divulgação da imagem. As poucas
imagens tridimensionais da época que chegaram até nós, são em sua maioria, o bom
Pastor, o que mostra sua importância no período.
        Com a liberdade de culto concedida aos cristãos pelo Édito de Milão, constatou-
se uma ampliação de ciclos narrativos triunfos do cristianismo. As representações se
tornam mais minuciosas e realistas.
25
   Naquela época os cristãos não reproduziam crucifixos, apesar de a Cruz ser sinal de salvação para os
cristãos, para os pagãos era considerada motivo de vergonha. Diante desta situação os cristãos primitivos
consideravam desnecessária a exposição ao ridículo da figura de Jesus, sendo a mensagem de salvação
passada pela imagem de Jesus, bom pastor mais compreensível. Devido a isso, a imagem do Bom pastor
é uma das mais reproduzidas até os dias atuais, e podemos comparar sua importância neste período com a
do crucifixo na atualidade.
26
   TREVISAN


                                                   -9-
A partir da idade Média a figura do bom pastor
perde um pouco de espaço para a figura do cordeiro. O
cordeiro representa a alma do cristão, porém, ele
também pode representar o próprio Cristo,
referenciando às palavras de João Batista: “Eis o
Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo” Jô
1,29. O Cordeiro (como Cristo) é representado
ostentando o Estandarte da Ressurreição, pronto para
ser sacrificado. Cristo ao morrer crucificado sela uma
                                                       Representação romântica do cordeiro de Deus
nova aliança, ao derramar o seu sangue para salvar os na Capela de St. Remigius
homens.
        O Cordeiro tornou-se numa das representações mais usadas em portais e
iluminuras de Igrejas românticas e góticas. E foi uma dos temas mais repetidos nas
portas de sacrários da Idade moderna.
        No Renascimento com a valorização da cultura Greco-latina, a imagem do Bom
Pastor se reabilita na esfera espiritual. O espírito humanista do renascimento
proporcionou o desenvolvimento de uma arte mais naturalista.
                                                                   “A imagem do Bom Pastor explana esta
                                                           proximidade, e tipifica a confiança num futuro de
                                                            prosperidade e paz característica da sociedade
                                                                                       humanista.” (Eusébio)
        Com o Concílio de Trento (1545-1563), a figura do Bom Pastor reaparece num
período em que a Igreja busca reforçar o sentimento da fé, e intensifica a importância
atribuída ao impacto emocional das imagens e ao seu conteúdo teológico, e que se
reforça o valor catequético atribuído à elas e a busca pela consolidação da fé.




                            Bom Pastor, Paróquia Bom Pastor Catiri. 2013
        O bom pastor esteve presente em muitas portas dos sacrários dos séculos XVII e
XVIII, em Portugal. No Museu de Aveiro se encontra um sacrário de talha dourada e
policromada de estilo barroco português, em sua porta a imagem de Jesus, bom pastor
está ornada em relevo. Ele aparece com barba, vestido com uma túnica e um amplo
manto, ambos estofados e policromados, atualizando o modelo primitivo.
        A Igreja, atualmente, comemora o dia do Bom pastor no 4° domingo de páscoa27,
neste dia o papa costuma enviar uma mensagem a seu povo pedindo orações.
        Concluímos então, que arte Greco-romana, assim como parte de sua cultura, se
mantém viva nos pulsos da Igreja Católica Apostólica Romana. Com uma incrível
capacidade de se adaptar a situação que se apresenta o Cristianismo nunca perdeu uma
oportunidade de propagar suas idéias, e não tiveram receios em se apropriarem da
beleza estética da arte da antiguidade grega. O Bom pastor dessa forma, se mantém vivo
27
     Oitava de Natal.


                                                  - 10 -
na mente cristã, e com adaptações a cada época sem perder sua essência teológica.
Dando novas interpretações, o cristianismo transformou significativamente a arte, o
culto, e a cultura grega, não a eliminando por completo, mas absorvendo para si o que
eles acreditavam que ela tinha de melhor: sua arte.

Bibliografia:
EUSÉBIO, Maria de Fátima (2004), A apropriação cristã da iconografia Greco-latina: o tema do Bom
Pastor,Texto apresentado nas XV Jornadas de Formação de Professores, Faculdade de Letas da UCP, 29
e 30 de Abril

VIANA, Manuel Couto (1958), De alguns Símbolos cristãos, sep. Boletim da Academia Portuguesa de Ex-
Libiris, n°8, 2ª série, Maio, Lisboa.

BURKE, P. (2004), Testemunha ocular. História e Imagem. Trad. Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru:
EDUSC.

TREVISAN, A. (2003) – O rosto de Cristo: a formação do imaginário e da arte cristã. 2ª.ed. – Porto Alegre


LEITE, SILVA, CARVALHO, FRANCALANCI (2011) – Figurações do masculino e do feminino na
Antiguidade – Vitória.


Alguns Sites que serviram de referência para este trabalho:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Catacumba_romana
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arte_paleocrist%C3%A3
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bom_Pastor
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hermes
http://www.dicionarioinformal.com.br/




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  • 1. Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro Curso Produção Cultural Heranças Gregas na Religião Católica O bom Pastor Annie Ramos Leila Oliveira História da Arte Prof.° Tadeu Mourão
  • 2. Índice ÍNDICE.........................................................................................................................................................2 INTRODUÇÃO............................................................................................................................................3 DO PAGÃO AO CRISTÃO........................................................................................................................3 AS CATACUMBAS...........................................................................................................................................3 APROPRIAÇÃO DE ALGUNS SÍMBOLOS PAGÃOS PELOS CRISTÃOS PRIMITIVOS..............................................................5 AS REPRESENTAÇÕES HUMANAS......................................................................................................................5 O BOM PASTOR.........................................................................................................................................6 QUEM É HERMES?.........................................................................................................................................6 O MITO........................................................................................................................................................7 O CULTO......................................................................................................................................................7 JESUS, O BOM PASTOR...................................................................................................................................8 BIBLIOGRAFIA:......................................................................................................................................11 -2-
  • 3. Introdução Na história da arte, vários povos encontraram na pintura, escultura e arquitetura uma forma de perpetuar as suas histórias, sejam elas narrativas heróicas, históricas, ou mitológicas. Independente de sua origem e cultura, o homem em algum momento busca representações figurativas para suas crenças e para perpetuar de alguma forma as suas histórias. “Embora os textos também ofereçam indícios valiosos, imagens constituem-se no melhor guia para o poder de representações visuais nas vidas religiosa e política de culturas passadas” (BURKE, 2004, p.17) O uso de imagens para representações religiosas é uma característica muito recorrente em religiões politeístas, prática esta, que era rejeitada pelos judeus 1 que não possuíam nenhuma pretensão de ter qualquer relação ou vínculo com os pagãos. Em contra ponto, o cristianismo vê nessas representações um novo veículo proselitista 2, dando a essas imagens novas interpretações, no intuito de facilitar o entendimento àqueles que não compreendiam o pensamento e a cultura cristã3. “Os primitivos cristãos vão adotar a representação figurativa, para assim facilitarem a comunicação dos princípios que informavam a nova religião junto de uma sociedade acostumada a visualizar as imagens das divindades do panteão Greco-latino.” (Eusébio, M.F. – Apropriação cristã da iconografia Greco-latina: o tema do bom pastor) Entre as representações e símbolos que ganharam uma roupagem cristã, a figura do Bom Pastor se destaca. Associada ao próprio Cristo e derivada de representações do deus Greco-latino Hermes (Mercúrio), a imagem do Bom pastor teve relevante importância. Em meio as perseguições, no colo do Bom Pastor, a alma do cristão encontra consolo e abrigo, e a promessa de Salvação. Do pagão ao Cristão As catacumbas Em um cenário de perseguições, as representações cristãs continham em si, em primazia, narrativas de textos bíblicos e uma linguagem simbólica. Havia alguns cuidados ao construir estas representações4 como a ausência de preocupação com o realismo e o naturalismo das formas revelando um significado metafórico e a redução das dimensões das imagens. Apesar de uma consciência em prol da adoção de uma linguagem simbólica como “uma expressão plástica na qual se procura sintetizar uma idéia”(VIANA, 1958), não possuímos registros de arte cristã do século I. O contexto de clandestinidade em que se encontravam os primeiros cristãos e esses serem majoritariamente de classe 1 Religião monoteísta que via nas imagens uma forma de adoração aos deuses pagãos. 2 É o intento, zelo, diligência, empenho ativista de converter uma ou várias pessoas a uma determinada causa, idéia ou religião (proselitismo religioso).(Vide: dicionário informal) 3 Essa falta de compreensão poderia se dar por serem analfabetos – nesse caso eles não possuíam o acesso direto às escrituras –, ou por não compreenderem de fato a nova religião, por diferir muito de sua cultura original – na maioria dos casos politeísta . Nesses casos as representações católicas tiveram um grande impacto, já que criava vínculos entre a fé pagã e a fé cristã, com o objetivo de catequizar a todos, porém criando conflitos internos, entre os que eram a favor de imagens e os que eram contra. 4 Por não serem destinadas a serem objetos de idolatria (característica pagã e oposta a proposta cristã), era necessárias algumas restrições. -3-
  • 4. baixa5, contribuíram para que, no seu primeiro século de existência 6, a igreja não tivesse recursos para uma expressões artísticas mais duradoura. A partir do século II, encontramos indícios claros das manifestações artísticas cristãs, mais evidentes em Roma7, nas catacumbas Romanas8. A datar deste século então, os cristãos deixam de sepultar seus mortos nos cemitérios públicos e também abandonam a prática de cremação que, além de ser pagã, consumia o corpo que era necessário para a ressurreição. Conforme a ascensão gradativa da religião às classes mais altas, ela passa a realizar os seus sepultamentos em cemitérios exclusivamente cristãos9. As catacumbas eram usadas para os cultos à Eucaristia, pois os cristãos não podiam celebrar seus rituais religiosos livremente, assim também eram realizadas celebrações eucarísticas em casas particulares (domus ecclesiae 10). São nesses lugares que se encontram primeiros vestígios da arte sacra cristã. As catacumbas eram lugares de oração, devoção e celebrações litúrgicas. A igreja enfrentava a fúria dos imperadores romanos11 desde a primeira metade do Século I quando ela surgiu em Roma. Apesar das torturas e dos martírios, os seguidores de Jesus não se intimidavam, pois acreditavam em uma vida eterna. Uma vida após a morte que compensaria qualquer dor e injuria que eles passassem durante a sua vida terrena. A esperança na ressurreição, no reencontro com Cristo era o que dava energia para os cristãos permanecerem em sua jornada. Esta esperança em uma vida de luz após a morte é o que torna os temas das pinturas paleocristãs 12 otimistas e alegres, havia um epitáfio-padrão nos sarcófagos das catacumbas “in pace”, que significa “descansa em paz”, também era comum encontrar a frase “Tu viverás... Tu viverás em Cristo... Tu A mais antiga imagem de Maria e viverás eternamente...” (Trevisan), o que retoma uma o menino Jesus. (Século II, temática muito freqüente nesse período que era a paz, e a Catacumba de Santa Priscila, salvação. Roma) Nos muros dos enormes corredores das catacumbas, as histórias do novo e do antigo testamento ganham narrativas catequéticas e pedagógicas. Entre as narrativas mais freqüentes encontra-se os milagres (sejam eles do novo ou do velho testamento), a Eucaristia, a orante (uma imagem na maioria das vezes feminina, com as mãos estendidas em forma de súplica, era uma alegoria da Pietá (Piedade) e possuía basicamente três significados cristãos: 1) Poderia representar a alma do defunto 13; 2) Poderia representar um mártir – um defunto venerado pela igreja devido a sua morte em 5 O cristianismo era uma religião exclusiva das classes mais baixas. (Vide: Wikipédia) 6 Acredita-se que o cristianismo não tivesse nessa época recursos financeiros para criação de expressões artísticas mais duradouras. 7 Acredita-se que houve outros centros artísticos com estilo próprio em Alexandria e Antioquia, porém em Roma que se revelam as primeiras pinturas em catacumbas. 8 Eram cemitérios subterrâneos utilizados pelos primeiros cristãos a partir da primeira metade do século II. As catacumbas possuem uma estrutura baseada na existência de corredores com paredes elevadas, que formam cavidades alinhadas e sobre postas para a colocação dos defuntos fechadas por uma lápide. 9 A Lei romana considerava terreno sagrado a área destinada aos mortos. (TREVISAN) 10 Assembléia doméstica (tradução livre) 11 As mais violentas começaram com Nero (54-68) e foram seguidas por Décio(249-251), Valeriano (253- 260) e Dioclesiano (284-312). 12 Termo utilizado para representar o movimento da arte sacra cristã que ocorreu entre os séculos I e V. 13 Em alguns momentos ela passa a ser mais individualizadora e depois passa a constituir o retrato da pessoa. -4-
  • 5. nome de Cristo; e 3) A partir do século V pode representar também a Virgem Maria – a intercessora por excelência ) e Jesus, o bom pastor (falaremos mais dele mais tarde). Apropriação de alguns símbolos pagãos pelos cristãos primitivos Conforme a posição social do cristianismo se consolidava e suas relações ficavam mais complexas, eles começaram a sentir a necessidade de criar uma linguagem de comunicação com os pagãos. Por não possuírem um repertório específico de imagens, de acordo com a sua doutrina. Os cristãos primitivos tiveram que recorrer as formas e imagens pagãs para poderem tornar mais compreensíveis os seus conteúdos religiosos e para poder dialogar com maior viabilidade com pessoas dessas culturas, tendo sempre como tema principal a oração e a salvação. Ainda com uma arte fúnebre, podemos verificar um trabalho de associações na busca Cristã por levar a sua religiosidade, de forma que, essa seja compreendida por todos, eles integram estas imagens a uma simbologia e contexto cristãos não tendo assim, hesitação em usar recursos pré-cristãos. Usavam-se imagens neutras que passavam despercebidas, mas que eram facilmente compreendidas pelos fiéis. Entre elas há uma preeminência das que ilustram as idéias de salvação, oração e vida eterna 14; dando ênfase a importância da missão redentora de Jesus Cristo, através de uma linguagem simples e de fácil compreensão e interpretação. Além do objetivo catequético, alguns símbolos são incorporados ao universo cristão com a funcionalidade de codificar, com o objetivo de respeitar à disciplina de arcano15, alguns mistérios da fé católica. Assim, ainda num cenário de ilegalidade, os cristãos foram obrigados a criar um dicionário secreto que identificava seus membros, para uso da comunidade, migrando assim para o imaginário cristão, símbolos como o pavão, a pomba, a Fênix, a âncora, entre outros. O Peixe ganha destaque entre os demais pela sua ampla simbologia. A língua oficial da Igreja nos primeiros tempos era o grego, sendo Ichthys (peixe em grego) uma frase essencial na espiritualidade cristã codificada: Iēsoùs Christòs Theoù Yiòs Sōtè – “Jesus Cristo Filho de Deus Salvador”. Além disso, o peixe era associado ao milagre da multiplicação onde representava a Eucaristia; também era ligado ao sacramento do bastimo16, à pesca milagrosa de Pedro e André, e a história de Tobias (nesse caso, Jesus é comparado ao peixe que quando pescado pelo jovem Tobias restituiu a visão ao seu pai, dessa forma Jesus trazia saúde a humanidade), entre outros. As representações humanas Entre as representações humanas eram representados com freqüência: a Orante, representações da santa ceia e narrativas de episódios do antigo testamento. Durante o período helenístico17 os valores religiosos perdem um pouco seu espaço, pois o homem helenístico está obstinado pela busca da felicidade. Em contra partida, o cristianismo surgia trazendo o conceito de salvação e de alegria após a morte, com uma idéia de mortificação do homem terreno para viver as alegrias eternas. 14 EUSÉBIO, M.F. 15 Também conhecido como Lei do Arcano é uma expressão teológica que diz respeito ao costume (regra) da Igreja primitiva, que por precaução, omitia seus dogmas e mistérios a quem não fosse iniciado e preparado para recebê-los com receio de que fizessem mau uso destes. É uma leitura literal do texto “não lanceis aos cães as coisas santas” (Mt 7,6). 16 Pois peixes vivem em ambiente aquático. 17 Período da história da Grécia e de parte do Oriente Médio entre 323 a.c. e 146 a.c. que caracterizou-se pela difusão da cultura grega desde o mar mediterrâneo oriental à Ásia Central. -5-
  • 6. Diante deste cenário atribulado, os cristãos se inspiram na linguagem artística helenística em suas representações humanas. As que mais se destacam são a do bom pastor, que falaremos em um capítulo próprio, e a de Apolo-Hélios 18, o deus do Sol Invicto19, que se relacionava com a mensagem de Cristo que diz: “Eu sou a luz do mundo, quem me segue não andará nas trevas, mas terá a vida eterna.”, além de ressaltar a eterna juventude do Ressuscitado. Nessas representações Jesus aparecia como um jovem imberbe, e começou a se impor uma imagem étnica de cristo barbudo após o século IV. O Bom Pastor A imagem de cristo bom pastor veio da imagem de Hermes Kriophoros. Também produto do sincretismo da religião católica com o panteão Greco-latino, de acordo com o processo de transição citado anteriormente. Quem é Hermes? Filho de Zeus (deus dos deuses) e da ninfa Maia (uma das plêiades 20). Diz o mito que Hermes nasceu numa caverna no monte Cilene ao sul da Acádia, foi um dos deuses do Olimpo que despertou a admiração do povo grego que o considerava excepcional por trazer conhecimentos para aquela antiga civilização. Na mitologia grega, o deus Hermes era conhecido como o mensageiro dos pesos e medidas, dos pastores, dos oradores, do atletismo, do comércio, das estradas e viagens e das invenções. Também era considerado na Grécia antiga, como o patrono dos diplomatas, dos comerciantes, da ginástica e dos astrônomos. Por possuir tais poderes, os gregos associaram os poderes de Thot (inventor da escrita e de todas as ciências ligadas a ela) aos que era atribuído a Hermes na Grécia, e passaram a considerar as duas personagens a mesma. Hermes foi uma criança precoce, assim que nasceu partiu para sua primeira aventura, uma das histórias mais citadas sobre ele, foi o furto de parte do rebanho de novilhas, as quais seu meio irmão Apolo era o guardião. Hermes inventou a Lira 21 com tripas de ovelhas e casco de tartaruga. Apolo ao ver o instrumento que Hermes tocava lindamente, ficou encantado e lhe fez uma proposta, a troca do rebanho furtado, pelo instrumento. Mais tarde, Hermes inventou outro instrumento musical, a Flauta de Pã, e mais uma vez, Apolo ofereceu- lhe uma troca, o Caduceu (cajado de ouro), que usava para guardar o gado, dessa vez Hermes aceitou a troca e pediu além do cajado, lições de adivinhação. Após a conquista da Grécia pelo império Romano, a figura e o mito de Hermes sofreram um sincretismo com Mercúrio (deus dos lucros, comércio e mensageiro dos deuses), para os romanos, Mercúrio é o deus da eloquência, do comércio, dos viajantes e dos ladrões. Com o nome latino de Mercúrio, Hermes era invocado nas cerimônias dos magos como aquele que transmitia as fórmulas mágicas. Por ter todas as características do deus grego, sua iconografia como Mercúrio, apresenta- se igual à de Hermes, possuindo um detalhe romano, um saquinho para guardar dinheiro, símbolo dos ganhos obtidos no comércio. 18 Apolo para aos pagãos representava o libertador o mal, a divindade da purificação e da profecia. Era o ideal grego da ordem inteligível diante as forças do caos e possuía uma juventude eterna. 19 TREVISAN. 20 Eram filhas de Atlas e Pleiones. 21 Instrumento de cordas, muito conhecido pela seu vasto uso na antiguidade. -6-
  • 7. A imagem de Hermes variou conforme evoluiu a arte e a cultura grega. Em tempos arcaicos ele é um homem maduro, barbado, com um traje de viajante, mensageiro, ou pastor. No classicismo e helenismo, Hermes é representado nu, com porte atlético, como convém ao deus da palestra e da ginástica, forma que predominou pelos séculos. Acredita- se que a ligação de Hermes com o furto, nasceu como uma derivação de sua imagem como pastor já relatada anteriormente, como o fato ocorrido com seu irmão divino, Apolo. Na Grécia arcaica a imagem representava um fiel conduzindo um animal para o sacrifício, com tudo ele pretendia ser eternizado no templo, mais tarde a imagem tornou-se uma das figurações do deus Hermes (encarregado de conduzir almas para o além), impressionado com sua habilidade, Zeus o escolheu para servir de mensageiro, tornando-se assim o mensageiro dos deuses e guia das almas no reino dos mortos. Hermes era também uma divindade da agricultura, protetor dos pastores e por vezes, representado com um cordeiro sobre os ombros, pelo que simbolizava também o “Bom Pastor”. È a partir das características dessas imagens, que os cristãos fizeram sua primeira Imagem 2 - Hermes Krioforos, escultura do “Bom Pastor”, simbolizando Cristo. Foi na arte bi- 515-510 a.C. Museu dimensional, que Hermes Kriophoros (carregador de cordeiros) e de Louvre Hermes Nomios (protetor dos Rebanhos) se transformaram em Cristo. O mito Sua Ligação com os rebanhos, se deu a partir do mito em que Hermes ainda bebê furta o rebanho de seu irmão Apolo. Ao descobrir a travessura do irmão e ao ver sua resiliência em confessar seu crime, Apolo o tomou no colo e o levou a Zeus para julgá-lo. Zeus risonho ordenou a Hermes que revelasse o esconderijo do rebanho, que obediente o fez. Apolo ficou encantado com a esperteza do irmão e sua agilidade. Após o episódio Hermes canta toda a teogonia 22 na lira que criara encantando seu irmão, que julgou aquele canto superior até mesmo ao dele que era o deus da música, e ofereceu o rebanho roubado de volta em troca do instrumento, prometeu fazer-lhe um líder entre os imortais e lhe conceder muitos dons. Agradecido Hermes lhe deu a Lira e o ensinou a tocar o novo instrumento, e prometeu tornar-se pastor de rebanhos. Apolo então, lhe deu seu próprio bastão e o ordenou pastor divino. Em outro mito, Hermes se torna protetor de rebanhos a partir de um episódio, em que segundo a tradição, ele protegeu a cidade de Tanagra (onde ele havia sido criado) da peste quando percorreu os muros da cidade com um carneiro nos ombros. O culto Sendo um dos doze deuses principais da mitologia grega, Hermes é cultuado desde o Neolítico23. Seu templo mais antigo está situado em Cilene (Arcádia) onde, segundo a tradição, foi a cidade onde Hermes havia nascido. De Cibele o culto foi levado a Atenas e dali se espalhou por toda a Grécia. Os templos consagrados a Hermes era um dos mais populares entre os gregos, e em alguns casos, eram consagrados a Afrodite também, pois Hermes também era muito associado a sexualidade. Vários Hinos e templos denotam Hermes como iniciador dos jovens à vida sexual, derivando desta tradição, muitas imagens em que ele aparece adolescente. 22 Narrativa Clássica de toda origem cosmológica do panteão grego. 23 Período que se estende entre aproximadamente século 10 a.C. até o século 3 a.C. -7-
  • 8. Sua principal festa era Hermaia, que consistia em uma comemoração anual com sacrifícios e jogos atléticos e ginásticos realizado apenas por jovens. Os vencedores da competição eram considerados em suas cidades heróis e honrados. As imagens de Hermes eram comumente encontradas nas estradas, nas entradas das casas, nas divisões de bairros e nas praças comerciais, essas imagens eram chamadas Hermas. Em Tebas, uma imagem de Hermes guardava a entrada do templo de Apolo, e em Tanagra, onde ele possuía dois templos 24, aparecia carregando um cordeiro (Kriophoros). Imagem 3 – Hermes Kriophoros. À esquerda, imagem da Web. À direita, Hermes Kriophoros, Bronze, museu nacional de Atenas, 550-525 a. C. Jesus, o Bom Pastor A figura de Jesus, bom pastor nasce de uma metáfora usada pelo próprio quando diz: “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas” (Jo 10,7). O pastorício, na antiguidade, tinha uma forte ligação com os líderes de um povo, por causa da importância econômica que o pastoreio tinha na época, pois fornecia além de alimento, matéria-prima para a confecção de agasalho para os dias de frio. Um líder/rei deveria guiar seus súditos, cuidar e defendê-los, assim como um pastor cuida e defende suas ovelhas. São inúmeras as passagens bíblicas que fazem referência a figura de Jesus, e em algumas passagens ao próprio Deus-Criador, como bom pastor. O Senhor é meu pastor: nada me falta. Em verdes prados me faz descansar e conduz-me às águas refrescantes. Salmo 22(23) “Porque assim fala o Senhor DEUS: "Eis que Eu mesmo cuidarei das minhas ovelhas e me interessarei por elas. Como o pastor se preocupa com o seu rebanho, quando se encontra entre as ovelhas dispersas, assim me preocuparei Eu com o meu. Reconduzi-lo-ei de todas as partes por onde tenha sido disperso, num dia de nuvens e de trevas. Sou Eu que apascentarei as minhas ovelhas, sou Eu quem as fará descansar – oráculo do Senhor DEUS.” Ez 34 “Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas ovelhas.” Jô, 10 24 Em um dos templos ele possuía o cognome de Crióforos. -8-
  • 9. Nos primeiros séculos de Igreja a imagem do Bom Pastor era a mais reproduzida25. Assim como o pastor guia suas ovelhas pelas melhores pastagens e as defende, por vezes, colocando em risco sua própria vida, assim era vista a figura de Jesus protetor dos Homens. A imagem de Jesus derivou da imagem de Hermes Kriophoros. Kriophoros significa “carregador de carneiro”, e na Grécia antiga representava um fiel levando sua oferenda, com o tempo e propagação do episódio de Tanagra, essa imagem passou a ser associada a Hermes e posteriormente foi adaptada a idéia de Cristo bom pastor. Gesso. Jesus, Bom Pastor. Hermes Krióphoros, Cópia Paróquia Bom Pastor do romana do original grego do Catiri, Rio de Janeiro. séc. V a.C. – Museu Barroco, Década de 90. Roma Trata-se de uma imagem de um homem carregando um carneiro ou ovelha. A ovelha poderia estar tanto nos ombros como no colo do pastor. A ovelha, numa perspectiva cristã, é considerada a alma do homem que se acomoda aos ombros de Cristo ou em seu colo, quando se deixa guiar por Ele. Na visão pagã, o pastor carregando a ovelha nos ombros tem um sentindo Filantrópico, e os poetas elegíacos apresentam a figura do pastor como uma espécie de encarnação da bondade26. A imagem do Bom pastor, inicialmente pode não ter sido compreendida como um retrato de Jesus, mas apenas um símbolo como os utilizados à época. Só a partir do século V d.C. a figura do pastor passa a ter uma aparência convencional de Cristo, ganhando uma auréola e ricas Foto da Catacumba de vestimentas. Calixto, Séc III, Roma “Pode-se dizer que as imagens de Cristo como Bom Pastor ilustram três aspectos específicos de sua ação salvífica: o do pastor que reconduz as ovelhas ao aprisco; o do pastor que socorre as ovelhas; e do pastor que protege as ovelhas contra o lobo devorador.” (TREVISAN) Além de ser encontrada na maioria das catacumbas e Sarcófagos, a representação do Bom Pastor é encontrada em alguns epitáfios, medalhões e lucernas da época. A mobilidade destes objetos ajudou na divulgação da imagem. As poucas imagens tridimensionais da época que chegaram até nós, são em sua maioria, o bom Pastor, o que mostra sua importância no período. Com a liberdade de culto concedida aos cristãos pelo Édito de Milão, constatou- se uma ampliação de ciclos narrativos triunfos do cristianismo. As representações se tornam mais minuciosas e realistas. 25 Naquela época os cristãos não reproduziam crucifixos, apesar de a Cruz ser sinal de salvação para os cristãos, para os pagãos era considerada motivo de vergonha. Diante desta situação os cristãos primitivos consideravam desnecessária a exposição ao ridículo da figura de Jesus, sendo a mensagem de salvação passada pela imagem de Jesus, bom pastor mais compreensível. Devido a isso, a imagem do Bom pastor é uma das mais reproduzidas até os dias atuais, e podemos comparar sua importância neste período com a do crucifixo na atualidade. 26 TREVISAN -9-
  • 10. A partir da idade Média a figura do bom pastor perde um pouco de espaço para a figura do cordeiro. O cordeiro representa a alma do cristão, porém, ele também pode representar o próprio Cristo, referenciando às palavras de João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo” Jô 1,29. O Cordeiro (como Cristo) é representado ostentando o Estandarte da Ressurreição, pronto para ser sacrificado. Cristo ao morrer crucificado sela uma Representação romântica do cordeiro de Deus nova aliança, ao derramar o seu sangue para salvar os na Capela de St. Remigius homens. O Cordeiro tornou-se numa das representações mais usadas em portais e iluminuras de Igrejas românticas e góticas. E foi uma dos temas mais repetidos nas portas de sacrários da Idade moderna. No Renascimento com a valorização da cultura Greco-latina, a imagem do Bom Pastor se reabilita na esfera espiritual. O espírito humanista do renascimento proporcionou o desenvolvimento de uma arte mais naturalista. “A imagem do Bom Pastor explana esta proximidade, e tipifica a confiança num futuro de prosperidade e paz característica da sociedade humanista.” (Eusébio) Com o Concílio de Trento (1545-1563), a figura do Bom Pastor reaparece num período em que a Igreja busca reforçar o sentimento da fé, e intensifica a importância atribuída ao impacto emocional das imagens e ao seu conteúdo teológico, e que se reforça o valor catequético atribuído à elas e a busca pela consolidação da fé. Bom Pastor, Paróquia Bom Pastor Catiri. 2013 O bom pastor esteve presente em muitas portas dos sacrários dos séculos XVII e XVIII, em Portugal. No Museu de Aveiro se encontra um sacrário de talha dourada e policromada de estilo barroco português, em sua porta a imagem de Jesus, bom pastor está ornada em relevo. Ele aparece com barba, vestido com uma túnica e um amplo manto, ambos estofados e policromados, atualizando o modelo primitivo. A Igreja, atualmente, comemora o dia do Bom pastor no 4° domingo de páscoa27, neste dia o papa costuma enviar uma mensagem a seu povo pedindo orações. Concluímos então, que arte Greco-romana, assim como parte de sua cultura, se mantém viva nos pulsos da Igreja Católica Apostólica Romana. Com uma incrível capacidade de se adaptar a situação que se apresenta o Cristianismo nunca perdeu uma oportunidade de propagar suas idéias, e não tiveram receios em se apropriarem da beleza estética da arte da antiguidade grega. O Bom pastor dessa forma, se mantém vivo 27 Oitava de Natal. - 10 -
  • 11. na mente cristã, e com adaptações a cada época sem perder sua essência teológica. Dando novas interpretações, o cristianismo transformou significativamente a arte, o culto, e a cultura grega, não a eliminando por completo, mas absorvendo para si o que eles acreditavam que ela tinha de melhor: sua arte. Bibliografia: EUSÉBIO, Maria de Fátima (2004), A apropriação cristã da iconografia Greco-latina: o tema do Bom Pastor,Texto apresentado nas XV Jornadas de Formação de Professores, Faculdade de Letas da UCP, 29 e 30 de Abril VIANA, Manuel Couto (1958), De alguns Símbolos cristãos, sep. Boletim da Academia Portuguesa de Ex- Libiris, n°8, 2ª série, Maio, Lisboa. BURKE, P. (2004), Testemunha ocular. História e Imagem. Trad. Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: EDUSC. TREVISAN, A. (2003) – O rosto de Cristo: a formação do imaginário e da arte cristã. 2ª.ed. – Porto Alegre LEITE, SILVA, CARVALHO, FRANCALANCI (2011) – Figurações do masculino e do feminino na Antiguidade – Vitória. Alguns Sites que serviram de referência para este trabalho: http://pt.wikipedia.org/wiki/Catacumba_romana http://pt.wikipedia.org/wiki/Arte_paleocrist%C3%A3 http://pt.wikipedia.org/wiki/Bom_Pastor http://pt.wikipedia.org/wiki/Hermes http://www.dicionarioinformal.com.br/ - 11 -