A Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia (APD) emitiu uma nota pública expressando preocupação com os recentes acontecimentos que ameaçam a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito no Brasil, violando direitos fundamentais. A APD defende que as investigações de corrupção devem respeitar os direitos e garantias constitucionais dos cidadãos, como a presunção de inocência, e não podem usar vazamentos seletivos ou direcionamentos políticos para destruir reputações.
Manifesto de Advogadas e Advogados Gaúchos pela Defesa do Estado Democrático ...
Nota pública da Associação | Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia – APD
1. NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO
ADVOGADAS E ADVOGADOS PÚBLICOS PARA A DEMOCRACIA – APD
“Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e uma liberdade de reunião
ilimitadas, sem uma luta de opiniões livres, a vida vegeta e murcha em todas as
instituições públicas, e a burocracia torna-se o único elemento ativo.” ― Rosa de
Luxemburgo
APD – Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia,
entidade civil de fins não lucrativos ou corporativistas, criada por advogados
públicos federais, e que tem por finalidade a busca da plena efetivação dos
valores sociais e jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, a defesa
da democracia e dos Direitos Humanos, vem a público manifestar-se sobre os
nefastos acontecimentos dos últimos dias, que comprometem a Ordem
Constitucional e o Estado Democrático de Direito, através da afronta aos
Direitos Fundamentais insertos na Carta Magna de 1988.
O Brasil vive, no atual momento, grave crise na sua recente democracia.
Durante os anos de ditadura, vários cidadãos sofreram e sacrificaram-se, para
que estejamos hoje em pleno exercício dos nossos direitos.
A corrupção não é fato novo, mas se arrasta desde sempre corroendo as
entranhas do nosso país e, desde a construção de um consenso mínimo para
um trabalho em prol da democracia, com a crescente liberdade de expressão e
de imprensa, associada ao fortalecimento das instituições, tornou-se visível
inimigo a ser combatido. Mas esse é apenas um dos inimigos. O maior de
todos, no Brasil, é a desigualdade social, o absurdo abismo que ainda separa a
renda dos mais ricos da renda da imensa maioria da população, essa sim uma
imoralidade que deveria nos indignar cotidianamente.
Contudo, à guisa de combater a corrupção, não podemos, sob pena de
retrocedermos ao patamar das graves violações aos direitos dos cidadãos
brasileiros, havidas durante a ditadura militar implantada pelo Golpe de 64,
permitir: a relativização da presunção de inocência; expedientes arbitrários
como condução coercitiva ou pedidos de prisão preventiva, sem o devido
embasamento legal; ataques por parte de policiais militares a instituições
2. democraticamente constituídas, igualmente descabidos e em desconformidade
com a legalidade; utilização da prisão temporária, igualmente quando ausentes
seus pressupostos previstos na legislação, com o fim de obter delações nos
moldes imaginados pelos órgãos de investigação. Ademais, não podemos
permitir o comprometimento dos princípios democráticos que regulam o
processo, com as operações midiáticas e vazamentos seletivos, que visam
destruir reputações e interferir no debate político, além de tensionar a opinião
pública para apoiar tais operações.
Utilizar-se desses arbítrios, em nome de uma suposta guerra contra a
impunidade e combate à corrupção, não pode ser tolerado, não pode ser aceito
de nenhuma forma, sob pena de violentar nossa ainda incipiente democracia,
que deve ter como premissa maior continuamente resguardar as garantias
postas na Constituição Cidadã de 1988.
O artigo 5º da nossa Carta garante a todo e qualquer cidadão, que este seja
presumido inocente até o trânsito em julgado da sentença condenatória (inciso
LVII), que lhe seja garantido o contraditório e a ampla defesa (inciso LV), que
ninguém seja privado de sua liberdade sem o devido processo legal (inciso
LIV), além de tantos outros dispositivos que atentam quanto ao cuidado na
condução à prisão (incisos LXI a LXVIII).
Acreditar no punitivismo e no recrudescimento das medidas penais como forma
de “limpar” a política é um equívoco perigoso. A descrença na política e na
democracia, como formas de solução dos problemas públicos, pode levar o
país de volta ao autoritarismo.
Desta feita, a APD vem manifestar-se pela necessidade de observação, por
parte dos juristas e operadores do direito envolvidos nos processos no âmbito
da “Operação Lava-Jato”, bem como outras instituídas para investigação de
crimes de corrupção, do ordenamento jurídico vigente, em especial pela
necessidade do resguardo dos direitos e garantias fundamentais, cláusulas
pétreas da nossa Constituição. Há que se investigar todos sem exceção, mas
não se pode tolerar vazamentos seletivos de informação, direcionamentos
políticos da operação, abusos de qualquer espécie.
Brasília, 14 de março de 2016.