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HA RA LD W EL Z ER

            G E R C ÁTIC
             U R AS LIM AS
PORQUEMATAREMOSE SEREMOSMORTOSNO SÉCULO21




                    TRA
                    DUÇ
                    ÃO
Tradução
                                  William Lagos
                                        2010

                                       ÍNDICE

UM BARCONO MEIODODESERTO:
O PASSADOE O FUTURODA VIOLÊNCIA:............ 9
CONFLITOSCLIMÁTICOS:...........................................18
O Ocidente I:....................................................................18
Os Outros:.........................................................................23
O Ocidente II:...................................................................25
EmBusca de Soluções:......................................................34
As Mortes têm Sentido:.....................................................38
O AQUECIMENTO GLOBAL E AS CATÁSTROFES
SOCIAIS:............ ..........................................................42
Subcomplexidade: ........................................................ 47



Quemsomos"nós"?.......................................................... 49
Os velhos problemas ambientais:.................................. 50
VARIAÇÕES CLIMÁTICAS - UMA RÁPIDA VISÃO
GERAL:........................................................................ 55
Dois graus a mais:......................................................... 62

OSMORTOSDEONTEM:.................................... 63
                             .
O Fimdo Mundo: ........................................................ 63
Justificativas:................................................................ 66
A Contagemdos Corpos:.............................................              69
RealidadesAlteradas:................................................... 74
OSMORTOSDEHOJE:
O ECOCÍDI ……………… … … … … …
          O              … … … … …                                 81
A Carne de sua Mãe está entre meusDentes:..............                         81
O Genocídio de Ruanda:………………… … …             … … … 89
Vidas Apinhadas: ........................................................      90
O que Viram os Matadores?........................................               94
Darfur - A Primeira Guerra Climática:……………….                                    96
A Ecologia da Guerra:…………………… … … 102           … … …
As SociedadesFracassadas:..........................................                 104
Nações emColapso:……………… … … … … 111  … … … …
A Violência e as Variações Climáticas:………………..                                      114
A Injustiça e a DesigualdadeTemporal:………………                                         121
A Violência e a Teoria:................................................             127
OSMORTOSDEAMANHÃ:
AS GUERRASPERMANENTES,A LIMPEZA ÉTNICA,
O       TERRORISMO                   E         A           EXPANSÃO                   DAS
FRONTEIRAS:........................................................ 132
As Guerras:………………… … … … … …... 134   … … … … …
As Guerras Permanentes:………………… … …                         … … …140
Os Mercados da Violência:.......................................... 149
Adaptação:................................................................... 156
Limpeza Étnica:…………………… … … …                  … … … ….. 158
Conflitos Ambientais:.................................................. 164
O Terror:..................................................................          169
O Terror como Meio de Transformação do Espaço
Social: .....................................................................................
       183
Significados Bloqueados: ............................................. 186
                                  .
Eneias, Hera, as Amazonas e a FRONTEX: Guerras
Indiretas:....................................................................       188
A Rota Marrocos-Espanha:........................................... 189
Camposde Refugiados:................................................                 193
Novamente a FRONTEX:............................................
                                 .                                                   196
Estrangeiros Ilegais:...................................................... 200
Os Refugiadose o Asilo Político:................................. 209
Fronteiras fora do Próprio Território:.......................... 210
Os RápidosProcessosde Transformação da Sociedade: .213
As Modificações Climáticas Exageradas:...................... 215

PESSOAS TRANSFORMADAS DENTRO DE REALIDADES
ALTERADAS: .225
Linhas Básicas emTransformação:.............................. 226
Padrões de Referência e a Estrutura da Ignorância:..... 232
Conhecimento e Desconhecimento do Holocausto:... 235
A Transformação das Linhas Básicas do Lado Oposto:.. 246
O RENASCIMENTODOSVELHOSCONFLITOS:
CRENÇAS, CLASSES, RECURSOS E A EROSÃO DA
DEMOCRACIA:.......................................................255
O Deslocamento da Violência:....................................      259
MAIS VIOLÊNCIA:................................................ 261
O QUESEPODEFAZER E O QUENÃO SEPODEI:. 264
Continuar Agindo comode Costume:........................
                                           .                            265
Os PassadosFuturos:................................................... 272
A Boa Sociedade:.......................................................
               .                                                        276
A Tolerância Repressiva:............................................ 282
Saber Narrar a Própria História:.................................. 284

O QUESEPODEFAZER E O QUENÃO SEPODEII: ..288
UM BARCONOMEIODODESERTO:
         OPASSADO OFUTURO VIOLÊNCIA
                 E       DA

"Um leve tinir atrás de mim fez com que virasse a
cabeça. Seis negros caminhavam em fila, percorrendo
penosamente a senda estreita, Eles avançavam eretos
e devagar, balançando pequenoscestos cheios de terra
nas cabeças, e o ruído acompanhava cada um de seus
passos, (...) Eu podia contar- lhes as costelas, as
articulações de seus membros lembravam os nós de
uma corda; cada um deles trazia uma golilha, um anel
de ferro soldado ao redor do pescoço, todos interli-
gados por uma corrente frouxa, cujos elos excedentes
pen diam entre eles: era seu avanço compassado que
fazia com que os elos tilintassem em um ritmo
regular," Esta cena, des  crita por Joseph Conrad em
seu romance Intitulado "O Coração das Trevas",
descrevia a época de maior florescência do
colonialismo europeu, distando dos dias de hoje pouco
mais de cemanos.
A brutalidade impiedosa, com a qual os primeiros
países industrializados buscavam satisfazer sua fome
de matérias-primas, de terras e de poder, e que deixou
as suas marcas sobre os demaiscontinentes, não é mais
aceita pelas condições vigentes nos países ocidentais.
A memória da exploração, da escravidão e do
extermínio tornou-se a vítima de uma amnésia
democrática de que estão afetados todos os estados do
Ocidente, que não queremrecordar que sua riqueza, do
mesmo modo que seu poderio e progresso, foram
construídos ao longo de uma história mortífera.
Em vez disso, o que se encontra é um orgulho pela
descoberta, observância e defesa dos direitos humanos,
pela prática do politicamente correto, pela par-
ticipação em atividades humanitárias, sempre que em
algum lugar da África ou da Ásia uma guerra civil,
uma inundação ou uma seca compromete as necessi       -
dades fundamentais de sobrevivência dos povos.
Determinam-se intervenções militares para ampliar os
domínios da democracia, esquecendo que a maioria das
democracias ocidentais foi edificada sobre uma história
de guerras de fronteiras, limpeza étnica e genocídios.
Enquanto se reescrevia a história assimétrica dos
séculos 19 e 20 dentro das condições de vida
confortáveis e mesmo luxuosas das sociedades
ocidentais, muitos habitantes de países do segundo e do
terceiro-mundo mal suportam ouvir falar em tal
história, porque foram dominados violentamente
através dela: poucos dos países pós-coloniais foram
conduzidos a uma soberania estável, muito menos a
condições de bem-  estar social; em muitas dessas
nações, a história da espoliação continua a ser
escrita sob diferentes disfarces e, em numerosas
sociedades frágeis, não se encontram hoje sinais de
progresso, mas simde maior regressão.
O aquecimento progressivo do clima, um produto da
fome inextinguível por mais energia fóssil dominante
nas terras que primeiro se industrializaram, prejudica
com maior rigor as regiões mais pobres do mundo; uma
amarga ironia, que escarnece toda a esperança de que
a vida se possa tornar algum dia mais justa. A capa
deste livro mostra o vapor "Eduard Bohlen",
antigamente encarregado de serviços postais, cujos
destroços permanecem há quase cem anos recobertos
pela areia do deserto da Namíbia. Ele desempenhouum
pequeno papel na história das grandes injustiças. A 5
de setembro de 1909, no meio do nevoeiro, o barco
encalhou diante da costa do território que na época se
denominava África do Sudoeste Alemã. Hoje emdia, os
restos do navio se encontram duzentos metros terra
adentro; durante o século transcorrido, o de   serto se
ampliou oceano adentro. O "Eduard Bohlen", que
percorria desde 1891 a linha comercial oceânica da
companhia Woermann, sediada em Hamburgo,
regularmente transportava correspondência para a
África do Sudoeste Alemã. Durante a guerra de
extermínio travada pela administração colonial
alemã contra as tribos Hereros e Namas, serviu
ocasionalmente comonavio negreiro.
Durante esta guerra genocida, travada no princípio do
século 20, uma boa parte da população indígena da
África do Sudoeste não foi exterminada; foi conduzida a
campos de concentração ou levada para campos de
trabalhos forçados, em que os prisioneiros de guerra
eram vendidos como trabalhadores escravos. Bem no
começo da guerra, a administração colonial alemã
enviou a um comerciante sul-africano chamado Hewitt
282 prisioneiros, que foram alojados precariamente
nos porões do "Eduard Bohlen", sem que lhes encon     -
trassem melhores possibilidades de acomodação, e com
os quais não se sabia exatamente o que fazer,
enquanto os Hereros não fossem completamente
derrotados. Hewitt ficou entusiasmado com essa
possibilidade e barganhou para que o preço fosse
reduzido para 20 marcos por cabeça, com o
argumento, considerado justo, de que os homens já
estavam embarcados e ele não estava preparado para
pagar pe las m e rcadorias despachadas o p re ço norm al,
      além dos d ire itos alfandegários corre spondentes. E l      e
      ob te ve os p risioneiros em cond ições m ais favo ráve is e o
      "Eduard Boh l partiu do porto de S wakopm und, a 20
                      en"
      de jane iro de 1 904, em d ire ção à C id ade do C abo, na
      África do S ul, de onde os hom ens fo ram enviados para
                               1
      trab alh ar nas m inas.
      Na verdade, foram os Hereros que iniciaram a guerra
      contra a administração colonial alemã, durante a
      noite de 11 para 12 de janeiro de 1904, começando por
      destruir uma estrada de ferro e derrubar grande
      quantidade de postes telegráficos e continuando pelo
      massacre de surpresa de 123 trabalhadores alemães
                                               2
      ainda adormecidos nas fazendas. Após algumas
      tentativas inúteis de apaziguamento da luta, o
      governo real de Berlim enviou o general-de-divisão
      Lothar von Trotha para comandar as tropas coloniais
      alemãs. Von Trotha adotou desde o início o conceito de
      uma guerra de extermínio, de acordo com o qual ele
      não procurou simplesmente vencer os Hereros por meios
      militares, mas os impeliu para o extermínio no deserto
      de Omaheke, onde ocupou todas as nascentes de água,
      provocando pura3 e simplesmente a morte de seus adver-
      sários pela sede. Esta estratégia foi tão bem-sucedida
      quanto fora cruel; foi relatado que os sedentos
      cortavam as gargantas de seus animais para beber-
      lheso sangue e que final ente esm agavam seus
                                       m
      intes tinos para de l re tirar os ú ltim os 4 re s tos de
                              es
      um idade. N ão obstan te , acabaram m orrendo.
      Mas a guerra prosseguiu, mesmo depois de os Hereros
      terem sido aniquilados; determinou-se que os Namas,
      uma outra etnia, deveriam ser desarmados e

1 Veja Jan Bart Gewald, The Issue ofForceá Labour in the "Onjembo": German South West Africa, 1904-1908 [A questão
dos trabalhos forçados na "Onjembo": África do Sudoeste Alemão, 1904-1908, publicado no Bulletin of the Leyden Centre
for the History ofEuropean Expansion [Boletim do Centro Histórico da Expansão Europeia de Leiden (Holanda)], 19/1995,
pp. 97-104, citação da p. 102. (Nota do Autor = NA). "Onjembo" foi o nome atribuído pelos Hereros a seu conflito com os
colonizadores alemães. Hoje o termo designa os safaris de caça organizados pelo governo da Namíbia. (Nota do Tradutor =
NT).
2   Veja Medardus Brehl, Vernichtung der Herero. Diskurse der Gewalt in der deutschen Koloniaüiteratur [O
Aniquilamento dos Hereros. Discurso da Violência na literatura colonial alemã], München (Munique), 2007, p. 96. (NA).
Os Hereros não eram nativos da Namíbia: haviam descido da Guiné Equatorial, então Guiné Espanhola (de onde o nome
"Hereros" ou "Guerreiros"), através do Congo e de Angola poucas décadas antes, como conquistadores, movendo uma
guerra de extermínio contra os Namas, um ramo dos bosquímanos, habitantes originais da região, chamados pelos alemães
de "hotentotes". A língua Nama é hoje oficial na Namíbia. (NT).
3 Medardus Brehl, Vernichtung der Herero. Diskurse der Gewalt in der deutschen Koloniaüiteratur [O Aniquilamento
dos Hereros. Discurso da Violência na literatura colonial alemã], München (Munique), 2007, p. 98. (NA).
4  Veja Jürgen Zimmerer, Krieg, KZ und Völkermord in Südwestafrika [A Guerra, os Campos de Concentração e o
Genocídio na África do Sudoeste], publicado em Jürgen Zimmerer e Joachim Zeller (editores): Völkermord in Deutsch-
Südwestafrika. Der Kolonialkrieg (1904-1908) in Namibia und seine Folgen [Genocídio na África do Sudoeste Alemã. A
Guerra colonial (1904-1908) na Namíbia e suas Consequências], Berlim 2003, p. 52. (NA).
sub j ugados enquanto as trop as alem ãs aind a se
     encontrassem no te rritó rio. D ife rentem ente dos
     He re ros, os N am as n ão ofe re ce ram com bate abe rto,
     m as se lim itaram a um com bate de gue rrilh as , que se
     to rnou um grave p rob lem a para as trop as co loniais,
     que ad otaram , por sua ve z, um a es tratégia d ife rente ,
     a qual logo se ria im itad a com fre qu ência ao longo do
     m ortí fe ro s écu lo 20: para re tirar dos gue rre iros os
     re cu rsos sobre os quais se apoiavam , os alem ães
     assassinaram as m ul res e filhos dos N am as ou os
                              he
     ence rraram em cam pos de concentração.
     A vio lência foi re alizad a sob a p ress ão d as
     circuns tâncias e p roduziu suas consequ ências. Estas
     pe rm anece ram , originaram novos m eios de ap licação
     d a vio lência, que se fo ram to rnando tan to m ais
     am pl quanto m ais e ficientes se dem onstravam . Is to
            os
     porque a vio lência é inovadora: e la ge ra novos m eios
     e encontra novas p roporções. As trop as co loniais
     alem ãs, n ão obstan te , tive ram de com bate r os N am as
     duran te m ais de três anos. Além d isso, nem tod os os
     cam pos de concentração pe rm anece ram sob contro le
     do gove rno; tam b ém em pres ários p rivad os, com o a
     em presa de linhas m arítim as Woe r ann, esta-
                                                 m
     be l ce ram5 seus p róp rios cam pos de trab alhos
         e
     fo rçad os.
     Esta guerra de extermínio não foi somente um exemplo
     da impiedade da violência colonial, como um modelo
     para os genocídios futuros - por meio de seu propósito
     de total eliminação, cumprido pelo internamento nos
     campos estabelecidos, que significavam uma estratégia
     de extermínio por meio dos trabalhos forçados. Todos
     já ouvimos contar a história de suas consequências; o
     Departamento I dos escritórios do Estado-Maior,
     encarregado de redigir a história da guerra, escreveu
     orgulhosamente, em 1907, que nenhum esforço,
     nenhuma privação foram poupados "para que os
     inimigos fossem privados dos últimos vestígios de sua
     capacidade de resistência, pois metade deles foi morta
     nas regiões desérticas pela captura progressiva de
     todos os poços de água, até que, finalmente, sem mais
     energia, eles fossem sacrificados pela natureza de sua
     própria terra. O deserto sem água de Omaheke
     completou o que as armas alemãs 6 haviam iniciado: a
     aniquilação da tribo dos Hereros." Isto se passou há
5 Ibidem, pp. 54ss. (NA).
6 Citado apud Jürgen Zimmerer, Krieg, KZ und Völkermord in Südwestafrika [A Guerra, os Campos de Concentração e o
Genocídio na África do Sudoeste], publicado em Jürgen Zimmerer e Joachim Zeller (editores): Völkermord in Deutsch-
Südwestafrika. Der Kolonialkrieg (1904-1908) in Namibia und seine Folgen [Genocídio na África do Sudoeste Alemã. A
cem anos; desde então, as formas de violência se
     modificaram, nem tanto em sua forma e aspecto, mas
     na maneira segundo a qual são referidas. O Ocidente
     não costuma mais, salvo em casos excepcionais,
     empregar violência direta contra outros estados; as
     guerras são hoje empreendimentos realizados por
     longas cadeias de ação e numerosos atores, por meio
     dos quais a violência é delegada e se torna informe e
     invisível. As guerras do século 21 são pós-heróicas e
     apresentadas como sendo conduzidas de má-vontade
     pelas nações que as empreendem.E no que se refere ao
     orgulho nacional por ter sido alcançada a
     aniquilação de tribos selvagens... isto é coisa que,
     desde o holocausto dos judeus, se tornou impossível
     mencionar.
     O "Eduard Bohlen" se enferruja hoje, semi-enterrado
     na areia do deserto da Namíbia e talvez tenha chegado
     o momento em que o modelo completo das sociedades
     ocidentais, com todas as suas conquistas de
     democracia, direitos humanos, liberdade, liberalidade,
     arte e cultura, sob o ponto de vista de um historiador
     do século 22, se demonstre tão irremediavelmente
     deslocado comonos parece hoje a visão do velho navio
     negreiro nadando no meio do deserto, um corpo
     estranho peculiar que dá a impressão de se ter
     originado em outro mundo. Isso no caso de ainda haver
     historiadores quando chegar o século 22.
     Este modelo de sociedade, tão impiedosamente
     desenvolvido ao longo de uma guerra coma duração de
     um quarto de milênio, tornou-se agora domi ante, em
                                                  n
     um piscar de olhos, no momento em que seu caminho
     vitorioso atingiu um alcance global, no qual até
     mesmo os países comunistas e aqueles que não eram
     exatamente comunistas foram incluídos, pela atração
     irresistível de padrões de vida em que os automóveis,
     as televisões, os computadores de tela plana e as
     longas viagens determinaram as novas fronteiras de
     sua atuação, produzindo consequências inesperadas
     que ninguém havia calculado. As emis      sões de gás
     carbônico que a fome de energia das indústrias e das
     administrações dos países de desenvolvimento
     descontrolado produzem em níveis progressivamente
     maiores ameaçamos ritmos normais de desenvolvimento
     do clima terrestre. Suas consequências já se
     tornaram visíveis, embora o futuro ainda seja
     imprevisível. Ainda mais claramente agora, quando se
     percebe que a utilização desmedida das fontes de
Guerra colonial (1904-1908) na Namíbia e suas Consequências], Berlim 2003, p. 45. (NA).
energia fóssil não pode mais ser continuada indefini-
damente, uma vez que o fim destas reservas pode ser
esperado antes de muito tempo, já que o esgotamento
de tais recursos é inevitável, devido ao desinteresse
pelas consequências e o descontrole com que são
queimados.
Mas não é somente porque as transformações
climáticas causadas pelas emissões de gases poluentes
e que já provocaram um aquecimento global médio da
ordem de dois graus não pareçam mais poder ser
controladas que o modelo ocidental já atingiu os seus
limites, mas também porque uma for ma de
desenvolvimento globalizado que tenha por base o
consumo incontido de recursos naturais não poderá
funcionar como um princípio de abrangência mundial.
Isto porque este modelo funcionou logicamente apenas
enquanto o poder de uma parte do mundo acumulou o
que foi desviado de outras partes; este modelo é
particular e não universal - nemtodos os países pode  -
rão segui-lo doravante. Enquanto a astronomia não
nos oferecer planetas próximoso bastante que possam
ser     colonizados, chegamos à            constatação
desapontadora de que a Terra é apenas uma ilha. Não
teremos mais para onde nos expandir, depois que as
reservas tenham sido esgotadas e os camposde cultivo
ocupadospela urbanização.
Agora que os recursos restantes claramente estão se
esgotando, pelo menosemmuitas regiões da África, da
Ásia, da Europa Oriental, da América do Sul, do
Ártico e das Ilhas do Pacífico, surge o problema de que
cada vez mais pes  soas encontrarão cada vez menores
bases de segurança para sua sobrevivência. Está ao
alcance de todos a constatação de que conflitos
armados surgirão entre estes povos, para que eles
possam se nutrir do cultivo das próprias terras e das
de seus vizinhos ou porque queiram beber das fontes de
água que progressivamente se esgotam em seus
territórios ou nos territórios próximos; de forma
semelhante, também se tornou visível para todos que
as pessoas, dentro de um futuro previsível, não mais
tenham mecanismos práticos de contenção dos
refugiados de guerra e do meio ambiente, ao mesmo
tempo que não se possam mais separar deles, porque
cada vez mais novas guerras provocadas pela deca-
dência ambiental surgirão e os povos fugirão para
escapar às consequências da violência. Uma vez que
eles terão de permanecer em algum lugar, darão ori-
gem a novas fontes de violência - em seus próprios
países, ondenão saberão o que fazer comos refugiados
internos, ou nas fronteiras de outras terras que
desejem atravessar, mas onde não serão desejados de
qualquer maneira.
O objetivo deste livro é o de responder às questões
provocadas pela manei a como o clima e a violência
                        r
se inter-relacionam. Emalguns casos, comoo da
Guerra do Sudão, este relacionamento é direto e pode
ser constatado de ime diato. Emmuitos outros contextos
de violência presente ou futura - no caso das guerras
civis, de conflitos permanentes, do terror, da
imigração ilegal, das disputas fronteiriças, das
agitações e revoltas - predomina uma ligação com as
modificações climáticas e os conflitos ambientais de
caráter apenas indireto, especialmente no sentido de
que o aquecimento da temperatura provoca efeitos
desiguais ao redor do globo, dependendo da densidade
demográfica, da situação geográfica e das condições
de vida, porque afeta as diversas sociedades de forma
altamente diferenciada.
Porém, tomadas em seu conjunto, quer as guerras
climáticas assumam uma forma direta ou indireta,
qualquer que seja a forma como se travem os
conflitos do século 21 - a violência terá um grande
papel futuro ao longo deste século. Não se verão
somente as migrações em massa, mas soluções vio-
lentas no enfrentamento dos problemas dos refugiados,
que não abrangerão apenas os direitos à água ou ao
cultivo e exploração do solo, portanto, guerras de
recursos naturais e não somente conflitos de religião,
ou guerras de consciência. Uma característica central
da violência, que será costumeira no Ocidente, será a
preocupação de transferir suas manifestações para o
mais longe de seus próprios territórios quanto seja
possível - pela contratação de forças de segurança e
de defesa privadas ou, no caso de que as suas
fronteiras mes mas sejam ameaçadas, em localizar o
conflito do outro lado dos seus limites, concentrado em
países econômica ou politicamente dependentes.
Tambémas preocupações políticas sobre a segurança,
provocando a realização de atos criminosos antes que
os fatos os justifiquem, na forma de precauções
prévias tomadas anteriormente à manifestação das
circunstâncias, se enquadram neste processo da
manipulação crescente da violência indireta. Ainda
que o Ocidente não se envolva diretamente no meio dos
conflitos, como no caso do Afeganistão ou do Iraque,
porém favoreça o deslocamento da violência para
além de suas fronteiras, atribuindo-lhe um caráter
indireto, ele permite a permanência em outras terras
de situações sociais em que as condições para o
exercício da violência são centrais e permanentes, sob
as quais as pessoas bus  cam viver apesar de todas as
dificuldades. Tudo isto é sinal de uma assimetria que
vemgovernando a história mundial há mais de duzentos
e cinquenta anos, mas que hoje em dia se agrava
progressivamente em razão do aquecimento climático
global.
Seria pouco produtivo fazer uma pesquisa e querer
realizar um prognóstico verdadeiro sobre guerras e
conflitos violentos que possam ocorrer no futuro, sem
querer descobrir por que tais processos sociais não se
desenvolvem linearmente - não se podem saber hoje
quais modificações o degelo da camada de permafrost
siberiano colocará emação ou que grau de violência a
inundação de uma megalópole ou de um país inteiro
poderá provocar. E podemossaber ainda menoscomoas
pessoas do futuro reagirão perante as ameaças e
quais consequências serão por sua vez desencadeadas
por suas reações. Isto vale principalmente para o
começo da compreensão das variações climáticas e
seus efeitos por parte das ciências naturais por este
motivo: será extremamente fácil deixar de perceber
que, via de regra, a base argumentativa dos
pesquisadores das condições climáticas se baseia na
história. Eles calculam emparticular os processosdas
grandes transformações que podem ser diretamente
verificados pela sua mensuração presente; por
exemplo, as concentrações de dióxido de carbono na
atmosfera, na água ou no gelo, comparadas com as
medições exatas dos dados históricos mineralógicos
realizadas por seuspredecessores.
Os cenários futuros, que suscitam preocupações
claramente justificáveis, são calculados a partir dos
dados registrados no passado e de forma inteiramente
semelhante, encontram-se neste livro muito poucas
especulações sobre os futuros possíveis, porque foi
registrado comoe por que a violência foi desencadeada
no passado e tais dados nos levam a estimar com
relativa precisão qual será o desempenhoda violência
no decorrer do século 21. A violência sempre foi uma
opção nos relacionamentos humanose é inevitável que
soluções violentas também sejam encontradas para
os problemas futuros, quando retornarem condições
ambientais desfavoravelmente modificadas.
Deste modo, encontram-se nas páginas seguintes não
somente descrições das Guerras Climáticas, como
tambémpesquisas informadas sobre a maneira comoas
pessoas incluídas no âmbito dessas guerras tomarão
decisõescomrelação às mortes ou comosua percepção
do ambiente será modificada, porque as condições
objetivas de uma situação não decidemcomoas pessoas
se comportarão, mas sim a forma e a maneira como
estas condições serão percebidas e entendidas. Neste
conjunto também se incluem as questões referentes
aos motivos pelos quais certas pessoas se decidem a
transformar-se em terroristas suicidas, por que
ocorrem guerras em cuja conclusão ninguém está
interessado ou por que cada vez mais pessoas estão
dispostas a trocar o direito a suas liberdades pessoais
por garantias de segurança.
Este livro refere-se apenas por alto à narrativa dos
problemas, porque os problemas percebidos logo
conduzem a soluções, sempre que são realmente
percebidos como ameaças; subsequentemente revela os
resultados de três pesquisas acuradas sobre as mortes
de ontem, de hoje e de amanhã, passando imediatamente
a uma descrição da modificação das linhas básicas, ou
seja, os fenômenos fascinantes das possíveis
transformações das pessoas em sua percepção e
valorização do meio ambiente, sem que isso as leve a
observar ou modificar seuspróprios comportamentos.
A pergunta final de um livro como este decorre
naturalmente, ou seja, o que pode ser feito para
impedir os piores efeitos dessas transformações? Ou -
dito de forma mais patética - para observar e seguir
as lições práticas da história. O primeiro capítulo da
seção de encerramento se interessa assim pelas
possibilidades de uma modificação cultural que nos
permita um abandono da lógica mortífera do
crescimento incessante e do consumoilimitado, sem que
as pessoas sejam forçadas a abdicar de tudo. Os
capítulos desta seção acabam encerrando sua
exposição de forma otimista e apresentando reflexões
sobre como o conceito de uma boa sociedade possa ser
adotado e desenvolver-se a partir de agora.
Depois, segue-se ainda um segundo capítulo de
encerramento, no qual são apresentadas as
perspectivas mais sombrias correspondentes à minha
avaliação de como se irão passar as coisas sob as
variações climáticas futuras: não haverá nenhuma
possível solução que nos seja favorável. Suas
consequências não somente modificarão o mundo e
estabelecerão novas formas de comportamento, de
fato, retomadas das mesmas que se conhecem de há
muito, como também significarão o fim do racionalismo
e de seus conceitos de liberdade. Mas também existem
livros que estão sendo atualmente escritos por outros
au to re s, que m anifestam a espe ran ça de que estas
     conclus ões es te j e rrad as.
                        am

                                    CONFLITOSCLIMÁTICOS
                                        O O cidente I
     No ano de 2005 foi anunciad a a criação de um a
     "Ag ência Europeia para a Ad m inistração do T rabalho
     de C oope ração O pe racional nas F ronte iras Exte rnas
     dos Es tad os-m em bros d a União Europeia". Por trás
     deste nom e he rm ético e apare ntem ente burocrático se
     e rgue um a ins tituição altam ente d in âm ica que contro la
     as fron te iras exte rnas d a União Europeia de m aneira
     firm e e e ficiente . Ce rca de cem funcion ários trab alh am
     constan tem ente para alcan çar este obj tivo e      e
     adm inistrar um a fo rça con j ta de tod os os es tad os-
                                       un
     m em bros, fo rm ad a por quinhentos a seiscentos policiais
     de fron te ira em destacam entos m óveis e que - es ta é
     um a nova re alid ade - tam b ém devem re alizar tare fas
     fo ra d as atri buições norm ais d as po lcias de fron te ira
                                                í
     re gu lare s. A Ag ência d isp õe atu alm ente de vin te
     ae rop lanos, trin ta he lic óp te ros e m ais de cem barcos,
     tod os equipados com as m ais re centes inovações
     técnicas, com o equipam ento de vis ão notu rna,
     com putadores portá te is e tc.
     Um a vez que o nom e o ficial é tão p roibitivo, pode-       se
     entender facil ente que se j em ge ral re fe rid o por
                      m                a
     um a ab re viatu ra: nas "fron tiè re s extérieu res"
     [fron te iras exte rnas] d a F ran ça, a denom inação é
     re duzida para "FRONTEX" e is to n ão exclui o fato de
     que o nom e se j p rogram ático. A FRONTEX es tá
                           a
     intim am ente associad a a ou tras au to rid ades, com o a
     EUROPOL, de libe ra sobre as po lí ticas de fron te ira
     locais, particu larm ente nos pontos de passagem de im i-
     gran tes ile gais e d á apoio ao que é cham ado de
     "e xecu ção con j unta pe los es tad os-m em bros d as m edidas
     de re condu ção d a partid a ob rigató ria                   de
                                                                   7
     ind ivíduosprovenientes dos estados do te rce iro-m undo."
     Por "indivíduos provenientes aos estados do terceiro-
     mundo" se entendem pessoas que não têm direito a asilo
     político e são transportadas para seus países de
     origem, ou seja, em linguagem oficial, "repatriadas"
     depois que tenham ingressado no território da União
     Europeia de qualquer modo extraoficial, o que se
     refere principalmente àqueles imigrantes que não se

7 Conforme o site oficial http://www.frontex.europa.eu. (NA).
encontrem protegidos pela assinatura do Trata do de
      Schengen, no Luxemburgo, firmado por seus próprios
               8
      países.
      O Tratado de Schengen, assinado a 26 de março de
      1995, colocou em vigor as medidas destinadas a tratar
      dos problemas de segurança das fronteiras externas
      dos países-membros localizados dentro dos limites da
      União Européia. Ao mesmo tempo que, no interior do
      território abrangido pelo Tratado de Schengen, a
      movimentação e as viagens de seus cidadãos são livres,
      do mesmo modo que se estabeleceu a renúncia ao
      controle fronteiriço nas viagens entre a Alemanha, a
      Holanda e a Áustria, permanece um "Regulamento se-
      gundo os Países de Origem", que exige uma prova de
      perseguição política para quem solicita asilo,
      particularmente quando procedem de países consi-
      derados "seguros"; existe igualmente um "Regulamento
      para os Países do Terceiro-Mundo", que se esforça ao
      contrário, para que as pessoas que ingressam mediante
      contratos de trabalho, por exemplo, de Serra Leoa
      para a província espanhola da Andaluzia,
      permaneçam lá e que aquelas que viajem para a Ale-
      manha sejam, em qualquer circunstância, recambiadas
      para a Espanha e não possam mais pedir asilo naquele
      país. Não existe nada de surpreendente no fato de este
      regulamento, inicialmente em vigor nas fronteiras
      espanholas e portuguesas, ter tido sua vigência
      consideravelmente aumentada, a fim de incluir as
      fronteiras da Europa Oriental, ao mesmo tempo que as
      candidaturas para asilo político na Alemanha tenham
      baixado para um quarto do nível de 1995. Realmente,
      uma questão vem sendo apresentada em toda a União
      Européia, ou seja, tomando em consideração os
      números presentes e futuros de refugiados impelidos
      pelas variações climáticas, cujo aumento vem se tor-
      nando progressivamente mais rápido, que a defesa das
      fronteiras externas dos países europeus deva ser
      empreendida de forma muito mais enérgica, decisão esta
      que poderá ser tomada muito em breve.
      Por esta raz ão a FRONTEX foi p rom ul a por   gad
      decre to e já tem re gis trad as oficial ente suas
                                                  m
      p rim eiras consequ ências - um aum ento conside ráve l do
      re to rno fo rçad o dos barcos de re fugiados que
      desem barcam nas Ilh as C an árias. Por sua ve z, estes
8 Em primeiro lugar a Alemanha, a França, a Bélgica, o Luxemburgo e a Holanda ajustaram a facilitação do turismo
dentro de suas fronteiras internas; ao mesmo tempo, combinaram medidas de controle mais firmes em suas fronteiras
externas; a partir daí foram assinados tratados incluindo a Itália (1990), Portugal (1991), Grécia (1992), Áustria (1995),
Dinamarca, Finlândia e Suécia (1996), seguindo-se em 1997, a assinatura do Tratado de Direitos da União Europeia em
Schengen, Luxemburgo. A Noruega, a Islândia e a Suíça permanecem fora da União Europeia. (NA).
re fugiad os que - ge ral ente em barcos de borracha -
                               m
     pe rcorre ram 1 .200 quilôm e tros em m ar abe rto desde a
     África O cidental até a G rande C an ária ou Tene rife ,
     s ão pessoas p rovenientes de países onde p redom inam
     condições que to rnam im poss íve l sua sobre vivência.
     Alguns de l fo ram desalo jad os por grandes p ro j tos
                   es                                         e
     de constru ção de re p resas, ou tros fogem de gue rras
     civis ou de cam pos de re fugiados, ou tros aind a saíram
     de m egalópo l com o Lagos, na Nigéria, onde três
                      es
     m il ões de pessoas vivem em fave las , nas quais n ão
         h
     existe nem água encanad a, nem esgotos. Para escapar
     destas circunstâncias, e les contratam , m ediante o
     pagam ento de som as exorbitan te s, em barcações
     ap resentad as com o re bocadores e ad quirem lu gare s em
     barcos supe rlo tad os, na sua m aioria sem condições de
     navegação em alto -m ar e sem pe rspectiva de
     em preender a viagem de re to rno, m as ace itam m esm o
     assim o alto risco de n ão sobre vive rem à trave ssia."
     Apesar de tud o isso, som ente no ano de 2006, ce rca de
     trin ta m il destes im igran tes chegaram com vid a às C a-
     n árias, desem barcando aqui e ali e constituindo um
     s ério p rob lem a para as au to rid ades re spons áveis pe la
     seguran ça, sem esquecer que re p resentam igualm ente
     um p rob l a consideráve l para a ind ús tria do tu rism o.
                em
     O utros re fugiados p re fe rem atrave ssar o Estre ito de
     G ibraltar, que tem apenas 1 3 quilôm e tros de extens ão,
     m as n ão é m enos pe rigoso, devido às condições dom -      i
     nantes d as ve lozes corre n tes m arítim as e ao denso
     trá fe go de navios pesados. Embora o n úm e ro dos
     fugitivos que chega a alcan çar as p raias espanholas
     e portuguesas do ou tro lad o do es tre ito n ão se j        a
     corre spondente ao grande n úm ero de re fugiados
     re fe rid o acim a, via de re gra, a m aior parte de l é es
     devolvid a em quaisque r circunstâncias aos seus países
     de o rigem . N ão obs tan te , calcu la-se que, som ente em
     2006, ce rca de 3.000 pessoas atingiram os pontos de
     desem barque. Aqui tam b ém se ap re senta a m encionad a
     FRONTEX, que exe rce um a atu ação d ire ta e vigorosa
     para e vitar "as te n tativas 9 de im igração ile gal em
     condições de pe rigo de m orte ".
     Um lugar nos barcos puxados pelos assim chamados
     rebocadores custa entre 2.000 e 4.000 euros. Este
     dinheiro é reunido pelas famílias dos refugiados e lhes
     é emprestado na esperança de receber eventualmente
     somas mais elevadas destes últimos, depois que se
     transfiram novamente e consigam empregos na Europa
9afrikanische Odysee [O Sonho da Vida, uma Odisseia Africana], Frankfurt am Main, 2007. (NA). Conforme o site oficial
http://www.frontex.europa.eu. (NA).
como trabalhadores imigrantes. Compare com Klaus
Brinkbãumer, Der Traumvom Leben. Eine
Ninguém está interessado em saber os motivos que
levam estes refugiados a querer chegar à Europa a
qualquer preço; ao contrário, a FRONTEX trabalha
no sentido de obstruir totalmente estas rotas
perigosas, determinando naturalmente as formas ideais
para a segurança das fronteiras, dificultando ao má-
ximo a passagem pelas fronteiras externas nas
proximidades da África, se possível impedindo de
antemão que os refugiados cheguem a sair do
continente. Já emoutubro de 2004, o então ministro do
interior do Conselho Federal Alemão, Otto Schilly,
apresentou a proposta de instituir acampamentos para
os capturados, a fim de realizar interrogatórios
diretamente no local e sítio de captura, destinados a
demonstrar se um pedido de asilo era justificável ou
não." Esta ideia provocou o desagrado da maioria dos
ministros do interior dos demais países-membros e deu
igualmente origem a fervorosos protestos da parte de
organizações para a defesa dos direitos humanos. A
bus ca de outras soluções, e as correspondentes
discussões entabuladas com a União Africana
permanecemtenazmente empacadas até hoje, enquanto
os problemas de segurança nas fronteiras se agravam
e presentemente não existe qualquer alternativa, a
não ser que se permita o ingresso livre dessa gente na
Europa. A situação dos enclaves espanhóis de Ceuta e
de Melilla tipifica diretamente o problema, com as
fronteiras sendo progressivamente reforçadas e
elevadas, ao passo que os refugiados encontram meios
desesperados de atra vessar as cercas - algumas vezes
na forma de ataques em massa, como aconteceu em
setembro de 2005, quando cerca de oitocentas pessoas
ao mesmo tempo tentaram tomar de assalto a
fronteira.
Enquanto isso, os países invadidos encontram alívio
graças à criação de novas técnicas - como a cerca
americana na fronteira com o México, onde foi
implantado, além dela, um sistema de defesa no valor
atual de dois bilhões de dólares, o qual, entre outras
coisas, capta por GPS a posição de potenciais in-
vasores da fronteira, mostrada ao vivo nos laptops
[computadores portáteis] das patrulhas mais próximas
da polícia de fronteira. Espera-se que o número de
ilegais que atravessam a fronteira seja assim
drasticamente reduzido. So  mente no ano de 2006,
foram detidas um milhão e cem mil pessoas que tenta-
vam atravessar essa fronteira. Emsetembro de 2006,
o Congresso am e ricano ap rovou o p lano de constru ção
     de um a ce rca e l trônica de alta te cno logia, com a
                        e
     extens ão de 1 .1 25 quilôm e tros, na expectativa de
     apoiar o funcionam ento d as au to rid ades de seguran ça
     fron te iriça. A ce rca acabou re al ente por alcan çar
                                           m
     a extens ão de 3.360 quilôm e tros, m as aind a assim é
     atrave ssad a, em bora as m edidas tom ad as intim idem um
     grande n úm e ro de invasores pote nciais, especial entem
     porque a pe rm an ência nas te rras d a fron te ira n ão é
     de m odo algum dese j ve l, um a ve z que esta é com posta
                            á
     na sua m aioria por zonas des érticas ou m ontanhosas;
     o cam inho m ais cu rto é de 80 quilôm e tros. Entre 1 998
     e 2004, es ta trave ssia a p é p rovocou a m orte de
     1 .954 pessoas.
     Tanto a Am érica do Norte quanto a Europa
     p re cisarão no fu tu ro es tabe l ce r de fesas m uito m ais
                                       e
     vigorosas, d iante do assalto assustador dos m il ões de
                                                           h
     re fugiad os que, já se espe ra, se j im pe lidos pe las
                                             am
     m udanças clim áticas. A fom e, a falta de água, as
     gue rras e a dese rtificação africana causarão
     p ress ões incalcu láve is e p reocupações constantes nas
     fron te iras d as ilh as de p rospe rid ade fo rm ad as pe la
     Europa O cidental e pe la Am érica do Norte . O WBGU
     (Wissenchaftliche Beirat de r Bundesregie rung G lobale
     Um we ltve rãnde rungen [C onse l C ientífico do Gove rno
                                       ho
     Federal Alem ão para Consultas sobre as
     Modificações do Am biente G lobal]) afirm a que em seu
     con j unto "um bilh ão e cem m il ões de pessoas n ão
                                          h
     d isp õem atu al ente de qualque r acesso seguro a um
                      m
     suprim ento de água potáve l em quantid ade e qualid ade
     suficientes". Es ta situação, tam b ém re lata, poderia
     "em ce rtas re giões do m undo, agravar-se
     considerave l ente , um a ve z que, devido às variações
                    m
     clim áticas, deve rão ocorre r grandes oscilações no
     re gim e 10 chuvas e , conseq üentem ent no suprim ento de
              de                              e,
     água".
     Além disso, já existem ao redor do mundo cerca de 850
     milhões de pessoas sofrendo de desnutrição; um número
     que, outrossim, em vista das previsões dos especialistas
     sobre as consequências das variações climáticas,
     tende a aumentar consideravelmente, na medida em que
     as terras cultiváveis ou as colheitas delas
     provenientes forem progressivamente diminuindo por uso
     excessivo e esgotamento. Os conflitos internos de
10Wissenchaftliche Beirat der Bundesregierung Globale Umweltveränderungen [Conselho Científico do Governo Federal
Alemão para Consultas sobre as Modificações do Ambiente Global] (WBGU): Welt im Wandel - Sicherheitsrisiko
Klimawandel [Mundo em Transformação - Variações Climáticas e Riscos de Segurança], Berlim/Heidelberg 2007 (no
prelo [sie]); dados especializados e uma sinopse abrangente podem ser consultados no site da editora, em
http://www.rhombos.de/shop/a/show/story/?l 106&PHPS ESSID=8398524d78686a29de09a62fe51342d3. (NA).
repartição de terras daí resultantes conduzirão a um
aumento progressivo do risco da escalada de
violência, comas consequên   cias correspondentes sobre
o deslocamento de populações e migrações internas e
externas, por meio das quais o número dos assim
chamados focos de emigração tenderá a uma
ampliação cada vez maior. As políticas de
desenvolvimento deverão, a partir deste pano de fundo,
conforme propõe o Conselho Científico do Governo
Federal Alemão para Consultas sobre as
Modificações do Ambiente Global, ser compreendidas
como"uma política de segurança preventiva".
As atuais medidas defensionistas nos dão uma previsão
sobre o que irá transcorrer quando os fluxos de
refugiados provocados pelas variações climáticas se
tornarem muito mais potentes. Os conflitos sobre
espaço vital e recursos, provocados pelo aquecimento
da Terra, provocarão uma ampliação fundamental da
violência nas sociedades ocidentais durante as
próximas décadas. A FRONTEX é somente uma
precursora bastante modesta. Deste modo, as
variações climáticas não serão somente uma
circunstância dos interesses políticos mundiais de
urgência exclusiva no exterior, mas se transformarão
no principal desafio social das sociedades modernas,
porque as possibilidades de sobrevivência de milhões de
pessoas serão ameaçadas e estas serão levadas a
empreender migrações maciças. Deste modo, surgirá a
pergunta inevitável sobre como se deverá administrar
as massas de refugiados que saírem dessas terras e se
deslocarem para os países desenvolvidos, simplesmente
porque não terão mais condições de existência ou
sobrevivência em seus países de origem e desejarão
tomar parte das condições superiores prevalecentes
nos paísesprivilegiados.
                      Os Outros
Ao norte do Sudão existe um deserto que, ao longo dos
últimos quarenta anos, se expandiu cemquilômetros em
direção ao antes florescente Sudão Meridional. Isto foi
provocado, inicialmente, porque as precipitações
pluviométricas vêm diminuindo regularmente na região
e, por outro lado, pelo aumento descontrolado no uso
das pastagens, pelo desmatamento das florestas e
pela consequente erosão do solo, que determinaram a
esterilidade de grandes trechos dessa nação. Desde a
independência do país, cerca de 40% do total das
matas do território foram inteiramente destruídas; no
momento atual, o desflorestamento das reservas
restantes se expande a um ritmo de 1,3%anual. Para
muitas regiões do país, o programa de controle
ambiental das Nações Unidas prognostica uma perda
total das florestas no transcurso dos próximos dez
anos.
Os modelos climáticos da atualidade prevêem um
aumento geral da tempe   ratura no Sudão da ordem de
meio grau até o ano de 2030 e de um grau e meio até
2060; de forma oposta, o regimede chuvas irá diminuir
mais 5% nesse período, com relação às precipitações
anuais do presente. Para as colheitas de cereais isto
significa um retrocesso da ordem de 70%
aproximadamente. No Sudão Setentrional vivem ainda
cerca de trinta milhões de pessoas. A avaliação
destes números nos faz saber facilmente que este país
já se encontra entre as regiões mais pobres do mundo;
de forma semelhante, vem sendo submetido a ameaças
ecológicas progressivas, além do fato de que há meio
século vem sendo travada no Sudão uma guerra civil.
Esta já provocou o deslocamento de cinco milhões de
refugiados dentro deste país, as assim chamadas IDP
(Internal Displaced Persons [Pessoas Internamente
Deslocadas]), que foram forçadas a abandonar suas
aldeias por causa da expulsão sistemática por
milicianos. Eles não somente assassinam muitos, como
incendeiam as aldeias e até as matas, para impedir o
retorno dos sobreviventes.
A maioria dos "deslocados internos" vive em
acampamentos de refugiados, que não dispõem
praticamente de qualquer estrutura, sem energia
elétrica, sem esgotos, sem água encanada e sem
cuidados médicos. As necessidades alimentares são, em
sua maior parte, garantidas por organizações de
ajuda internacional. Os moradores dos acampamentos
já destruíram toda a madeira utilizável emum raio de
dez quilômetros ao redor; mas continuam precisando de
lenha para cozinhar suas refeições. A terra desnuda
que os cerca é perigosa; muitas mulhe que saem em
                                       res
busca de lenha são estupradas e mesmo mortas.
Naturalmente, não são simplesmente assaltadas,
porque não têm nada que possa ser roubado.
A província ocidental de Darfur apresenta o mesmo
aspecto e talvez a situação por aqui seja ainda mais
grave, uma vez que se travam também operações
militares nas terras limítrofes dos países vizinhos, o
Chade e a República Centro-Africana. Em Darfur já
existem cerca de dois milhões de "deslocados internos",
a maior parte dos quais vive em acampamentos
desordenados que fo ram se es tabe l cendo ao re dor d as
                                             e
     cid ades e n úcle os populacionais re gu lare s. Em alguns
     lu gare s o n úm ero de habitan te s aum entou na o rdem de
     200% , desde o in ício oficial d a gue rra em D arfu r. N ão
     se sabe exatam ente na Europa e nos Es tad os Unidos se ,
     no p resente , ocorre nessa áre a um genocídio, m as se
     conve rsa bas tan te sobre isso. Entre duzentas m il e
     m eio m il ão de pessoas te riam sido m ortas desde o in ício
               h
     d a gue rra.
     O S ud ão é o p rim eiro caso de um país assolad o pe la
     gue rra que seguram ente te ve as variações clim áticas
     com o causa d ire ta para a vio lência e a gue rra civil.
     Até o p resente podem os considerar que as vio le ntas
     consequ ências d as variações cli m áticas fo ram som ent   e
     ind ire tas em ou tras te rras , m as nesses países em que a
     p róp ria sobre vivência hum ana se acha am eaçad a, as
     m enores m odificações clim áticas acarre tam trem endas
     consequ ências. E no S ud ão estas m odificações n ão s ão
     absolu tam ente m enores. S ão causa d ire ta d a lu ta pe la
     sobre vivência. Em um país no qual 70% d a população
     vive no cam po e depende de l para seu alim ento, criase
                                     e
     um enor e p rob lem a quando as áre as de cu ltivo ou a
               m
     te rra fé rtil com e çam a encol r. O s pas to res n ôm ades
                                       he
     avan çam além de seus te rritó rios habituais, a fim de
     que seu gad o possa pas tar, jus tam ente nas á re as
     cu ltivad as pe los pequenos agricu lto re s, onde p lan tam
     ce re ais, hortali ças ou árvo re s fru tí fe ras para sua
     subsistência e a de suas fam ílias. Q uando os desertos
     se am pliam em virtude desse p rocesso, os pas to res
     n ôm ades necessitam d a te rra dos cam poneses e as
     invadem , de fo rm a aind a m ais destru tiva. Existe um a
     fron te ira crí tica, a partir d a qual os inte resses de
     sobre vivência som ente podem se r de fendidos pe la
     vio lência.
     Entre 1 967 e 1 973 e novam ente entre 1 980 e 2000 o
     S ud ão sofre u um a s érie de secas catas tró ficas - um a
     parte de cu j    as consequ ências foi o desl      ocam ento
     m aciço d a população de grandes áre as, enquanto
     m ilhares de pessoas m orre ram de fom e. N atu ralm ente ,
     sob o m anto do desastre ecológico, ocorre ram ou tros
     num erosos conflitos , re al ente tão num erosos que
                                     m
     pe rtu rb aram a obse rvação de um dos piores
     panoram as na his tória d a vio lência, que foi posto de
     lad o e passou p raticam ente despercebido dentro do
                      11
     quad ro ge ral. Isto não deve causar surpresa: desde
     1955, com maior ou menor intensidade, variando de
     região para região e ocorrendo numa sucessão de
11   Veja Gerard Prunier: Darfur. Der uneindeutig Genozid [Darfur: O Genocídio obscuro], Hamburgo, 2006. (NA).
p rovíncias, grassa um a gue rra civil que dura m ais de
m eio s écu lo. Apenas entre 1 972 e 1 983 houve um a fase
de arm istcio frágil e inconstante . Em 2005 foi
             í
assinado um tratad o de paz, desde o qual re al ente   m
n ão se lu tou m ais no S ud ão Me rid ional. Mas desde
2003 pe rm anece um a gue rra vio le nta na p rovíncia de
D arfu r, no S ud ão O cidental. A situação p rovocad a
pe lo conflito é desastrosa para a população, m esm o
que n ão nos lem brássem os de d ize r um a s ó palavra
sobre a escassez de água potáve l, a catás tro fe do
avan ço d as are ias, o envenenam ento causado pe los
esgotos a c éu abe rto, os crescentes dep ósitos de lixo
ao ar livre e a destruição am biental causad a pe la
expans ão d a ind ústria pe tro le ira. Existe um a re lação
d ire ta entre as variações clim áticas e a gue rra. O
panoram a do S ud ão é a vis ão de nosso fu tu ro.
                       O O cidente II
Tam b ém nas te rras ocidentais ocorre um alvo ro ço
p rovocado pe las variações clim áticas e suas
consequ ências, desde o com e ço do ano de 2007, quando
os três re lató rios do IPCC (In te rgove rnm ental Pane l
on C lim ate Change [Paine l In te rgove rnam ental sobre
as Modificações C lim áticas]) fo ram pub licados.
Tam b ém existem d iscuss ões no que se re fe re ao
apare cim ento de cen ários globais m ais som brios: por
enquanto, sabe -se que exis tem re giões do m undo que
gozam d as van tagens do aquecim ento global, porque
as m udanças d as condições clim áticas de fato
m elhoram seu am biente , do m esm o m odo que sua
atração tu rís tica. Nas cos tas alem ãs do Mar do
Norte , por exem pl os donos e adm inistrad ores de
                       o,
hotéis se ale gram com esse aquecim ento; os te rritó rios
adequados para a p lan tação de vinhedos es tão se
am pliando p rogressivam ente em d ire ção ao norte . O
                    14
Re lató rio S te rn, que comparou os custos de um
aumento irrefreado da temperatura com os custos
necessários para interromper o processo de
aquecimento global, indicou que o primeiro motivo de
preocupação, quando relacionado ao segundo, poderá
abrir horizontes econômicos inteiramente novos para
os países dotados de alta tecnologia. Sir Nicholas
Stern, antigo economista-chefe do Banco Mundial,
havia assinalado que os custos de um aquecimento
climático mundial incontido exigiriam de 5% a 20% da
renda mundial per capta, e o percentual mais elevado
seria o valor mais provável. Contra isso, o custo de
uma estabilização das emissões de dióxido de carbono
na atm osfe ra até o ano de 2050 cus taria som ente 1 %
do p roduto social b ru to, valo r pe rfe itam ente
com patíve l com o crescim ento econ ôm ico norm al
duran te esse m esm ope ríodo.
N atu ralm ente , h á consideráve is d ife ren ças, de acord o
com o ram o específico d a econom ia - os fo rne cedores de
ene rgia re nováve l te riam grandes lu cros, enquanto a
ind ústria dos esportes de inve rno, com o as estações de
esqui, se ria p re j icad a. Mas no con j
                   ud                         unto have ria o
in ício im ediato de um a m odificação d as po lí ticas
clim áticas que constituiria um a oportunid ade econ ôm ica
para o O cidente. A d im inuição dos gas tos com a
p rodu ção de ene rgia, induzid a pe la inven ção de
apare lhos e m étodos de tod os os tipos para poupar
ene r gia, com o a ad o ção de ve ícu los h íb rid os,
            í
biocom bustve l, chapas de co le ta de ene rgia solar, e
m uitos m ais, constitui um a p rom essa para o fu tu ro. Já
se fala sobre a Te rceira Revolu ção Industrial, ao
m esm otem po em que se esquece que fo ram a P rim eira e
a Segunda as causas o riginais dos p rob l as atu ais.
                                              em
As cid ad ãs e cid ad ãos dem onstram a aquisição de um a
consciência am biental, de aco rd o com a qual n ão
que rem m ais viajar em ve ícu los aé re os, com boas
raz ões m istu rad as com ou tras m ás. As re fle x ões sobre
as variações clim áticas conduzem a re ações
inespe rad as. O s m otoris tas p re fe rem m ode l m ais fo r-
                                                  os
te s, com o aque l que e ram p roduzidos original ente ,
                   es                                  m
porque a época dos ve ícu los te rre s tre s de alta     15
potência com doze cilind ros e 500 HP já passou. Os
assim chamados "fundos climáticos" e "fundos
permanentes" são anunciados com o argumento de que
são formados por ações de companhias ativamente
interessadas na retificação climática e que são mais
"permanentes" que todo o desenvolvimento conjunto do
mercado. "Os poupadores privados que investirem
nestes fundos não somente obterão lucros financeiros
por meio das variações climáticas, como terão
igualmente a consciência tranquila de que estão
tomando alguma espécie de ação para contrariá-
       16
las."
O que demonstram estes exemplos? Eles assinalam a
adaptação das pessoas diante das transformações
ambientais globais. Mas devemos compreender que, de
fato, tais adaptações absolutamente não se baseiam
em modificações comportamentais, mas podem ser
simplesmente o efeito de uma transformação
perceptual dos problemas existentes. Há pouco tempo,
foi publicado um estudo referente à maneira como os
pescadores encaram o problema da constante
diminuição dos peixes no Golfo da Califórnia. Apesar
de ser perceptível a considerável diminuição da
população de peixes correspondente à pesca pre-
datória nas regiões costeiras do golfo, verifica-se que
quanto mais jovens são os pescadores, menos se
preocupam com a diminuição do número de peixes. Di-
ferentemente de seuscolegas mais velhos, eles não têm
experiência direta sobre a quantidade e a variedade
das reservas de pescado que antigamente podiam ser      17
capturados nas proximidadesdas áreas costeiras.
Podem - e conside rar os p rob lem as vindouros com o
          s
ale ató rios, com o possibilid ades vagas e d istantes ou
com o pe rcep ções irris órias e , desse m odo, estabe l ce r-
                                                         e
se o p róp rio com portam ento de fo rm a contrá ria a es ta
posição afirm ativa de pe rigos d ifusos. Em seu p resente
m odificado, os investidores se com portam com o os
jo ve ns pescadores d a C alifó rnia m e ridional m exicana,
cu j as pe rcep ções parciais deste p resente s ão
de fendidas contra opiniões d issonantes e conside rad as
com o dependent     es de num erosas possibilid ades e
fato re s,que e les m esm os tratam de fo rm a sim plificad a.
Logo lhes pare ce te rem um a consciência suficiente do
p rob l a, d iscord ando quando algu ém lhes suge re que
       em
o tratam de fo rm a ind ife rente ou sem im portância ou
até m esm o o encaram com o um a p reocupação sem
sentido. Mas é a fo rm a norm al com o as pessoas agem ,
focalizando os p rob lem as e descurando de suas causas
o riginais.
Tod avia, é necess ário com preenderque a conside ração
de um p rob lem a e seu p róp rio com portam ento com
re lação a e l s ão coisas bem d is tintas , que n ão se
                 e
acop lam natu ralm ente um a a ou tra, se é que têm
algum a conexão m útu a. Um a conside ração pode se r
facil ente abandonada de aco rd o com a situação,
      m
conform e as expe riências d a re alid ade im ediata e as
condições concre tas de afas tam ento, enquanto as
ações, via de re gra, s ão executad as sob p ress ão e
dependem de necessidades situacionais específicas - e é
por esse m otivo que as ações d as pessoas s ão com
fre qu ência fe s te j as, ao m esm o tem po em que suas
                      ad
opiniões s ão contes tad as. É in te ressante notar que s ó
m uito raram ente as pessoas encontram d ificu l ade em
                                                    d
inte grar es tas contrad ições. As pessoas com param seu
com portam ento com com portam entos aind a piores de
seus sem el  hantes e encontram nessa m ol     dura m otivos
para conside rar a p rob l ática inte ira com o
                                   em
rid icu lam ente sem im portância ou descartá-la com o
u ltra passad a, a fim de se in te ressarem por novas
considerações fu tu ras . Todos estes m ecanism os
psicológicos se rvem para re duzir a d issonância entre
os pontos de vis ta m orais que de fendem e as atitudes
                        18
concre tas que assum em .
Tais reduções da dissonância cognitiva não são
triviais; podem ocorrer igualmente no contexto de
situações extremas, por exemplo, quando pessoas são
ordenadas a matar outras pessoas e sentem dificuldade
em cumprir a ordem, porque esta tarefa interfere com
sua autoimagem moral. Eu procurei demonstrar, em um
estudo sobre assassinatos em massa durante guerras
de extermínio, como estes homens conseguem conciliar a
                                      19
matança com sua própria moral. Eles precisam,
enquanto estão ainda orientados para um plano
interior de referências mentais, impedir o surgimento de
quaisquer dúvidas quanto à necessidade e justiça de
suas ações.
Estes homens se reúnem em bandos de extermínio, longe
de suas comunidades e grupos sociais habituais e, a
partir de então, se estabelecem determinadas normas,
dentro das quais comprovadamente se desenvolvem
comportamentos mútuos e temporários, através de
cujas barreiras nenhuma crítica externa pode
penetrar. Eles se comportam no âmbito de situações
          20
"totais", para as quais a heterogeneidade social se
torna o ambiente cotidiano comum, dentro das quais os
papéis costumeiros, os contatos sociais e as exigências
normais são corrigidos ou as situações conflitantes
influenciadas umas pelas outras. Os próprios assas-
sinatos se transformam em simples tarefas,
consideradas necessárias, que os homens executam com
considerável dificuldade, porque matar pessoas
indefesas, especialmente mulheres e crianças, é
totalmente contrário à auto-imagem que haviam
previamente construído. Realmente, é apenas quando
conseguem pensar em si mesmos como pessoas forçadas
a cumprir uma tarefa penosa, que eles se percebem
obrigados a realizar, eles conseguem conciliar sua
auto-imagem básica de "bons rapazes" com seu
                     21
trabalho pavoroso. O motivo pelo qual aqueles que
haviam executado durante a guerra passada
raramente desenvolvia sentimentos de culpa e a
maioria deles simplesmente conseguiu integra-se na
sociedade alemã do pós-guerra sem grandes
dificuldades.
O fato é que a característica que mais claramente se
destaca, por deprimente que isso seja, é que quem
cometeu ações diretas em conexão com os massacres da
guerra, via de regra, não desenvolveu qualquer
sentimento de culpa pessoal pelo que fez, mas em geral
representa seus atos como realizados contra a
própria vontade e contrariamente a seus próprios
sentimentos, porque nos campos de batalha era
forçado a fazer coisas pavorosas, cuja realização
lhes causara também grande sofrimento. Podemos
encontrar aqui tambémvestígios da ética himmleriana
da Anständigkeit ["decência" ou "decoro", no sentido
          22
romano] que, na mesma época, não somente era
corrente, como tornava possível a realização desses
crimes, fazendo com que seus autores se considerassem
como pessoas que tinham de aguentar os aspectos
desagradáveis de seu trabalho e sofressem por causa
disso. A leitura de seus depoimentos no pós-guerra
muitas vezes nos impressiona pelo aparecimento
constante desta autodefesa biográfica inquebrantável
e incontestavelmente coerente.
Tais exemplos assinalam atitudes de violência extrema,
para cuja influência sobre o comportamento de
pessoas em situações concretas, em princípio, não são
decisivas as próprias situações concretas em que se
encontrem, mas sim a maneira como tais pessoas as
percebem e suas interpretações individuais de tais
percepções. Primeiro a interpretação conduz a uma
conclusão e esta, por sua vez, determina o
comportamento. É deste modo que surgem
comportamentos         que,  externamente,     parecem
irracionais, contraproducentes ou sem sentido; contudo,
para aqueles que os manifestam, parecem altamente
significativos, mesmo quando lhes causam remorsos ou
os prejudicam diretamente. Foi deste modo que
Mohammed Atta encarou o choque dos dois aviões
contra as Torres Gêmeas ou quando o terrorista
Holger Meins, da chamada RAF (Red Army Fraction
[Fração do Exército Vermelho]) se decidiu a fazer
greve de fome até morrer na prisão. As imagens
humanas super-racionalistas, sobre as quais se
baseiam tantas teorias comportamentais, não
têmlu gar para es tas fo rm as de R acionalid ade
Particu lar. S om ent depois que se pesquise com o as
                      e
pessoas pe rcebem a re alid ade é que se pode
com preenderpor que as conclus ões p roduzidas por tais
pe rcep ções - contem plad as exte rnam ente - pare cem
se r to talm ente bizarras .
Talve z tam b ém se j p rove itoso exam inar com m ais
                       a
bom - senso a situação particu lar que n ão pe rm ite a
algu ém entre te r a m enor d úvid a sobre com o deve rá
p rocede r, um a vez que num erosas sociedades nos
p róxim os anos ou d écad as deve rão enfre ntar um
12
     co lapso p roduzido pe las m odificações clim áticas e que
     este deverá modificar radicalmente as condições de
     vida para todas as pessoas envolvidas, uma coisa em
     que, por outro lado, ninguém realmente acredita. Esta
     forma irritante de "cegueira apocalíptica" (segundo a
     expressão de Günter Anders) depende da singular
     capacidade das pessoas de não se deixarem demover de
     seus comportamentos habituais, uma linha de conduta
     firmemente alicerçada, em que se prendem as mais
     importantes cadeias da complexidade dos procedimentos
     modernos ou da irresponsabilidade percebida para com
     as consequências de suas ações. Zigmunt Bauman
     denominou este fenômeno de "adiaforização", isto é, a
     dissociação      entre    a     personalidade       e     sua
     responsabilidade pelos comportamentos apresentados
                                             24
     durante a execução de um trabalho.
     Deste modo, um pressuposto para poder administrar a
     responsabilidade constitui, por exemplo, que todos os
     parâmetros para um determinado comportamento
     sejam conhecidos. Nas sociedades modernas,
     funcionalmente diferenciadas, com suas longas
     correntes      comportamentais       e sua         complexa
     interdependência, em princípio é difícil conhecer os
     detalhes mediatos que a elas conduzem, o que se perde
     das consequências das ações e, portanto, aquilo que
     pode ser praticamente responsabilizado pela
     orientação de nossas próprias ações. Claramente
     estamos sujeitos, neste sentido, aos efeitos de institui-
     ções como a Justiça, as Instalações Psiquiátricas, os
     Escritórios de Consultoria etc., que têm a função de
     moderar e regular tais comportamentos e ações -cada
     um deles com sua própria dialética, de Lai modo que
     também aqui os processos fazem parte de um trabalho,
     que pode ser deste modo conduzido,conform e a
     fo rm u lação de Heinrich Popitz, para a anu lação d a
     re sponsabilid ade dos trab alh ad ores inte rm ediários, "na
     fo rm a fatal d a n ão-depend ência do que (usual ente m
     liga) as pessoas entre si nas situações re fe re ntes a
     seu tra balho. Am bos os fato re s (n ão-re sponsabilid ade
     e n ão-depend ência) conduzem sem d ificu l25ade aos
                                                       d
     excessos de indolência que tod os conhecem os."
     O problema dos desvios da responsabilidade surge assim
     dos processos de modernização da sociedade e constitui,
     até certo ponto, o preço do desenvolvimento contínuo
12  23
       Para este prognóstico não faz diferença se presentemente se assume um ponto de vista antropogenético sobre a
origem das variações climáticas ou se estamos lidando com uma oscilação climática "natural". A resposta desta questão
discutida é relevante no que diz respeito às estratégias político-ecológicas sobre a redução das emissões de dióxido de
carbono etc., mas não para as composições de diferente teor que se referem às consequências sociais e políticas das
variações climáticas e é neste sentido que a estamos tratando. (NA).
e d a re criação de tais ins tituições - a re sponsabilid ade
trans fo rm ad a em com petência e a trans fo rm ação
au tom ática desta em n ão-com petência. Porém , talve z
aind a m ais grave se j que as pessoas som ente podem
                         a
assum ir re sponsabilid ade enquanto existe um a
continuid ade tem poral entre as ações e as
consequ ências dessas m esm as ações, que lhes pe rm ita
um re conhecim ento re c íp roco de re sponsabilid ade.
Enquanto lid am os com causas line ares e as
consequ ências d ire tas de seu desenvolvim ento, desde que
se m anifes tem duran te a vid a dos ato re s envolvid os
nas ações que p rovocaram as causas e que n ão
surjam ap ós tal pe ríodo, tais re conhecim entos s ão
poss íveis, enquanto e l aind a estive rem su j itos às
                          es                          e
decis ões d as corte s de jus ti ça in te rnacionais, com o foi
o caso dos s érvios, que re al ente n ão chegaram a
                                   m
re alizar o exte rm ínio dos b ósnios m u çul anos, porque
                                               m
surgiu a pe rcep ção de que deve ria se r re alizad a um a
inte rven ção an tes que esse exte rm ínio se consum asse.
O utros exem pl podem se r encontrad os na esfe ra do
                 os
d ire ito com ercial, que de te rm ina a re sponsabilid ade
pe la vend a de p rodutos d anificados, no d ire ito penal e
nas decis ões re fe re ntes às com panhias seguradoras
e tc. Em tod os estes casos se ponde ra de que m aneira
algu ém é re spons áve l pe la causa inicial d as
consequ ências de um a ação e até que ponto as
consequ ências d a re fe rid a ação pode riam te r sido
an te cipad as.
Mas o que aconte ce nesta áre a p rob lem ática, quando
fica pe rfe itam ente es tabe lecido quem foi ou fo ram os
causadores o riginais de um a de te rm inad a ação e de
suas consequ ências, porém d ito ou d itos ato re s n ão
pode rão se r re sponsabilizados porque n ão se
encontram m ais entre os vivos? Na á re a do d ire ito
com ercial es te p rob l a já foi re solvid o pe la
                           em                                26
re gu lam entação do ins titu to do d ire ito sucess ório,
que não vige na área cível, a qual rege os processos
contra cidadãos particulares. Mas este é apenas o
aspecto mais suave do problema. A coisa se torna
muito mais complicada quando estamos procurando as
causas iniciais das variações climáticas que deram
origem aos problemas assinalados no presente, as
quais se localizam no mínimo há meio século e que a
situação das pesquisas sobre as ciências naturais da
época absolutamente não tinha condições de prever. E
o problema, em seu conjunto, se torna ainda mais
intrincado quando as estratégias de intervenção
contra as consequências das ações não antecipadas
naquela época ainda são altamente discutíveis e
inseguras no presente, sobretudo porque não se pode
determinar quais consequências temporais nos poderão
trazer em um futuro distante. Aqui o relacionamento
de uma sucessão temporal entre os com    portamentos e
as consequências de tais comportamentos é de
extensão tal que abrange várias gerações e, deste
modo, só pode ser estabelecido median a intervenção
                                      te
das ciências. Ainda não existemexperiências concretas
e cuidadosamente planejadas para a determinação das
motivações das ações passadas e isto constitui um
obstáculo, do mesmo modo que não seria contribuição
suficiente para o cálculo das responsabilidadesde pelo
menosuma parte dos problemas que enfrentamoshoje.
Logicamente não se podeesperar de tais experiências a
conclusão de que se possa atribuir a uma pessoa que
tenha vivido quarenta anos até 2007 a
responsabilidade de um problema cujas causas
temporais se localizam inicialmente antes de seu
nascimento e cujas soluções serão encontradas de   pois
de sua morte, uma vez que tal pessoa não poderá ter
tido influência direta nemsobre as causas iniciais nem
sobre as soluções do problema. Mas, de forma
semelhante, pode-se esperar dessas pessoas um
comportamento atual responsável perante os
problemas esperados e provocados no presente e se
apresenta finalmente a pergunta sobre se estas
pessoas podem ser responsabilizadas por tais
problemas futuros no sentido tradicional da figura
jurídica e, em caso afirmativo, de que maneira o
estabelecimento de tal responsabilidade poderá ser
encarado.
Esta pergunta tem considerável alcance para a vida
pública de uma nação: pois o que significa o
desmoronamento do cálculo temporal de um relaciona-
mento de causa inicial e suas consequências para a
evolução da consciência política e para a decisão
política final? Mais ainda: qual influência tem a acei-
tação da irresponsabilidade, ou seja, como
perceberemos as consequências sociais determinadas
pelas variações climáticas e suas possibilidades de
solução? Indo um pouco mais adiante: quais soluções
consideraremos possíveis no presente que hoje não nos
pareçam totalmente impensáveis?
                EmBusca de Soluções
No primeiro terço do século 18, quando ninguém ainda
conseguiria pensar que, duzentos anos depois, os ideais
de p rogresso, racionalid ade e e ficiência que
assinalaram a época então cham ada de "m ode rna"
viessem a se r ap licad os ao genocídio industrial,
Jonath an S wift desenvolveu um conceito sobre a m a-
neira com o o em pobrecim ento p rogressivo do povo
irland ês pode ria se r contid o. Se fosse seguida a
p roposta de S wift, os filh os dos pobres n ão m ais
p re cisariam partilh ar com seus pais um a exis tência
desesperad a de fom e, roubo e m endicância, um a carga
que te rm inava por re cair sobre o re ino; de fo rm a
oposta, e les "pe lo re s to de seus d ias n ão sentiriam
falta de alim ento nem de ves tu ário, ao contrá rio
pode riam d ar em troca um a contribuição para a nu tri -
ção e , de fo rm a sem el     hante , para o ves tu ário de
m uitos m il   hares". A tare fa que S wift p ropunha
re p resentaria um a solu ção, e e l ilus trava sua
                                         e
p roposta com d ados es tatís ticos sobre o crescim ento
constan te d a ind igência entre a população, porque
cad a crian ça corre spondia a um ce rto d isp êndio
econ ôm ico popu lar e p roduzia um a com pensação
desproporcional ente in fe rio r aos gas tos incorrid os
                    m
para seu desenvolvim ento.
Es ta e ra a solu ção p roposta: "D esta fo rm a, ofe re ço
hum il ent esta p roposta à consideração p úb lica,
       dem e
considerando que, d as cento e vin te m il crian ças que já
pudem os calcu lar, vin te m il se j re se rvad as para a
                                     am
re p rodu ção, d as quais som ent um quarto deve rá se r do
                                  e
sexo m asculino, m ais do que pe rm itim os às ove lhas, ao
gado vacum ou aos porcos; e a m inha raz ão p rincipal é
a de estas crian ças raram ente se rem o re su ltad o de
um casam ento le gal, um a circunstância que n ão re cebe
grande conside ração d a parte de nossos se lvagens;
portan to, um m acho deve se r suficiente para se rvir
quatro fêm eas. As re s tan te s cem m il crian ças, quando
atingirem um ano de id ade, podem se r ofe re cid as à
vend a a pessoas de qualid ade e fo rtuna através do
re ino, m otivo pe lo qual as m ães se rão aconse l as a
                                                    had
am am entar cuid adosam ent os filhos durante o ú ltim o
                               e
m ês, de tal m odo que as crias se to rnem gord as e
fo rte s , ap rop riad as para um a boa m esa. Um a crian ça
significará dois p ratos para re fo rçar um a re fe ição
entre am igos e , quando a fam ília se alim entar sozinha,
os quartos d iante iros e trase iros constituirão um p rato
razo áve l; tem pe rados com um pouco de sal e pim enta
pode rão se r cozidos ao quarto d ia, com o m esm o gosto
                                                   27
de carne de pane la, especial ente no inve rno."
                                 m
A seguir, Swift apresentou uma longa lista dos efeitos
positivos de sua proposta, acrescentando que as
crianças poderiam ser empregadas como matéria-
p rim a para o com ércio, a gas tronom ia e a ind ús tria
cu rtid ora. E e le conside rou questões de cará te r m oral
- argum entando que pode riam e vitar os abortos e o
infan tic íd io - que pudessem se r le van tad as contra sua
p roposta. No final de sua d isse rtação, S wift re sum iu:
"G aran to, com tod a a since rid ade de m eu coração, que
n ão te nho o m enor in te resse pessoal em m eu esforço
para p rom ove r es ta obra necess ária, n ão te ndo ou tros
m otivos sen ão o bem - tar do povo de m inha nação, o
                           es
desenvolvim ento de nosso com ércio, a p reocupação
pe lo destino d as crian ças pequenas, o alívio d a
pobreza e o p roporcionam ento de um ce rto p raze r para
os ricos. N ão d isponho de quaisque r filh os pe los quais
possa ob te r um único centavo através d a ad o ção
desta p roposta; o m ais jo vem já tem nove anos e m inha
esposa já passou d a época de te r filhos."
A "m odesta p roposta" é, sem d úvid a, a m e l           hor
conhecida d as s átiras de S wift e , de fato , se re fe re
abe rtam ente ao desenvolvim ento de um a p roposta que
pare ce ria to talm ente im pens áve l a partir dos
posicionam entos m orais b ásicos d as nações ocidentais.
C om sua p rova científica d a racionalid ade dos
assassinatos em m assa, apoiad a em estatís ticas
m ate riais e flanquead a por ponderações m oralís ticas,
S wift lan çou um o lh ar sobre um fu tu ro em que o ju ízo
ins trum ental re duziu cad a posicionam ento m oral a um a
cate goria m ínim a que, se necess ário, pode se rvir
som ente à au to j tificação d as ações, m as que n ão
                     us
estabe l nenhum abarre ira para a desum anidade.
         ece
A his tória dos tem pos m odernos já m ostra um a boa
quantid ade de solu ções rad icais para enfre ntar os
p rob l as sociais pe rcebidos; até que consequ ências
       em
esta te nd ência pode chegar é pe rfe itam ente
assinalad o pe la "S o lu ção Final do P rob lem a Jud aico",
em basada no aniquilam ento dos jud eus e , através
deste , ob tendo a anu lação d a "questão j aica". A
                                                 ud
partir de quanto podem os ap rende r com os casos
re centes d a Turquia, d a Alem anha, do C am boj d a  a,
China, d a Iugos lávia, de Ruand a e de D arfu r ou
através do vas to cam po m und ial do em prego d a
                        28
"lim peza é tnica",          soluções radicais constituem
sempre uma opção, mesmo nas sociedades democráticas,
em que tais processos mortíferos não são facilmente
encarados como negações das condições de proce-
dimento "normais", mas interpretados como "casos
especiais".
Os poucos cientistas sociais que buscam inverter esta
perspectiva e apresentam a questão do que realmente
significam os fenômenos de catástrofe social para a
Teoria d a S ociedade s ão ge ral ente m arginalizad os e
                                    m
pe rm anecem sem in flu ência científica em grande
escala. Is to vale para os racioc ínios filos óficos, com o
os de G ünte r Ande rs ou H annah Are nd t, e igual entem
para as conside rações sociológicas de Norbe rt E lias e
Zygm unt Baum an. A sociologia d as catás tro fe s
encontra facil ente entrad a nos conceitos de de fesa
                  m
d a pátria, m as n ão acha nenhum apoio na constru ção
d as te o rias sociológicas. D entro d a te o ria d a his tória
as te o rias d as catás tro fe s s ão escassas, m esm o no
p resente , do m esm o m odo que no cam po d a te o ria
polí tica.
D este m odo, as catás tro fe s sociais do s écu lo 20
dem onstraram , com tod a a clare za, que as lim pezas
étnicas e os genocídios n ão constituem exce ções na
senda norm al d a m odernid ade, m as ao contrá rio,
pe rm anecem com o possibilid ades sociais dentro d a
e volu ção d as sociedades m odernas. P rocessos sociais
com o o Holocausto n ão devem se r encarad os com o
"rom pim entos d a civilização" (D an D ine r) ou com o
"re to rnos ao barbarism o" (Max Horkheim er e Theodor
W. Ad orno), m as an tes com preendidos com o
consequ ências de experi ências contem porâneas para
re s tau ração d a ordem e re so lu ção do que s ão
pe rcebidos com o p rob lem as sociais. Real ente , com o
                                                 m
dem onstrou Michae l Mann, por m eio de um a vo lum osa
pesquisa, as lim pezas é tnicas e os genocíd ios es tão
intim am ente ligad os aos p rocessos de m odernização,
m esm o quando, em contraposição ao que pare ce se r
um a vio lência arcaica, s ão ap resentados sob
aparência bem d ive rsa. Is to vale para um a an álise do
te rro rism o is lâm ico, que re p resenta um a re ação à
m odernid ade, m as à qual está intim am ente liga do,
m esm oque de fo rm a negativa.
Zygm unt Baum an, em suas pesquisas sobre a "d ialé tica
              29
d a ordem ", explicou por que o Holocausto não se
encontra em uma posição sistematicamente contrária
aos postulados das ciências sociais: em primeiro lugar,
porque, observando todos os eventos da história
judaica, mesmo quando considerados como um problema
                                       30
da patologia da modernidade,               eles constituem
situações normalmente manifestadas pela conduta
social externa ao grupo; em segundo, porque o Holo-
causto não foi mais que uma síntese infeliz de fatores
funestos a ela associados, os quais - cada um deles
tomado em si mesmo - não constituíam em absoluto situ-
ações estranhamente aberrantes e que, via de regra,
eram enfraquecidos e diluídos pela ordem social. Deste
modo, a sociologia tranqüilizou-se e, portanto, não
seesforçou para m ante r sis tem aticam ente em m ira o
estudo do Holocausto. Is to significa, até ce rto ponto,
que o aniquilam ento industrial de m assas hum anas foi
um "caso de te s te " para a obse rvação do potencial
late n te d a m odernid ade, com o nova info rm ação sobre a
m aneira com o e ra com posta e sobre o destino de seus
m ecanism os de desenvolvim ento. Baum an constatou
assim a existência de um "p arad oxo": pois o p róp rio
Holocausto fo rne cia m ais info rm ações sobre a condi-
ção d a sociologia "d o que e ram capazes as
inte rp re tações sociológicas an te rio res para o
esclare cim ento31    d as     condições      do    re fe rid o
Holocausto". Logo a seguir, ele afirmou que o
Holocausto deve ser encarado como a construção de
um campo de ensaio sociológico, dentro do qual as
características das sociedades modernas seriam
libertadas, "cujos efeitos não tinham sido
anteriormente observados e demonstrados de forma        32
empírica, senão em condições 'não-experimentais'".
Hannah Arendt insistiu firmemente que o caráter
sistemático da teoria da sociedade das instituições
modernas era demonstrado pelos 33 campos de
concentração. A existência dos campos assinala que
as sociedades totalitárias e a dinâmica da violência
social originam novos comportamentos, estabelecidos
dentro de sua racionalidade peculiar, que
externamente parecem sem sentido ou totalmente
insanos, mas que, segundo a perspectiva dos próprios
atores, podem estar ligados intimamente a seus
sistemas de percepção. Tais sistemas particulares de
percepção não são examinados nem contestados pelos
instrumentos de aferição do significado de que dispõem
as ciências sociais, uma vez que são orientados por um
modelo de comportamento racional.
A ciência da história encontra aqui um problema
particular, porque em retrospecto se abrem
possibilidades interpretativas que não eram possíveis
nessa época. Consideradas historicamente, dão motivos
para a ciência histórica ser orientada para conceitos
de abrangência filosófica, que sejam "encarados com
uma compreensão simpática e observados à luz das
posições culturaishistóricas anteriores" e que "suas
economias sejam relacionadas a uma compreensão da
história idealística e otimista com relação ao
                           34
progresso da cultura." Este conceito da compreensão
se evidencia, em presença dos delitos sociais modernos
como inadequado, porque confronta uma realidade
incompreensível dentro de um sentido convencional.
As Mortes têm Sentido
A política de aniquilamento do nacional-socialismo
constitui uma variante dos morticínios da guerra
colonial, porque ampliou grandemente seu âmbito, no
sentido de que todas as pessoas definidas como
supérfluas ou nocivas não somente deveriam ser
removidas, mas que a política violenta de extermínio
deveria ser realizada com um máximo de
aproveitamento: "a Extinção por meio do Trabalho".
Através da construção de gigantescas instalações de
produ ção subterrâneas, por exemplo, para a
fabricação de foguetes de transporte de bombas V-2
ou de aviões de combate Messerschmitt-262 de
propulsão a jato, por exemplo, os prisioneiros eram
tratados de maneira tão radical, que sua expectativa
média de sobrevivência após serem transportados
para esses assim chamados campos de trabalho era de
apenas alguns meses. Os trabalhos forçados eram
aplicados ao mesmo tempo como exploração das
energias e meio de extermínio, porque havia um
suprimento constante de novas pessoas que deveriam
ser levadas a trabalhar até morrer.
Esta política se enquadrava abertamente no
planejamento e execução de um sistema que, mutatis
mutandis, significava claramente Trabalhar até Mor-
rer. O extermínio por meio do trabalho deveria ser
organizado técnica e logisticamente; para a montagem
de um campo de trabalho, a administração devia
providenciar a construção de barracões para os
prisioneiros, o que implicava instalações sanitárias,
alojamentos individuais [para os guardas], meios de
transporte, energia elétrica, água, encanamentos,
carros de transporte de materiais etc. No
planejamento e instalação da infra- estrutura para a
aniquilação por meio do trabalho, o próprio
aniquilamento assumia para os engenheiros e
arquitetos a forma de umtransporte de matéria-prima
para uma fábrica, com todos os seus aspectos de
profissionalismo e busca de eficiência, como se
estivessem trabalhando em quaisquer outras
circunstâncias de suas profissões. O formato de um
transporte de matéria-prima aplicado aos que
deveriam ser mortos também era encontrado na
organização dos assassinatos maciços que, em algum
ponto do ano de 1941, foram empreendidospor trás das
frentes de combate em constante expansão pelos
territórios conquistados aos russos. Também aqui se
encontrava uma normalização completa dos
assassinatos, igual às técnicas empregadas com
relação ao que era percebido como trabalho a ser
realizado pelos prisioneiros e a necessidadede soluções
profissionais para os problemas que - como em
qualquer outra fábrica - surgiam durante a exe    cução
das tarefas conjuntas, mesmoque fizessemparte de um
sistema de genocídio sistemático. Este era um processo
de divisão de trabalho, de tal modo que ninguém se
percebia diretamente como homicida, nemque as mortes
fossem consequência direta de suas ações, até mesmo
pelo fato de os assassinatos seremrealizados de forma
distanciada - comoas câmaras de gás.
De fato, dentro dos parâmetros da guerra de
extermínio movida pelo nacional-socialismo, as mortes
se enquadravam no que era percebido pelos executores
como uma completa racionalidade, de tal modo que
podiam interpretar todos os seus atos como a
realização de um trabalho igual a qualquer outro,
mesmoque fosse "um trabalho desagradável", emcuja
execução eles mesmos sentiam pade     cimento, como se
fossemoutras tantas vítimas. A carga emocional que
este tra balho percebido como necessário acarretava
para seus executores era - conforme foi dito - umtema
permanente dos discursos de Heinrich Himmler, do mesmo
modo que nos depoimentos posteriores dos
perpetradores. Eles realmente se permitiam sentir esse
sofrimento, porque de forma alguma se percebiamcomo
assassinos, nem durante a execução dos morticínios,
nem mais tarde, no período do pós-guerra. Eles se
achavam emposição de incluir suas ações dentro de um
modelo referencial que para eles fazia perfeito
sentido. Esta capacidade de obter um modelo
referencial significativo - eu mato para atingir um
alvo mais elevado, eu mato por amor das próximas
gerações, eu mato de forma diferente dos outros,
porque este trabalho não mecausa a menor alegria -
é o modo psicológico em que se inserem as pessoas
através da capacidade referida para fazerem coisas
inconcebíveis, para simplesmente fazerem qualquer
coisa imaginável; os atos humanitários, ao contrário,
não são impostos por nenhum talento ou instinto
particular de repressão da capacidade de consciência
dos seres vivos.
As pessoas existem dentro de um universo social, no
interior do qual real mente têm a capacidade de fazer
tudo quanto for possível. Não existe nenhum limite
natural ou de qualquer outra ordem para os
comportamentos humanos como nos indica a presente
                          e,
cultura dos atentados suicidas, não existe sequer o
limite de preservar a própria vida. Deve-se, portanto,
considerar apenas como folclore a afirmação de que
os instintos caçadores dos homens despertam quando
sentemcheiro de sangue, o que os leva a amotinar-se e
a agir como matilhas de cães, com a afirmação
convincente de que isto seja até mesmo um dado an-
tropológico. Ao contrário, a violência tem formatos
sociais e históricos específicos e encontra sua       35
explicação emcontextos igualmente específicos.
D entro d a ideol   ogia nacional-socialis ta os m ortic ínios
tinham significado por se enquad rarem no contexto de
que conduziam a um alvo supe rior, a sabe r, auxiliar na
purificação racial d a sociedade que deve ria assum ir o
dom ínio do m undo. A rapidez do desenvolvim ento d as
técnicas de genocídio conduziu a um d istanciam ento e à
descarga d a re sponsabilid ade pessoal pe la vio lência -
em lu gar de fuzilam entos em m assa, havia um a
industrialização do exte rm ínio; os assass ínios n ão e ram
m ais com etidos pe las p róp rias m ãos; ao contrá rio, as
m ortes e ram re alizad as por m eio d a técnica e o
m ane j dos corpos d as ví tim as cabia a grupos
       o
escol hidos entre os p róp rios p risioneiros. D esde a
ins talação d as c âm aras de g ás e a ap licação do
Zyklon B com o m eio de exte rm ínio, o p róp rio genocídio
n ão dependeu m ais do exe rc ício de vio lência d ire ta d a
parte dos que o conduziam .
O s d ias de re cord ação o ficial e a o rganização de
ce rim ônias para m ante r viva a lem bran ça do
Holocausto s ão sem pre re lacionados à espe ran ça de
que se possa ap re nde r com a his tória e que, por m eio
deste conhecim ento his tórico nos p reparem os para que
as pessoas se esforcem para "nunca m ais" acontece r o
que ocorre u "naque la época". Por que então,
pode ríam os ind agar, es te "nunca m ais" sucederia,
depois d a existência de tan tos exem pl de que as
                                              os
pessoas n ão agem por exce ções rad icais dos
pensam entos hum anitários, m as encontram sentido em
agir contrariam ente às te o rias , de finições e conse-
qu ências d as conclus ões de cará te r hum an ístico e
podem in te grar suas ações dentro de conceitos em que
ap rend am a confiar - que as pessoas, tud o consid e rado,
n ão que rem pe rm anece r dentro dos n íve is de te rm inados
pe la in te lig ência e por sua educação hum anitária.
Se nos co locarm os d iante do panoram a dos inum eráveis
exem pl his tóricos do re s tabe l cim ento d a d isposição
        os                          e
para o m assacre e d as trans fo rm ações d a vio lência,
com o pode rem os deixar de re conhece r que a existência
do Holocaus to som ent aum entou a possibilid ade de tais
                          e
coisas pode rem acontece r novam ente ? Na Ruand a de
1994, a maioria da população achou perfeitamente
      razoável matar 800.000 tútsis durante umperíodo de
      três semanas. Não passa de uma superstição moderna
      que o pavor retrospectivo provocado pelos monumentos
      e pelas cerimônias vá durar o suficiente, que as
      pessoas nunca mais acreditem que a morte de outras
      pessoas seja uma opção em aberto para a solução,
      quando essas outras pessoas forem percebidas comoum
      problema. Cada vez menos estamos tratando com a
      agressão no sentido psicológico, mas sim com a
      racionalidade do objetivo. Para a solução de
      problemas, conforme escreveu Hans Albert, o retorno
      às armas "em muitas ocasiões compensoumelhor do que
                                                     13
      o emprego de quaisquer outros instrumentos." Em
      outras palavras: o que podemos realmente aprender
      com a história?
       O AQUECIMENTO GLOBAL E AS CATÁSTROFES SOCIAIS
      No final de agosto de 2005, o furacão Katrina
      lançou-se em direção ao sudoeste dos Estados Unidos,
      provocando prejuízos de mais de oitenta milhões de
      dólares e quase arrasando completamente a cidade de
      Nova Orleans, Acabara de se apresentar aqui uma
      catástrofe anunciada: já em outubro de 2001, o
      cenário da inundação fora previsto pela revista
                           14
      Scientifíc American.
      Após a ruptura de dois canais, 80% da superfície da
      cidade foi submerso por 7,60m de água. A pressão da
      correnteza foi mais além, porque a água não podia ser
      bombeada e alagou as estradas de acesso, de modo a
      impedir a entrada de socorros à cidade. O socorro
      exigido pela catástrofe demonstrou-se muito maior que
      os recursos imediatamente disponíveis; logo após a
      inundação começaram os primeiros saques. O estádio
      Superdome, estabelecido como refúgio imediato para os
      flagelados pela inundação, demonstrou-se ineficiente,
      pois em pouco tempo ficou superlotado e logo se
      desenvolveu em seu interior uma escalada de violência,
      obrigando as autoridades a declarar estado de
      guerra, com o consequente estabelecimento da lei
      marcial. A governadora da Louisiana, Kathleen
      Blanco, convocou a Guarda Nacional no dia 1º. de
      setembro para interromper os saques, proclamandoque
      "E s tas trop as (a Guard a N acional) têm au to rização

13Citado apua Heinrich Popitz, Phänomene der Macht [Os fenômenos do Poder], Tübingen, 1986, p. 87. (NA).
14Versão alemã em Spektrum der Wissenschaft [O Espectro da Ciência], janeiro de 2002; igualmente em Spektrum der
Wissenchaft Dossier [Dossiê de O Espectro da Ciência], 2/2005: Die Erde im Treibhaus [A Terra e o Efeito Estufa]. (NA).
A história da violência e as mudanças climáticas
A história da violência e as mudanças climáticas
A história da violência e as mudanças climáticas
A história da violência e as mudanças climáticas
A história da violência e as mudanças climáticas
A história da violência e as mudanças climáticas
A história da violência e as mudanças climáticas
A história da violência e as mudanças climáticas
A história da violência e as mudanças climáticas
A história da violência e as mudanças climáticas
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A história da violência e as mudanças climáticas
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A história da violência e as mudanças climáticas

  • 1.
  • 2. HA RA LD W EL Z ER G E R C ÁTIC U R AS LIM AS PORQUEMATAREMOSE SEREMOSMORTOSNO SÉCULO21 TRA DUÇ ÃO
  • 3. Tradução William Lagos 2010 ÍNDICE UM BARCONO MEIODODESERTO: O PASSADOE O FUTURODA VIOLÊNCIA:............ 9 CONFLITOSCLIMÁTICOS:...........................................18 O Ocidente I:....................................................................18 Os Outros:.........................................................................23 O Ocidente II:...................................................................25 EmBusca de Soluções:......................................................34 As Mortes têm Sentido:.....................................................38 O AQUECIMENTO GLOBAL E AS CATÁSTROFES SOCIAIS:............ ..........................................................42 Subcomplexidade: ........................................................ 47 Quemsomos"nós"?.......................................................... 49 Os velhos problemas ambientais:.................................. 50 VARIAÇÕES CLIMÁTICAS - UMA RÁPIDA VISÃO GERAL:........................................................................ 55 Dois graus a mais:......................................................... 62 OSMORTOSDEONTEM:.................................... 63 . O Fimdo Mundo: ........................................................ 63 Justificativas:................................................................ 66 A Contagemdos Corpos:............................................. 69 RealidadesAlteradas:................................................... 74 OSMORTOSDEHOJE: O ECOCÍDI ……………… … … … … … O … … … … … 81 A Carne de sua Mãe está entre meusDentes:.............. 81 O Genocídio de Ruanda:………………… … … … … … 89 Vidas Apinhadas: ........................................................ 90 O que Viram os Matadores?........................................ 94 Darfur - A Primeira Guerra Climática:………………. 96
  • 4. A Ecologia da Guerra:…………………… … … 102 … … … As SociedadesFracassadas:.......................................... 104 Nações emColapso:……………… … … … … 111 … … … … A Violência e as Variações Climáticas:……………….. 114 A Injustiça e a DesigualdadeTemporal:……………… 121 A Violência e a Teoria:................................................ 127 OSMORTOSDEAMANHÃ: AS GUERRASPERMANENTES,A LIMPEZA ÉTNICA, O TERRORISMO E A EXPANSÃO DAS FRONTEIRAS:........................................................ 132 As Guerras:………………… … … … … …... 134 … … … … … As Guerras Permanentes:………………… … … … … …140 Os Mercados da Violência:.......................................... 149 Adaptação:................................................................... 156 Limpeza Étnica:…………………… … … … … … … ….. 158 Conflitos Ambientais:.................................................. 164 O Terror:.................................................................. 169 O Terror como Meio de Transformação do Espaço Social: ..................................................................................... 183 Significados Bloqueados: ............................................. 186 . Eneias, Hera, as Amazonas e a FRONTEX: Guerras Indiretas:.................................................................... 188 A Rota Marrocos-Espanha:........................................... 189 Camposde Refugiados:................................................ 193 Novamente a FRONTEX:............................................ . 196 Estrangeiros Ilegais:...................................................... 200 Os Refugiadose o Asilo Político:................................. 209 Fronteiras fora do Próprio Território:.......................... 210 Os RápidosProcessosde Transformação da Sociedade: .213 As Modificações Climáticas Exageradas:...................... 215 PESSOAS TRANSFORMADAS DENTRO DE REALIDADES ALTERADAS: .225 Linhas Básicas emTransformação:.............................. 226 Padrões de Referência e a Estrutura da Ignorância:..... 232 Conhecimento e Desconhecimento do Holocausto:... 235 A Transformação das Linhas Básicas do Lado Oposto:.. 246 O RENASCIMENTODOSVELHOSCONFLITOS: CRENÇAS, CLASSES, RECURSOS E A EROSÃO DA DEMOCRACIA:.......................................................255 O Deslocamento da Violência:.................................... 259 MAIS VIOLÊNCIA:................................................ 261
  • 5. O QUESEPODEFAZER E O QUENÃO SEPODEI:. 264 Continuar Agindo comode Costume:........................ . 265 Os PassadosFuturos:................................................... 272 A Boa Sociedade:....................................................... . 276 A Tolerância Repressiva:............................................ 282 Saber Narrar a Própria História:.................................. 284 O QUESEPODEFAZER E O QUENÃO SEPODEII: ..288
  • 6.
  • 7. UM BARCONOMEIODODESERTO: OPASSADO OFUTURO VIOLÊNCIA E DA "Um leve tinir atrás de mim fez com que virasse a cabeça. Seis negros caminhavam em fila, percorrendo penosamente a senda estreita, Eles avançavam eretos e devagar, balançando pequenoscestos cheios de terra nas cabeças, e o ruído acompanhava cada um de seus passos, (...) Eu podia contar- lhes as costelas, as articulações de seus membros lembravam os nós de uma corda; cada um deles trazia uma golilha, um anel de ferro soldado ao redor do pescoço, todos interli- gados por uma corrente frouxa, cujos elos excedentes pen diam entre eles: era seu avanço compassado que fazia com que os elos tilintassem em um ritmo regular," Esta cena, des crita por Joseph Conrad em seu romance Intitulado "O Coração das Trevas", descrevia a época de maior florescência do colonialismo europeu, distando dos dias de hoje pouco mais de cemanos. A brutalidade impiedosa, com a qual os primeiros países industrializados buscavam satisfazer sua fome de matérias-primas, de terras e de poder, e que deixou as suas marcas sobre os demaiscontinentes, não é mais aceita pelas condições vigentes nos países ocidentais. A memória da exploração, da escravidão e do extermínio tornou-se a vítima de uma amnésia democrática de que estão afetados todos os estados do Ocidente, que não queremrecordar que sua riqueza, do mesmo modo que seu poderio e progresso, foram construídos ao longo de uma história mortífera. Em vez disso, o que se encontra é um orgulho pela descoberta, observância e defesa dos direitos humanos, pela prática do politicamente correto, pela par- ticipação em atividades humanitárias, sempre que em algum lugar da África ou da Ásia uma guerra civil, uma inundação ou uma seca compromete as necessi - dades fundamentais de sobrevivência dos povos. Determinam-se intervenções militares para ampliar os domínios da democracia, esquecendo que a maioria das democracias ocidentais foi edificada sobre uma história de guerras de fronteiras, limpeza étnica e genocídios. Enquanto se reescrevia a história assimétrica dos séculos 19 e 20 dentro das condições de vida confortáveis e mesmo luxuosas das sociedades ocidentais, muitos habitantes de países do segundo e do terceiro-mundo mal suportam ouvir falar em tal história, porque foram dominados violentamente
  • 8. através dela: poucos dos países pós-coloniais foram conduzidos a uma soberania estável, muito menos a condições de bem- estar social; em muitas dessas nações, a história da espoliação continua a ser escrita sob diferentes disfarces e, em numerosas sociedades frágeis, não se encontram hoje sinais de progresso, mas simde maior regressão. O aquecimento progressivo do clima, um produto da fome inextinguível por mais energia fóssil dominante nas terras que primeiro se industrializaram, prejudica com maior rigor as regiões mais pobres do mundo; uma amarga ironia, que escarnece toda a esperança de que a vida se possa tornar algum dia mais justa. A capa deste livro mostra o vapor "Eduard Bohlen", antigamente encarregado de serviços postais, cujos destroços permanecem há quase cem anos recobertos pela areia do deserto da Namíbia. Ele desempenhouum pequeno papel na história das grandes injustiças. A 5 de setembro de 1909, no meio do nevoeiro, o barco encalhou diante da costa do território que na época se denominava África do Sudoeste Alemã. Hoje emdia, os restos do navio se encontram duzentos metros terra adentro; durante o século transcorrido, o de serto se ampliou oceano adentro. O "Eduard Bohlen", que percorria desde 1891 a linha comercial oceânica da companhia Woermann, sediada em Hamburgo, regularmente transportava correspondência para a África do Sudoeste Alemã. Durante a guerra de extermínio travada pela administração colonial alemã contra as tribos Hereros e Namas, serviu ocasionalmente comonavio negreiro. Durante esta guerra genocida, travada no princípio do século 20, uma boa parte da população indígena da África do Sudoeste não foi exterminada; foi conduzida a campos de concentração ou levada para campos de trabalhos forçados, em que os prisioneiros de guerra eram vendidos como trabalhadores escravos. Bem no começo da guerra, a administração colonial alemã enviou a um comerciante sul-africano chamado Hewitt 282 prisioneiros, que foram alojados precariamente nos porões do "Eduard Bohlen", sem que lhes encon - trassem melhores possibilidades de acomodação, e com os quais não se sabia exatamente o que fazer, enquanto os Hereros não fossem completamente derrotados. Hewitt ficou entusiasmado com essa possibilidade e barganhou para que o preço fosse reduzido para 20 marcos por cabeça, com o argumento, considerado justo, de que os homens já estavam embarcados e ele não estava preparado para
  • 9. pagar pe las m e rcadorias despachadas o p re ço norm al, além dos d ire itos alfandegários corre spondentes. E l e ob te ve os p risioneiros em cond ições m ais favo ráve is e o "Eduard Boh l partiu do porto de S wakopm und, a 20 en" de jane iro de 1 904, em d ire ção à C id ade do C abo, na África do S ul, de onde os hom ens fo ram enviados para 1 trab alh ar nas m inas. Na verdade, foram os Hereros que iniciaram a guerra contra a administração colonial alemã, durante a noite de 11 para 12 de janeiro de 1904, começando por destruir uma estrada de ferro e derrubar grande quantidade de postes telegráficos e continuando pelo massacre de surpresa de 123 trabalhadores alemães 2 ainda adormecidos nas fazendas. Após algumas tentativas inúteis de apaziguamento da luta, o governo real de Berlim enviou o general-de-divisão Lothar von Trotha para comandar as tropas coloniais alemãs. Von Trotha adotou desde o início o conceito de uma guerra de extermínio, de acordo com o qual ele não procurou simplesmente vencer os Hereros por meios militares, mas os impeliu para o extermínio no deserto de Omaheke, onde ocupou todas as nascentes de água, provocando pura3 e simplesmente a morte de seus adver- sários pela sede. Esta estratégia foi tão bem-sucedida quanto fora cruel; foi relatado que os sedentos cortavam as gargantas de seus animais para beber- lheso sangue e que final ente esm agavam seus m intes tinos para de l re tirar os ú ltim os 4 re s tos de es um idade. N ão obstan te , acabaram m orrendo. Mas a guerra prosseguiu, mesmo depois de os Hereros terem sido aniquilados; determinou-se que os Namas, uma outra etnia, deveriam ser desarmados e 1 Veja Jan Bart Gewald, The Issue ofForceá Labour in the "Onjembo": German South West Africa, 1904-1908 [A questão dos trabalhos forçados na "Onjembo": África do Sudoeste Alemão, 1904-1908, publicado no Bulletin of the Leyden Centre for the History ofEuropean Expansion [Boletim do Centro Histórico da Expansão Europeia de Leiden (Holanda)], 19/1995, pp. 97-104, citação da p. 102. (Nota do Autor = NA). "Onjembo" foi o nome atribuído pelos Hereros a seu conflito com os colonizadores alemães. Hoje o termo designa os safaris de caça organizados pelo governo da Namíbia. (Nota do Tradutor = NT). 2 Veja Medardus Brehl, Vernichtung der Herero. Diskurse der Gewalt in der deutschen Koloniaüiteratur [O Aniquilamento dos Hereros. Discurso da Violência na literatura colonial alemã], München (Munique), 2007, p. 96. (NA). Os Hereros não eram nativos da Namíbia: haviam descido da Guiné Equatorial, então Guiné Espanhola (de onde o nome "Hereros" ou "Guerreiros"), através do Congo e de Angola poucas décadas antes, como conquistadores, movendo uma guerra de extermínio contra os Namas, um ramo dos bosquímanos, habitantes originais da região, chamados pelos alemães de "hotentotes". A língua Nama é hoje oficial na Namíbia. (NT). 3 Medardus Brehl, Vernichtung der Herero. Diskurse der Gewalt in der deutschen Koloniaüiteratur [O Aniquilamento dos Hereros. Discurso da Violência na literatura colonial alemã], München (Munique), 2007, p. 98. (NA). 4 Veja Jürgen Zimmerer, Krieg, KZ und Völkermord in Südwestafrika [A Guerra, os Campos de Concentração e o Genocídio na África do Sudoeste], publicado em Jürgen Zimmerer e Joachim Zeller (editores): Völkermord in Deutsch- Südwestafrika. Der Kolonialkrieg (1904-1908) in Namibia und seine Folgen [Genocídio na África do Sudoeste Alemã. A Guerra colonial (1904-1908) na Namíbia e suas Consequências], Berlim 2003, p. 52. (NA).
  • 10. sub j ugados enquanto as trop as alem ãs aind a se encontrassem no te rritó rio. D ife rentem ente dos He re ros, os N am as n ão ofe re ce ram com bate abe rto, m as se lim itaram a um com bate de gue rrilh as , que se to rnou um grave p rob lem a para as trop as co loniais, que ad otaram , por sua ve z, um a es tratégia d ife rente , a qual logo se ria im itad a com fre qu ência ao longo do m ortí fe ro s écu lo 20: para re tirar dos gue rre iros os re cu rsos sobre os quais se apoiavam , os alem ães assassinaram as m ul res e filhos dos N am as ou os he ence rraram em cam pos de concentração. A vio lência foi re alizad a sob a p ress ão d as circuns tâncias e p roduziu suas consequ ências. Estas pe rm anece ram , originaram novos m eios de ap licação d a vio lência, que se fo ram to rnando tan to m ais am pl quanto m ais e ficientes se dem onstravam . Is to os porque a vio lência é inovadora: e la ge ra novos m eios e encontra novas p roporções. As trop as co loniais alem ãs, n ão obstan te , tive ram de com bate r os N am as duran te m ais de três anos. Além d isso, nem tod os os cam pos de concentração pe rm anece ram sob contro le do gove rno; tam b ém em pres ários p rivad os, com o a em presa de linhas m arítim as Woe r ann, esta- m be l ce ram5 seus p róp rios cam pos de trab alhos e fo rçad os. Esta guerra de extermínio não foi somente um exemplo da impiedade da violência colonial, como um modelo para os genocídios futuros - por meio de seu propósito de total eliminação, cumprido pelo internamento nos campos estabelecidos, que significavam uma estratégia de extermínio por meio dos trabalhos forçados. Todos já ouvimos contar a história de suas consequências; o Departamento I dos escritórios do Estado-Maior, encarregado de redigir a história da guerra, escreveu orgulhosamente, em 1907, que nenhum esforço, nenhuma privação foram poupados "para que os inimigos fossem privados dos últimos vestígios de sua capacidade de resistência, pois metade deles foi morta nas regiões desérticas pela captura progressiva de todos os poços de água, até que, finalmente, sem mais energia, eles fossem sacrificados pela natureza de sua própria terra. O deserto sem água de Omaheke completou o que as armas alemãs 6 haviam iniciado: a aniquilação da tribo dos Hereros." Isto se passou há 5 Ibidem, pp. 54ss. (NA). 6 Citado apud Jürgen Zimmerer, Krieg, KZ und Völkermord in Südwestafrika [A Guerra, os Campos de Concentração e o Genocídio na África do Sudoeste], publicado em Jürgen Zimmerer e Joachim Zeller (editores): Völkermord in Deutsch- Südwestafrika. Der Kolonialkrieg (1904-1908) in Namibia und seine Folgen [Genocídio na África do Sudoeste Alemã. A
  • 11. cem anos; desde então, as formas de violência se modificaram, nem tanto em sua forma e aspecto, mas na maneira segundo a qual são referidas. O Ocidente não costuma mais, salvo em casos excepcionais, empregar violência direta contra outros estados; as guerras são hoje empreendimentos realizados por longas cadeias de ação e numerosos atores, por meio dos quais a violência é delegada e se torna informe e invisível. As guerras do século 21 são pós-heróicas e apresentadas como sendo conduzidas de má-vontade pelas nações que as empreendem.E no que se refere ao orgulho nacional por ter sido alcançada a aniquilação de tribos selvagens... isto é coisa que, desde o holocausto dos judeus, se tornou impossível mencionar. O "Eduard Bohlen" se enferruja hoje, semi-enterrado na areia do deserto da Namíbia e talvez tenha chegado o momento em que o modelo completo das sociedades ocidentais, com todas as suas conquistas de democracia, direitos humanos, liberdade, liberalidade, arte e cultura, sob o ponto de vista de um historiador do século 22, se demonstre tão irremediavelmente deslocado comonos parece hoje a visão do velho navio negreiro nadando no meio do deserto, um corpo estranho peculiar que dá a impressão de se ter originado em outro mundo. Isso no caso de ainda haver historiadores quando chegar o século 22. Este modelo de sociedade, tão impiedosamente desenvolvido ao longo de uma guerra coma duração de um quarto de milênio, tornou-se agora domi ante, em n um piscar de olhos, no momento em que seu caminho vitorioso atingiu um alcance global, no qual até mesmo os países comunistas e aqueles que não eram exatamente comunistas foram incluídos, pela atração irresistível de padrões de vida em que os automóveis, as televisões, os computadores de tela plana e as longas viagens determinaram as novas fronteiras de sua atuação, produzindo consequências inesperadas que ninguém havia calculado. As emis sões de gás carbônico que a fome de energia das indústrias e das administrações dos países de desenvolvimento descontrolado produzem em níveis progressivamente maiores ameaçamos ritmos normais de desenvolvimento do clima terrestre. Suas consequências já se tornaram visíveis, embora o futuro ainda seja imprevisível. Ainda mais claramente agora, quando se percebe que a utilização desmedida das fontes de Guerra colonial (1904-1908) na Namíbia e suas Consequências], Berlim 2003, p. 45. (NA).
  • 12. energia fóssil não pode mais ser continuada indefini- damente, uma vez que o fim destas reservas pode ser esperado antes de muito tempo, já que o esgotamento de tais recursos é inevitável, devido ao desinteresse pelas consequências e o descontrole com que são queimados. Mas não é somente porque as transformações climáticas causadas pelas emissões de gases poluentes e que já provocaram um aquecimento global médio da ordem de dois graus não pareçam mais poder ser controladas que o modelo ocidental já atingiu os seus limites, mas também porque uma for ma de desenvolvimento globalizado que tenha por base o consumo incontido de recursos naturais não poderá funcionar como um princípio de abrangência mundial. Isto porque este modelo funcionou logicamente apenas enquanto o poder de uma parte do mundo acumulou o que foi desviado de outras partes; este modelo é particular e não universal - nemtodos os países pode - rão segui-lo doravante. Enquanto a astronomia não nos oferecer planetas próximoso bastante que possam ser colonizados, chegamos à constatação desapontadora de que a Terra é apenas uma ilha. Não teremos mais para onde nos expandir, depois que as reservas tenham sido esgotadas e os camposde cultivo ocupadospela urbanização. Agora que os recursos restantes claramente estão se esgotando, pelo menosemmuitas regiões da África, da Ásia, da Europa Oriental, da América do Sul, do Ártico e das Ilhas do Pacífico, surge o problema de que cada vez mais pes soas encontrarão cada vez menores bases de segurança para sua sobrevivência. Está ao alcance de todos a constatação de que conflitos armados surgirão entre estes povos, para que eles possam se nutrir do cultivo das próprias terras e das de seus vizinhos ou porque queiram beber das fontes de água que progressivamente se esgotam em seus territórios ou nos territórios próximos; de forma semelhante, também se tornou visível para todos que as pessoas, dentro de um futuro previsível, não mais tenham mecanismos práticos de contenção dos refugiados de guerra e do meio ambiente, ao mesmo tempo que não se possam mais separar deles, porque cada vez mais novas guerras provocadas pela deca- dência ambiental surgirão e os povos fugirão para escapar às consequências da violência. Uma vez que eles terão de permanecer em algum lugar, darão ori- gem a novas fontes de violência - em seus próprios países, ondenão saberão o que fazer comos refugiados
  • 13. internos, ou nas fronteiras de outras terras que desejem atravessar, mas onde não serão desejados de qualquer maneira. O objetivo deste livro é o de responder às questões provocadas pela manei a como o clima e a violência r se inter-relacionam. Emalguns casos, comoo da Guerra do Sudão, este relacionamento é direto e pode ser constatado de ime diato. Emmuitos outros contextos de violência presente ou futura - no caso das guerras civis, de conflitos permanentes, do terror, da imigração ilegal, das disputas fronteiriças, das agitações e revoltas - predomina uma ligação com as modificações climáticas e os conflitos ambientais de caráter apenas indireto, especialmente no sentido de que o aquecimento da temperatura provoca efeitos desiguais ao redor do globo, dependendo da densidade demográfica, da situação geográfica e das condições de vida, porque afeta as diversas sociedades de forma altamente diferenciada. Porém, tomadas em seu conjunto, quer as guerras climáticas assumam uma forma direta ou indireta, qualquer que seja a forma como se travem os conflitos do século 21 - a violência terá um grande papel futuro ao longo deste século. Não se verão somente as migrações em massa, mas soluções vio- lentas no enfrentamento dos problemas dos refugiados, que não abrangerão apenas os direitos à água ou ao cultivo e exploração do solo, portanto, guerras de recursos naturais e não somente conflitos de religião, ou guerras de consciência. Uma característica central da violência, que será costumeira no Ocidente, será a preocupação de transferir suas manifestações para o mais longe de seus próprios territórios quanto seja possível - pela contratação de forças de segurança e de defesa privadas ou, no caso de que as suas fronteiras mes mas sejam ameaçadas, em localizar o conflito do outro lado dos seus limites, concentrado em países econômica ou politicamente dependentes. Tambémas preocupações políticas sobre a segurança, provocando a realização de atos criminosos antes que os fatos os justifiquem, na forma de precauções prévias tomadas anteriormente à manifestação das circunstâncias, se enquadram neste processo da manipulação crescente da violência indireta. Ainda que o Ocidente não se envolva diretamente no meio dos conflitos, como no caso do Afeganistão ou do Iraque, porém favoreça o deslocamento da violência para além de suas fronteiras, atribuindo-lhe um caráter indireto, ele permite a permanência em outras terras
  • 14. de situações sociais em que as condições para o exercício da violência são centrais e permanentes, sob as quais as pessoas bus cam viver apesar de todas as dificuldades. Tudo isto é sinal de uma assimetria que vemgovernando a história mundial há mais de duzentos e cinquenta anos, mas que hoje em dia se agrava progressivamente em razão do aquecimento climático global. Seria pouco produtivo fazer uma pesquisa e querer realizar um prognóstico verdadeiro sobre guerras e conflitos violentos que possam ocorrer no futuro, sem querer descobrir por que tais processos sociais não se desenvolvem linearmente - não se podem saber hoje quais modificações o degelo da camada de permafrost siberiano colocará emação ou que grau de violência a inundação de uma megalópole ou de um país inteiro poderá provocar. E podemossaber ainda menoscomoas pessoas do futuro reagirão perante as ameaças e quais consequências serão por sua vez desencadeadas por suas reações. Isto vale principalmente para o começo da compreensão das variações climáticas e seus efeitos por parte das ciências naturais por este motivo: será extremamente fácil deixar de perceber que, via de regra, a base argumentativa dos pesquisadores das condições climáticas se baseia na história. Eles calculam emparticular os processosdas grandes transformações que podem ser diretamente verificados pela sua mensuração presente; por exemplo, as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera, na água ou no gelo, comparadas com as medições exatas dos dados históricos mineralógicos realizadas por seuspredecessores. Os cenários futuros, que suscitam preocupações claramente justificáveis, são calculados a partir dos dados registrados no passado e de forma inteiramente semelhante, encontram-se neste livro muito poucas especulações sobre os futuros possíveis, porque foi registrado comoe por que a violência foi desencadeada no passado e tais dados nos levam a estimar com relativa precisão qual será o desempenhoda violência no decorrer do século 21. A violência sempre foi uma opção nos relacionamentos humanose é inevitável que soluções violentas também sejam encontradas para os problemas futuros, quando retornarem condições ambientais desfavoravelmente modificadas. Deste modo, encontram-se nas páginas seguintes não somente descrições das Guerras Climáticas, como tambémpesquisas informadas sobre a maneira comoas pessoas incluídas no âmbito dessas guerras tomarão
  • 15. decisõescomrelação às mortes ou comosua percepção do ambiente será modificada, porque as condições objetivas de uma situação não decidemcomoas pessoas se comportarão, mas sim a forma e a maneira como estas condições serão percebidas e entendidas. Neste conjunto também se incluem as questões referentes aos motivos pelos quais certas pessoas se decidem a transformar-se em terroristas suicidas, por que ocorrem guerras em cuja conclusão ninguém está interessado ou por que cada vez mais pessoas estão dispostas a trocar o direito a suas liberdades pessoais por garantias de segurança. Este livro refere-se apenas por alto à narrativa dos problemas, porque os problemas percebidos logo conduzem a soluções, sempre que são realmente percebidos como ameaças; subsequentemente revela os resultados de três pesquisas acuradas sobre as mortes de ontem, de hoje e de amanhã, passando imediatamente a uma descrição da modificação das linhas básicas, ou seja, os fenômenos fascinantes das possíveis transformações das pessoas em sua percepção e valorização do meio ambiente, sem que isso as leve a observar ou modificar seuspróprios comportamentos. A pergunta final de um livro como este decorre naturalmente, ou seja, o que pode ser feito para impedir os piores efeitos dessas transformações? Ou - dito de forma mais patética - para observar e seguir as lições práticas da história. O primeiro capítulo da seção de encerramento se interessa assim pelas possibilidades de uma modificação cultural que nos permita um abandono da lógica mortífera do crescimento incessante e do consumoilimitado, sem que as pessoas sejam forçadas a abdicar de tudo. Os capítulos desta seção acabam encerrando sua exposição de forma otimista e apresentando reflexões sobre como o conceito de uma boa sociedade possa ser adotado e desenvolver-se a partir de agora. Depois, segue-se ainda um segundo capítulo de encerramento, no qual são apresentadas as perspectivas mais sombrias correspondentes à minha avaliação de como se irão passar as coisas sob as variações climáticas futuras: não haverá nenhuma possível solução que nos seja favorável. Suas consequências não somente modificarão o mundo e estabelecerão novas formas de comportamento, de fato, retomadas das mesmas que se conhecem de há muito, como também significarão o fim do racionalismo e de seus conceitos de liberdade. Mas também existem livros que estão sendo atualmente escritos por outros
  • 16. au to re s, que m anifestam a espe ran ça de que estas conclus ões es te j e rrad as. am CONFLITOSCLIMÁTICOS O O cidente I No ano de 2005 foi anunciad a a criação de um a "Ag ência Europeia para a Ad m inistração do T rabalho de C oope ração O pe racional nas F ronte iras Exte rnas dos Es tad os-m em bros d a União Europeia". Por trás deste nom e he rm ético e apare ntem ente burocrático se e rgue um a ins tituição altam ente d in âm ica que contro la as fron te iras exte rnas d a União Europeia de m aneira firm e e e ficiente . Ce rca de cem funcion ários trab alh am constan tem ente para alcan çar este obj tivo e e adm inistrar um a fo rça con j ta de tod os os es tad os- un m em bros, fo rm ad a por quinhentos a seiscentos policiais de fron te ira em destacam entos m óveis e que - es ta é um a nova re alid ade - tam b ém devem re alizar tare fas fo ra d as atri buições norm ais d as po lcias de fron te ira í re gu lare s. A Ag ência d isp õe atu alm ente de vin te ae rop lanos, trin ta he lic óp te ros e m ais de cem barcos, tod os equipados com as m ais re centes inovações técnicas, com o equipam ento de vis ão notu rna, com putadores portá te is e tc. Um a vez que o nom e o ficial é tão p roibitivo, pode- se entender facil ente que se j em ge ral re fe rid o por m a um a ab re viatu ra: nas "fron tiè re s extérieu res" [fron te iras exte rnas] d a F ran ça, a denom inação é re duzida para "FRONTEX" e is to n ão exclui o fato de que o nom e se j p rogram ático. A FRONTEX es tá a intim am ente associad a a ou tras au to rid ades, com o a EUROPOL, de libe ra sobre as po lí ticas de fron te ira locais, particu larm ente nos pontos de passagem de im i- gran tes ile gais e d á apoio ao que é cham ado de "e xecu ção con j unta pe los es tad os-m em bros d as m edidas de re condu ção d a partid a ob rigató ria de 7 ind ivíduosprovenientes dos estados do te rce iro-m undo." Por "indivíduos provenientes aos estados do terceiro- mundo" se entendem pessoas que não têm direito a asilo político e são transportadas para seus países de origem, ou seja, em linguagem oficial, "repatriadas" depois que tenham ingressado no território da União Europeia de qualquer modo extraoficial, o que se refere principalmente àqueles imigrantes que não se 7 Conforme o site oficial http://www.frontex.europa.eu. (NA).
  • 17. encontrem protegidos pela assinatura do Trata do de Schengen, no Luxemburgo, firmado por seus próprios 8 países. O Tratado de Schengen, assinado a 26 de março de 1995, colocou em vigor as medidas destinadas a tratar dos problemas de segurança das fronteiras externas dos países-membros localizados dentro dos limites da União Européia. Ao mesmo tempo que, no interior do território abrangido pelo Tratado de Schengen, a movimentação e as viagens de seus cidadãos são livres, do mesmo modo que se estabeleceu a renúncia ao controle fronteiriço nas viagens entre a Alemanha, a Holanda e a Áustria, permanece um "Regulamento se- gundo os Países de Origem", que exige uma prova de perseguição política para quem solicita asilo, particularmente quando procedem de países consi- derados "seguros"; existe igualmente um "Regulamento para os Países do Terceiro-Mundo", que se esforça ao contrário, para que as pessoas que ingressam mediante contratos de trabalho, por exemplo, de Serra Leoa para a província espanhola da Andaluzia, permaneçam lá e que aquelas que viajem para a Ale- manha sejam, em qualquer circunstância, recambiadas para a Espanha e não possam mais pedir asilo naquele país. Não existe nada de surpreendente no fato de este regulamento, inicialmente em vigor nas fronteiras espanholas e portuguesas, ter tido sua vigência consideravelmente aumentada, a fim de incluir as fronteiras da Europa Oriental, ao mesmo tempo que as candidaturas para asilo político na Alemanha tenham baixado para um quarto do nível de 1995. Realmente, uma questão vem sendo apresentada em toda a União Européia, ou seja, tomando em consideração os números presentes e futuros de refugiados impelidos pelas variações climáticas, cujo aumento vem se tor- nando progressivamente mais rápido, que a defesa das fronteiras externas dos países europeus deva ser empreendida de forma muito mais enérgica, decisão esta que poderá ser tomada muito em breve. Por esta raz ão a FRONTEX foi p rom ul a por gad decre to e já tem re gis trad as oficial ente suas m p rim eiras consequ ências - um aum ento conside ráve l do re to rno fo rçad o dos barcos de re fugiados que desem barcam nas Ilh as C an árias. Por sua ve z, estes 8 Em primeiro lugar a Alemanha, a França, a Bélgica, o Luxemburgo e a Holanda ajustaram a facilitação do turismo dentro de suas fronteiras internas; ao mesmo tempo, combinaram medidas de controle mais firmes em suas fronteiras externas; a partir daí foram assinados tratados incluindo a Itália (1990), Portugal (1991), Grécia (1992), Áustria (1995), Dinamarca, Finlândia e Suécia (1996), seguindo-se em 1997, a assinatura do Tratado de Direitos da União Europeia em Schengen, Luxemburgo. A Noruega, a Islândia e a Suíça permanecem fora da União Europeia. (NA).
  • 18. re fugiad os que - ge ral ente em barcos de borracha - m pe rcorre ram 1 .200 quilôm e tros em m ar abe rto desde a África O cidental até a G rande C an ária ou Tene rife , s ão pessoas p rovenientes de países onde p redom inam condições que to rnam im poss íve l sua sobre vivência. Alguns de l fo ram desalo jad os por grandes p ro j tos es e de constru ção de re p resas, ou tros fogem de gue rras civis ou de cam pos de re fugiados, ou tros aind a saíram de m egalópo l com o Lagos, na Nigéria, onde três es m il ões de pessoas vivem em fave las , nas quais n ão h existe nem água encanad a, nem esgotos. Para escapar destas circunstâncias, e les contratam , m ediante o pagam ento de som as exorbitan te s, em barcações ap resentad as com o re bocadores e ad quirem lu gare s em barcos supe rlo tad os, na sua m aioria sem condições de navegação em alto -m ar e sem pe rspectiva de em preender a viagem de re to rno, m as ace itam m esm o assim o alto risco de n ão sobre vive rem à trave ssia." Apesar de tud o isso, som ente no ano de 2006, ce rca de trin ta m il destes im igran tes chegaram com vid a às C a- n árias, desem barcando aqui e ali e constituindo um s ério p rob lem a para as au to rid ades re spons áveis pe la seguran ça, sem esquecer que re p resentam igualm ente um p rob l a consideráve l para a ind ús tria do tu rism o. em O utros re fugiados p re fe rem atrave ssar o Estre ito de G ibraltar, que tem apenas 1 3 quilôm e tros de extens ão, m as n ão é m enos pe rigoso, devido às condições dom - i nantes d as ve lozes corre n tes m arítim as e ao denso trá fe go de navios pesados. Embora o n úm e ro dos fugitivos que chega a alcan çar as p raias espanholas e portuguesas do ou tro lad o do es tre ito n ão se j a corre spondente ao grande n úm ero de re fugiados re fe rid o acim a, via de re gra, a m aior parte de l é es devolvid a em quaisque r circunstâncias aos seus países de o rigem . N ão obs tan te , calcu la-se que, som ente em 2006, ce rca de 3.000 pessoas atingiram os pontos de desem barque. Aqui tam b ém se ap re senta a m encionad a FRONTEX, que exe rce um a atu ação d ire ta e vigorosa para e vitar "as te n tativas 9 de im igração ile gal em condições de pe rigo de m orte ". Um lugar nos barcos puxados pelos assim chamados rebocadores custa entre 2.000 e 4.000 euros. Este dinheiro é reunido pelas famílias dos refugiados e lhes é emprestado na esperança de receber eventualmente somas mais elevadas destes últimos, depois que se transfiram novamente e consigam empregos na Europa 9afrikanische Odysee [O Sonho da Vida, uma Odisseia Africana], Frankfurt am Main, 2007. (NA). Conforme o site oficial http://www.frontex.europa.eu. (NA).
  • 19. como trabalhadores imigrantes. Compare com Klaus Brinkbãumer, Der Traumvom Leben. Eine Ninguém está interessado em saber os motivos que levam estes refugiados a querer chegar à Europa a qualquer preço; ao contrário, a FRONTEX trabalha no sentido de obstruir totalmente estas rotas perigosas, determinando naturalmente as formas ideais para a segurança das fronteiras, dificultando ao má- ximo a passagem pelas fronteiras externas nas proximidades da África, se possível impedindo de antemão que os refugiados cheguem a sair do continente. Já emoutubro de 2004, o então ministro do interior do Conselho Federal Alemão, Otto Schilly, apresentou a proposta de instituir acampamentos para os capturados, a fim de realizar interrogatórios diretamente no local e sítio de captura, destinados a demonstrar se um pedido de asilo era justificável ou não." Esta ideia provocou o desagrado da maioria dos ministros do interior dos demais países-membros e deu igualmente origem a fervorosos protestos da parte de organizações para a defesa dos direitos humanos. A bus ca de outras soluções, e as correspondentes discussões entabuladas com a União Africana permanecemtenazmente empacadas até hoje, enquanto os problemas de segurança nas fronteiras se agravam e presentemente não existe qualquer alternativa, a não ser que se permita o ingresso livre dessa gente na Europa. A situação dos enclaves espanhóis de Ceuta e de Melilla tipifica diretamente o problema, com as fronteiras sendo progressivamente reforçadas e elevadas, ao passo que os refugiados encontram meios desesperados de atra vessar as cercas - algumas vezes na forma de ataques em massa, como aconteceu em setembro de 2005, quando cerca de oitocentas pessoas ao mesmo tempo tentaram tomar de assalto a fronteira. Enquanto isso, os países invadidos encontram alívio graças à criação de novas técnicas - como a cerca americana na fronteira com o México, onde foi implantado, além dela, um sistema de defesa no valor atual de dois bilhões de dólares, o qual, entre outras coisas, capta por GPS a posição de potenciais in- vasores da fronteira, mostrada ao vivo nos laptops [computadores portáteis] das patrulhas mais próximas da polícia de fronteira. Espera-se que o número de ilegais que atravessam a fronteira seja assim drasticamente reduzido. So mente no ano de 2006, foram detidas um milhão e cem mil pessoas que tenta- vam atravessar essa fronteira. Emsetembro de 2006,
  • 20. o Congresso am e ricano ap rovou o p lano de constru ção de um a ce rca e l trônica de alta te cno logia, com a e extens ão de 1 .1 25 quilôm e tros, na expectativa de apoiar o funcionam ento d as au to rid ades de seguran ça fron te iriça. A ce rca acabou re al ente por alcan çar m a extens ão de 3.360 quilôm e tros, m as aind a assim é atrave ssad a, em bora as m edidas tom ad as intim idem um grande n úm e ro de invasores pote nciais, especial entem porque a pe rm an ência nas te rras d a fron te ira n ão é de m odo algum dese j ve l, um a ve z que esta é com posta á na sua m aioria por zonas des érticas ou m ontanhosas; o cam inho m ais cu rto é de 80 quilôm e tros. Entre 1 998 e 2004, es ta trave ssia a p é p rovocou a m orte de 1 .954 pessoas. Tanto a Am érica do Norte quanto a Europa p re cisarão no fu tu ro es tabe l ce r de fesas m uito m ais e vigorosas, d iante do assalto assustador dos m il ões de h re fugiad os que, já se espe ra, se j im pe lidos pe las am m udanças clim áticas. A fom e, a falta de água, as gue rras e a dese rtificação africana causarão p ress ões incalcu láve is e p reocupações constantes nas fron te iras d as ilh as de p rospe rid ade fo rm ad as pe la Europa O cidental e pe la Am érica do Norte . O WBGU (Wissenchaftliche Beirat de r Bundesregie rung G lobale Um we ltve rãnde rungen [C onse l C ientífico do Gove rno ho Federal Alem ão para Consultas sobre as Modificações do Am biente G lobal]) afirm a que em seu con j unto "um bilh ão e cem m il ões de pessoas n ão h d isp õem atu al ente de qualque r acesso seguro a um m suprim ento de água potáve l em quantid ade e qualid ade suficientes". Es ta situação, tam b ém re lata, poderia "em ce rtas re giões do m undo, agravar-se considerave l ente , um a ve z que, devido às variações m clim áticas, deve rão ocorre r grandes oscilações no re gim e 10 chuvas e , conseq üentem ent no suprim ento de de e, água". Além disso, já existem ao redor do mundo cerca de 850 milhões de pessoas sofrendo de desnutrição; um número que, outrossim, em vista das previsões dos especialistas sobre as consequências das variações climáticas, tende a aumentar consideravelmente, na medida em que as terras cultiváveis ou as colheitas delas provenientes forem progressivamente diminuindo por uso excessivo e esgotamento. Os conflitos internos de 10Wissenchaftliche Beirat der Bundesregierung Globale Umweltveränderungen [Conselho Científico do Governo Federal Alemão para Consultas sobre as Modificações do Ambiente Global] (WBGU): Welt im Wandel - Sicherheitsrisiko Klimawandel [Mundo em Transformação - Variações Climáticas e Riscos de Segurança], Berlim/Heidelberg 2007 (no prelo [sie]); dados especializados e uma sinopse abrangente podem ser consultados no site da editora, em http://www.rhombos.de/shop/a/show/story/?l 106&PHPS ESSID=8398524d78686a29de09a62fe51342d3. (NA).
  • 21. repartição de terras daí resultantes conduzirão a um aumento progressivo do risco da escalada de violência, comas consequên cias correspondentes sobre o deslocamento de populações e migrações internas e externas, por meio das quais o número dos assim chamados focos de emigração tenderá a uma ampliação cada vez maior. As políticas de desenvolvimento deverão, a partir deste pano de fundo, conforme propõe o Conselho Científico do Governo Federal Alemão para Consultas sobre as Modificações do Ambiente Global, ser compreendidas como"uma política de segurança preventiva". As atuais medidas defensionistas nos dão uma previsão sobre o que irá transcorrer quando os fluxos de refugiados provocados pelas variações climáticas se tornarem muito mais potentes. Os conflitos sobre espaço vital e recursos, provocados pelo aquecimento da Terra, provocarão uma ampliação fundamental da violência nas sociedades ocidentais durante as próximas décadas. A FRONTEX é somente uma precursora bastante modesta. Deste modo, as variações climáticas não serão somente uma circunstância dos interesses políticos mundiais de urgência exclusiva no exterior, mas se transformarão no principal desafio social das sociedades modernas, porque as possibilidades de sobrevivência de milhões de pessoas serão ameaçadas e estas serão levadas a empreender migrações maciças. Deste modo, surgirá a pergunta inevitável sobre como se deverá administrar as massas de refugiados que saírem dessas terras e se deslocarem para os países desenvolvidos, simplesmente porque não terão mais condições de existência ou sobrevivência em seus países de origem e desejarão tomar parte das condições superiores prevalecentes nos paísesprivilegiados. Os Outros Ao norte do Sudão existe um deserto que, ao longo dos últimos quarenta anos, se expandiu cemquilômetros em direção ao antes florescente Sudão Meridional. Isto foi provocado, inicialmente, porque as precipitações pluviométricas vêm diminuindo regularmente na região e, por outro lado, pelo aumento descontrolado no uso das pastagens, pelo desmatamento das florestas e pela consequente erosão do solo, que determinaram a esterilidade de grandes trechos dessa nação. Desde a independência do país, cerca de 40% do total das matas do território foram inteiramente destruídas; no
  • 22. momento atual, o desflorestamento das reservas restantes se expande a um ritmo de 1,3%anual. Para muitas regiões do país, o programa de controle ambiental das Nações Unidas prognostica uma perda total das florestas no transcurso dos próximos dez anos. Os modelos climáticos da atualidade prevêem um aumento geral da tempe ratura no Sudão da ordem de meio grau até o ano de 2030 e de um grau e meio até 2060; de forma oposta, o regimede chuvas irá diminuir mais 5% nesse período, com relação às precipitações anuais do presente. Para as colheitas de cereais isto significa um retrocesso da ordem de 70% aproximadamente. No Sudão Setentrional vivem ainda cerca de trinta milhões de pessoas. A avaliação destes números nos faz saber facilmente que este país já se encontra entre as regiões mais pobres do mundo; de forma semelhante, vem sendo submetido a ameaças ecológicas progressivas, além do fato de que há meio século vem sendo travada no Sudão uma guerra civil. Esta já provocou o deslocamento de cinco milhões de refugiados dentro deste país, as assim chamadas IDP (Internal Displaced Persons [Pessoas Internamente Deslocadas]), que foram forçadas a abandonar suas aldeias por causa da expulsão sistemática por milicianos. Eles não somente assassinam muitos, como incendeiam as aldeias e até as matas, para impedir o retorno dos sobreviventes. A maioria dos "deslocados internos" vive em acampamentos de refugiados, que não dispõem praticamente de qualquer estrutura, sem energia elétrica, sem esgotos, sem água encanada e sem cuidados médicos. As necessidades alimentares são, em sua maior parte, garantidas por organizações de ajuda internacional. Os moradores dos acampamentos já destruíram toda a madeira utilizável emum raio de dez quilômetros ao redor; mas continuam precisando de lenha para cozinhar suas refeições. A terra desnuda que os cerca é perigosa; muitas mulhe que saem em res busca de lenha são estupradas e mesmo mortas. Naturalmente, não são simplesmente assaltadas, porque não têm nada que possa ser roubado. A província ocidental de Darfur apresenta o mesmo aspecto e talvez a situação por aqui seja ainda mais grave, uma vez que se travam também operações militares nas terras limítrofes dos países vizinhos, o Chade e a República Centro-Africana. Em Darfur já existem cerca de dois milhões de "deslocados internos", a maior parte dos quais vive em acampamentos
  • 23. desordenados que fo ram se es tabe l cendo ao re dor d as e cid ades e n úcle os populacionais re gu lare s. Em alguns lu gare s o n úm ero de habitan te s aum entou na o rdem de 200% , desde o in ício oficial d a gue rra em D arfu r. N ão se sabe exatam ente na Europa e nos Es tad os Unidos se , no p resente , ocorre nessa áre a um genocídio, m as se conve rsa bas tan te sobre isso. Entre duzentas m il e m eio m il ão de pessoas te riam sido m ortas desde o in ício h d a gue rra. O S ud ão é o p rim eiro caso de um país assolad o pe la gue rra que seguram ente te ve as variações clim áticas com o causa d ire ta para a vio lência e a gue rra civil. Até o p resente podem os considerar que as vio le ntas consequ ências d as variações cli m áticas fo ram som ent e ind ire tas em ou tras te rras , m as nesses países em que a p róp ria sobre vivência hum ana se acha am eaçad a, as m enores m odificações clim áticas acarre tam trem endas consequ ências. E no S ud ão estas m odificações n ão s ão absolu tam ente m enores. S ão causa d ire ta d a lu ta pe la sobre vivência. Em um país no qual 70% d a população vive no cam po e depende de l para seu alim ento, criase e um enor e p rob lem a quando as áre as de cu ltivo ou a m te rra fé rtil com e çam a encol r. O s pas to res n ôm ades he avan çam além de seus te rritó rios habituais, a fim de que seu gad o possa pas tar, jus tam ente nas á re as cu ltivad as pe los pequenos agricu lto re s, onde p lan tam ce re ais, hortali ças ou árvo re s fru tí fe ras para sua subsistência e a de suas fam ílias. Q uando os desertos se am pliam em virtude desse p rocesso, os pas to res n ôm ades necessitam d a te rra dos cam poneses e as invadem , de fo rm a aind a m ais destru tiva. Existe um a fron te ira crí tica, a partir d a qual os inte resses de sobre vivência som ente podem se r de fendidos pe la vio lência. Entre 1 967 e 1 973 e novam ente entre 1 980 e 2000 o S ud ão sofre u um a s érie de secas catas tró ficas - um a parte de cu j as consequ ências foi o desl ocam ento m aciço d a população de grandes áre as, enquanto m ilhares de pessoas m orre ram de fom e. N atu ralm ente , sob o m anto do desastre ecológico, ocorre ram ou tros num erosos conflitos , re al ente tão num erosos que m pe rtu rb aram a obse rvação de um dos piores panoram as na his tória d a vio lência, que foi posto de lad o e passou p raticam ente despercebido dentro do 11 quad ro ge ral. Isto não deve causar surpresa: desde 1955, com maior ou menor intensidade, variando de região para região e ocorrendo numa sucessão de 11 Veja Gerard Prunier: Darfur. Der uneindeutig Genozid [Darfur: O Genocídio obscuro], Hamburgo, 2006. (NA).
  • 24. p rovíncias, grassa um a gue rra civil que dura m ais de m eio s écu lo. Apenas entre 1 972 e 1 983 houve um a fase de arm istcio frágil e inconstante . Em 2005 foi í assinado um tratad o de paz, desde o qual re al ente m n ão se lu tou m ais no S ud ão Me rid ional. Mas desde 2003 pe rm anece um a gue rra vio le nta na p rovíncia de D arfu r, no S ud ão O cidental. A situação p rovocad a pe lo conflito é desastrosa para a população, m esm o que n ão nos lem brássem os de d ize r um a s ó palavra sobre a escassez de água potáve l, a catás tro fe do avan ço d as are ias, o envenenam ento causado pe los esgotos a c éu abe rto, os crescentes dep ósitos de lixo ao ar livre e a destruição am biental causad a pe la expans ão d a ind ústria pe tro le ira. Existe um a re lação d ire ta entre as variações clim áticas e a gue rra. O panoram a do S ud ão é a vis ão de nosso fu tu ro. O O cidente II Tam b ém nas te rras ocidentais ocorre um alvo ro ço p rovocado pe las variações clim áticas e suas consequ ências, desde o com e ço do ano de 2007, quando os três re lató rios do IPCC (In te rgove rnm ental Pane l on C lim ate Change [Paine l In te rgove rnam ental sobre as Modificações C lim áticas]) fo ram pub licados. Tam b ém existem d iscuss ões no que se re fe re ao apare cim ento de cen ários globais m ais som brios: por enquanto, sabe -se que exis tem re giões do m undo que gozam d as van tagens do aquecim ento global, porque as m udanças d as condições clim áticas de fato m elhoram seu am biente , do m esm o m odo que sua atração tu rís tica. Nas cos tas alem ãs do Mar do Norte , por exem pl os donos e adm inistrad ores de o, hotéis se ale gram com esse aquecim ento; os te rritó rios adequados para a p lan tação de vinhedos es tão se am pliando p rogressivam ente em d ire ção ao norte . O 14 Re lató rio S te rn, que comparou os custos de um aumento irrefreado da temperatura com os custos necessários para interromper o processo de aquecimento global, indicou que o primeiro motivo de preocupação, quando relacionado ao segundo, poderá abrir horizontes econômicos inteiramente novos para os países dotados de alta tecnologia. Sir Nicholas Stern, antigo economista-chefe do Banco Mundial, havia assinalado que os custos de um aquecimento climático mundial incontido exigiriam de 5% a 20% da renda mundial per capta, e o percentual mais elevado seria o valor mais provável. Contra isso, o custo de uma estabilização das emissões de dióxido de carbono
  • 25. na atm osfe ra até o ano de 2050 cus taria som ente 1 % do p roduto social b ru to, valo r pe rfe itam ente com patíve l com o crescim ento econ ôm ico norm al duran te esse m esm ope ríodo. N atu ralm ente , h á consideráve is d ife ren ças, de acord o com o ram o específico d a econom ia - os fo rne cedores de ene rgia re nováve l te riam grandes lu cros, enquanto a ind ústria dos esportes de inve rno, com o as estações de esqui, se ria p re j icad a. Mas no con j ud unto have ria o in ício im ediato de um a m odificação d as po lí ticas clim áticas que constituiria um a oportunid ade econ ôm ica para o O cidente. A d im inuição dos gas tos com a p rodu ção de ene rgia, induzid a pe la inven ção de apare lhos e m étodos de tod os os tipos para poupar ene r gia, com o a ad o ção de ve ícu los h íb rid os, í biocom bustve l, chapas de co le ta de ene rgia solar, e m uitos m ais, constitui um a p rom essa para o fu tu ro. Já se fala sobre a Te rceira Revolu ção Industrial, ao m esm otem po em que se esquece que fo ram a P rim eira e a Segunda as causas o riginais dos p rob l as atu ais. em As cid ad ãs e cid ad ãos dem onstram a aquisição de um a consciência am biental, de aco rd o com a qual n ão que rem m ais viajar em ve ícu los aé re os, com boas raz ões m istu rad as com ou tras m ás. As re fle x ões sobre as variações clim áticas conduzem a re ações inespe rad as. O s m otoris tas p re fe rem m ode l m ais fo r- os te s, com o aque l que e ram p roduzidos original ente , es m porque a época dos ve ícu los te rre s tre s de alta 15 potência com doze cilind ros e 500 HP já passou. Os assim chamados "fundos climáticos" e "fundos permanentes" são anunciados com o argumento de que são formados por ações de companhias ativamente interessadas na retificação climática e que são mais "permanentes" que todo o desenvolvimento conjunto do mercado. "Os poupadores privados que investirem nestes fundos não somente obterão lucros financeiros por meio das variações climáticas, como terão igualmente a consciência tranquila de que estão tomando alguma espécie de ação para contrariá- 16 las." O que demonstram estes exemplos? Eles assinalam a adaptação das pessoas diante das transformações ambientais globais. Mas devemos compreender que, de fato, tais adaptações absolutamente não se baseiam em modificações comportamentais, mas podem ser simplesmente o efeito de uma transformação perceptual dos problemas existentes. Há pouco tempo, foi publicado um estudo referente à maneira como os pescadores encaram o problema da constante
  • 26. diminuição dos peixes no Golfo da Califórnia. Apesar de ser perceptível a considerável diminuição da população de peixes correspondente à pesca pre- datória nas regiões costeiras do golfo, verifica-se que quanto mais jovens são os pescadores, menos se preocupam com a diminuição do número de peixes. Di- ferentemente de seuscolegas mais velhos, eles não têm experiência direta sobre a quantidade e a variedade das reservas de pescado que antigamente podiam ser 17 capturados nas proximidadesdas áreas costeiras. Podem - e conside rar os p rob lem as vindouros com o s ale ató rios, com o possibilid ades vagas e d istantes ou com o pe rcep ções irris órias e , desse m odo, estabe l ce r- e se o p róp rio com portam ento de fo rm a contrá ria a es ta posição afirm ativa de pe rigos d ifusos. Em seu p resente m odificado, os investidores se com portam com o os jo ve ns pescadores d a C alifó rnia m e ridional m exicana, cu j as pe rcep ções parciais deste p resente s ão de fendidas contra opiniões d issonantes e conside rad as com o dependent es de num erosas possibilid ades e fato re s,que e les m esm os tratam de fo rm a sim plificad a. Logo lhes pare ce te rem um a consciência suficiente do p rob l a, d iscord ando quando algu ém lhes suge re que em o tratam de fo rm a ind ife rente ou sem im portância ou até m esm o o encaram com o um a p reocupação sem sentido. Mas é a fo rm a norm al com o as pessoas agem , focalizando os p rob lem as e descurando de suas causas o riginais. Tod avia, é necess ário com preenderque a conside ração de um p rob lem a e seu p róp rio com portam ento com re lação a e l s ão coisas bem d is tintas , que n ão se e acop lam natu ralm ente um a a ou tra, se é que têm algum a conexão m útu a. Um a conside ração pode se r facil ente abandonada de aco rd o com a situação, m conform e as expe riências d a re alid ade im ediata e as condições concre tas de afas tam ento, enquanto as ações, via de re gra, s ão executad as sob p ress ão e dependem de necessidades situacionais específicas - e é por esse m otivo que as ações d as pessoas s ão com fre qu ência fe s te j as, ao m esm o tem po em que suas ad opiniões s ão contes tad as. É in te ressante notar que s ó m uito raram ente as pessoas encontram d ificu l ade em d inte grar es tas contrad ições. As pessoas com param seu com portam ento com com portam entos aind a piores de seus sem el hantes e encontram nessa m ol dura m otivos para conside rar a p rob l ática inte ira com o em rid icu lam ente sem im portância ou descartá-la com o u ltra passad a, a fim de se in te ressarem por novas considerações fu tu ras . Todos estes m ecanism os
  • 27. psicológicos se rvem para re duzir a d issonância entre os pontos de vis ta m orais que de fendem e as atitudes 18 concre tas que assum em . Tais reduções da dissonância cognitiva não são triviais; podem ocorrer igualmente no contexto de situações extremas, por exemplo, quando pessoas são ordenadas a matar outras pessoas e sentem dificuldade em cumprir a ordem, porque esta tarefa interfere com sua autoimagem moral. Eu procurei demonstrar, em um estudo sobre assassinatos em massa durante guerras de extermínio, como estes homens conseguem conciliar a 19 matança com sua própria moral. Eles precisam, enquanto estão ainda orientados para um plano interior de referências mentais, impedir o surgimento de quaisquer dúvidas quanto à necessidade e justiça de suas ações. Estes homens se reúnem em bandos de extermínio, longe de suas comunidades e grupos sociais habituais e, a partir de então, se estabelecem determinadas normas, dentro das quais comprovadamente se desenvolvem comportamentos mútuos e temporários, através de cujas barreiras nenhuma crítica externa pode penetrar. Eles se comportam no âmbito de situações 20 "totais", para as quais a heterogeneidade social se torna o ambiente cotidiano comum, dentro das quais os papéis costumeiros, os contatos sociais e as exigências normais são corrigidos ou as situações conflitantes influenciadas umas pelas outras. Os próprios assas- sinatos se transformam em simples tarefas, consideradas necessárias, que os homens executam com considerável dificuldade, porque matar pessoas indefesas, especialmente mulheres e crianças, é totalmente contrário à auto-imagem que haviam previamente construído. Realmente, é apenas quando conseguem pensar em si mesmos como pessoas forçadas a cumprir uma tarefa penosa, que eles se percebem obrigados a realizar, eles conseguem conciliar sua auto-imagem básica de "bons rapazes" com seu 21 trabalho pavoroso. O motivo pelo qual aqueles que haviam executado durante a guerra passada raramente desenvolvia sentimentos de culpa e a maioria deles simplesmente conseguiu integra-se na sociedade alemã do pós-guerra sem grandes dificuldades. O fato é que a característica que mais claramente se destaca, por deprimente que isso seja, é que quem cometeu ações diretas em conexão com os massacres da guerra, via de regra, não desenvolveu qualquer sentimento de culpa pessoal pelo que fez, mas em geral
  • 28. representa seus atos como realizados contra a própria vontade e contrariamente a seus próprios sentimentos, porque nos campos de batalha era forçado a fazer coisas pavorosas, cuja realização lhes causara também grande sofrimento. Podemos encontrar aqui tambémvestígios da ética himmleriana da Anständigkeit ["decência" ou "decoro", no sentido 22 romano] que, na mesma época, não somente era corrente, como tornava possível a realização desses crimes, fazendo com que seus autores se considerassem como pessoas que tinham de aguentar os aspectos desagradáveis de seu trabalho e sofressem por causa disso. A leitura de seus depoimentos no pós-guerra muitas vezes nos impressiona pelo aparecimento constante desta autodefesa biográfica inquebrantável e incontestavelmente coerente. Tais exemplos assinalam atitudes de violência extrema, para cuja influência sobre o comportamento de pessoas em situações concretas, em princípio, não são decisivas as próprias situações concretas em que se encontrem, mas sim a maneira como tais pessoas as percebem e suas interpretações individuais de tais percepções. Primeiro a interpretação conduz a uma conclusão e esta, por sua vez, determina o comportamento. É deste modo que surgem comportamentos que, externamente, parecem irracionais, contraproducentes ou sem sentido; contudo, para aqueles que os manifestam, parecem altamente significativos, mesmo quando lhes causam remorsos ou os prejudicam diretamente. Foi deste modo que Mohammed Atta encarou o choque dos dois aviões contra as Torres Gêmeas ou quando o terrorista Holger Meins, da chamada RAF (Red Army Fraction [Fração do Exército Vermelho]) se decidiu a fazer greve de fome até morrer na prisão. As imagens humanas super-racionalistas, sobre as quais se baseiam tantas teorias comportamentais, não têmlu gar para es tas fo rm as de R acionalid ade Particu lar. S om ent depois que se pesquise com o as e pessoas pe rcebem a re alid ade é que se pode com preenderpor que as conclus ões p roduzidas por tais pe rcep ções - contem plad as exte rnam ente - pare cem se r to talm ente bizarras . Talve z tam b ém se j p rove itoso exam inar com m ais a bom - senso a situação particu lar que n ão pe rm ite a algu ém entre te r a m enor d úvid a sobre com o deve rá p rocede r, um a vez que num erosas sociedades nos p róxim os anos ou d écad as deve rão enfre ntar um
  • 29. 12 co lapso p roduzido pe las m odificações clim áticas e que este deverá modificar radicalmente as condições de vida para todas as pessoas envolvidas, uma coisa em que, por outro lado, ninguém realmente acredita. Esta forma irritante de "cegueira apocalíptica" (segundo a expressão de Günter Anders) depende da singular capacidade das pessoas de não se deixarem demover de seus comportamentos habituais, uma linha de conduta firmemente alicerçada, em que se prendem as mais importantes cadeias da complexidade dos procedimentos modernos ou da irresponsabilidade percebida para com as consequências de suas ações. Zigmunt Bauman denominou este fenômeno de "adiaforização", isto é, a dissociação entre a personalidade e sua responsabilidade pelos comportamentos apresentados 24 durante a execução de um trabalho. Deste modo, um pressuposto para poder administrar a responsabilidade constitui, por exemplo, que todos os parâmetros para um determinado comportamento sejam conhecidos. Nas sociedades modernas, funcionalmente diferenciadas, com suas longas correntes comportamentais e sua complexa interdependência, em princípio é difícil conhecer os detalhes mediatos que a elas conduzem, o que se perde das consequências das ações e, portanto, aquilo que pode ser praticamente responsabilizado pela orientação de nossas próprias ações. Claramente estamos sujeitos, neste sentido, aos efeitos de institui- ções como a Justiça, as Instalações Psiquiátricas, os Escritórios de Consultoria etc., que têm a função de moderar e regular tais comportamentos e ações -cada um deles com sua própria dialética, de Lai modo que também aqui os processos fazem parte de um trabalho, que pode ser deste modo conduzido,conform e a fo rm u lação de Heinrich Popitz, para a anu lação d a re sponsabilid ade dos trab alh ad ores inte rm ediários, "na fo rm a fatal d a n ão-depend ência do que (usual ente m liga) as pessoas entre si nas situações re fe re ntes a seu tra balho. Am bos os fato re s (n ão-re sponsabilid ade e n ão-depend ência) conduzem sem d ificu l25ade aos d excessos de indolência que tod os conhecem os." O problema dos desvios da responsabilidade surge assim dos processos de modernização da sociedade e constitui, até certo ponto, o preço do desenvolvimento contínuo 12 23 Para este prognóstico não faz diferença se presentemente se assume um ponto de vista antropogenético sobre a origem das variações climáticas ou se estamos lidando com uma oscilação climática "natural". A resposta desta questão discutida é relevante no que diz respeito às estratégias político-ecológicas sobre a redução das emissões de dióxido de carbono etc., mas não para as composições de diferente teor que se referem às consequências sociais e políticas das variações climáticas e é neste sentido que a estamos tratando. (NA).
  • 30. e d a re criação de tais ins tituições - a re sponsabilid ade trans fo rm ad a em com petência e a trans fo rm ação au tom ática desta em n ão-com petência. Porém , talve z aind a m ais grave se j que as pessoas som ente podem a assum ir re sponsabilid ade enquanto existe um a continuid ade tem poral entre as ações e as consequ ências dessas m esm as ações, que lhes pe rm ita um re conhecim ento re c íp roco de re sponsabilid ade. Enquanto lid am os com causas line ares e as consequ ências d ire tas de seu desenvolvim ento, desde que se m anifes tem duran te a vid a dos ato re s envolvid os nas ações que p rovocaram as causas e que n ão surjam ap ós tal pe ríodo, tais re conhecim entos s ão poss íveis, enquanto e l aind a estive rem su j itos às es e decis ões d as corte s de jus ti ça in te rnacionais, com o foi o caso dos s érvios, que re al ente n ão chegaram a m re alizar o exte rm ínio dos b ósnios m u çul anos, porque m surgiu a pe rcep ção de que deve ria se r re alizad a um a inte rven ção an tes que esse exte rm ínio se consum asse. O utros exem pl podem se r encontrad os na esfe ra do os d ire ito com ercial, que de te rm ina a re sponsabilid ade pe la vend a de p rodutos d anificados, no d ire ito penal e nas decis ões re fe re ntes às com panhias seguradoras e tc. Em tod os estes casos se ponde ra de que m aneira algu ém é re spons áve l pe la causa inicial d as consequ ências de um a ação e até que ponto as consequ ências d a re fe rid a ação pode riam te r sido an te cipad as. Mas o que aconte ce nesta áre a p rob lem ática, quando fica pe rfe itam ente es tabe lecido quem foi ou fo ram os causadores o riginais de um a de te rm inad a ação e de suas consequ ências, porém d ito ou d itos ato re s n ão pode rão se r re sponsabilizados porque n ão se encontram m ais entre os vivos? Na á re a do d ire ito com ercial es te p rob l a já foi re solvid o pe la em 26 re gu lam entação do ins titu to do d ire ito sucess ório, que não vige na área cível, a qual rege os processos contra cidadãos particulares. Mas este é apenas o aspecto mais suave do problema. A coisa se torna muito mais complicada quando estamos procurando as causas iniciais das variações climáticas que deram origem aos problemas assinalados no presente, as quais se localizam no mínimo há meio século e que a situação das pesquisas sobre as ciências naturais da época absolutamente não tinha condições de prever. E o problema, em seu conjunto, se torna ainda mais intrincado quando as estratégias de intervenção contra as consequências das ações não antecipadas naquela época ainda são altamente discutíveis e
  • 31. inseguras no presente, sobretudo porque não se pode determinar quais consequências temporais nos poderão trazer em um futuro distante. Aqui o relacionamento de uma sucessão temporal entre os com portamentos e as consequências de tais comportamentos é de extensão tal que abrange várias gerações e, deste modo, só pode ser estabelecido median a intervenção te das ciências. Ainda não existemexperiências concretas e cuidadosamente planejadas para a determinação das motivações das ações passadas e isto constitui um obstáculo, do mesmo modo que não seria contribuição suficiente para o cálculo das responsabilidadesde pelo menosuma parte dos problemas que enfrentamoshoje. Logicamente não se podeesperar de tais experiências a conclusão de que se possa atribuir a uma pessoa que tenha vivido quarenta anos até 2007 a responsabilidade de um problema cujas causas temporais se localizam inicialmente antes de seu nascimento e cujas soluções serão encontradas de pois de sua morte, uma vez que tal pessoa não poderá ter tido influência direta nemsobre as causas iniciais nem sobre as soluções do problema. Mas, de forma semelhante, pode-se esperar dessas pessoas um comportamento atual responsável perante os problemas esperados e provocados no presente e se apresenta finalmente a pergunta sobre se estas pessoas podem ser responsabilizadas por tais problemas futuros no sentido tradicional da figura jurídica e, em caso afirmativo, de que maneira o estabelecimento de tal responsabilidade poderá ser encarado. Esta pergunta tem considerável alcance para a vida pública de uma nação: pois o que significa o desmoronamento do cálculo temporal de um relaciona- mento de causa inicial e suas consequências para a evolução da consciência política e para a decisão política final? Mais ainda: qual influência tem a acei- tação da irresponsabilidade, ou seja, como perceberemos as consequências sociais determinadas pelas variações climáticas e suas possibilidades de solução? Indo um pouco mais adiante: quais soluções consideraremos possíveis no presente que hoje não nos pareçam totalmente impensáveis? EmBusca de Soluções No primeiro terço do século 18, quando ninguém ainda conseguiria pensar que, duzentos anos depois, os ideais
  • 32. de p rogresso, racionalid ade e e ficiência que assinalaram a época então cham ada de "m ode rna" viessem a se r ap licad os ao genocídio industrial, Jonath an S wift desenvolveu um conceito sobre a m a- neira com o o em pobrecim ento p rogressivo do povo irland ês pode ria se r contid o. Se fosse seguida a p roposta de S wift, os filh os dos pobres n ão m ais p re cisariam partilh ar com seus pais um a exis tência desesperad a de fom e, roubo e m endicância, um a carga que te rm inava por re cair sobre o re ino; de fo rm a oposta, e les "pe lo re s to de seus d ias n ão sentiriam falta de alim ento nem de ves tu ário, ao contrá rio pode riam d ar em troca um a contribuição para a nu tri - ção e , de fo rm a sem el hante , para o ves tu ário de m uitos m il hares". A tare fa que S wift p ropunha re p resentaria um a solu ção, e e l ilus trava sua e p roposta com d ados es tatís ticos sobre o crescim ento constan te d a ind igência entre a população, porque cad a crian ça corre spondia a um ce rto d isp êndio econ ôm ico popu lar e p roduzia um a com pensação desproporcional ente in fe rio r aos gas tos incorrid os m para seu desenvolvim ento. Es ta e ra a solu ção p roposta: "D esta fo rm a, ofe re ço hum il ent esta p roposta à consideração p úb lica, dem e considerando que, d as cento e vin te m il crian ças que já pudem os calcu lar, vin te m il se j re se rvad as para a am re p rodu ção, d as quais som ent um quarto deve rá se r do e sexo m asculino, m ais do que pe rm itim os às ove lhas, ao gado vacum ou aos porcos; e a m inha raz ão p rincipal é a de estas crian ças raram ente se rem o re su ltad o de um casam ento le gal, um a circunstância que n ão re cebe grande conside ração d a parte de nossos se lvagens; portan to, um m acho deve se r suficiente para se rvir quatro fêm eas. As re s tan te s cem m il crian ças, quando atingirem um ano de id ade, podem se r ofe re cid as à vend a a pessoas de qualid ade e fo rtuna através do re ino, m otivo pe lo qual as m ães se rão aconse l as a had am am entar cuid adosam ent os filhos durante o ú ltim o e m ês, de tal m odo que as crias se to rnem gord as e fo rte s , ap rop riad as para um a boa m esa. Um a crian ça significará dois p ratos para re fo rçar um a re fe ição entre am igos e , quando a fam ília se alim entar sozinha, os quartos d iante iros e trase iros constituirão um p rato razo áve l; tem pe rados com um pouco de sal e pim enta pode rão se r cozidos ao quarto d ia, com o m esm o gosto 27 de carne de pane la, especial ente no inve rno." m A seguir, Swift apresentou uma longa lista dos efeitos positivos de sua proposta, acrescentando que as crianças poderiam ser empregadas como matéria-
  • 33. p rim a para o com ércio, a gas tronom ia e a ind ús tria cu rtid ora. E e le conside rou questões de cará te r m oral - argum entando que pode riam e vitar os abortos e o infan tic íd io - que pudessem se r le van tad as contra sua p roposta. No final de sua d isse rtação, S wift re sum iu: "G aran to, com tod a a since rid ade de m eu coração, que n ão te nho o m enor in te resse pessoal em m eu esforço para p rom ove r es ta obra necess ária, n ão te ndo ou tros m otivos sen ão o bem - tar do povo de m inha nação, o es desenvolvim ento de nosso com ércio, a p reocupação pe lo destino d as crian ças pequenas, o alívio d a pobreza e o p roporcionam ento de um ce rto p raze r para os ricos. N ão d isponho de quaisque r filh os pe los quais possa ob te r um único centavo através d a ad o ção desta p roposta; o m ais jo vem já tem nove anos e m inha esposa já passou d a época de te r filhos." A "m odesta p roposta" é, sem d úvid a, a m e l hor conhecida d as s átiras de S wift e , de fato , se re fe re abe rtam ente ao desenvolvim ento de um a p roposta que pare ce ria to talm ente im pens áve l a partir dos posicionam entos m orais b ásicos d as nações ocidentais. C om sua p rova científica d a racionalid ade dos assassinatos em m assa, apoiad a em estatís ticas m ate riais e flanquead a por ponderações m oralís ticas, S wift lan çou um o lh ar sobre um fu tu ro em que o ju ízo ins trum ental re duziu cad a posicionam ento m oral a um a cate goria m ínim a que, se necess ário, pode se rvir som ente à au to j tificação d as ações, m as que n ão us estabe l nenhum abarre ira para a desum anidade. ece A his tória dos tem pos m odernos já m ostra um a boa quantid ade de solu ções rad icais para enfre ntar os p rob l as sociais pe rcebidos; até que consequ ências em esta te nd ência pode chegar é pe rfe itam ente assinalad o pe la "S o lu ção Final do P rob lem a Jud aico", em basada no aniquilam ento dos jud eus e , através deste , ob tendo a anu lação d a "questão j aica". A ud partir de quanto podem os ap rende r com os casos re centes d a Turquia, d a Alem anha, do C am boj d a a, China, d a Iugos lávia, de Ruand a e de D arfu r ou através do vas to cam po m und ial do em prego d a 28 "lim peza é tnica", soluções radicais constituem sempre uma opção, mesmo nas sociedades democráticas, em que tais processos mortíferos não são facilmente encarados como negações das condições de proce- dimento "normais", mas interpretados como "casos especiais". Os poucos cientistas sociais que buscam inverter esta perspectiva e apresentam a questão do que realmente significam os fenômenos de catástrofe social para a
  • 34. Teoria d a S ociedade s ão ge ral ente m arginalizad os e m pe rm anecem sem in flu ência científica em grande escala. Is to vale para os racioc ínios filos óficos, com o os de G ünte r Ande rs ou H annah Are nd t, e igual entem para as conside rações sociológicas de Norbe rt E lias e Zygm unt Baum an. A sociologia d as catás tro fe s encontra facil ente entrad a nos conceitos de de fesa m d a pátria, m as n ão acha nenhum apoio na constru ção d as te o rias sociológicas. D entro d a te o ria d a his tória as te o rias d as catás tro fe s s ão escassas, m esm o no p resente , do m esm o m odo que no cam po d a te o ria polí tica. D este m odo, as catás tro fe s sociais do s écu lo 20 dem onstraram , com tod a a clare za, que as lim pezas étnicas e os genocídios n ão constituem exce ções na senda norm al d a m odernid ade, m as ao contrá rio, pe rm anecem com o possibilid ades sociais dentro d a e volu ção d as sociedades m odernas. P rocessos sociais com o o Holocausto n ão devem se r encarad os com o "rom pim entos d a civilização" (D an D ine r) ou com o "re to rnos ao barbarism o" (Max Horkheim er e Theodor W. Ad orno), m as an tes com preendidos com o consequ ências de experi ências contem porâneas para re s tau ração d a ordem e re so lu ção do que s ão pe rcebidos com o p rob lem as sociais. Real ente , com o m dem onstrou Michae l Mann, por m eio de um a vo lum osa pesquisa, as lim pezas é tnicas e os genocíd ios es tão intim am ente ligad os aos p rocessos de m odernização, m esm o quando, em contraposição ao que pare ce se r um a vio lência arcaica, s ão ap resentados sob aparência bem d ive rsa. Is to vale para um a an álise do te rro rism o is lâm ico, que re p resenta um a re ação à m odernid ade, m as à qual está intim am ente liga do, m esm oque de fo rm a negativa. Zygm unt Baum an, em suas pesquisas sobre a "d ialé tica 29 d a ordem ", explicou por que o Holocausto não se encontra em uma posição sistematicamente contrária aos postulados das ciências sociais: em primeiro lugar, porque, observando todos os eventos da história judaica, mesmo quando considerados como um problema 30 da patologia da modernidade, eles constituem situações normalmente manifestadas pela conduta social externa ao grupo; em segundo, porque o Holo- causto não foi mais que uma síntese infeliz de fatores funestos a ela associados, os quais - cada um deles tomado em si mesmo - não constituíam em absoluto situ- ações estranhamente aberrantes e que, via de regra, eram enfraquecidos e diluídos pela ordem social. Deste modo, a sociologia tranqüilizou-se e, portanto, não
  • 35. seesforçou para m ante r sis tem aticam ente em m ira o estudo do Holocausto. Is to significa, até ce rto ponto, que o aniquilam ento industrial de m assas hum anas foi um "caso de te s te " para a obse rvação do potencial late n te d a m odernid ade, com o nova info rm ação sobre a m aneira com o e ra com posta e sobre o destino de seus m ecanism os de desenvolvim ento. Baum an constatou assim a existência de um "p arad oxo": pois o p róp rio Holocausto fo rne cia m ais info rm ações sobre a condi- ção d a sociologia "d o que e ram capazes as inte rp re tações sociológicas an te rio res para o esclare cim ento31 d as condições do re fe rid o Holocausto". Logo a seguir, ele afirmou que o Holocausto deve ser encarado como a construção de um campo de ensaio sociológico, dentro do qual as características das sociedades modernas seriam libertadas, "cujos efeitos não tinham sido anteriormente observados e demonstrados de forma 32 empírica, senão em condições 'não-experimentais'". Hannah Arendt insistiu firmemente que o caráter sistemático da teoria da sociedade das instituições modernas era demonstrado pelos 33 campos de concentração. A existência dos campos assinala que as sociedades totalitárias e a dinâmica da violência social originam novos comportamentos, estabelecidos dentro de sua racionalidade peculiar, que externamente parecem sem sentido ou totalmente insanos, mas que, segundo a perspectiva dos próprios atores, podem estar ligados intimamente a seus sistemas de percepção. Tais sistemas particulares de percepção não são examinados nem contestados pelos instrumentos de aferição do significado de que dispõem as ciências sociais, uma vez que são orientados por um modelo de comportamento racional. A ciência da história encontra aqui um problema particular, porque em retrospecto se abrem possibilidades interpretativas que não eram possíveis nessa época. Consideradas historicamente, dão motivos para a ciência histórica ser orientada para conceitos de abrangência filosófica, que sejam "encarados com uma compreensão simpática e observados à luz das posições culturaishistóricas anteriores" e que "suas economias sejam relacionadas a uma compreensão da história idealística e otimista com relação ao 34 progresso da cultura." Este conceito da compreensão se evidencia, em presença dos delitos sociais modernos como inadequado, porque confronta uma realidade incompreensível dentro de um sentido convencional.
  • 36. As Mortes têm Sentido A política de aniquilamento do nacional-socialismo constitui uma variante dos morticínios da guerra colonial, porque ampliou grandemente seu âmbito, no sentido de que todas as pessoas definidas como supérfluas ou nocivas não somente deveriam ser removidas, mas que a política violenta de extermínio deveria ser realizada com um máximo de aproveitamento: "a Extinção por meio do Trabalho". Através da construção de gigantescas instalações de produ ção subterrâneas, por exemplo, para a fabricação de foguetes de transporte de bombas V-2 ou de aviões de combate Messerschmitt-262 de propulsão a jato, por exemplo, os prisioneiros eram tratados de maneira tão radical, que sua expectativa média de sobrevivência após serem transportados para esses assim chamados campos de trabalho era de apenas alguns meses. Os trabalhos forçados eram aplicados ao mesmo tempo como exploração das energias e meio de extermínio, porque havia um suprimento constante de novas pessoas que deveriam ser levadas a trabalhar até morrer. Esta política se enquadrava abertamente no planejamento e execução de um sistema que, mutatis mutandis, significava claramente Trabalhar até Mor- rer. O extermínio por meio do trabalho deveria ser organizado técnica e logisticamente; para a montagem de um campo de trabalho, a administração devia providenciar a construção de barracões para os prisioneiros, o que implicava instalações sanitárias, alojamentos individuais [para os guardas], meios de transporte, energia elétrica, água, encanamentos, carros de transporte de materiais etc. No planejamento e instalação da infra- estrutura para a aniquilação por meio do trabalho, o próprio aniquilamento assumia para os engenheiros e arquitetos a forma de umtransporte de matéria-prima para uma fábrica, com todos os seus aspectos de profissionalismo e busca de eficiência, como se estivessem trabalhando em quaisquer outras circunstâncias de suas profissões. O formato de um transporte de matéria-prima aplicado aos que deveriam ser mortos também era encontrado na organização dos assassinatos maciços que, em algum ponto do ano de 1941, foram empreendidospor trás das frentes de combate em constante expansão pelos territórios conquistados aos russos. Também aqui se encontrava uma normalização completa dos
  • 37. assassinatos, igual às técnicas empregadas com relação ao que era percebido como trabalho a ser realizado pelos prisioneiros e a necessidadede soluções profissionais para os problemas que - como em qualquer outra fábrica - surgiam durante a exe cução das tarefas conjuntas, mesmoque fizessemparte de um sistema de genocídio sistemático. Este era um processo de divisão de trabalho, de tal modo que ninguém se percebia diretamente como homicida, nemque as mortes fossem consequência direta de suas ações, até mesmo pelo fato de os assassinatos seremrealizados de forma distanciada - comoas câmaras de gás. De fato, dentro dos parâmetros da guerra de extermínio movida pelo nacional-socialismo, as mortes se enquadravam no que era percebido pelos executores como uma completa racionalidade, de tal modo que podiam interpretar todos os seus atos como a realização de um trabalho igual a qualquer outro, mesmoque fosse "um trabalho desagradável", emcuja execução eles mesmos sentiam pade cimento, como se fossemoutras tantas vítimas. A carga emocional que este tra balho percebido como necessário acarretava para seus executores era - conforme foi dito - umtema permanente dos discursos de Heinrich Himmler, do mesmo modo que nos depoimentos posteriores dos perpetradores. Eles realmente se permitiam sentir esse sofrimento, porque de forma alguma se percebiamcomo assassinos, nem durante a execução dos morticínios, nem mais tarde, no período do pós-guerra. Eles se achavam emposição de incluir suas ações dentro de um modelo referencial que para eles fazia perfeito sentido. Esta capacidade de obter um modelo referencial significativo - eu mato para atingir um alvo mais elevado, eu mato por amor das próximas gerações, eu mato de forma diferente dos outros, porque este trabalho não mecausa a menor alegria - é o modo psicológico em que se inserem as pessoas através da capacidade referida para fazerem coisas inconcebíveis, para simplesmente fazerem qualquer coisa imaginável; os atos humanitários, ao contrário, não são impostos por nenhum talento ou instinto particular de repressão da capacidade de consciência dos seres vivos. As pessoas existem dentro de um universo social, no interior do qual real mente têm a capacidade de fazer tudo quanto for possível. Não existe nenhum limite natural ou de qualquer outra ordem para os comportamentos humanos como nos indica a presente e, cultura dos atentados suicidas, não existe sequer o
  • 38. limite de preservar a própria vida. Deve-se, portanto, considerar apenas como folclore a afirmação de que os instintos caçadores dos homens despertam quando sentemcheiro de sangue, o que os leva a amotinar-se e a agir como matilhas de cães, com a afirmação convincente de que isto seja até mesmo um dado an- tropológico. Ao contrário, a violência tem formatos sociais e históricos específicos e encontra sua 35 explicação emcontextos igualmente específicos. D entro d a ideol ogia nacional-socialis ta os m ortic ínios tinham significado por se enquad rarem no contexto de que conduziam a um alvo supe rior, a sabe r, auxiliar na purificação racial d a sociedade que deve ria assum ir o dom ínio do m undo. A rapidez do desenvolvim ento d as técnicas de genocídio conduziu a um d istanciam ento e à descarga d a re sponsabilid ade pessoal pe la vio lência - em lu gar de fuzilam entos em m assa, havia um a industrialização do exte rm ínio; os assass ínios n ão e ram m ais com etidos pe las p róp rias m ãos; ao contrá rio, as m ortes e ram re alizad as por m eio d a técnica e o m ane j dos corpos d as ví tim as cabia a grupos o escol hidos entre os p róp rios p risioneiros. D esde a ins talação d as c âm aras de g ás e a ap licação do Zyklon B com o m eio de exte rm ínio, o p róp rio genocídio n ão dependeu m ais do exe rc ício de vio lência d ire ta d a parte dos que o conduziam . O s d ias de re cord ação o ficial e a o rganização de ce rim ônias para m ante r viva a lem bran ça do Holocausto s ão sem pre re lacionados à espe ran ça de que se possa ap re nde r com a his tória e que, por m eio deste conhecim ento his tórico nos p reparem os para que as pessoas se esforcem para "nunca m ais" acontece r o que ocorre u "naque la época". Por que então, pode ríam os ind agar, es te "nunca m ais" sucederia, depois d a existência de tan tos exem pl de que as os pessoas n ão agem por exce ções rad icais dos pensam entos hum anitários, m as encontram sentido em agir contrariam ente às te o rias , de finições e conse- qu ências d as conclus ões de cará te r hum an ístico e podem in te grar suas ações dentro de conceitos em que ap rend am a confiar - que as pessoas, tud o consid e rado, n ão que rem pe rm anece r dentro dos n íve is de te rm inados pe la in te lig ência e por sua educação hum anitária. Se nos co locarm os d iante do panoram a dos inum eráveis exem pl his tóricos do re s tabe l cim ento d a d isposição os e para o m assacre e d as trans fo rm ações d a vio lência, com o pode rem os deixar de re conhece r que a existência do Holocaus to som ent aum entou a possibilid ade de tais e coisas pode rem acontece r novam ente ? Na Ruand a de
  • 39. 1994, a maioria da população achou perfeitamente razoável matar 800.000 tútsis durante umperíodo de três semanas. Não passa de uma superstição moderna que o pavor retrospectivo provocado pelos monumentos e pelas cerimônias vá durar o suficiente, que as pessoas nunca mais acreditem que a morte de outras pessoas seja uma opção em aberto para a solução, quando essas outras pessoas forem percebidas comoum problema. Cada vez menos estamos tratando com a agressão no sentido psicológico, mas sim com a racionalidade do objetivo. Para a solução de problemas, conforme escreveu Hans Albert, o retorno às armas "em muitas ocasiões compensoumelhor do que 13 o emprego de quaisquer outros instrumentos." Em outras palavras: o que podemos realmente aprender com a história? O AQUECIMENTO GLOBAL E AS CATÁSTROFES SOCIAIS No final de agosto de 2005, o furacão Katrina lançou-se em direção ao sudoeste dos Estados Unidos, provocando prejuízos de mais de oitenta milhões de dólares e quase arrasando completamente a cidade de Nova Orleans, Acabara de se apresentar aqui uma catástrofe anunciada: já em outubro de 2001, o cenário da inundação fora previsto pela revista 14 Scientifíc American. Após a ruptura de dois canais, 80% da superfície da cidade foi submerso por 7,60m de água. A pressão da correnteza foi mais além, porque a água não podia ser bombeada e alagou as estradas de acesso, de modo a impedir a entrada de socorros à cidade. O socorro exigido pela catástrofe demonstrou-se muito maior que os recursos imediatamente disponíveis; logo após a inundação começaram os primeiros saques. O estádio Superdome, estabelecido como refúgio imediato para os flagelados pela inundação, demonstrou-se ineficiente, pois em pouco tempo ficou superlotado e logo se desenvolveu em seu interior uma escalada de violência, obrigando as autoridades a declarar estado de guerra, com o consequente estabelecimento da lei marcial. A governadora da Louisiana, Kathleen Blanco, convocou a Guarda Nacional no dia 1º. de setembro para interromper os saques, proclamandoque "E s tas trop as (a Guard a N acional) têm au to rização 13Citado apua Heinrich Popitz, Phänomene der Macht [Os fenômenos do Poder], Tübingen, 1986, p. 87. (NA). 14Versão alemã em Spektrum der Wissenschaft [O Espectro da Ciência], janeiro de 2002; igualmente em Spektrum der Wissenchaft Dossier [Dossiê de O Espectro da Ciência], 2/2005: Die Erde im Treibhaus [A Terra e o Efeito Estufa]. (NA).