1. Inovação Colaborativa e o Poder do Puxar
Ruy José Guerra Barretto de Queiroz, Professor Associado, Centro de Informática da UFPE
Em meio a uma crise econômica sem precedentes, executivos se tornam obcecados com
metas de desempenho de curto prazo tais como o corte de custos, o aumento de vendas e do
crescimento da fatia de mercado. Enquanto isso, economistas recorrem a dados estatísticos
como o crescimento do PIB, níveis de desemprego, e as variações da balança comercial para
avaliar a saúde do ambiente de negócios.
Nada de novo no front, exceto que o foco nas métricas tradicionais frequentemente impede
que se enxergue as forças de mudança de longo prazo que corroem as fontes normais de valor
econômico. Na realidade, “normais” pode ser uma coisa do passado, pois até quando a
economia volta a se aquecer, a rentabilidade das empresas tem voltado a ficar sob pressão. O
fato é que algumas tendências iniciadas há décadas estão modificando o ambiente de negócios
nas suas bases, apoiadas por uma infraestrutura digital construída sobre o ritmo exponencial
sustentado das melhorias de desempenho em computação, memória e banda de
comunicações. E essa infraestrutura não se constitui apenas de bits e bytes, pois envolve
instituições, práticas, e protocolos que juntos representam, ao mesmo tempo, o arcabouço e a
entrega da força crescente da tecnologia para servir aos negócios e à sociedade. Por mais
concretas que pareçam tais tendências, há que se dispor de métricas apropriadas para que se
possa avaliar o ritmo das mudanças, e até mesmo o impacto da largura de banda. Com esse
propósito o Deloitte Center for the Edge (liderado por John Hagel III, John Seely Brown, e Lang
Davison) publicou em Junho de 2009 um relatório intitulado “Measuring the forces of long-
term change - The 2009 Shift Index” no qual define o “índice de mudanças” (em inglês, “The
Shift Index”) como composto de três medidas caracterizadas por três ondas de mudança
profunda – Fundamentos, Fluxo, e Impacto – além de 25 métricas que juntas quantificam o
estoque, o ritmo e as implicações da mudança. Pode-se pensar no “The Shift Index” como um
análogo da nova economia ao “Composite Index of Leading Indicators”, um índice da velha
economia publicado mensalmente pelo Conference Board (responsável pelo índice de
confiança do consumidor) usado para fazer previsões sobre o rumo dos movimentos da
economia nos meses adiante.
Entre as observações relatadas no relatório da Deloitte, a que mais se destaca é a que diz que
desde 1965 a rentabilidade econômica (em inglês, “returns on assets”, abrev. ROA) das
empresas americanas experimentou um decréscimo de cerca de 75%, ao mesmo tempo em
que se observou um acréscimo ainda que modesto em produtividade. E, ao que tudo indica,
não há sinais de que essa tendência de declínio no ROA será revertida num futuro próximo.
Em palestra intitulada “Collaborative Innovation and a Pull Economy” proferida em
14/04/2010 no Stanford Technology Venture Program como parte do “Entrepreneurial
Thought Leaders Lecture Series”, John Seely Brown, Co-Chairman do Deloitte Center for the
Edge, e ex-Cientista-Chefe do Palo Alto Research Center (PARC) da Xerox, berço de inovações
revolucionárias como o mouse e a “graphical user interface”, argumenta que a velha guarda
dos negócios não é mais viável. Enquanto que, ao conseguirem galgar a inclusão no índice S&P
2. 500, as empresas tinham uma certa garantia de longevidade, hoje em dia muitas sobrevivem
naquela relação apenas cinco ou dez anos. Segundo Brown, o século XXI é qualitativamente
diferente, com novos mecanismos institucionais tecnológicos forçando novas práticas de
negócios. É perfeitamente factível nos dias de hoje criar empreendimentos “baseados em
garagem”, no melhor estilo de “startups do Vale do Silício” que há um tempo atrás
demandavam altos custos de infraestrutura, com apenas dez pessoas e 50 mil dólares, que
experimente crescimento e produtividade tão significativos quanto nunca dantes imaginados.
Aos novos empreendedores urge tirar proveito das ferramentas avançadas tais como a
computação nas nuvens e as mídias sociais para alcançar verdadeiro progresso a um ritmo
antes impensável. O fato é que o crescimento exponencial da razão preço/performance do
poder computacional, de memória, e de largura de banda tem levado a uma taxa de adoção da
nova infraestrutura digital que é duas a cinco vezes mais rápida do que antigas infraestruturas
tais como as redes elétricas e telefônicas.
No relatório mais recente sobre “The Shift Index” (“The 2009 Shift Index - Industry metrics and
perspectives”, Novembro 2009), Hagel III, Brown, e Davison chamam à atenção para o fato de
que uma análise do índice em diferentes setores da indústria mostra que há pouca correlação
entre aumentos em produtividade e melhoria no ROA. Na verdade, algumas indústrias que
têm experimentado as mais dramáticas melhoras em produtividade têm tido também a mais
dramática erosão no ROA. Segundo os autores, a melhor estratégia para lidar com a erosão do
desempenho reside na busca por um aproveitamento dos fluxos ubíquos de conhecimento
que são criados e amplificados pela infraestrutura digital. Fluxos de conhecimento são
tracionadores fundamentais do crescente poder dos clientes e do talento criativo. É preciso
que as empresas criem valor econômico participando efetivamente nos fluxos de
conhecimento e não simplesmente continuem a explorar estoques de conhecimento
existentes através de uma maior eficiência econômica.
Não menos importante é a participação da força de trabalho nesses fluxos de conhecimento.
Conforme o relatório, de 75 a 80 por cento da força de trabalho não tem paixão pelo trabalho
que realizam diariamente, e isso é particularmente significativo dada a forte correlação entre a
paixão do trabalhador e a participação mais ativa nos fluxos de conhecimento. E, nesse
contexto, dada a importância cada vez maior dos fluxos de conhecimento, possivelmente a
forma mais poderosa de inovação pode não ser a inovação tecnológica em si, mas sim a
inovação institucional: repensar os papéis e os relacionamentos nas organizações de forma a
melhor permitir a criação de fluxos de conhecimento e a participação neles, dando espaço à
chamada inovação colaborativa com o suporte das tecnologias colaborativas e mídias sociais.
Nesse sentido, em seu mais recente livro, “The Power of Pull: How Small Moves, Smartly
Made, Can Set Big Things in Motion” (Basic Books, Abril 2010), Hagel III, Brown e Davison
argumentam que a tecnologia digital deu origem a um deslocamento de poder no mundo dos
negócios: dos produtores de bens e serviços para as pessoas que os compram, e para os
empregados talentosos das organizações que os emprega. Segundo os autores, o mecanismo
propulsor desse deslocamento de poder é o que eles chamam de “puxar” (em inglês, “pull”).
“O puxar nos permite a cada um de nós encontrar e acessar pessoas e recursos quando deles
precisamos, ao mesmo tempo em que atrai para perto de nós as pessoas e os recursos que são
relevantes e de valor, ainda que não estivéssemos sequer cientes de que eles existiam.” É
3. como se o puxar propiciasse as condições para desatar as forças da atração, da influência e da
“serendipity”, termo em inglês que significa “a capacidade de fazer descobertas importantes
ao acaso”. Por outro lado, o “puxar” nos daria a capacidade de extrair de dentro de nós
mesmos o insight e o desempenho necessários para atingirmos nosso próprio potencial de
forma mais efetiva. Enfim, “podemos usar o puxar para aprender mais rápido e traduzir esse
aprendizado em desempenho que melhora rapidamente, não apenas para nós mesmos, mas
para as pessoas com as quais nos conectamos – um círculo virtuoso do qual podemos
participar.”